quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Míriam Leitão - Os bons passos e a encruzilhada

O Globo

Uma mistura de pressão diplomática, isolamento internacional e posição forte do empresariado fizeram o governo brasileiro adotar posições mais avançadas na COP26. Jair Bolsonaro não mudou, nem mudará, mas o governo está sendo empurrado para posições mais razoáveis. Por isso aceitou assinar o acordo de redução do metano, e o acordo de florestas, que tem a meta de desmatamento zero até 2030. O tema que começou a ser discutido ontem, em Glasgow, o financiamento aos países pobres e em desenvolvimento, deve ser adiado de novo para 2023.

O item financiamento é o mais conflituoso da COP. A conversa começou ontem, mas só deve ganhar força quando ocorrer a reunião de ministros na semana que vem. É promessa velha não cumprida pelos ricos. Eles prometeram, em 2009, na COP15, US$ 100 bilhões por ano entre 2020 e 2025. Depois isso foi confirmado em 2015 em Paris. Não aconteceu. Agora, os países ricos estão querendo adiar para 2023 o começo do desembolso. Esse valor hoje é considerado insuficiente para atingir o objetivo de financiar as ações de adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas nos países pobres e em desenvolvimento. As economias maduras são as que mais emitiram gases de efeito estufa no passado, portanto são as principais responsáveis pelo que está acontecendo hoje e precisam financiar o resto do mundo a se proteger e a fazer a transição para uma economia de baixo carbono.

Nesses primeiros dias houve vitórias parciais, segundo observadores brasileiros. Conseguir esse acordo com o compromisso de reduzir em 30% a emissão de metano até 2030 é um grande avanço. O Brasil ter assinado foi inesperado, como explicou a jornalista Daniela Chiaretti em matérias publicadas no GLOBO e no “Valor”. Fontes do Itamaraty haviam dito que o Brasil não assinaria, conforme apurei ontem. Isso provocará certamente muitos conflitos dentro da base governista, principalmente na bancada ruralista. Dos 20,2 milhões de toneladas de metano emitidas pelo Brasil em 2020, 72% foram da agropecuária. A assinatura do acordo é vista com bons olhos por empresários mais modernos. A agropecuária de ponta já vem adotando medidas para reduzir as emissões de metano, inclusive com investimento na genética do rebanho bovino.

O desmatamento zero que está no acordo de florestas é um passo além do que o governo brasileiro vinha se comprometendo, que é o “desmatamento ilegal zero”. A propósito, cumprir a lei deveria ser uma obrigação do Brasil a ser atingida imediatamente e não no fim da década. Faz mais sentido o compromisso de zerar o desmatamento. Ponto. Até porque o ilegal de hoje vira legal amanhã pela força de leis lesivas ao meio ambiente que tramitam atualmente no Congresso.

Um natural ceticismo cerca esses compromissos do governo Bolsonaro, porque ele tem andado na direção exatamente oposta. Contudo, a pressão dos empresários, a lenta costura do embaixador John Kerry, no caso do metano, o enorme isolamento sentido pelo presidente no G-20 produziram esse resultado. Isso foi consequência de pressão, segundo os observadores com quem eu conversei.

O presidente continua a mesma pessoa nefasta que sempre foi. Ontem Bolsonaro criticou Txai Suruí, a jovem ativista que falou na reunião de abertura da Conferência. Segundo a interpretação de Bolsonaro ela “atacou o Brasil”. Não há no discurso dela qualquer ataque ao Brasil. Txai criticou as promessas mentirosas e as palavras vazias. Mas isso se aplica aos governantes em geral. Ela também falou do seu amigo Ari Uru-Eu-Wau-Wau. O jovem líder defendia a Amazônia contra a ação de grileiros, e foi morto no dia 17 de abril de 2020. Deixou dois filhos. Quem ataca o Brasil, quem ameaça o país é Bolsonaro e não a jovem Suruí, que falou de forma segura e serena, aos chefes de Estado, que a hora de agir é agora.

Cientistas, ambientalistas, empresários, fundos de investimento, autoridades multilaterais estão dizendo a mesma coisa, que o tempo está se esgotando. O planeta atingido pela fúria dos eventos extremos precisa de ação imediata. Algumas fontes com quem falei acham que a COP26 já deu alguns bons passos como os dois acordos que o Brasil assinou. Outras acham que a encruzilhada será o dinheiro. Se os países ricos não definirem o financiamento a reunião não terá sucesso.

 

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