quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Cristiano Romero: Inovação e o populismo de direita

Valor Econômico

Novas tecnologias favorecem disrupção nas democracias

O mundo ocidental assistiu com perplexidade à ascensão ao poder de líderes populistas de extrema direita, como Donald Trump nos Estados Unidos e Jair Bolsonaro no Brasil. Tanto o americano quanto o brasileiro, guardadas as devidas proporções considerando as diferenças culturais entre os dois países, eram vistos como aventureiros, personagens folclóricos, que jamais alcançariam a Presidência da República. Hoje, três anos após a inesperada vitória de Bolsonaro - equivocadamente ainda atribuída por muitos analistas à facada que ele sofreu a menos de um mês do pleito de 2018 - e cinco do triunfo de Trump, têm-se pistas, mas não certeza absoluta, do que, afinal, sucedeu para que líderes improváveis chegassem ao posto máximo de duas das cinco mais populosas democracias do planeta.

É imperioso logo mencionar que o populismo radical de direita - caracterizado em todos os cantos por forte viés antidemocrático - não deu as caras apenas no Novo Mundo. Na França, solo secular das liberdades democráticas, o político centrista Emmanuel Macron teve que fundar, a apenas um ano da eleição, um novo partido - o “Em Marcha” -, para disputar a Presidência da República e evitar a eleição de Marine Le Pen, candidata de extrema-direita da Frente Nacional.

Na Alemanha, dona da maior economia da União Europeia, políticos também de extrema-direita conseguiram assentos no parlamento pela primeira vez em décadas. Na Inglaterra, Boris Johnson, do partido Conservador, tornou-se primeiro-ministro em 2019. A diferença é que no caso inglês, sendo o Reino Unido a mais antiga e estável das democracias, pesos e contrapesos de seu regime parlamentarista jamais deram a nenhum líder, por mais popular e carismático (e, portanto, forte) que fosse, poderes para subjugar, tiranizar, o voto popular que os levou ao poder.

Instalados respectivamente na Casa Branca e no Palácio do Planalto e chefes do Poder Executivo em repúblicas onde o poder do Presidente é enorme - ainda maior, no caso brasileiro -, Trump e Bolsonaro mostraram com o tempo por que decidiram sair do “anonimato” da política tradicional e almejar o protagonismo da “nova” política. Foi inteligente de ambos - e de quem os apoia em sociedades onde o espectro político é amplo - perceber que havia oportunidade excepcional para chegarem ao poder.

No início de seus mandatos, Trump e Bolsonaro até moderaram parte de seus discursos raivosos e antidemocráticos. Mas, como na fábula do escorpião, logo se mostraram o que realmente são no exercício do mandato popular. Depois de saborear inédita popularidade graças ao pagamento do auxílio emergencial nesta pandemia, Bolsonaro começou a decair de forma consistente nas pesquisas de opinião. Hoje, mais da metade dos brasileiros o rejeita. Trump perdeu a reeleição para Joe Biden. É o caso de se concluir que o pêndulo da história desfavorece a ascensão da extrema-direita?

Bem, Trump, mesmo considerando os atos finais e infelizes de seu mandato presidencial - a invasão do Capitólio, sede do Congresso americano, por trumpistas fanáticos, revoltados com a derrota do então presidente, foi o episódio mais inesperado, vexaminoso e lamentável que a sólida democracia americana viveu em mais de 200 anos -, é pré-candidato à eleição de 2024, está à espreita, trabalhando arduamente para desafiar Biden.

É bom lembrar que, nos EUA, mesmo presidentes bem-sucedidos perdem eleição ou não conseguem eleger o sucessor - George H. Bush foi derrotado por um democrata então desconhecido, Bill Clinton; este, popularíssimo, não transferiu os votos necessários para eleger Al Gore, seu vice durante oito anos; e Barack Obama, igualmente popular e bem-sucedido em seus dois termos, fracassou em manter a Presidência nas mãos de seu partido.

A situação de Bolsonaro, com vistas à eleição do próximo ano, é bem ruim neste momento. Mas, considerando que ele tem o poder da caneta e já pagou o preço da deterioração das condições financeiras do país ao escancarar desde agosto seu plano fiscal populista-eleitoral, cantar sua derrota agora seria temerário. Ademais, sejamos frios: a extrema-direita não é propriedade exclusiva de personagens como Trump, Bolsonaro e Le Pen. Trata-se de um fenômeno dos novos tempos.

Amaldiçoar novas tecnologias, especialmente as que tornam melhor ou mais produtivas a vida de muitos - jamais de todos -, parece ser uma postura apenas anacrônica. Mas, é bom pensarmos duas vezes. Ou três ou muitas outras vezes sobre esse axioma.

A internet e a era digital provocam disrupções de tal ordem no nosso modo de viver que não sobra tempo para entendermos exatamente o que está acontecendo. Um efeito colateral, negativo, das novas tecnologias nas democracias das sociedades ocidentais, provocado pelo avanço desordenado e sem nenhuma regulação dos Estados nacionais, é visível: no mundo de audiência crescente das redes sociais, as referências se perderam, pavimentando o caminho para a desinformação, a desconstrução da história, a subversão de valores humanistas lançados pela Revolução Francesa (1789) e consagrados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1946), a pregação institucionalizada do terrorismo de opinião, a destruição de reputações.

Em artigo recente, Dani Rodrik, estrela cadente do pensamento econômico mundial, revelou que o presidente Macron encomendou a ele e à sua colega Stefanie Stantcheva, ambos professores da Universidade de Harvard, estudo sobre como “aumentar os ganhos e a dignidade do trabalho” num mundo dominado por inovações disruptivas para o mercado de trabalho. Paul Krugman também vem tratando do assunto, sem medo de ser taxado de anacrônico.

“A atual narrativa se concentra muito pouco em como a inovação deveria se adaptar às qualificações da força de trabalho”, disse Rodrik. “Em seu livro seminal ‘When Work Disappears’, de 1996, o sociólogo William Julius Wilson descreveu a maneira pela qual a queda dos empregos dos operários industriais alimentou o aumento da desagregação familiar, o abuso de drogas e a criminalidade. (...) Uma crescente literatura empírica interligou a ascensão do populismo autoritário, de direita, nas economias avançadas à extinção de bons empregos para trabalhadores comuns.”

Vamos conversar sobre tecnologia?

 

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