quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Fernando Exman - STF diante do risco de um fato consumado

Valor Econômico

Emendas de relator tornam a democracia disfuncional

Ainda passa pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a esperança de que algo seja feito a tempo para restringir as emendas de relator ao Orçamento.

A poderosa ferramenta de construção artificial de maiorias não é invenção deste governo, mas ganhou força na atual legislatura sob os olhares coniventes de autoridades do Palácio do Planalto e de um presidente da República que teve pressa para formar uma base de sustentação no Congresso.

Para os que se beneficiam do instrumento, não importa se ele é capaz de tornar a democracia representativa cada vez mais disfuncional. E isso ocorre porque ele assegura a uns um melhor tratamento que a outros. Não há critério claro no acesso a esses recursos, tampouco transparência em sua utilização. A situação não será alterada por iniciativa da maioria dos parlamentares.

Também conhecidas como RP9, as emendas de relator provocam arrepios entre os bolsonaristas que não mantêm relações diretas com o Centrão. Estes reconhecem, sim, que o instrumento foi necessário para barrar as investidas da oposição contra o presidente da República e eventuais processos de impeachment. Ponderam que era a arma que estava à disposição, o meio necessário para assegurar um maior conforto ao presidente Jair Bolsonaro no Parlamento, mas agora lamentam o fato de o governo não ter mais como controlar a liberação de mais verbas orçamentárias.

Fica difícil definir prioridades e assegurar um começo, um meio e um fim para as políticas públicas. Cresce o risco de o dinheiro se perder pelo caminho.

Na oposição, fica a sensação de que o STF se tornou a última trincheira capaz de impedir que o Centrão se perpetue no controle dessa parcela do Orçamento sem intermediários nos próximos anos, incluindo nesta conta a primeira peça orçamentária do futuro governo. Seja ele qual for.

Mas a esperança viu-se reduzida depois que a ministra Rosa Weber, do STF, recuou e liberou a execução das emendas de relator ao Orçamento de 2021.

Em seu despacho, a ministra destacou que a revogação da liminar que suspendia a execução das RP9 não prejudicava a análise do mérito, e agora será preciso ver o que o plenário decide a respeito. Os demais ministros ainda têm a oportunidade de se pronunciar de forma assertiva na defesa da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência no manejo dos recursos públicos. Ou seja, nada além dos princípios que regem a administração pública. É o que determina a Constituição.

Esse mandamento foi sendo ignorado nos últimos anos. Num passado não muito remoto, as RP9 chegaram a ser chamadas de “emendas extraorçamentárias”. Uma forma genérica, mas que já levantava suspeitas entre aqueles que queriam entender com detalhes a aplicação do dinheiro.

Em 2019, por exemplo, há registro da liberação dessas emendas para garantir a votação da reforma da Previdência. Deu no Valor. Era a desmoralização do discurso dos que chegavam ao poder dizendo que não haveria adesão ao “toma-lá-dá-cá”.

Dois anos antes, quando o ex-presidente Michel Temer enfrentava denúncias, a oposição também apontava a existência de acertos desse tipo com as tais “emendas extraorçamentárias”. Sempre foi difícil mapeá-los. O governo negava a existência de qualquer tipo de irregularidade e os órgãos de controle também não pareciam muito preocupados.

Diante desse histórico, considerava-se improvável que a ministra aceitasse os argumentos do Congresso de que não há como especificar para onde foram esses recursos nos últimos anos e por ordem de quem eles foram liberados. No entanto, foi justamente o que aconteceu.

Surtiu efeito a articulação da cúpula do Legislativo, que conseguiu convencê-la do risco de paralisação de serviços essenciais à população, principalmente nas áreas de saúde e educação, além de obras em diversos municípios país afora. Ponderou-se, além disso, que esse tipo de emenda soma R$ 16,8 bilhões em 2021 e apenas 3,8 bilhões (22,61%) foram liquidados até agora. Outros R$ 9,2 bilhões estão empenhados e corriam risco de entrar numa espécie de limbo.

Porém, a ministra concluiu que o recente conjunto de medidas adotado para "tornar mais transparente e seguro o uso das verbas federais viabiliza a retomada dos programas de governo e dos serviços de utilidade pública cujo financiamento estava suspenso". Essa retomada ocorreria, no seu entendimento, "sem prejuízo da continuidade da adoção de todas as providências necessárias à ampla publicização dos documentos embasadores da distribuição de recursos das emendas do Relator-Geral (RP9) no período correspondente aos exercícios de 2020 e de 2021".

Surpresa. Pouco tempo antes de anunciada a decisão, um influente parlamentar da oposição se mostrava incrédulo com a possibilidade de o STF concordar com a resolução aprovada pelo Congresso sobre as emendas de relator. Afinal, a resolução prometia o que nunca fora feito e ignorava a ordem que olhava para o passado cobrando clareza dos atos já praticados.

Na visão da oposição, o início de 2023 será brutal. Jogo brigado.

O país sairá das urnas novamente dividido e tudo indica que os partidos do Centrão conseguirão manter - isso se não ampliarem - suas bancadas. Eles já seriam interlocutores inevitáveis de qualquer presidente, mas terão ainda mais força com a crescente concentração de poder do Congresso na execução do Orçamento.

A percepção é que, diante da demora do STF de decidir em plenário o caso, o Legislativo vai trabalhando para criar um fato consumado em relação à peça orçamentária de 2022.

O primeiro passo foi dado na Comissão Mista de Orçamento (CMO), onde já foi aprovado relatório preliminar com brechas para a manutenção das emendas de relator. Neste momento, o plenário do Congresso tende a não correr riscos: a ideia é votar logo o Orçamento antes do recesso parlamentar e dar o assunto por encerrado. Fica com o Supremo a responsabilidade de analisar um assunto tão grave com a celeridade necessária.

 

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