domingo, 26 de dezembro de 2021

Bernardo Mello Franco: Dois desejos para 2022

O Globo

Uma presença emocionou os convidados do jantar que produziu a foto de Lula e Geraldo Alckmin no domingo passado. Aos 92 anos, o advogado Almino Affonso subiu no palco, fez discurso e recebeu uma medalha. Representava a geração de políticos que viram a democracia desmoronar no golpe de 1964.

Ministro do Trabalho em parte do governo João Goulart, Affonso foi incluído pelos militares na primeira lista de cassados. Refugiou-se na embaixada da Iugoslávia, passou 12 anos no exílio e voltou ao país a tempo de participar da campanha pela Anistia. Aproximou-se de Lula nas greves dos metalúrgicos, mas nunca quis se filiar ao PT. Depois se elegeu vice-governador de São Paulo pelo PMDB e deputado pelo PSDB.

“Na minha juventude, não participo mais da política no sentido eleitoral”, brinca o ex-ministro, hoje sem filiação partidária. “Mas acho que precisamos unir quem for possível para proteger e restaurar a democracia”, defende.

Amigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Affonso considera que a aproximação entre Lula e Alckmin “espanta e não espanta” ao mesmo tempo. “Nas últimas eleições, PT e PSDB expressaram visões opostas. Mas os dois partidos já estiveram bem próximos no passado”, lembra.

Quando Jair Bolsonaro foi eleito, o ex-ministro declarou que era “exagero” temer um novo golpe contra a democracia. “Isso foi naquela época. Agora eu confesso que mudei de opinião”, admite, três anos depois. “O cidadão que está na Presidência faz ameaças frequentes. Já disse que o que aconteceu nos Estados Unidos, no Capitólio, também vai acontecer por aqui”.

A militarização do governo é uma das maiores preocupações de Affonso. No ano passado, o Tribunal de Contas da União apontou que os militares ocupavam mais de seis mil cargos civis no Executivo. “Acho respeitável um militar ter função pública. Mas transformar essa possibilidade numa constante, com um ministério verde-oliva como o atual, não é algo desejável. Na verdade, é algo inquietante”, ressalta.

No jantar promovido pelo grupo Prerrogativas, o ex-ministro de Jango contou ter aconselhado Lula a buscar asilo numa embaixada para não ser preso pela Lava-Jato. “Mandei um recado de amigo. Ele agradeceu, mas disse que não poderia aceitar. Este é um dado da força moral desse jovem”, elogiou, antes de declarar apoio a Lula em 2022.

“Independentemente da preferência por partidos e candidatos, espero que tenhamos uma eleição tranquila e que se restaure a confiança na democracia”, afirma o advogado, que mantém a voz de tribuno e continua a acompanhar o noticiário político diariamente.

Sem citar o nome de Bolsonaro, Affonso diz ter dois desejos para 2022: “Que tudo isso que estamos vivendo seja superado logo. E que o ilustre senhor que ocupa a Presidência volte aos seus cuidados pessoais”.

 

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