domingo, 26 de dezembro de 2021

Poesia | Manuel Bandeira: Poemeto irônico

O que tu chamas tua paixão,

É tão-somente curiosidade.

E os teus desejos ferventes vão

Batendo as asas na irrealidade...

 

Curiosidade sentimental

Do seu aroma, da sua pele.

Sonhas um ventre de alvura tal,

Que escuro o linho fique ao pé dele.

 

Dentre os perfumes sutis que vêm

Das suas charpas, dos seus vestidos,

Isolar tentas o odor que tem

A trama rara dos seus tecidos.

 

Encanto a encanto, toda a prevês.

Afagos longos, carinhos sábios,

Carícias lentas, de uma maciez

Que se diriam feitas por lábios...

 

Tu te perguntas, curioso, quais

Serão seus gestos, balbuciamento,

Quando descerdes na espirais

Deslumbradoras do esquecimento...

 

E acima disso, buscas saber

Os seus instintos, suas tendências...

Espiar-lhe na alma por conhecer

O que há de sincero nas aparências.

 

E os teus desejos ferventes vão

Batendo as asas na irrealidade...

O que tu chamas tua paixão,

É tão-somente curiosidade.

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