segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Paulo Fábio Dantas Neto* - Meio de campo já!


 “Prezado amigo Afonsinho

Eu continuo aqui mesmo
Aperfeiçoando o imperfeito
Dando um tempo, dando um jeito
Desprezando a perfeição

Que a perfeição é uma meta
Defendida pelo goleiro
Que joga na seleção
E eu não sou Pelé nem nada
Se muito for, eu sou um Tostão
Fazer um gol nessa partida não é fácil, meu irmão

 (Gilberto Gil, “Meio de campo”)

Devo a Luiz Sergio Henriques, amigo, parceiro, botafoguense roxo, acostumado a remar contra a maré, a dica poético-musical para inspirar um artigo sobre política brasileira em semana tão áspera. Parte da aspereza é notar como é difícil, a qualquer bom meia armador, fazer trabalho de costura e ligação quando a tática da moda confia mais em zagueiros e virtuais artilheiros.

Este texto destoa da lógica que orienta pedidos, de boa-fé ou não, para que o Presidente da Câmara dos Deputados se imponha ao tempo e à experiência e aja como senhor da razão, disparando um processo de impeachment contra um Presidente da República aprovado por um terço dos brasileiros e apoiado, no momento, por parte considerável da própria Câmara. Apesar dessas más notícias, acham que o gesto não importaria tanto por suas consequências práticas, mas por despertar a sensação de não se estar parado. Ela parece vital, para esses cidadãos mobilizados, como oxigênio para os pacientes objetivamente exasperados de Manaus

Certamente essa consciência cívica foi atiçada, de alguns dias para cá, por aquilo que muitos pensam ter sido uma boa lição da vitória que a sociedade norte-americana e seu sistema político acabam de lograr contra Donald Trump. O gosto de imitar o que vem “de lá”, faz louvar o uso político que ali fazem de um processo de impeachment como se devêssemos aprender a fazê-lo, sem considerar que lá, ao contrário de aqui, o processo não implica em afastamento imediato do presidente do cargo, até o julgamento pelo Senado. E como se essa medida simbólica, ao “enodoar” Trump, pela segunda vez, fosse parte da vitória e sintoma do seu merecimento. 

Desculpem, mas a meu ver, ela expressa uma prodigalidade de democratas exaltados e embriagados pelo sucesso eleitoral. Confundiram o espaço aberto pela vitória de Biden com senha para abolir o trumpismo por voluntarismo institucional. O que se diria de um processo de impeachment de um presidente em rito sumário - sem ferir a letra da Constituição, mas ignorando a tradição de formar uma Comissão de Justiça para instruir o processo antes da decisão - caso a proeza fosse cometida no Paraguai? Certamente algo diferente do reconhecimento da “robustez” do sistema norte-americano e das virtudes cívicas (leia-se coragem) de seus líderes e cidadãos. Por outro lado, analistas que apontam, compenetrada e burocraticamente, diferenças entre Brasil e EUA, conseguem, em geral, ver duas. Lá tem cadeia pra valer; lá não se baixa a cabeça. Óbvio que a comparação desfavorece o Brasil na linha de criticar "jeitinho" e conciliação como marcas de atraso.

Ricardo Noblat - Bolsonaro escolheu ser o coveiro dele mesmo

- Blog do Noblat | Veja

Doria fez barba, cabelo e bigode no presidente

Na medida em que se enfraquece, o presidente Jair Bolsonaro perde mais e mais o controle sobre os fatos produzidos ou não por seu governo. Dois episódios de ontem provam isso.

Os cinco diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), nomeados por ele, anunciaram ao país que não existe tratamento preventivo contra a Covid-19.

Desmentiram Bolsonaro em transmissão nacional de rádio e de televisão. Até o ministro da Saúde, o general de peito estufado Eduardo Pazuello, também o fez com todo o cuidado do mundo.

Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) deu início à vacinação em massa, o que o Ministério da Saúde disse que só poderia acontecer depois de sua autorização.

Doria também reteve a cota paulista de doses da vacina fabricada pelo Butantan que o Ministério da Saúde esperava receber para em seguida devolver a São Paulo. Uma estupidez, por certo.

Foi um ato de rebeldia do governador que, ao ser acusado por Pazuello de promover um “golpe de marketing”, respondeu que há 11 meses Bolsonaro promove um “golpe de morte”.

O presidente da República vai fazer o quê? Processar Doria? Pressionar a Justiça para que mande prendê-lo por crime de desobediência civil? Se o fizer, perderá.

Vamos ao mantra adotado por 9 entre 10 estrelas da política: presidente pode muito, mas não tudo. Bolsonaro, por mais que diga o contrário aos berros, cada dia que passa manda menos.

Fernando Gabeira - Quando falta oxigênio

- O Globo

É preciso lembrar que o colapso em Manaus não está assim tão longe de outras regiões do Brasil. No Rio, chegamos ao limite

Escrevi um artigo sobre vários temas, sobretudo vacina, e sobre as pessoas morrendo por falta de oxigênio em Manaus.

Aos poucos, as pessoas morrendo por falta de oxigênio em Manaus foram deslocando os outros tópicos para o canto da página e ocuparam todo o espaço. Impossível falar de outra coisa quando há pessoas morrendo por falta de oxigênio nos hospitais.

Desde a semana passada, estava de olho em Manaus. Minha intuição indicava que a descoberta pelos japoneses de uma variante do coronavírus em turistas vindos da Amazônia merecia atenção.

Essas mutações do vírus, de um modo geral, se dão na proteína “spike” e facilitam a propagação. Os ingleses, que vivem um problema semelhante, perceberam e logo proibiram voos do Brasil.

Mas, ao mesmo tempo que perseguia as notícias sobre as mutações do vírus, acompanhava a crise nos hospitais de Manaus. Primeiro foi o alerta de que faltaria oxigênio. Depois vi uma entrevista do presidente do Sindicato dos Médicos do Amazonas, Mario Vianna, descrevendo o caos e dizendo que os doentes mais ricos estavam fugindo para o aeroporto em busca de salvação.

Cheguei a pensar na hipótese de que iriam isolar Manaus. Roraima fez uma barreira na Manaus-Boa Vista, e o Pará decidiu bloquear os viajantes pelos rios.

Ana Maria Machado - Quebradeira, rachadinha e ruptura

- O Globo

A incompetência do governo passa dos limites. Outros países já vacinam há mais de um mês, enquanto aqui se enrola

 ‘O Brasil está quebrado, e eu não posso fazer nada’, afirmou o presidente. E jogou a culpa na mídia por exagerar a pandemia. Já se falou na leviandade e nas possíveis consequências econômicas dessas palavras. Não faltou quem, com todas as letras e dados numéricos, demonstrasse que, além de irresponsabilidade, trata-se de mentira pura e simples. Afinal, ele corta impostos de videogames, armas e igrejas, dá aumentos a policiais, anistia desmatadores e criminosos ambientais, multiplica privilégios a militares. Tudo em crescente aumento de gastos públicos e perda de arrecadação. E, ainda por cima, não faz nada para melhorar o ambiente de negócios ou diminuir o custo Brasil — o que ficou evidente com os anúncios da saída da Mercedes e da Ford do país, ou o PDV do Banco do Brasil.

No entanto a aparente besteira dita por Sua Excelência atinge seu objetivo — sempre o mesmo. O de criar polêmica, fazer discutir o irrelevante, distrair a plateia e desviar as atenções dos problemas de sua família na área criminal. Enquanto se discute a quebradeira, não se fala em rachadinha. E ele manobra para manter o cargo, ser reeleito e assegurar impunidade a todos os seus.

Cacá Diegues - O quinto mandato

- O Globo

Na última pandemia, no terceiro para o quarto mandato, o presidente mandou todo mundo tomar vermífugo

Quem me lê sabe que não costumo publicar nem discutir na coluna mensagens de leitores. Prefiro fazê-lo pessoalmente, por e-mails que eles me indicam. Mas desta vez não posso deixar passar em brancas nuvens o que é dito aqui, vocês vão entender por quê. Para facilitar a leitura, fiz as devidas correções no português do texto original, que tanto podia ser arcaico quanto futurista. Como seu tema. Eis o e-mail que recebi semana passada:

“Prezado escriba. Ainda tenho comigo o jornal de ontem, onde se encontra sua coluna desta semana. Sou seu habitual leitor, mas não posso ver o Brasil maltratado sem me meter. Sou como o nosso presidente: Brasil acima de tudo (e, claro, Deus acima de todos)! O presidente é o homem mais incompreendido do planeta, e o senhor, como bom brasileiro, não devia colaborar com as injustiças de que ele é vítima.

Por exemplo, o desmatamento não é em absoluto a causa principal das queimadas na Amazônia. Quando o fogo chega lá, as árvores já estão no chão atraídas por lei natural. Essa é a narrativa do progresso: quando há um acidente, surge também uma oportunidade. Mas os índios e os caras que moram lá sabotam o progresso, não cedem um centímetro de terra para modesta mineração, nem um riozinho sem importância para uma hidrelétrica. A floresta fica interditada. Os índios, que eram uns 4 milhões quando Cabral aqui chegou, hoje são menos de 200 mil gatos-pingados. E nós é que vamos pagar pelo descaso deles com a descendência?

Marcus André Melo* - Golpes com adjetivos

- Folha de S. Paulo

Na medida que golpes tornaram-se raros ou desapareceram, o termo passou a ser utilizado adjetivado

Muitos analistas tem discutido se a invasão do capitólio americano representa um golpe, ou um autogolpe.

A rigor, com alguma licença poética, podemos denominar qualquer coisa de golpe. O interesse pela questão relaciona-se com um debate mais amplo sobre a “morte da democracia” nos EUA —embora o que tenhamos assistido é a sua sobrevivência. Afinal, o partido republicano perdeu o controle da Câmara, em 2018, e agora do Senado e a presidência.

Aqui não há surpresas, embora o debate confirme uma conclusão instigante de Marsteintredet e Malamud em um paper intitulado “Golpes com adjetivos”. Na medida que os golpes tornaram-se raros ou desapareceram o termo passou a ser utilizado com mais frequência e adjetivado: golpe branco, parlamentar, judicial, autogolpe, etc.

Os autores mapearam o uso do termo na literatura acadêmica e a frequência anual de golpes desde 1804, e mostram que a disjunção entre eventos e referências acadêmicas só começa nos anos 1990. Concluem que quando a ocorrência de um conceito diminui, o conceito expande-se para incluir exemplos que previamente excluía.

Nas democracias atuais, a distinção legal/ilegal é crucial para caracterizar golpes: “o perigo conceitual é misturar golpes com táticas legais para a substituição de governos”, como impeachments, que tem se tornado cada vez mais frequentes. A confusão conceitual impede que se reconheça o avanço institucional ocorrido sinalizado pelo fato que os golpes tornaram-se eventos raros.

Celso Rocha de Barros* - Manaus Can't breathe'

- Folha de S. Paulo

Jair Bolsonaro é o policial com o joelho no pescoço de Manaus enquanto a cidade grita

Jair Bolsonaro é o policial com o joelho no pescoço de Manaus enquanto a cidade grita “I can’t breathe”.

Durante toda a pandemia, o presidente da República oscilou entre a negligência criminosa e a sabotagem sádica contra quem pelo menos tentasse combater a doença —como alguns ministros e governadores tentaram.

Três semanas antes da tragédia de Manaus, Bolsonaro aumentou o imposto de importação dos cilindros de oxigênio —enquanto baixava as tarifas para as armas que pretende usar em seu golpe de Estado. Bolsonaro faz campanhas contra vacinas e contra o uso de máscaras. Bolsonaro nos colocou no fim da fila do mundo para a vacinação, não só por sua conhecida falta de disposição para o trabalho, mas também por psicopatia: torceu contra e gargalhou com cada notícia ruim sobre as vacinas compradas pelo governador João Doria. Até que chegou o dia em que viu que não tinha jeito e resolveu confiscá-las e mentir que quem as comprou foi ele.

Ruy Castro - Trump sai, Bolsonaro continua

- Folha de S. Paulo

Nos EUA, um país a reconstruir; no Brasil, a possibilidade de não haver mais país

Em “De Volta para o Futuro” (1985), Michael J. Fox, vindo daquele ano, vai ao passado pela primeira vez e se refere a Ronald Reagan como o presidente dos EUA. Christopher Lloyd, o cientista, não acredita: “Reagan, o ator? Presidente dos EUA??? E quem é o vice? Jerry Lewis???”. Em 1955, ano em que se passa a história, Reagan, já relegado a filmes B, não poderia ser o presidente nem na tela —papel reservado a atores sóbrios e amados, como Henry Fonda, Ralph Bellamy, Fredric March—, quanto mais na vida real. Pois, em 1980, a vida real elegeu Reagan. Pena que sem Jerry Lewis.

Claro que, diante de Donald Trump, Reagan ganhou estatura de estadista, digno sucessor de Washington, Lincoln e Franklin Roosevelt. Trump rebaixou o cargo a níveis que nem o genocida James Buchanan (1857-61), o imoral Richard Nixon (1969-74) e o mentiroso George W. Bush (2001-09) se atreveram. Fez isto somando e absorvendo as piores ignomínias desses três e acrescentando a última audácia que os EUA esperariam de seu presidente —um projeto de golpe e ditadura.

Catarina Rochamonte - Guerra ideológica não vence vírus

- Folha de S. Paulo

Cobremos dos políticos, mas cobremos também de nós mesmos para que nossas atitudes não potencializem o caos

O Brasil tem enfrentado um problema cultural, cujo reflexo político é mais evidente que sua origem. Carente de uma visão de mundo coerente pela qual analisar a realidade, envolta nos problemas do dia a dia e indisposta em relação àqueles que tentam oferecer qualquer reflexão ou análise que mostre os contornos nuançados do real, a maioria se contenta com discursos fáceis, eivados de chavões, rótulos e visões reducionistas de fatos e pessoas, apropriando-se rapidamente da retórica belicosa que entra em ressonância com as forças obscuras que nos colocam em confronto como se o outro fosse um inimigo, não o próximo. É assim que narrativas à esquerda e à direita vão transformando o mundo social e digital em uma poça de lama de ideias preconceituosas e violentas.

Bruno Carazza* - Vacina contra a incompetência

- Valor Econômico

Estamos condenados a conviver com a covid e a escassez

A aprovação da Anvisa para o uso emergencial das vacinas produzidas pelo Butantan e pela Fiocruz e a aplicação das primeiras doses na população trazem esperança e alívio, mas estão longe de colocar um fim à tragédia que já levou à morte quase 210 mil brasileiros.

A saga da vacinação contra a covid-19 é mais um reflexo do problema de coordenação gerado deliberadamente por Bolsonaro desde o início da pandemia por motivos políticos e ideológicos. Sem uma gestão unificada para o enfrentamento da crise e a busca de soluções, os governos federal, estaduais e municipais lançaram-se numa corrida na qual toda a população saiu perdedora.

Ao contrário de outras nações, que desde o princípio negociaram com diversos fornecedores para minimizar o risco, o Brasil errou na sua estratégia de apostar todas as fichas em apenas dois laboratórios. As 160 milhões de doses contratadas junto à AstraZeneca e à Sinovac não serão suficientes para atender, em duas rodadas, um país com 210 milhões de habitantes - mesmo que a Fiocruz alcance o objetivo de produzir outras 110 milhões de unidades entre agosto e dezembro.

Segundo o Plano Nacional de Vacinação, haveria ainda a intenção de adquirir 108 milhões de ampolas da Pfizer/BioNTech e da Janssen, mas os contratos sequer foram assinados, e há a promessa de receber outras 42,5 milhões do consórcio Covax Facility, mas sem um cronograma de entrega definido.

Denis Lerrer Rosenfield - A ideologia bolsonarista

- O Estado de S. Paulo

É uma concepção de extrema direita, que não se confunde com direita conservadora e liberal

A ideologia bolsonarista configura um caso de concepção de extrema direita, que não se deixa confundir com posições de direita conservadora e liberal. Ela se constitui enquanto conjunto de ideias que estrutura a sua ação, visando à instituição de sua própria forma de poder. Criticá-la por “insensata”, “maluca”, “macabra” ou “contraditória” realça isoladamente determinados aspectos seus sem, no entanto, abarcar a sua totalidade. São posições que, por assim dizer, se situam em outra perspectiva, a de uma normalidade que é posta em questão. Vejamos alguns de seus eixos estruturantes.

A figura do líder – Bolsonaro se produz como um líder de massas, que com elas procura estabelecer uma interação direta, sem o uso de mediações, como a Câmara dos Deputados e o Senado. Ou seja, a representação política é objeto de escárnio, salvo nos casos em que se torna necessária, como hoje ocorre com o restabelecimento das relações com alguns partidos políticos, por temor de impeachment ou de perda de poder. Seu objetivo consiste em colocar-se acima das instituições e da sociedade, como se só ele soubesse o que é melhor para elas. Não hesita em se colocar como grande médico e cientista, prescrevendo medicamentos ineficazes, como a cloroquina. Sozinho sabe o que é melhor para a saúde dos brasileiros, menosprezando a ciência por princípio. Em outra versão, é o “super-homem” contra os “maricas”. Eis por que é tratado por mito, por maior que seja a bobagem que diga. O mito é o lugar do seu saber.

Anvisa defende imunização e manda recados ao governo federal

Em reunião de cinco horas, diretores destacam a autonomia e a competência do corpo técnico da agência

Por Estevão Taiar / Valor Econômico

SÃO PAULO - A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou ontem por unanimidade o uso emergencial das vacinas Coronavac e da AstraZeneca, em uma reunião de mais de cinco horas em que os diretores fizeram defesas enfáticas da importância da vacinação e da ciência. Uma pendência burocrática, entretanto, ainda pode atrapalhar a distribuição da Coronavac. A decisão foi tomada em uma reunião de mais de cinco horas, em que os diretores fizeram defesas enfáticas da importância da vacinação, deram recados ao governo federal e destacaram a autonomia e a competência do corpo técnico da Anvisa.

A autarquia condicionou a aprovação ao envio de um termo em que o Instituto Butantan se compromete a submeter mais dados sobre imunogenecidade - a capacidade que uma vacina tem de estimular a produção de anticorpos. Além disso, tanto o Butantan quanto a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), responsável pela AstraZeneca, precisam continuar a realizar estudos e fornecer o dados para que as vacinas tenham registro definitivo.

Três gerências da Anvisa recomendaram a aprovação das duas vacinas: medicamentos e produtos biológicos; inspeção e fiscalização sanitária; monitoramento de produtos. A gerência de medicamentos e produtos biológicos fez questão de destacar que a recomendação estava baseada, entre outros fatores, na “ausência de alternativas terapêuticas”. O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, vêm defendendo um tratamento precoce à base de medicamentos como a cloroquina - cuja eficácia não tem comprovação científica. Bolsonaro afirmou até mesmo não se vacinará. Também foi levada em conta pela Anvisa o crescimento recente do número de casos. Outro ponto importante é que a decisão vale apenas para os imunizantes importados, não para os produzidos no Brasil.

Doria sai vitorioso da “guerra da vacina”

Autorização da Coronavac pela Anvisa permitiu ao governo de São Paulo fazer ontem primeira aplicação

Por André Guilherme Vieira, Camila Souza Ramos e Juliana Schincariol — Valor Econômico

São Paulo e do Rio - Começou ontem, com grande atraso em relação a dezenas de países e em meio à aceleração do contágio, a vacinação no Brasil contra o novo coronavírus. A enfermeira Mônica Calazans, de 54 anos, foi a primeira pessoa a ser imunizada pela coronavac, vacina produzida pela empresa chinesa Sinovac e comprada pelo Instituto Butantan, do governo de São Paulo. Além de Calazans, cerca de cem pessoas, entre profissionais da área de saúde e indígenas, foram vacinadas no domingo, segundo informaram autoridades paulistas.

O início da vacinação só foi possível porque, ontem, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso emergencial da coronavac, atendendo ao pedido do Instituto Butantan, e da Oxford-AstraZeneca, a ser comprada pela Fiocruz, fundação vinculada ao governo federal. Ao aprovar o uso das duas vacinas, a Anvisa o fez por critérios técnicos, contrariando receios de que retardaria a autorização devido à postura anti-vacina do presidente Jair Bolsonaro. Agora, a Anvisa vai analisar as outras quatro milhões de doses produzidas pelo Butantan.

“Hoje é o dia da vacina, da verdade, da vida”, disse o governador João Doria em entrevista, fazendo alusão ao ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que afirmara na semana passada que a vacinação começaria “na hora H e no dia D”. “Hoje é um dia muito especial para todos que estão sofrendo nos centros de saúde, em suas casas e para aqueles que estão em suas casas se protegendo e ajudando a proteger suas famílias”, acrescentou Doria, que assistiu virtualmente à reunião da Anvisa, acompanhado de cientistas.

Governador de SP ataca ‘negacionismo’

Durante a coletiva, um grupo de médicos vacinou profissionais da saúde e indígenas

Por Camila Souza Ramos e Chiara Quintão | Valor Econômico

SÃO PAULO - Depois da aprovação para uso emergencial pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) da Coronavac e da vacina da AstraZeneca, o governador João Doria afirmou ontem que espera que o início da vacinação contra a covid-19 sirva de lição para os negacionistas. “Que sirva de lição aos que flertam com a morte e com o autoritarismo”, disse, em entrevista coletiva, no Hospital das Clínicas, na capital paulista.

Doria disse que a imunização representa “o triunfo da ciência, o triunfo da vida, contra os negacionistas, os que preferem o cheiro da morte”. “Quero registrar o crédito à ciência, ao Instituto Butantan”, afirmou.

Durante a coletiva, um grupo de médicos vacinou profissionais da saúde e indígenas. Cerca de uma hora após os diretores da Anvisa declararem seus votos favoráveis ao uso emergencial, pouco mais de 100 pessoas já haviam recebido o imunizante. O governo estadual prevê começar a distribuir as vacinas do Estado de São Paulo ao longo desta semana.

São Paulo antecipa-se, inicia a vacinação e Pazuello reage

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso emergencial da Coronavac e da vacina produzida pela Astrazeneca em parceria com a Universidade Oxford

- Valor Econômico

São Paulo, Rio e Brasília - Começou ontem, com grande atraso em relação a dezenas de países e em meio à aceleração do contágio, a vacinação no Brasil contra o novo coronavírus. A enfermeira Mônica Calazans, de 54 anos, foi a primeira a ser imunizada pela Coronavac, vacina produzida pela chinesa Sinovac e comprada pelo Instituto Butantan, do governo de São Paulo. Cerca de cem pessoas, entre profissionais da área de saúde e indígenas, foram também vacinadas.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso emergencial da Coronavac e da vacina produzida pela Astrazeneca em parceria com a Universidade Oxford, para alívio dos que temiam a influência política do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que reiteradamente vem posicionando-se contra a vacinação.

Marcada por uma renhida disputa política entre o governador paulista, João Doria (PSDB), e Bolsonaro, a vacinação nacional começa oficialmente na quarta-feira, segundo assegurou o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello. Mas a aplicação, ontem, da primeira vacina em São Paulo é uma vitória de Doria, que jogou todas as suas fichas no combate à doença.

Entrevista | Impeachment é para quem dá as costas para Constituição, como Bolsonaro, diz ex-ministro do STF

Para Carlos Ayres Britto, 'conjunto da obra' sinaliza que presidente cometeu crime de responsabilidade

Anna Virginia Balloussier / Folha de S. Paulo

RIO DE JANEIRO - Ao dar reiteradas amostras de que "tem o pé atrás" com a Carta Magna de 1988, o presidente Jair Bolsonaro se credenciou para o impeachment, uma sanção tão severa que "somente se aplica àquele presidente que adota como estilo um ódio governamental de ser, uma incompatibilidade com a Constituição", diz Carlos Ayres Britto, 78, ex-ministro do STF.

"Respostas [para a crise sanitária] como 'e daí?' ou 'não sou coveiro' não sinalizam um caminhar na contramão da Constituição?"

Tudo do ponto de vista jurídico, porque cabe ao Congresso decidir o destino do chefe do Executivo, e é bom que seja assim, afirma.

Ministro do Supremo Tribunal Federal de 2003 a 2012, nomeado por Lula no primeiro ano de governo do petista, em 2016 ele disse à Folha que impeachment não é golpe. Comentava, então, a possibilidade de Dilma Rousseff ser destituída, o que acabou acontecendo naquele ano.

"Ortodoxamente quarentenado", saindo apenas uma vez por mês, "de carro e máscara, só pra espairecer", Britto espera a vacina contra a Covid-19 chegar. De casa, concede esta entrevista, em que sugere "menos incontinência verbal e mais continência à Constituição" para o Brasil.

Boa tarde, ministro.
Queria, antes, falar uma coisa. Não se pode tapar sol com peneira: há uma crise que é múltipla. Os Poderes não se entendem devidamente. Definição antiga de Antonio Gramsci: crise é aquele estado de coisas em que o velho demora a morrer, e o novo não consegue nascer. No caso brasileiro, o velho que não larga o osso é uma espécie de visceral pé atrás com a Constituição. Há um boicote a ela. As forças mais reacionárias temem que, de tão humanizada que é, ela vai dar jeito no país.

O governante central é assim, tem o pé atrás com essa Constituição, consciente ou inconscientemente. Quanto ao impeachment, essa mais severa sanção tem explicação. Somente se aplica àquele presidente que adota como estilo um ódio governamental de ser, uma incompatibilidade com a Constituição. É um mandato de costas para a Constituição, se torna uma ameaça a ela. E aí o país se vê numa encruzilhada. A nação diz, "olha, ou a Constituição ou o presidente". E a opção só pode ser pela Constituição.

Então o sr. crê que a conduta de Bolsonaro na crise sanitária o credenciou ao impeachment?

Diria que o conjunto da obra sinaliza o cometimento de crime de responsabilidade. Porém, o processo é de ordem parlamentar.

Do ponto de vista jurídico, quais seriam esses crimes de responsabilidade?

Pelo artigo 78, o presidente assume o compromisso de observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro. Ou seja, não é representante dos que votaram nele, dos ideólogos que pensam igual a ele. É de todo o povo. Menos incontinência verbal e mais continência à Constituição.

A sociedade civil vai entendendo que regime democrático é para impedir que um governante subjetivamente autoritário possa emplacar um governo objetivamente autoritário. Se o presidente não adota políticas de promoção da saúde, segmentos expressivos da sociedade —a imprensa à frente— passam a adverti-lo de que saúde é direito constitucional. Prioridades na Constituição não estão sendo observadas: demarcação de terra indígenameio ambiente.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Vacinas, enfim – Opinião Folha de S. Paulo

Apesar de Bolsonaro, país começa a imunizar-se após gesto de autonomia da Anvisa

A aprovação unânime pela Anvisa de duas vacinas contra a Covid-19 encerra um atraso injustificável e explicita como deveria funcionar o Estado brasileiro, não prevalecesse no Planalto o delírio ideológico patrocinado pelo presidente Jair Bolsonaro. A diretoria da agência dissipou neste domingo (17) o temor de que faltaria com o dever por subserviência política.

Em nove dias, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária analisou milhares de dados e documentos e autorizou o uso emergencial dos imunizantes Coronavac, do Instituto Butantan, e Covishield, da Fundação Oswaldo Cruz, desenvolvidos em parcerias internacionais —e, concluiu-se, seguros e eficazes.

Gerentes e diretores da autarquia, durante mais de cinco horas de reunião, se estribaram na objetividade e na lógica das evidências para cortar o nó górdio do negacionismo irresponsável.

As apresentações foram exaustivas, sóbrias, transparentes e esclarecedoras. Alguma retórica se ouviu, mas pareceu mais que justificada: a hora é grave.

Viram-se votos firmes de solidariedade às vítimas da incúria do Estado na tragédia em Manaus e alhures, afirmações sem subterfúgios da inexistência de alternativas terapêuticas, repúdio decidido à negação da ciência, recomendação inequívoca de que o distanciamento social continua imperativo.

O país assistiu pela TV a uma refutação completa da irresponsabilidade criminosa protagonizada pelo presidente, por seus filhos e por parlamentares de baixa extração.

Igual e deplorável figura faz o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, general da ativa que conspurca as Forças Armadas ao curvar-se a Bolsonaro. Não caia no esquecimento sua indignidade ao fazer pressão para que autoridades amazonenses recorressem ao kit Covid dos charlatães, quando era de oxigênio que os moribundos precisavam.

Poesia | Murilo Mendes - Amor-vida

Vivi entre os homens
Que não me viram, não me ouviram
Nem me consolaram.
Eu fui o poeta que distribui seus dons
E que não recebe coisa alguma.
Fui envolvido na tempestade do amor,
Tive que amar até antes do meu nascimento.
Amor, palavras que funda e que consome os seres.
Fogo, fogo do inferno: melhor que o céu..