sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Merval Pereira - O clima da era

- O Globo

O presidente Bolsonaro cometeu um ato falho quando disse que votaria “até em Lula”, mas nunca em Doria, revelando assim qual é o candidato que realmente o incomoda. O governador de São Paulo, ao lado do ex-ministro Sérgio Moro, são possibilidades de candidaturas que levarão perigo à reeleição de Bolsonaro, especialmente se estiverem juntos em uma chapa.

Mesmo que tenha sido ferido politicamente na batalha que trava contra o establishment político, e preferido se proteger na iniciativa privada, dando a seus adversários mais um pretexto para criticá-lo, o ex-juiz Sergio Moro ainda carrega consigo a imagem de combatente contra a corrupção, tema atualíssimo enquanto o governo, juizes e políticos tentam acabar com o que resta da Operação Lava-Jato.  

A desmoralização de Moro interessa tanto a Bolsonaro quanto ao PT, o que o torna o centro das ações políticas. Uma das máximas da política é que quem está no centro dos debates é a principal figura. Já foi assim com o ex-presidente Lula, e agora é também com o presidente Bolsonaro que, não por acaso, aparece em primeiro lugar nas pesquisas prospectivas de opinião, sempre em empate técnico com Moro.

Míriam Leitão - Ajuste fiscal na cidade do Rio

- O Globo

A cidade do Rio quer implantar um programa econômico que o governo federal prometeu fazer e não tem conseguido. Hoje o Diário Oficial amanhece com 74 decretos, e deles 44 são da área econômica, com um choque de corte de gastos e suspensão de contratos para auditoria. Mas o projeto da prefeitura será o de fazer reformas. Uma lei de emergência fiscal, uma reforma da Previdência e uma reforma tributária serão preparadas. O prefeito Eduardo Paes conta com a própria experiência, e o trabalho legislativo do secretário de Fazenda, Pedro Paulo, que no Congresso cuidou exatamente desse nó fiscal do país.

— Nenhum outro prefeito, nem mesmo o Saturnino, entregou uma cidade de forma tão caótica quanto Crivella está entregando hoje — disse o secretário Pedro Paulo.

De fato, para começo de conversa a prefeitura não será entregue por Marcelo Crivella. O prefeito, como se sabe, está em prisão domiciliar. Há duas folhas em atraso. Em 2021, a prefeitura terá que pagar 15 folhas. São muitos os números da situação calamitosa do Rio.

Eliane Cantanhêde - Saúde, vacina, agulha e amor!

- O Estado de S. Paulo

O ano de 2020 já vai tarde. Que venha um 2021 muito, muito, muito melhor

A primeira coluna de um novo ano é sempre otimista, cheia de esperança e bons votos, mas como fingir que 2020 não foi o que foi, nada está acontecendo e reproduzir a animação de sempre neste início de 2021? Desculpem, mas está difícil. Assim, desejo saúde, vacina, seringa, agulha, emprego e capacidade de ver a realidade e entender o perigo do negacionismo regado a um populismo desbragado que tanto mal já causou à Humanidade.

Que o novo ano seja muito, muito, muito melhor do que 2020, que já vai tarde, com muito choro e muita vela, deixando para trás quase 200 mil vidas engolidas pelo coronavírus, enquanto o presidente fazia campanha eleitoral e trabalhava contra o isolamento social, as máscaras. Sem empatia com as famílias das vítimas, virou garoto propaganda de um remédio inútil para a pandemia e agora guerreia contra a própria vacina.

Ricardo Noblat - Ano que vem tem eleição para presidente do Brasil

- Blog do Noblat / Veja

Ano que vem tem eleição para presidente do Brasil

Será pedir demais que elegemos um presidente da República no ano que vem de fato comprometido com a preservação da vida? Porque se vidas pouco importam, nada mais importa.

Vida de todas as espécies, o que passa pelo respeito incondicional ao equilíbrio do meio ambiente.  Vida no seu sentido mais amplo, o que implica na construção de um país mais justo.

Não pode ser justo um país onde a concentração de renda seja absurda, o racismo flagele a maior parte de sua população, a homofobia seja tolerada e o feminicídio faça tantas vítimas.

Justo não é um país que facilita o acesso a armas porque o Estado se revela incompetente para garantir a vida dos seus cidadãos, ou porque seu mandatário é sócio eventual de criminosos.

Onde haverá vida que valha a pena ser vivida quando se nega a Ciência, desmoralizam-se as verdades e falseia-se o verdadeiro significado do que seja liberdade de expressão?

Por democracia entende-se o regime onde as leis prevalecem, onde os poderes são independentes e a vontade popular se expressa periodicamente por meio do voto.

Nelson Motta - Que centro é esse?

- O Globo

Seria uma área equidistante da centro-esquerda e da centro-direita, com políticos moderados

Bolsonaro anunciou que o Brasil se tornou uma referência mundial no enfrentamento da pandemia. É verdade. Só que é referência negativa, tudo o que não se deve fazer para combater o coronavírus. Todo mundo sabe que o Brasil está em segundo lugar, só atrás dos Estados Unidos, mas em mortos. Pelo menos eles já começaram a se vacinar e foram os primeiros a comprar vacinas, nós estaremos entre os últimos. Ninguém pode contestar isso com fatos e argumentos. Ofensas, xingamentos e ameaças não mudam nada nem respondem a perguntas. Bolsonaro acha que os laboratórios deveriam estar mais interessados em vender a um grande mercado como o Brasil, mas, como há mais procura do que vacinas, são os governos que estão disputando seus produtos. O cara quer revogar até a lei da oferta e procura.

Reflexos eleitorais – Mudanças no equilíbrio de forças reorganizam alianças nos estados para 2022

Novos mandatários dos 95 municípios brasileiros com mais de 200 mil eleitores já debatem apoios ou buscam cacifar o próprio nome para a eleição de governador daqui a dois anos

Bernardo Mello / O Globo

RIO — Encerrado o ciclo das eleições municipais, cujo marco final é a posse dos novos prefeitos, hoje, a reorganização das forças políticas locais já aponta para as alianças estaduais que poderão ser formadas em 2022. A análise dos 95 municípios brasileiros com mais de 200 mil eleitores, grupo de cidades que inclui capitais e centros regionais com peso político, mostra que os novos mandatários já debatem apoios ou buscam cacifar o próprio nome para a eleição de governador daqui a dois anos.

Em estados como Minas Gerais, Bahia e Pernambuco, vitórias nas grandes cidades deram fôlego a adversários dos atuais governadores — respectivamente, Romeu Zema (Novo), Rui Costa (PT) e Paulo Câmara (PSB). No Rio e em São Paulo, os resultados evidenciam a necessidade de jogo de cintura do atual governante para formar palanques nos municípios até o próximo pleito.

Uma das poucas exceções de reveses de governadores foi o Paraná, onde Ratinho Júnior (PSD) colheu saldo positivo com vitórias de aliados em Curitiba, com Rafael Greca (DEM), além de Maringá, Ponta Grossa e Cascavel.

PSDB pressiona Doria

Em São Paulo, estado que reúne quase um terço (28) das grandes cidades brasileiras, o governador João Doria (PSDB) viu uma redução de sua influência nas áreas de maior densidade eleitoral — o PSDB venceu em dez dessas cidades, quatro a menos do que em 2016. Embora membros do partido apontem que Doria tem “o poder da caneta”, o que tende a facilitar a reunião de apoios para lançar o vice Rodrigo Garcia (DEM) como candidato à sucessão, uma ala do partido deseja um tucano como cabeça de chapa e procura abrir caminho para o ex-governador Geraldo Alckmin. O prefeito reeleito de Ribeirão Preto, Duarte Nogueira, que foi secretário de Agricultura e Transporte nas gestões de Alckmin, é um dos que defendem a candidatura própria.

Outro ex-governador, Márcio França (PSB), provável candidato em 2022, também busca arregimentar apoios de prefeitos críticos a Doria. Apesar de o PSB só ter vencido uma das grandes cidades — Guarujá, onde o prefeito reeleito, Valter Suman, é adversário declarado de Doria —, França tem boa relação com prefeitos que enfrentaram oposição do PSDB neste ano, como Dario Saadi (Republicanos), eleito em Campinas, e Guti (PSD), reeleito em Guarulhos. Ambos atacaram Doria por conta de medidas restritivas durante a pandemia, uma reclamação compartilhada até por prefeitos próximos ao governador, como Orlando Morando (PSDB), reeleito em São Bernardo do Campo.

No Rio, o governador Cláudio Castro (PSC), que assumiu após o afastamento de Wilson Witzel, busca se aproximar de prefeitos de olho no cenário de 2022. Com uma provável mudança de partido, mas ainda sem destino definido, Castro fez acenos a prefeitos eleitos, como Eduardo Paes (DEM) no Rio e Wladimir Garotinho (PSD) em Campos, e ao reeleito Washington Reis (MDB), em Duque de Caxias — que deseja concorrer ao Palácio Guanabara. Assim como Castro, Reis mantém diálogo com diferentes grupos, como o do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que ainda não projetaram um nome para disputar o governo.

Celso Ming - Trump e os 74 milhões que nele votaram

- O Estado de S. Paulo

Falta saber se as políticas do presidente Biden vão convencer a metade trumpista da população a mudar o ponto de vista

Donald Trump foi derrotado nas eleições e pelos próximos quatro anos não mais ocupará o Salão Oval da Casa Branca. Mas os 74 milhões que nele votaram continuarão a escalavrar a vida social dos Estados Unidos. As forças que nele se penduraram continuam aí, irredutíveis em seus pontos de vista.

Há um caldo de frustração e de ressentimento que continua tomando conta da vida política dos Estados Unidos. Os historiadores, sociólogos e cientistas políticos continuarão a analisar o fenômeno que está associado ao desmanche do sonho americano. Pelo menos metade da população sente que desapareceu tanta coisa com que contava, talvez para sempre, de suas vidas e das vidas das gerações seguintes.

As oportunidades se estreitaram, o desemprego aumentou, o ensino já não prepara mais para a vida profissional, o salário é uma parcela do que dele se esperava, a casa própria começa a ficar inacessível. A aposentadoria se esvai pelas razões acima apontadas e porque as aplicações financeiras são corroídas por juros reais negativos. 

Pedro Doria – Menos Mises, mais Mill

- O Estado de S. Paulo / O Globo

O 2020 foi tão intenso, gera tanta expectativa para 2021, que esquecemos que começa uma década

Aquele 2020 foi tão intenso, gera tanta expectativa para este 2021 e mal esquecemos que hoje não é só um ano que começa. É, também, uma década. Os anos 20 do século passado foram os da esperança, da celebração de vida pós-Primeira Guerra e gripe espanhola, enquanto a democracia liberal desmoronava no entorno perante fascistas e bolcheviques. Estes nossos anos 20 não precisam ser assim. Mas, para que seja um tempo de esperança, precisamos compreender que o Brasil está muito atrasado para chegar ao século XXI. E isto pode representar uma crise muito séria.

Na década de 10, apostamos numa imagem de país que data dos anos 1950. Apostamos em petróleo, em estaleiros, numa indústria hidrelétrica que ignora a mata e, claro, na agroindústria. Nada contra. Mas deveríamos ter colocado mais fichas na indústria de software, no conhecimento genético, energia limpa, e incrementado em muitos níveis a educação para termos brasileirinhos bem formados em matemática. No final deste século, trocamos aquela visão por outra – a dos ditadores dos anos 1960. China, Índia e Rússia mergulharam no século XXI. Pois é.

O problema é o seguinte: nesta década que entra algumas tecnologias vão se encontrar. São 5G, a inteligência artificial que chamamos “aprendizado de máquina” e robótica. O resultado será a completa automação do mundo físico. O resultado será também uma imensa onda de desemprego.

Hélio Schwartsman - Parabéns aos argentinos

- Folha de S. Paulo

Cabe à mulher, não a seus vizinhos, definir se ela vai ou não levar uma gravidez adiante

A Argentina legalizou o aborto. Isso é bom ou é mau? Para afirmar peremptoriamente que é mau, como fazem muitos religiosos e alguns não religiosos, é preciso postular alguma forma de realismo moral, isto é, sustentar que o certo e o errado são realidades objetivas e acessíveis às pessoas e que a interrupção voluntária da gravidez se insere na coluna dos erros. Não creio que seja tão fácil.

Para os religiosos menos sofisticados, o realismo é um dado: Deus nos revelou nas Escrituras uma moral eterna; cabe-nos apenas obedecê-la. É claro que as coisas não são tão simples, e não falo apenas das contradições e omissões mais flagrantes dos textos sacros. As complicações do realismo assombram até os que têm uma visão mais sofisticada dos problemas. Basta lembrar que foi apenas dois anos atrás que a Igreja Católica resolveu condenar a pena de morte.

Nelson Barbosa - O ano da vacina

- Folha de S. Paulo

Se é para ter torcida de vacina, que seja para que vacinas funcionem, qualquer uma delas

Começou o ano da vacina. Em um processo recorde de investimento e inovação, já há várias alternativas de imunização sendo aplicadas contra a Covid-19, e isso tende a dominar o debate político e econômico no início de 2021.

Alguns colegas colunistas têm feito um trabalho incrível na tradução de informações do mundo da vacina, comentando "RNA mensageiro" e "betapropriolactona" com a mesma desenvoltura que nós, economistas, falamos de renda e emprego. Não me aventuro em questões técnicas de imunologia, mas creio que um pouco de bom senso e economia pode nos ajudar a navegar 2021.

Em primeiro lugar, recomendo evitar a torcida por tipo de vacina. Como há várias alternativas, já despontou o debate sobre qual é a melhor opção. Isso é natural, mas já tem político nacional querendo se apropriar de inovação estrangeira, como se a vacina A fosse do governador X e a vacina B fosse do presidente Y.

Na era das redes antissociais, é preciso repetir o óbvio: o sucesso de uma vacina não impede que as outras também funcionem! O processo de inovação tecnológica se caracteriza por tentativa e erro, com adaptação e aprendizado ao longo do caminho. Se é para ter torcida de vacina, que seja para que vacinas funcionem, qualquer uma delas.

Segundo, evite o complexo de neoliberal papalvo, aquele que acha que o Brasil deveria comprar tudo de fora em vez de desenvolver produção no país. No caso da vacina, uma coisa não exclui a outra, sobretudo quando todos os governos do mundo já deixaram claro que restrição orçamentária não é desculpa para gastar pouco contra a pandemia.

Ignácio de Loyola Brandão* - Por que não liguei?

- O Estado de S. Paulo

Olho o montão de caixas. O que há nelas? Outros pequenos e insignificantes mistérios?

Não pensem que foi por estar próximo ao final de ano, quando se diz que é hora de fazer revisões ou mudanças. Nada disso. De repente, me deu aquilo que o povo chama de “cinco minutos”, repentino ataque de coragem e joguei fora papéis, recortes, cadernos, fotos, anotações, caixinhas, vidrinhos, bibelôs que nem sabia ter. Há dias, olhei para uma caixa e me perguntei: o que tem ai? Abri e dei com pacotes de papel pardo, embrulhinhos, envelopes. 

Na hora, lembrei-me de meu pai que mantinha uma velha cesta de Natal de vime em cima do guarda-roupa. Um dia, ele chamou a mim e ao meu irmão Luis Gonzaga e abriu a cesta. De dentro, jorraram recortes de jornais, fotografias, santinhos, cartas para minha mãe, páginas datilografadas. “São contos que escrevi. Tem uma poesia do meu pai, feita aos 21 anos. Isto vai ficar para vocês, depois que eu morrer.” Um dos contos e a poesia do meu avô, recolhi. Os resto desapareceu, sabe-se lá como. Pessoas e memórias se dissolvem. Quanto a este avô, José Maria, ele é o personagem de meu livro Os Olhos Cegos dos Cavalos Loucos. A escrita serve para recuperarmos pessoas e coisas.

Assim, abri minha caixa. Dela, saltaram pacotes, pacotinhos, envelopes. Os pacotes, lembrei-me, são de primeiras edições de livros meus, embalei para que não fossem atingidos pelo tempo, por roedores, poeira, umidade. Como se roedores recuassem diante de uma folha de papel pardo!

Achei um envelope enviado por um senhor chamado Livio Euler de Araujo, assessor técnico em metalurgia. Datado de 2011, há um bilhete: “Sou seu leitor assíduo, tenho 87 anos e me considero em fim de vida. Sou amante de aviões, locomotivas, trens e carros. Sou apreciador de Araraquara, que frequentei durante vários anos, a serviço. Moramos na mesma região e tenho imenso prazer em convidá-lo para um papo sobre os assuntos comuns aos dois. Faço uma bela caipirinha preparada com um blend de cachaças de variada procedências.” Vinha o telefone para marcar o encontro que nunca se deu. 

Porque esta carta ficou perdida em meio a outros envelopes, papéis, contas, rascunhos, marketing, folhetos. Liguei para o número. Tocou, tocou. Nada. Liguei de novo à tarde. Nada. Foi na semana anterior ao Natal. Talvez a família tivesse viajado. Agora, estou apreensivo. O telefone toca até cessar de repente. Mas subitamente Livio me liga. Ou não mais. Se, em 2011, ele tinha 87, pode estar hoje com 96. 

Flávia Oliveira - Carta para Isabela

- O Globo

Reverencio em você, filha, as mulheres que levaram adiante gestações neste ano sequestrado por contágio

Filha minha,

O menino nasceu e com ele uma mãe, um pai, três avós, três avôs, muitas tias, muitos tios — sim, é um arranjo familiar complexo, que ele vai precisar de tempo para dominar. No coração, a matemática é simples: multiplicam-se os aparentados, unifica-se o clã. Martin é produto de dois ramos de oliveira aproximados pelo amor. É Oliveira ao quadrado, de mãe e pai. Por causa dele, toda essa gente tornou-se comunidade, aldeia, tribo. Do dia para a noite, é tudo sobre ele. É dele nossa torcida; dele nossa fé, reza e devoção. Por ele, festa e preocupação; descanso e despertar. Para ele, amor.

Na derradeira segunda-feira deste ano que encerra a segunda década do século XXI, tambores e sinos ecoaram para anunciar a mudança em nossas vidas. Eu ouvi. Era dia de Exu, orixá que é palavra e movimento; e das Santas Almas Benditas, representação de nossos antepassados. No mesmo endereço onde, quase 25 anos atrás, eu me tornei mãe, você deu à luz o seu menino, meu neto. Tuas mãos de dedos longos, que hoje seguram a cabeça do bebê e a orientam na direção do seio para o alimento, estão nele. E a boca. E a orelhinha mordida que herdou do teu pai.

Nascido ao meio-dia, quando reina Obaluaê, senhor da terra, da peste e da cura, a quem reverenciamos com silêncio e recolhimento, Martin é sol. Eclipsou-nos. Tornou-se o centro de nossa constelação familiar. É flor que brotou do asfalto fumegante de uma temporada terrível de doença e morte globais, de indiferença e irresponsabilidade nacionais. Como todos os nascidos em 2020, ele veio para lembrar que a vida se impõe. Floresceu na dupla clausura: além do útero, as paredes do confinamento imposto pela ciência durante a pandemia da Covid-19, experiência que vai marcar todas as gerações deste tempo.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Ainda faltam 17,5 mil horas – Opinião | O Estado de S. Paulo

O Brasil conta as horas para o fim do governo de Bolsonaro. A partir de hoje, quando se completa a 1.ª metade do mandato, faltarão 17,5 mil – uma eternidade

O Brasil conta as horas para o fim do governo de Jair Bolsonaro. A partir de hoje, quando se completa a primeira metade do mandato, faltarão cerca de 17,5 mil – uma eternidade, considerando-se que se trata do pior governo da história nacional.

Se os dois primeiros anos da gestão de Bolsonaro servem de parâmetro para o que nos aguarda na segunda parte do mandato, o Brasil nada pode esperar senão mais obscurantismo, truculência e incapacidade administrativa, pois essa é a natureza de um governo cujo presidente não se elegeu para governar, e sim para destruir.

Não se tem notícia de que alguma das promessas formais de campanha de Bolsonaro tenha sido cumprida. Ele e seu “superministro” da Economia, Paulo Guedes, passaram quase toda a primeira metade do mandato a anunciar privatizações em massa, desenvolvimento econômico, criação de empregos, modernização do Estado e competitividade internacional. A frustração de todos esses retumbantes compromissos levou o ministro Paulo Guedes a anunciar: “Acabou. Não prometo mais nada”.

Poesia | Ferreira Gullar – Ano Novo

Meia noite. Fim
de um ano, início
de outro. Olho o céu:
nenhum indício.

Olho o céu:
o abismo vence o
olhar. O mesmo
espantoso silêncio
da Via-Láctea feito
um ectoplasma
sobre a minha cabeça:
nada ali indica
que um ano novo começa.

E não começa
nem no céu nem no chão
do planeta:
começa no coração.

Começa como a esperança
de vida melhor
que entre os astros
não se escuta
nem se vê
nem pode haver:
que isso é coisa de homem
esse bicho
estelar
que sonha
(e luta)