Valor Econômico
Emendas de relator tornam a democracia
disfuncional
Ainda passa pelo Supremo Tribunal Federal
(STF) a esperança de que algo seja feito a tempo para restringir as emendas de
relator ao Orçamento.
A poderosa ferramenta de construção
artificial de maiorias não é invenção deste governo, mas ganhou força na atual
legislatura sob os olhares coniventes de autoridades do Palácio do Planalto e
de um presidente da República que teve pressa para formar uma base de
sustentação no Congresso.
Para os que se beneficiam do instrumento,
não importa se ele é capaz de tornar a democracia representativa cada vez mais
disfuncional. E isso ocorre porque ele assegura a uns um melhor tratamento que
a outros. Não há critério claro no acesso a esses recursos, tampouco
transparência em sua utilização. A situação não será alterada por iniciativa da
maioria dos parlamentares.
Também conhecidas como RP9, as emendas de relator provocam arrepios entre os bolsonaristas que não mantêm relações diretas com o Centrão. Estes reconhecem, sim, que o instrumento foi necessário para barrar as investidas da oposição contra o presidente da República e eventuais processos de impeachment. Ponderam que era a arma que estava à disposição, o meio necessário para assegurar um maior conforto ao presidente Jair Bolsonaro no Parlamento, mas agora lamentam o fato de o governo não ter mais como controlar a liberação de mais verbas orçamentárias.
Fica difícil definir prioridades e
assegurar um começo, um meio e um fim para as políticas públicas. Cresce o
risco de o dinheiro se perder pelo caminho.
Na oposição, fica a sensação de que o STF
se tornou a última trincheira capaz de impedir que o Centrão se perpetue no
controle dessa parcela do Orçamento sem intermediários nos próximos anos,
incluindo nesta conta a primeira peça orçamentária do futuro governo. Seja ele
qual for.
Mas a esperança viu-se reduzida depois que
a ministra Rosa Weber, do STF, recuou e liberou a execução das emendas de
relator ao Orçamento de 2021.
Em seu despacho, a ministra destacou que a
revogação da liminar que suspendia a execução das RP9 não prejudicava a análise
do mérito, e agora será preciso ver o que o plenário decide a respeito. Os
demais ministros ainda têm a oportunidade de se pronunciar de forma assertiva
na defesa da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência no
manejo dos recursos públicos. Ou seja, nada além dos princípios que regem a
administração pública. É o que determina a Constituição.
Esse mandamento foi sendo ignorado nos
últimos anos. Num passado não muito remoto, as RP9 chegaram a ser chamadas de
“emendas extraorçamentárias”. Uma forma genérica, mas que já levantava
suspeitas entre aqueles que queriam entender com detalhes a aplicação do
dinheiro.
Em 2019, por exemplo, há registro da
liberação dessas emendas para garantir a votação da reforma da Previdência. Deu
no Valor. Era a desmoralização do discurso dos que chegavam ao poder
dizendo que não haveria adesão ao “toma-lá-dá-cá”.
Dois anos antes, quando o ex-presidente
Michel Temer enfrentava denúncias, a oposição também apontava a existência de
acertos desse tipo com as tais “emendas extraorçamentárias”. Sempre foi difícil
mapeá-los. O governo negava a existência de qualquer tipo de irregularidade e
os órgãos de controle também não pareciam muito preocupados.
Diante desse histórico, considerava-se
improvável que a ministra aceitasse os argumentos do Congresso de que não há
como especificar para onde foram esses recursos nos últimos anos e por ordem de
quem eles foram liberados. No entanto, foi justamente o que aconteceu.
Surtiu efeito a articulação da cúpula do
Legislativo, que conseguiu convencê-la do risco de paralisação de serviços
essenciais à população, principalmente nas áreas de saúde e educação, além de
obras em diversos municípios país afora. Ponderou-se, além disso, que esse tipo
de emenda soma R$ 16,8 bilhões em 2021 e apenas 3,8 bilhões (22,61%) foram
liquidados até agora. Outros R$ 9,2 bilhões estão empenhados e corriam risco de
entrar numa espécie de limbo.
Porém, a ministra concluiu que o recente
conjunto de medidas adotado para "tornar mais transparente e seguro o uso
das verbas federais viabiliza a retomada dos programas de governo e dos
serviços de utilidade pública cujo financiamento estava suspenso". Essa
retomada ocorreria, no seu entendimento, "sem prejuízo da continuidade da
adoção de todas as providências necessárias à ampla publicização dos documentos
embasadores da distribuição de recursos das emendas do Relator-Geral (RP9) no
período correspondente aos exercícios de 2020 e de 2021".
Surpresa. Pouco tempo antes de anunciada a
decisão, um influente parlamentar da oposição se mostrava incrédulo com a
possibilidade de o STF concordar com a resolução aprovada pelo Congresso sobre
as emendas de relator. Afinal, a resolução prometia o que nunca fora feito e
ignorava a ordem que olhava para o passado cobrando clareza dos atos já
praticados.
Na visão da oposição, o início de 2023 será
brutal. Jogo brigado.
O país sairá das urnas novamente dividido e
tudo indica que os partidos do Centrão conseguirão manter - isso se não
ampliarem - suas bancadas. Eles já seriam interlocutores inevitáveis de
qualquer presidente, mas terão ainda mais força com a crescente concentração de
poder do Congresso na execução do Orçamento.
A percepção é que, diante da demora do STF
de decidir em plenário o caso, o Legislativo vai trabalhando para criar um fato
consumado em relação à peça orçamentária de 2022.
O primeiro passo foi dado na Comissão Mista
de Orçamento (CMO), onde já foi aprovado relatório preliminar com brechas para
a manutenção das emendas de relator. Neste momento, o plenário do Congresso
tende a não correr riscos: a ideia é votar logo o Orçamento antes do recesso
parlamentar e dar o assunto por encerrado. Fica com o Supremo a
responsabilidade de analisar um assunto tão grave com a celeridade necessária.
Nenhum comentário:
Postar um comentário