quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Elio Gaspari - O ativismo do crime na Amazônia

Folha de S. Paulo / O Globo

O narcogarimpo no rio Madeira expôs a ausência do Estado

As balsas do rio Madeira mostraram o tamanho do prejuízo que os agrotrogloditas, piromaníacos e negacionistas estão impondo ao Brasil.

Primeiro cercearam as atividades dos fiscais do Ibama para atender aos desmatadores. Depois, tratou-se de sedar a Funai para permitir a invasão das terras indígenas.

Nos dois casos, sempre aparecia alguém com argumentos marotos para defender a ação dos delinquentes. As balsas do rio Madeira e a articulação desse garimpo com a lavagem de dinheiro e o narcotráfico expuseram o resultado da ausência do Estado na região.

Desde o século 17 foi a ação do Estado, no muque, quem estimulou e manteve a soberania de Portugal e do Brasil sobre o vale amazônico. (Pela linha do Tratado de Tordesilhas, Portugal só tinha direito às terras a leste da foz do rio.)

As maiores potências da época, Espanha, Holanda, França e Inglaterra, tinham um pé na Amazônia. Do Marquês de Pombal e Alexandre de Gusmão ao Barão do Rio Branco, brasileiros os mantiveram longe.
Por mais que se imaginem conspirações, hoje nenhum país está de olho na Amazônia.

Como ensinou Roberto Campos, os americanos já foram à Lua e não tentaram entrar naquela floresta. A ameaça agora está na ausência do Estado, prelúdio da chegada do crime.

Há alguns anos o médico Drauzio Varella gravava um programa na Amazônia, quando uma jovem perguntou quando a peça iria ao ar. "No Fantástico", respondeu Drauzio. A moça disse que não poderia vê-lo. Por quê? Não ligavam o aparelho de TV à noite, pois a bandidagem, atraída pela luz do aparelho, assaltaria a casa. Isso foi lá atrás.

Nas últimas semanas, o vice-presidente Hamilton Mourão reconheceu que no meio das balsas do Madeira operam quadrilhas do narcotráfico.

Exagero? Em maio passado, Silvio Berri Junior, piloto do traficante Fernandinho Beira-Mar, pediu uma licença para garimpar ouro em 48 hectares na Amazônia.

Agência Nacional de Mineração, que concede as terras, informa que não lhe compete "pesquisar a vida pregressa, judicial ou afins" de quem as solicita. Nem no Google? Em menos de três segundos saberiam de seu pouso em São Paulo, em 2018, com uma carga de 690 quilos de cocaína.

Outro dia o embaixador alemão Heiko Thoms disse à repórter Eliane Oliveira que no seu país as questões do desmatamento da Amazônia não são da esquerda ou de uma direção política em especial, mas sim de todos os partidos, à exceção da extrema direita.

Queixou-se porque lhe falaram de uma queda de 5% no desmatamento: "Nós acreditamos nisso. E, de repente, ficamos sabendo que houve um crescimento de 22%".

O Estado brasileiro não passa no Google o nome de quem lhe pede áreas de garimpo no Pará e conta lorotas extraoficiais ao embaixador alemão. Já os prefeitos da região do rio Madeira defendem os garimpeiros. Eles são contraventores, mas nem todos têm os pés no crime organizado.

Todos, porém, mobilizam-se contra uma ação da Polícia Federal, isso no governo de um capitão que prometia: "Vamos botar um ponto final em todos os ativismos do Brasil".

O embaixador Thoms alertou para a tramitação de um projeto que prevê o embargo a produtos do agronegócio associados ao desmatamento: "Vamos conseguir. Esse projeto, neste momento, está sendo discutido em nível muito claro pela União Europeia e essa direção não vai mudar".

 

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