segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

O que a mídia pensa: Editoriais /Opiniões

EDITORIAIS

Ampliar o foco

Folha de S. Paulo

Projeto peca ao privilegiar aspectos de varejo empresarial na regulação de redes

Não há dúvidas de que a explosão das comunicações promovida por serviços de busca na internet, redes sociais e plataformas de troca de mensagens, além dos benefícios embutidos, também trouxe riscos e desafios novos às sociedades.

Nos regimes abertos, o processo concorreu para acentuar as tensões com os direitos a expressão, privacidade, informação, livre iniciativa e propriedade. A escala das manipulações propiciada pela tecnologia provocou temores sobre a equidade da disputa eleitoral e a própria estabilidade da democracia.

Como resposta, ocorre uma onda de regulamentações estatais a fim de mitigar os efeitos nocivos da expansão digital e compatibilizá-la com a arquitetura constitucional. Nessa esteira se discute no Congresso Nacional o projeto (2.630, de 2020) para instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.

Apelidado de projeto das fake news, o relatório vigente —que acaba de sair de comissão especial na Câmara— toca em vários temas, da publicidade digital e eleitoral à remuneração da atividade jornalística, do veto a contas automatizadas não identificadas à obrigação de provedores de publicar relatórios de transparência sobre suas intervenções contra usuários.

Os riscos implícitos no texto são conhecidos do estilo legiferante brasileiro: favorecer interesses particulares e hipóteses mal sustentadas à custa do desenvolvimento econômico e tecnológico e pressupor que cliente e eleitor precisam ser protegidos com paternalismo, porque facilmente manipuláveis.

Entre as virtudes, a minuta do projeto dá mais passos no sentido de tornar os provedores responsabilizáveis segundo a legislação civil e penal brasileira. Quando estabelece o pagamento pelo uso de propriedade intelectual jornalística, dispõe o que, apesar de óbvio, tem sido ignorado pelos oligopólios que dominam esses serviços digitais.

Por falar em obviedade, congressistas e reguladores dariam um salto de qualidade se gastassem mais energia para combater o abuso do poder econômico desses conglomerados. Em vários aspectos, os danos à concorrência de sua prevalência já superaram as vantagens de bem-estar e produtividade.

Optar pela regulação no varejo das práticas empresariais, modalidade em que se consome boa parte do projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional, é arriscar-se num acervo de regras na melhor das hipóteses pouco eficazes, mas frequentemente lesivas a liberdades civis e ao avanço de atividades que expandem empregos e renda.

No mundo digital, assim como no analógico, garantir a concorrência —entre ideias, ou entre empresas— continua sendo um método efetivo de fomentar o progresso.

Populismo penal

Folha de S. Paulo

Ordem de Fux para prender condenados no caso da boate Kiss atropela garantias

Sem entrar no mérito da condenação pelo Tribunal do Júri de quatro envolvidos na tragédia da boate Kiss, pode-se afirmar que a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, de ordenar o cumprimento imediato das penas de prisão expõe uma espécie de populismo vigente no Judiciário.

A começar, o caso chegou às mãos de Fux de forma tortuosa. O recurso interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul —no linguajar técnico, suspensão de liminar— nem sequer serve, pela legislação, para que se suspenda um habeas corpus concedido pelo Tribunal de Justiça gaúcho, como fez o presidente do STF.

A suspensão é própria da esfera cível, não penal, e cabe em casos de grave lesão a ordem pública, saúde, segurança e economia.

Ao aceitar o recurso do Ministério Público em prol da prisão imediata, "considerando a altíssima reprovabilidade social das condutas dos réus", de acordo com suas palavras, Fux contradiz o preceito básico de que na seara penal não se permitem aventuras —é da liberdade alheia que se trata, afinal.

Não se deve enfraquecer o instrumento de habeas corpus ao sabor dos humores da opinião pública, justamente por ser um mecanismo concebido para coibir abuso de poder que acarrete violência ou violação da liberdade de locomoção.

Fux emitiu ainda uma segunda decisão enfatizando que o TJ-RS não poderia revogar a detenção, porque esta somente poderia ser alterada pelo próprio STF.

O remendo não veio sem críticas contundentes de especialistas e entidades. A Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas, em nota de repúdio, afirmou que a medida "se deu em injustificável supressão de instância".

Não se trata da primeira decisão desta natureza emitida por Fux, que em outubro de 2020 havia revogado habeas corpus concedido a um líder do crime organizado, André de Oliveira Macedo, concedido como André do Rap.

À época o Supremo referendou a revogação de Fux, mas não sem apontar a necessidade de menos casuísmo e criticar o poder ilimitado do presidente do tribunal.

A corte faria melhor em agir no que lhe cabe: não atropelar instâncias inferiores, mas apresentar a diretriz correta para as matérias em questão. Também é necessário, em nome da segurança jurídica geral, fortalecer o controle colegiado ante os voluntarismos do presidente e dos demais ministros.

O Supremo é laico e republicano

O Estado de S. Paulo.

André Mendonça deu sua palavra: mais do que afinidades religiosas, políticas ou ideológicas, a Constituição será o critério de sua atividade jurisdicional. Que assim seja.

Depois de cinco meses vaga, a cadeira do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), foi ocupada por André Mendonça. Após a cerimônia de posse, o novo ministro procurou dissipar as dúvidas que recaem sobre o seu futuro comportamento na mais alta Corte do País. Essas dúvidas foram criadas especialmente pelo presidente Jair Bolsonaro, que, ao longo do processo de nomeação, deu uma conotação antirrepublicana à escolha do novo ocupante do Supremo.

“Espero poder contribuir com a Justiça brasileira e o STF, e ser, ao longo desses anos, um servidor e um ministro que ajude a consolidar a democracia, esses valores, garantias e direitos, que estão estabelecidos nos interesses da nossa Constituição”, disse André Mendonça. Mais do que um gesto de boa vontade, essa disposição de serviço à democracia é estrita obrigação funcional. Não cabe outra atitude a um ministro do Supremo, cuja função é defender a Constituição e o Estado Democrático de Direito.

Democracia não é uma ideia vaga, que cada um interpreta a seu modo. Tal como previsto na Constituição de 1988, o regime democrático se realiza em uma determinada configuração de Estado - com separação de Poderes, limitação de competências e controles legais - e sob um específico marco jurídico de proteção às liberdades e garantias fundamentais.

Não é democrático, por exemplo, promover campanhas difamatórias contra o resultado das eleições, usar a estrutura do Estado para perseguir opositores políticos ou utilizar a função pública para impor sobre a coletividade determinados valores morais ou religiosos, como faz o presidente Bolsonaro. Entre as muitas consequências do caráter laico do Estado, destaca-se o respeito à liberdade de pensamento e ao pluralismo de ideias e convicções morais existente na sociedade.

Tendo em vista sua atuação no governo Bolsonaro - um governo que não apenas hostiliza a imprensa, mas que transformou essa hostilidade em tática política e em exercício de negacionismo -, foram especialmente significativas as palavras de André Mendonça a respeito do jornalismo. “Contem também sempre com o meu respeito e a defesa irrestrita da liberdade e das prerrogativas do livre exercício dos jornalistas e da imprensa. Estarei à disposição”, disse. É sintomático dos tempos atuais - do sofrível patamar civilizatório trazido pelo bolsonarismo - que um ministro do Supremo precise dizer isso ao tomar posse no cargo.

De toda forma, mais do que qualquer ponto de seu discurso, o que vale o que deve valer a partir de agora, acima, por óbvio, de eventuais promessas feitas ao presidente da República - é o compromisso regimental assumido por André Mendonça na cerimônia de posse. Perante o País, o novo ministro comprometeu-se a “fielmente cumprir os deveres do cargo de ministro do STF, em conformidade com a Constituição e com as leis da República”. André Mendonça deu, assim, sua palavra no sentido de que, mais do que afinidades religiosas, políticas ou ideológicas, o Direito será o critério de sua atividade jurisdicional.

No dia seguinte à posse de André Mendonça, na sessão de encerramento do Ano Judiciário, o presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, lembrou as muitas circunstâncias desafiadoras dos tempos atuais. “Esta Suprema Corte e o Poder Judiciário como um todo enfrentaram ameaças retóricas que foram combatidas com a união e a coesão de seus ministros. E ameaças reais, enfrentadas com posições firmes e decisões corajosas desta Corte”, disse. Espera-se, portanto, que o novo ministro do STF não mais esteja do lado das ameaças e trabalhe, a partir de agora, em defesa do regime das leis e da liberdade.

De forma incisiva, Luiz Fux assegurou que o STF “se encontra permanentemente unido em torno de um objetivo maior: garantir a estabilidade do Estado Democrático de Direito no Brasil. (...) Esta Corte seguirá sempre atenta às necessidades do Brasil neste próximo ano, estando pronta para agir e para reagir quando preciso for, sempre respeitando e fazendo respeitar as leis e a Constituição”. Que assim seja, pois não cabe outra opção: o Supremo é laico e republicano.

Os eleitores não estão alheios

O Estado de S. Paulo.

Não se pode medir o impacto do populismo desbragado que se avizinha. Mas pesquisa revela que o descalabro do governo não passa despercebido

A pesquisa Ipec divulgada no dia 14 passado revela de maneira inequívoca que a maioria dos eleitores reprova o governo de Jair Bolsonaro e não confia no presidente da República. É cedo para avaliar o impacto que isso terá na campanha de Bolsonaro pela reeleição, pois, afinal, não se deve subestimar a força da caneta presidencial. Bolsonaro já deu mostras de que fará o que pode e o que não pode em 2022 para não entregar o cargo a um eventual sucessor. Decerto lançará mão de medidas populistas que podem, em maior ou menor grau, reverter a má avaliação do governo e a rejeição a seu nome. De qualquer forma, os números revelados pelo Ipec não são nada confortáveis para um incumbente em último ano de mandato que tem pela frente uma eleição marcadamente plebiscitária.

Para 55% dos entrevistados pelo Ipec entre os dias 9 e 13 deste mês, o governo Bolsonaro é “ruim ou péssimo”. O resultado é 2 pontos porcentuais maior do que o apurado na pesquisa anterior, em setembro. O governo é “ótimo ou bom” para apenas 19% dos entrevistados. Há três meses, 22% dos eleitores avaliavam o governo de forma positiva. Já para 25% das pessoas ouvidas pelo Ipec o governo é “regular” (eram 23% em setembro).

O Ipec também aferiu a avaliação da forma de Bolsonaro governar. Quando questionados a respeito da “maneira como o presidente Jair Bolsonaro está governando o Brasil”, 68% disseram desaprovar, mesmo resultado aferido na pesquisa anterior. Já 27% responderam que aprovam a atuação do presidente, uma queda de 1 ponto porcentual em relação à pesquisa realizada em setembro, dentro da margem de erro. Outros 4% não souberam ou não quiseram responder.

O dado da pesquisa que talvez mais preocupe Bolsonaro diz respeito à confiança da sociedade no presidente. A confiança é um atributo essencial para alguém que ocupa o mais elevado cargo do Poder Executivo federal. Pois nada menos do que 70% dos entrevistados pelo Ipec afirmaram que Bolsonaro não é uma pessoa confiável, um aumento de 1 ponto porcentual em relação à avaliação anterior. Outros 27% disseram confiar no presidente (eram 28% em setembro) e 3% não souberam ou não quiseram responder (o mesmo porcentual verificado há três meses).

A rigor, todos esses números tabulados pelo Ipec refletem a percepção da maioria da sociedade de que não há governo no País. Os achados da pesquisa evidenciam que os cidadãos não estão alheios à total paralisia do governo federal diante de problemas muito sérios, que afligem milhões de brasileiros, e que seguem intratados enquanto Bolsonaro se mantém ocupadíssimo em “motociatas”, praias e beiras de estrada cuidando de seus próprios interesses.

Não escapou aos olhos da maioria dos entrevistados pelo Ipec a total ausência de políticas públicas bem formuladas para enfrentar uma crise sanitária sem precedentes, que já custou a vida de mais de 617 mil brasileiros. A maioria dos eleitores também demonstrou não estar insensível à profunda crise econômica e social que aflige a população hoje e projeta um ano novo ainda mais sombrio, com inflação, juros altos, desemprego e fome. A reprovação da maneira de Bolsonaro governar, por sua vez, também sugere que práticas espúrias como a compra de uma base de apoio congressual por meio de “orçamento secreto” e, principalmente, o negacionismo tacanho do presidente no combate à pandemia de covid-19, desvirtuando a ideia de “liberdade” e agindo contra o interesse nacional, não contam com o apoio da maioria dos eleitores.

O que resta evidente a partir dos dados dessa nova rodada da pesquisa Ipec é que a maior parte dos brasileiros não está satisfeita com os rumos do País sob o comando de Jair Bolsonaro. Ao afirmarem que não confiam no presidente da República, demonstram também não nutrir esperanças, ao menos não por ora, de que Bolsonaro seja a pessoa certa para resolver os graves problemas que os afligem. Evidentemente, como já foi dito, o quadro apresentado hoje pode não ser o mesmo à época da próxima eleição. Os reflexos do populismo desbragado que se avizinha ainda serão medidos. Mas uma coisa é certa: os brasileiros estão atentos ao descalabro.

Por que variante Ômicron também traz esperança

O Globo

Há muita incerteza sobre a variante Ômicron do coronavírus, que surgiu na África, deflagrou a quarta onda de contágio na Europa e já circula no Brasil. Na África do Sul e no Reino Unido, ela sobrepujou com rapidez a Delta, antes a mais contagiosa cepa registrada. A velocidade com que se alastra despertou os piores temores de recrudescimento da pandemia, agravados por sinais de que drible as vacinas e a imunidade adquirida. Mas, até agora, apesar de dezenas de milhares de infectados, as mortes pela Ômicron se contam nos dedos. É cedo para saber se ela provoca mesmo casos menos graves, mas os primeiros indícios são sugestivos. Por isso, ao mesmo tempo que suscitou preocupação, também acendeu a esperança de que estejamos perto se não do fim da pandemia, ao menos de um equilíbrio.

Para entender por que, é preciso recorrer às ideias do matemático John Nash, Nobel de Economia de 1994. Ele formulou, na Teoria dos Jogos, o conceito de equilíbrio de Nash, situação em que nenhum jogador numa disputa tem nada a ganhar mudando a própria estratégia, então o jogo estabiliza ou acaba. Tal conceito ajuda a compreender como as variantes do vírus afetam a dinâmica da pandemia e a saber se (e quando) ela está perto do fim (e qual).

A pandemia pode ser entendida como disputa entre duas espécies — Homo sapiens (nós) e Sars-CoV-2 (o coronavírus). O objetivo de cada uma é sobreviver. O vírus depende do ser humano para replicar-se e almeja reproduzir-se ao máximo. O ser humano não depende do vírus, mas não precisa eliminá-lo para sobreviver — o crucial é evitar que as infecções resultem em hospitalizações e mortes. A vitória para o vírus é a reprodução máxima. Para a humanidade, é a mortalidade mínima.

Há, portanto, dois indicadores críticos para avaliar o impacto das variantes: a taxa de contágio (velocidade de reprodução do vírus) e a letalidade (sua capacidade de matar). Para o vírus, matar ou mesmo causar a doença é menos relevante, pois a transmissão pode ocorrer até sem sintomas. Do ponto de vista humano, o contágio é menos relevante se a letalidade for baixa.

Enquanto as variantes dominantes apresentam alta letalidade, a humanidade se esforça para combatê-las. Algumas estratégias dão certo, como máscaras, distanciamento e sobretudo vacinação. Outras fracassam, como a aposta desvairada na “imunidade de rebanho”. Apesar de parcela da nossa espécie jogar a favor do vírus, na média fazemos pressão evolutiva para ele tornar-se menos letal. Se uma variante tiver alta taxa de contágio e baixa letalidade, se acomodará mais facilmente a tal pressão, e a disputa entre a humanidade e o vírus alcançará seu equilíbrio de Nash. Foi o que aconteceu ao coronavírus OC43, responsável por uma pandemia que matou mais de 1 milhão no século XIX, depois evoluiu para causar um simples resfriado.

Será a Ômicron o prenúncio de uma tendência similar? É cedo para saber com segurança. Caso se confirme o otimismo, é essencial ter claro que o novo equilíbrio dependerá das estratégias que deram certo, como máscaras e vacinas. Mantê-lo exigirá que elas também sejam mantidas. Em particular, é indispensável a dose de reforço, pois, mesmo que haja contágio, há evidências de que ela reduz a gravidade da infecção pela Ômicron. A Covid-19 não acabará. Será outra doença endêmica com que teremos de lidar. Por isso não é sensato relaxar medidas de prevenção.

Crise na Capes é reflexo do retrocesso na área da Educação

O Globo

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), fundação ligada ao Ministério da Educação (MEC), tem uma missão de extrema importância para o Brasil: avaliar a qualidade dos cursos de pós-graduação existentes e regular a entrada de novos.

Se bem feita, é uma garantia para alunos de mestrado e doutorado, que ficam livres de cursos de baixa qualidade. É também um serviço para o setor produtivo, pois o crivo da Capes pode ser levado em conta para quem contrata mestres e doutores. Por fim, os resultados das avaliações fazem parte dos critérios usados para alocar investimentos públicos em bolsas de estudos ou projetos de pesquisa.

Por tudo isso, é uma calamidade a debandada que vem acontecendo na Capes. O diretor de avaliação, Flávio Camargo, pediu exoneração do cargo na semana passada em caráter irrevogável. O anúncio ocorreu depois de mais de cem avaliadores das áreas de física, matemática, química e engenharias terem pedido para sair. São áreas em que, pela própria natureza da temática, faria pouco sentido falar em interferência ideológica do bolsonarismo. Mas não estão imunes à incompetência.

No centro da crise está Cláudia Toledo, a presidente da Capes, acusada de pelo menos dois erros. O primeiro é sua defesa tíbia da Capes numa ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF) do Rio de Janeiro. Em setembro, procuradores do MPF atacaram o sistema de avaliação, que, segundo eles, é injusto e não poderia adotar critérios de forma retroativa. Resultado: uma decisão judicial interrompeu as avaliações, depois ficou estabelecido que elas poderiam voltar a ser feitas, mas sem divulgação.

Defender-se da acusação não era nada difícil. A Capes é elogiada e reconhecida por organismos como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que ressaltam com frequência a qualidade da avaliação por pares realizada no Brasil. Com base nisso, Cláudia Toledo poderia ter argumentado com mais veemência que eventuais correções nos procedimentos deveriam acontecer a partir de debates internos, no MEC ou no Legislativo. Jamais na Justiça. Em vez disso, foi omissa.

O segundo erro dela tem sido permitir que os coordenadores sejam pressionados a aprovar novos cursos. Empresas que investiram no setor só podem ser chamadas de universidades se tiverem um número mínimo de atividades de pós-graduação. Um dos argumentos usados para que a Capes dê sinal verde a mais cursos de ensino à distância é a pandemia. Na realidade, porém, eles podem abrir a porteira ao ensino de baixa qualidade. Uma instituição cuja missão é zelar pela qualidade não pode compactuar com isso.

O imbróglio da Capes é apenas o último capítulo no enredo trágico do MEC sob o governo Bolsonaro. Postos-chaves, a começar pelo ministro, são repetidas vezes preenchidos por profissionais desqualificados, com visão obtusa sobre política educacional. Como se fosse uma área de que o país pudesse se dar ao luxo de abrir mão.

Congresso erra ao derrubar veto ao fundão eleitoral

Valor Econômico

Diante de uma pandemia e uma crise econômica aguda, a prioridade do país deveria ser destinar os recursos para algo mais urgente

Mantendo uma lamentável tradição, o Congresso Nacional deixou novamente para os estertores dos trabalhos legislativos uma pauta recheada de surpresas.

Não é de hoje que deputados e senadores aproveitam o período que antecede as festas de fim de ano para colocar em votação propostas impopulares ou que tiveram dificuldades de passar quando a sociedade estava mais atenta ao que se faz na capital federal. Em meio à pandemia, tal estratégia está ainda mais fácil de se executar devido ao fato de que, agora, a votação pode ser realizada de forma remota - reduz-se a exposição de quem vota e os poupa de ter que apresentar explicações aos grupos de pressão que antes circulavam com mais liberdade pelos corredores da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Neste ano, contudo, um item ocupa lugar de destaque nessa lista: a derrubada do veto presidencial que barrou a viabilidade de Fundo Eleitoral de R$ 5,7 bilhões para custear as eleições de 2022. Trata-se de um número recorde. E mais que o dobro do que os candidatos tiveram para gastar em 2018.

Acertadamente, o presidente Jair Bolsonaro havia vetado no meio do ano o dispositivo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que abriu caminho para tamanha afronta ao bom senso. Por outro lado, jogou para a plateia, chegou a sinalizar que aceitaria uma cifra de R$ 4 bilhões e esperou, sem mais tocar no assunto, por um desfecho que já sabia qual seria.

O fim da história ocorreu na sexta-feira, dia em que raramente uma sessão do Legislativo é realizada. Mas não faltou quórum. Afinal, deputados e senadores estavam tratando de seus próprios interesses: 53 senadores votaram pela revogação da decisão do presidente de vetar a iniciativa, contra 21 votos; na Câmara dos Deputados, o placar foi de 317 a 146.

Nos últimos dias, parte das bancadas já vinha articulando para tentar recuperar o artigo que tratava desse assunto na Lei de Diretrizes Orçamentárias, ainda que sem a anuência do Executivo. Porém, há que se destacar que o Palácio do Planalto decidiu não ir até o fim na briga e o próprio PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, foi na direção oposta à do chefe do Executivo. Não é de hoje que aliados do presidente dizem que até Bolsonaro precisará fazer uma campanha muito mais cara do que a de 2018. Além disso, dirigentes de diversos partidos querem ter o maior poder de fogo possível para ampliar suas bancadas na legislatura que se iniciará em fevereiro de 2023.

Como resultado, a liderança do governo no Congresso acabou liberando os partidos da base para que votassem como quisessem. “Colocando aqui a posição da liderança do governo, entendendo que vários partidos políticos soltaram nota acerca do veto, entendendo que essa será uma decisão pessoal, partidária, de cada parlamentar que estará em ano eleitoral no próximo ano, nós deixaremos, então, a posição em aberto, por essa consequência. Há uma informação partidária sobre esse veto especificamente”, discursou o senador Eduardo Gomes (MDB-TO), articulador do Palácio do Planalto no Parlamento.

O fundo eleitoral foi criado em 2017, após a proibição de doações de empresas para campanhas políticas. Os recursos são provenientes do Tesouro Nacional e repassados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que, por sua vez, distribui essa verba aos partidos políticos.

Defensores da tese de que um aumento maior do fundo é imperioso ponderam que 2022 será um ano de eleições gerais, diferentemente do que ocorreu em 2020. Ou seja, com disputadas para os cargos de deputado federal, deputado estadual e distrital, senador e presidente da República. No entanto, se considerado o pleito de 2018, o novo valor fixado também é escandaloso: naquele ano, gastou-se R$ 1,7 bilhão.

Eles argumentam ainda que engordá-lo é o custo que se paga pela democracia, mas se recusam a debater formas de reduzir o valor das campanhas e desenvolver formas de aproximar candidatos e eleitores.

Na sexta-feira, não estava em pauta se o Brasil permanecerá ou não tendo financiamento público de campanhas, mas sim os volumes que esses recursos devem alcançar. Diante de uma pandemia e uma crise econômica aguda, a prioridade do país deveria ser destinar esses recursos para algo mais urgente. Um aumento equivalente à correção pelo índice de inflação seria mais do que o suficiente.

 

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