sábado, 18 de dezembro de 2021

Pablo Ortellado: Polarização com terceira via?

O Globo

A terceira via é uma expressão adotada pelo jornalismo para se referir aos candidatos a presidente que representam uma alternativa a Lula e Bolsonaro. Esses candidatos podem estar mais à direita, como João Doria ou Sergio Moro, ou mais à esquerda, como Ciro Gomes. Mas o fato de os candidatos da terceira via criticarem simultaneamente Lula e Bolsonaro não significa necessariamente que apontem para o fim da polarização.

A polarização política não é um fenômeno eleitoral. É um fenômeno social que tem expressão eleitoral. Ela opõe cidadãos que abraçam identidades políticas construídas a partir da hostilidade ao adversário, e essa dinâmica antagonista se expressa eleitoralmente em dois candidatos concorrentes.

Até onde se sabe, a polarização brasileira gira em torno de um conjunto de identidades políticas mais ou menos alinhadas: de um lado, as de esquerda, de petista e de progressista; de outro, as de direita, de conservador e de patriota (entre outras). Quem adota uma ou algumas dessas identidades é um grupo de pessoas que podemos considerar pequeno, mas grande o suficiente para impactar o resto.

No dia a dia das mídias sociais, são os polarizados que difundirão notícias com viés partidário para além da bolha militante — eles são os responsáveis por levar as disputas de narrativas aos despolitizados que estão no Facebook e nos grupos de WhatsApp da família e dos amigos. São também os polarizados que durante o período eleitoral pedirão voto — ou serão consultados pelos despolitizados para ajudar a escolher candidato. Por falar muito, de maneira coordenada, e por ser muito ativa, a minoria polarizada dá o tom para o conjunto da sociedade.

Lula e Bolsonaro são hoje os grandes beneficiários da polarização política. Eles controlam grandes estruturas militantes que garantem o voto de quem abraça determinada identidade política. Mas isso pode mudar. Duas notícias recentes apontam em sentidos contrários.

Sergio Moro entrou com força na pré-corrida eleitoral, firmando-se como o candidato mais forte da terceira via. Sua ascensão rápida coincidiu com a queda do apoio a Bolsonaro, capturada tanto pela pesquisa do Ipec (ex-Ibope) quanto pela pesquisa do Datafolha.

A princípio, a ascensão de Moro seria boa notícia para quem se preocupa com a polarização. Um candidato brigado com Bolsonaro está crescendo entre o eleitorado de direita enquanto Bolsonaro cai. Se isso se consolidasse, segue o raciocínio, a polarização Lula-Bolsonaro poderia ser superada.

Mas a polarização não é um fenômeno eleitoral, é social. É perfeitamente concebível que, com um Moro forte e um Bolsonaro fraco, a expressão eleitoral da polarização viesse a se deslocar para um antagonismo Moro-Lula.

Moro tem todas as qualidades para o papel. Foi o juiz que condenou Lula, num processo que pessoas de esquerda consideram muito injusto e viciado. Também construiu para si uma forte identidade anticorrupção e foi o principal fiador de Bolsonaro na primeira metade do governo. Tem, assim, credenciais tanto para capturar o voto dos bolsonaristas quanto para manter aceso o ódio dos petistas. É muito fácil vislumbrar uma polarização subsistente com o campo conservador-punitivista, mais ou menos como é hoje, apoiando Moro.

Talvez seja um pouco mais promissora outra notícia da semana: que Geraldo Alckmin pode vir a ser o vice de Lula. Por cerca de 20 anos, petistas e tucanos alimentaram um antagonismo visceral, uma espécie de ensaio da polarização que se estruturou depois de 2013. A escolha de um ex-tucano preeminente para vice de Lula seria um sinal de abertura e distensão que poderia apontar para um arrefecimento da polarização. Porém, justamente por Alckmin representar um antagonismo antigo, em certo sentido superado, o efeito de arrefecimento seria modesto.

Com Bolsonaro ou com Moro como candidato do antipetismo e com Alckmin ou sem Alckmin como vice de Lula, há pouca chance de superarmos a polarização em 2022.

 

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