O Globo
No momento em que o país afunda na
recessão, e cresce a insegurança alimentar, começo com um tema secundário,
desses que os analistas políticos acham que mereciam apenas uma nota de pé de
página na história.
O tema são os gastos do cartão corporativo
de Bolsonaro. Ele gasta a média de R$ 1,3 milhão por mês, e suas despesas estão
sendo julgadas, em segredo, pelo Tribunal de Contas.
É muito dinheiro para quem tem casa,
comida, conexão e transporte gratuitos. O relator do processo é o ministro
Raimundo Carreiro, o mesmo que Bolsonaro designou embaixador do Brasil em
Portugal. Um prêmio.
O deputado Elias Vaz (PSB- GO) pediu que o
relator se declarasse impedido. Mas é duvidoso que aceite isso ou que seja
levado a isso.
Carreiro foi um grande amigo de Sarney.
Nasceu num distrito de Nova Iorque, no Maranhão, e aos 16 anos votou pela
primeira vez na UDN. Dizem que se declarou dois anos mais velho para ser
eleitor de Sarney.
Sempre foi protegido do cacique maranhense. No Senado, saiu da área de produção de atas e acabou sendo um assessor vital para os presidentes. Sua fidelidade o levou ao Tribunal de Contas, e agora parece cruzar o oceano com ele.
Sou das poucas pessoas que gostariam de
saber como Bolsonaro gasta tanto dinheiro. E se isso é legal e razoável.
Como isso escapa um pouco do radar da
oposição no conjunto, o melhor é tratar o fato da semana: a eleição de André
Mendonça para o STF.
A demora em sabatiná-lo estava ficando
constrangedora. Suas declarações ao Senado foram estudadas na medida para
impressionar os senadores que, por sua vez, estavam ansiosos para agradar à
grande força eleitoral evangélica.
Mendonça disse que, em casa, seguia a
Bíblia, e no STF, a Constituição. Mal se sentiu vitorioso, disse que sua
vitória era um passo para o homem e um salto para os evangélicos. Como assim?
O Brasil tem uma bancada evangélica que se
dispersa por diferentes partidos. Não temos bancadas católica, protestante ou
umbandista. Os evangélicos funcionam como um partido político.
Mendonça deu a entender que o processo de
infiltração religiosa no poder alcançara um novo patamar com sua eleição.
É espantoso como a oposição e os deputados
independentes que fizeram a CPI da Covid-19 embarcaram nessa. Parecem não ter a
visão histórica do que é uma teocracia e do que representará para o país.
Quando uma confissão religiosa se articula como partido político e busca o
poder, lança sinais muito inquietantes.
Na revolução teocrática do Irã, um
intelectual de peso como Michel Foucault embarcou na canoa furada de apoiá-la,
era popular, antiamericana, deu no que deu.
Estamos longe do Irã, muito mais longe dos
talibãs. Mas a mistura da religião com política leva à ditadura teocrática. As
religiões pretendem dizer como devemos viver, partidos políticos democráticos
apenas apontam soluções para nossos impasses, saídas coletivas que preservam a
pluralidade de nossas escolhas.
Quando vi todo aquele esforço para agradar
aos evangélicos e ganhar alguns votinhos em troca, quando vi um deputado
evangélico que, no passado, foi preso com um avião carregado de dinheiro ao
lado do novo ministro do STF, pensei: as coisas não caminham bem no Brasil.
Pelo menos, no meu modo de avaliar, baseado em experiência própria.
Ao aprovar Mendonça, os senadores não
consideraram o absurdo de invocar a Lei de Segurança Nacional para punir
adversários de Bolsonaro, a existência de lista de pessoas suspeitas de ser
antifascistas.
E foram enganados na resposta sobre apoio
aos direitos dos gays e LGBT.
Se você perguntar a eles se querem um
Brasil teocrático, responderão que não. Mas não estabelecem nenhuma conexão
entre suas escolhas e as consequências futuras.
Semana de isolamento. Ainda bem que estou
em viagem. Preocupar-se com os astronômicos gastos de Bolsonaro e com um
possível futuro teocrático do Brasil é coisa de minoria.
Aprendi a me consolar com essa ideia e,
ainda assim, a sobreviver nos trópicos.
Escolher um minístro do supremo entre seus pares (juízes) é mais sensato que ficar escolhendo advogados incompetentes, que só vão mamar nas tetas do dinheIrio público. Vamos mudar essa palhaçada de presidente da república escolher quem ele bem queira para sentar na cadeira do STF.
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