EDITORIAIS
Ampliar o foco
Folha de S. Paulo
Projeto peca ao privilegiar aspectos de
varejo empresarial na regulação de redes
Não há dúvidas de que a explosão das
comunicações promovida por serviços de busca na internet, redes sociais e
plataformas de troca de mensagens, além dos benefícios embutidos, também trouxe
riscos e desafios novos às sociedades.
Nos regimes abertos, o processo concorreu
para acentuar as tensões com os direitos a expressão, privacidade, informação,
livre iniciativa e propriedade. A escala das manipulações propiciada pela
tecnologia provocou temores sobre a equidade da disputa eleitoral e a própria
estabilidade da democracia.
Como resposta, ocorre uma onda de
regulamentações estatais a fim de mitigar os efeitos nocivos da expansão
digital e compatibilizá-la com a arquitetura constitucional. Nessa esteira se
discute no Congresso Nacional o projeto (2.630, de 2020) para instituir a Lei
Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.
Apelidado de projeto das
fake news, o relatório vigente —que acaba de sair de comissão
especial na Câmara— toca em vários temas, da publicidade digital e eleitoral à
remuneração da atividade jornalística, do veto a contas automatizadas não
identificadas à obrigação de provedores de publicar relatórios de transparência
sobre suas intervenções contra usuários.
Os riscos implícitos no texto são conhecidos do estilo legiferante brasileiro: favorecer interesses particulares e hipóteses mal sustentadas à custa do desenvolvimento econômico e tecnológico e pressupor que cliente e eleitor precisam ser protegidos com paternalismo, porque facilmente manipuláveis.
Entre as virtudes, a minuta do projeto dá
mais passos no sentido de tornar os provedores responsabilizáveis segundo a
legislação civil e penal brasileira. Quando estabelece o pagamento pelo uso de
propriedade intelectual jornalística, dispõe o que, apesar de óbvio, tem sido
ignorado pelos oligopólios que dominam esses serviços digitais.
Por falar em obviedade, congressistas e
reguladores dariam um salto de qualidade se gastassem mais energia para
combater o abuso do poder econômico desses conglomerados. Em vários aspectos,
os danos à concorrência de sua prevalência já superaram as vantagens de
bem-estar e produtividade.
Optar pela regulação no varejo das práticas
empresariais, modalidade em que se consome boa parte do projeto de lei em
tramitação no Congresso Nacional, é arriscar-se num acervo de regras na melhor
das hipóteses pouco eficazes, mas frequentemente lesivas a liberdades civis e ao
avanço de atividades que expandem empregos e renda.
No mundo digital, assim como no analógico,
garantir a concorrência —entre ideias, ou entre empresas— continua sendo um
método efetivo de fomentar o progresso.
Populismo penal
Folha de S. Paulo
Ordem de Fux para prender condenados no
caso da boate Kiss atropela garantias
Sem entrar no mérito da condenação pelo
Tribunal do Júri de quatro envolvidos na tragédia da boate Kiss, pode-se
afirmar que a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux,
de ordenar o
cumprimento imediato das penas de prisão expõe uma espécie de
populismo vigente no Judiciário.
A começar, o caso chegou às mãos de Fux de forma
tortuosa. O recurso interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul —no
linguajar técnico, suspensão de liminar— nem sequer serve, pela legislação,
para que se suspenda um habeas corpus concedido pelo Tribunal de Justiça
gaúcho, como fez o presidente do STF.
A suspensão é própria da esfera cível, não
penal, e cabe em casos de grave lesão a ordem pública, saúde, segurança e
economia.
Ao aceitar o recurso do Ministério Público
em prol da prisão imediata, "considerando a altíssima reprovabilidade
social das condutas dos réus", de acordo com suas palavras, Fux contradiz
o preceito básico de que na seara penal não se permitem aventuras —é da
liberdade alheia que se trata, afinal.
Não se deve enfraquecer o instrumento de
habeas corpus ao sabor dos humores da opinião pública, justamente por ser um
mecanismo concebido para coibir abuso de poder que acarrete violência ou
violação da liberdade de locomoção.
Fux emitiu ainda uma segunda decisão
enfatizando que o TJ-RS não poderia revogar a detenção, porque esta somente
poderia ser alterada pelo próprio STF.
O remendo não veio sem críticas
contundentes de especialistas e entidades. A Associação Brasileira dos Advogados
Criminalistas, em nota de repúdio, afirmou que a medida "se deu em
injustificável supressão de instância".
Não se trata da primeira decisão desta
natureza emitida por Fux, que em outubro de 2020 havia revogado habeas corpus
concedido a um líder do crime organizado, André de Oliveira Macedo, concedido
como André do Rap.
À época o Supremo referendou a revogação de
Fux, mas não sem apontar a necessidade de menos casuísmo e criticar o poder
ilimitado do presidente do tribunal.
A corte faria melhor em agir no que lhe
cabe: não atropelar instâncias inferiores, mas apresentar a diretriz correta
para as matérias em questão. Também é necessário, em nome da segurança jurídica
geral, fortalecer o controle colegiado ante os voluntarismos do presidente e
dos demais ministros.
O Supremo é laico e republicano
O Estado de S. Paulo.
André Mendonça deu sua palavra: mais do que
afinidades religiosas, políticas ou ideológicas, a Constituição será o critério
de sua atividade jurisdicional. Que assim seja.
Depois de cinco meses vaga, a cadeira do
ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), foi ocupada por
André Mendonça. Após a cerimônia de posse, o novo ministro procurou dissipar as
dúvidas que recaem sobre o seu futuro comportamento na mais alta Corte do País.
Essas dúvidas foram criadas especialmente pelo presidente Jair Bolsonaro, que,
ao longo do processo de nomeação, deu uma conotação antirrepublicana à escolha
do novo ocupante do Supremo.
“Espero poder contribuir com a Justiça
brasileira e o STF, e ser, ao longo desses anos, um servidor e um ministro que
ajude a consolidar a democracia, esses valores, garantias e direitos, que estão
estabelecidos nos interesses da nossa Constituição”, disse André Mendonça. Mais
do que um gesto de boa vontade, essa disposição de serviço à democracia é
estrita obrigação funcional. Não cabe outra atitude a um ministro do Supremo,
cuja função é defender a Constituição e o Estado Democrático de Direito.
Democracia não é uma ideia vaga, que cada
um interpreta a seu modo. Tal como previsto na Constituição de 1988, o regime
democrático se realiza em uma determinada configuração de Estado - com
separação de Poderes, limitação de competências e controles legais - e sob um
específico marco jurídico de proteção às liberdades e garantias fundamentais.
Não é democrático, por exemplo, promover
campanhas difamatórias contra o resultado das eleições, usar a estrutura do
Estado para perseguir opositores políticos ou utilizar a função pública para
impor sobre a coletividade determinados valores morais ou religiosos, como faz
o presidente Bolsonaro. Entre as muitas consequências do caráter laico do
Estado, destaca-se o respeito à liberdade de pensamento e ao pluralismo de
ideias e convicções morais existente na sociedade.
Tendo em vista sua atuação no governo
Bolsonaro - um governo que não apenas hostiliza a imprensa, mas que transformou
essa hostilidade em tática política e em exercício de negacionismo -, foram
especialmente significativas as palavras de André Mendonça a respeito do
jornalismo. “Contem também sempre com o meu respeito e a defesa irrestrita da
liberdade e das prerrogativas do livre exercício dos jornalistas e da imprensa.
Estarei à disposição”, disse. É sintomático dos tempos atuais - do sofrível
patamar civilizatório trazido pelo bolsonarismo - que um ministro do Supremo
precise dizer isso ao tomar posse no cargo.
De toda forma, mais do que qualquer ponto
de seu discurso, o que vale o que deve valer a partir de agora, acima, por
óbvio, de eventuais promessas feitas ao presidente da República - é o
compromisso regimental assumido por André Mendonça na cerimônia de posse.
Perante o País, o novo ministro comprometeu-se a “fielmente cumprir os deveres
do cargo de ministro do STF, em conformidade com a Constituição e com as leis
da República”. André Mendonça deu, assim, sua palavra no sentido de que, mais
do que afinidades religiosas, políticas ou ideológicas, o Direito será o
critério de sua atividade jurisdicional.
No dia seguinte à posse de André Mendonça,
na sessão de encerramento do Ano Judiciário, o presidente do Supremo, ministro
Luiz Fux, lembrou as muitas circunstâncias desafiadoras dos tempos atuais.
“Esta Suprema Corte e o Poder Judiciário como um todo enfrentaram ameaças
retóricas que foram combatidas com a união e a coesão de seus ministros. E
ameaças reais, enfrentadas com posições firmes e decisões corajosas desta
Corte”, disse. Espera-se, portanto, que o novo ministro do STF não mais esteja
do lado das ameaças e trabalhe, a partir de agora, em defesa do regime das leis
e da liberdade.
De forma incisiva, Luiz Fux assegurou que o
STF “se encontra permanentemente unido em torno de um objetivo maior: garantir
a estabilidade do Estado Democrático de Direito no Brasil. (...) Esta Corte
seguirá sempre atenta às necessidades do Brasil neste próximo ano, estando
pronta para agir e para reagir quando preciso for, sempre respeitando e fazendo
respeitar as leis e a Constituição”. Que assim seja, pois não cabe outra opção:
o Supremo é laico e republicano.
Os eleitores não estão alheios
O Estado de S. Paulo.
Não se pode medir o impacto do populismo
desbragado que se avizinha. Mas pesquisa revela que o descalabro do governo não
passa despercebido
A pesquisa Ipec divulgada no dia 14 passado
revela de maneira inequívoca que a maioria dos eleitores reprova o governo de
Jair Bolsonaro e não confia no presidente da República. É cedo para avaliar o
impacto que isso terá na campanha de Bolsonaro pela reeleição, pois, afinal,
não se deve subestimar a força da caneta presidencial. Bolsonaro já deu mostras
de que fará o que pode e o que não pode em 2022 para não entregar o cargo a um
eventual sucessor. Decerto lançará mão de medidas populistas que podem, em
maior ou menor grau, reverter a má avaliação do governo e a rejeição a seu
nome. De qualquer forma, os números revelados pelo Ipec não são nada
confortáveis para um incumbente em último ano de mandato que tem pela frente
uma eleição marcadamente plebiscitária.
Para 55% dos entrevistados pelo Ipec entre
os dias 9 e 13 deste mês, o governo Bolsonaro é “ruim ou péssimo”. O resultado
é 2 pontos porcentuais maior do que o apurado na pesquisa anterior, em
setembro. O governo é “ótimo ou bom” para apenas 19% dos entrevistados. Há três
meses, 22% dos eleitores avaliavam o governo de forma positiva. Já para 25% das
pessoas ouvidas pelo Ipec o governo é “regular” (eram 23% em setembro).
O Ipec também aferiu a avaliação da forma
de Bolsonaro governar. Quando questionados a respeito da “maneira como o
presidente Jair Bolsonaro está governando o Brasil”, 68% disseram desaprovar,
mesmo resultado aferido na pesquisa anterior. Já 27% responderam que aprovam a
atuação do presidente, uma queda de 1 ponto porcentual em relação à pesquisa
realizada em setembro, dentro da margem de erro. Outros 4% não souberam ou não
quiseram responder.
O dado da pesquisa que talvez mais preocupe
Bolsonaro diz respeito à confiança da sociedade no presidente. A confiança é um
atributo essencial para alguém que ocupa o mais elevado cargo do Poder
Executivo federal. Pois nada menos do que 70% dos entrevistados pelo Ipec
afirmaram que Bolsonaro não é uma pessoa confiável, um aumento de 1 ponto
porcentual em relação à avaliação anterior. Outros 27% disseram confiar no
presidente (eram 28% em setembro) e 3% não souberam ou não quiseram responder
(o mesmo porcentual verificado há três meses).
A rigor, todos esses números tabulados pelo
Ipec refletem a percepção da maioria da sociedade de que não há governo no
País. Os achados da pesquisa evidenciam que os cidadãos não estão alheios à
total paralisia do governo federal diante de problemas muito sérios, que
afligem milhões de brasileiros, e que seguem intratados enquanto Bolsonaro se
mantém ocupadíssimo em “motociatas”, praias e beiras de estrada cuidando de
seus próprios interesses.
Não escapou aos olhos da maioria dos
entrevistados pelo Ipec a total ausência de políticas públicas bem formuladas
para enfrentar uma crise sanitária sem precedentes, que já custou a vida de
mais de 617 mil brasileiros. A maioria dos eleitores também demonstrou não
estar insensível à profunda crise econômica e social que aflige a população
hoje e projeta um ano novo ainda mais sombrio, com inflação, juros altos,
desemprego e fome. A reprovação da maneira de Bolsonaro governar, por sua vez,
também sugere que práticas espúrias como a compra de uma base de apoio
congressual por meio de “orçamento secreto” e, principalmente, o negacionismo
tacanho do presidente no combate à pandemia de covid-19, desvirtuando a ideia
de “liberdade” e agindo contra o interesse nacional, não contam com o apoio da
maioria dos eleitores.
O que resta evidente a partir dos dados
dessa nova rodada da pesquisa Ipec é que a maior parte dos brasileiros não está
satisfeita com os rumos do País sob o comando de Jair Bolsonaro. Ao afirmarem
que não confiam no presidente da República, demonstram também não nutrir
esperanças, ao menos não por ora, de que Bolsonaro seja a pessoa certa para
resolver os graves problemas que os afligem. Evidentemente, como já foi dito, o
quadro apresentado hoje pode não ser o mesmo à época da próxima eleição. Os
reflexos do populismo desbragado que se avizinha ainda serão medidos. Mas uma
coisa é certa: os brasileiros estão atentos ao descalabro.
Por que variante Ômicron também traz
esperança
O Globo
Há muita incerteza sobre a variante Ômicron
do coronavírus, que surgiu na África, deflagrou a quarta onda de contágio na
Europa e já circula no Brasil. Na África do Sul e no Reino Unido, ela
sobrepujou com rapidez a Delta, antes a mais contagiosa cepa registrada. A
velocidade com que se alastra despertou os piores temores de recrudescimento da
pandemia, agravados por sinais de que drible as vacinas e a imunidade
adquirida. Mas, até agora, apesar de dezenas de milhares de infectados, as
mortes pela Ômicron se contam nos dedos. É cedo para saber se ela provoca mesmo
casos menos graves, mas os primeiros indícios são sugestivos. Por isso, ao
mesmo tempo que suscitou preocupação, também acendeu a esperança de que
estejamos perto se não do fim da pandemia, ao menos de um equilíbrio.
Para entender por que, é preciso recorrer
às ideias do matemático John Nash, Nobel de Economia de 1994. Ele formulou, na
Teoria dos Jogos, o conceito de equilíbrio de Nash, situação em que nenhum
jogador numa disputa tem nada a ganhar mudando a própria estratégia, então o
jogo estabiliza ou acaba. Tal conceito ajuda a compreender como as variantes do
vírus afetam a dinâmica da pandemia e a saber se (e quando) ela está perto do
fim (e qual).
A pandemia pode ser entendida como disputa
entre duas espécies — Homo sapiens (nós) e Sars-CoV-2 (o coronavírus). O
objetivo de cada uma é sobreviver. O vírus depende do ser humano para
replicar-se e almeja reproduzir-se ao máximo. O ser humano não depende do
vírus, mas não precisa eliminá-lo para sobreviver — o crucial é evitar que as
infecções resultem em hospitalizações e mortes. A vitória para o vírus é a
reprodução máxima. Para a humanidade, é a mortalidade mínima.
Há, portanto, dois indicadores críticos
para avaliar o impacto das variantes: a taxa de contágio (velocidade de
reprodução do vírus) e a letalidade (sua capacidade de matar). Para o vírus,
matar ou mesmo causar a doença é menos relevante, pois a transmissão pode
ocorrer até sem sintomas. Do ponto de vista humano, o contágio é menos
relevante se a letalidade for baixa.
Enquanto as variantes dominantes apresentam
alta letalidade, a humanidade se esforça para combatê-las. Algumas estratégias
dão certo, como máscaras, distanciamento e sobretudo vacinação. Outras
fracassam, como a aposta desvairada na “imunidade de rebanho”. Apesar de
parcela da nossa espécie jogar a favor do vírus, na média fazemos pressão
evolutiva para ele tornar-se menos letal. Se uma variante tiver alta taxa de
contágio e baixa letalidade, se acomodará mais facilmente a tal pressão, e a
disputa entre a humanidade e o vírus alcançará seu equilíbrio de Nash. Foi o
que aconteceu ao coronavírus OC43, responsável por uma pandemia que matou mais
de 1 milhão no século XIX, depois evoluiu para causar um simples resfriado.
Será a Ômicron o prenúncio de uma tendência
similar? É cedo para saber com segurança. Caso se confirme o otimismo, é
essencial ter claro que o novo equilíbrio dependerá das estratégias que deram
certo, como máscaras e vacinas. Mantê-lo exigirá que elas também sejam
mantidas. Em particular, é indispensável a dose de reforço, pois, mesmo que haja
contágio, há evidências de que ela reduz a gravidade da infecção pela Ômicron.
A Covid-19 não acabará. Será outra doença endêmica com que teremos de lidar.
Por isso não é sensato relaxar medidas de prevenção.
Crise na Capes é reflexo do retrocesso na
área da Educação
O Globo
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (Capes), fundação ligada ao Ministério da Educação (MEC), tem
uma missão de extrema importância para o Brasil: avaliar a qualidade dos cursos
de pós-graduação existentes e regular a entrada de novos.
Se bem feita, é uma garantia para alunos de
mestrado e doutorado, que ficam livres de cursos de baixa qualidade. É também
um serviço para o setor produtivo, pois o crivo da Capes pode ser levado em
conta para quem contrata mestres e doutores. Por fim, os resultados das
avaliações fazem parte dos critérios usados para alocar investimentos públicos
em bolsas de estudos ou projetos de pesquisa.
Por tudo isso, é uma calamidade a debandada
que vem acontecendo na Capes. O diretor de avaliação, Flávio Camargo, pediu
exoneração do cargo na semana passada em caráter irrevogável. O anúncio ocorreu
depois de mais de cem avaliadores das áreas de física, matemática, química e
engenharias terem pedido para sair. São áreas em que, pela própria natureza da
temática, faria pouco sentido falar em interferência ideológica do
bolsonarismo. Mas não estão imunes à incompetência.
No centro da crise está Cláudia Toledo, a
presidente da Capes, acusada de pelo menos dois erros. O primeiro é sua defesa
tíbia da Capes numa ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF) do Rio de
Janeiro. Em setembro, procuradores do MPF atacaram o sistema de avaliação, que,
segundo eles, é injusto e não poderia adotar critérios de forma retroativa.
Resultado: uma decisão judicial interrompeu as avaliações, depois ficou estabelecido
que elas poderiam voltar a ser feitas, mas sem divulgação.
Defender-se da acusação não era nada
difícil. A Capes é elogiada e reconhecida por organismos como a Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que ressaltam com frequência
a qualidade da avaliação por pares realizada no Brasil. Com base nisso, Cláudia
Toledo poderia ter argumentado com mais veemência que eventuais correções nos
procedimentos deveriam acontecer a partir de debates internos, no MEC ou no
Legislativo. Jamais na Justiça. Em vez disso, foi omissa.
O segundo erro dela tem sido permitir que
os coordenadores sejam pressionados a aprovar novos cursos. Empresas que
investiram no setor só podem ser chamadas de universidades se tiverem um número
mínimo de atividades de pós-graduação. Um dos argumentos usados para que a
Capes dê sinal verde a mais cursos de ensino à distância é a pandemia. Na
realidade, porém, eles podem abrir a porteira ao ensino de baixa qualidade. Uma
instituição cuja missão é zelar pela qualidade não pode compactuar com isso.
O imbróglio da Capes é apenas o último
capítulo no enredo trágico do MEC sob o governo Bolsonaro. Postos-chaves, a
começar pelo ministro, são repetidas vezes preenchidos por profissionais
desqualificados, com visão obtusa sobre política educacional. Como se fosse uma
área de que o país pudesse se dar ao luxo de abrir mão.
Congresso erra ao derrubar veto ao fundão
eleitoral
Valor Econômico
Diante de uma pandemia e uma crise
econômica aguda, a prioridade do país deveria ser destinar os recursos para
algo mais urgente
Mantendo uma lamentável tradição, o
Congresso Nacional deixou novamente para os estertores dos trabalhos
legislativos uma pauta recheada de surpresas.
Não é de hoje que deputados e senadores
aproveitam o período que antecede as festas de fim de ano para colocar em
votação propostas impopulares ou que tiveram dificuldades de passar quando a
sociedade estava mais atenta ao que se faz na capital federal. Em meio à
pandemia, tal estratégia está ainda mais fácil de se executar devido ao fato de
que, agora, a votação pode ser realizada de forma remota - reduz-se a exposição
de quem vota e os poupa de ter que apresentar explicações aos grupos de pressão
que antes circulavam com mais liberdade pelos corredores da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal.
Neste ano, contudo, um item ocupa lugar de
destaque nessa lista: a derrubada do veto presidencial que barrou a viabilidade
de Fundo Eleitoral de R$ 5,7 bilhões para custear as eleições de 2022. Trata-se
de um número recorde. E mais que o dobro do que os candidatos tiveram para
gastar em 2018.
Acertadamente, o presidente Jair Bolsonaro
havia vetado no meio do ano o dispositivo da Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO) que abriu caminho para tamanha afronta ao bom senso. Por outro lado,
jogou para a plateia, chegou a sinalizar que aceitaria uma cifra de R$ 4
bilhões e esperou, sem mais tocar no assunto, por um desfecho que já sabia qual
seria.
O fim da história ocorreu na sexta-feira,
dia em que raramente uma sessão do Legislativo é realizada. Mas não faltou
quórum. Afinal, deputados e senadores estavam tratando de seus próprios
interesses: 53 senadores votaram pela revogação da decisão do presidente de
vetar a iniciativa, contra 21 votos; na Câmara dos Deputados, o placar foi de
317 a 146.
Nos últimos dias, parte das bancadas já
vinha articulando para tentar recuperar o artigo que tratava desse assunto na
Lei de Diretrizes Orçamentárias, ainda que sem a anuência do Executivo. Porém,
há que se destacar que o Palácio do Planalto decidiu não ir até o fim na briga
e o próprio PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, foi na direção oposta à
do chefe do Executivo. Não é de hoje que aliados do presidente dizem que até
Bolsonaro precisará fazer uma campanha muito mais cara do que a de 2018. Além
disso, dirigentes de diversos partidos querem ter o maior poder de fogo
possível para ampliar suas bancadas na legislatura que se iniciará em fevereiro
de 2023.
Como resultado, a liderança do governo no
Congresso acabou liberando os partidos da base para que votassem como
quisessem. “Colocando aqui a posição da liderança do governo, entendendo que
vários partidos políticos soltaram nota acerca do veto, entendendo que essa
será uma decisão pessoal, partidária, de cada parlamentar que estará em ano
eleitoral no próximo ano, nós deixaremos, então, a posição em aberto, por essa
consequência. Há uma informação partidária sobre esse veto especificamente”,
discursou o senador Eduardo Gomes (MDB-TO), articulador do Palácio do Planalto
no Parlamento.
O fundo eleitoral foi criado em 2017, após
a proibição de doações de empresas para campanhas políticas. Os recursos são
provenientes do Tesouro Nacional e repassados ao Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), que, por sua vez, distribui essa verba aos partidos políticos.
Defensores da tese de que um aumento maior
do fundo é imperioso ponderam que 2022 será um ano de eleições gerais,
diferentemente do que ocorreu em 2020. Ou seja, com disputadas para os cargos
de deputado federal, deputado estadual e distrital, senador e presidente da
República. No entanto, se considerado o pleito de 2018, o novo valor fixado
também é escandaloso: naquele ano, gastou-se R$ 1,7 bilhão.
Eles argumentam ainda que engordá-lo é o
custo que se paga pela democracia, mas se recusam a debater formas de reduzir o
valor das campanhas e desenvolver formas de aproximar candidatos e eleitores.
Na sexta-feira, não estava em pauta se o
Brasil permanecerá ou não tendo financiamento público de campanhas, mas sim os
volumes que esses recursos devem alcançar. Diante de uma pandemia e uma crise
econômica aguda, a prioridade do país deveria ser destinar esses recursos para
algo mais urgente. Um aumento equivalente à correção pelo índice de inflação
seria mais do que o suficiente.
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