sábado, 13 de fevereiro de 2021

Sergio Fausto* - O realismo oportunista do Centrão e a distopia bolsonarista

- O Estado de S. Paulo

Violência, boçalidade e patrimonialismo têm um passado vistoso. Terão futuro promissor?

O saldo da primeira metade da Presidência de Jair Bolsonaro é muito ruim. Mas pior do que os resultados é o espírito que preside à gestão do governo em seu conjunto. A sua marca é o ânimo destrutivo.

Nada é mais simbólico desse fato do que a genuína paixão do presidente pelas armas. Bolsonaro banaliza a vida (“a morte é o destino de todos nós”), dá de ombros para as vítimas da covid-19 (“eu não sou coveiro”) e duvida dos benefícios da vacina (“se virar jacaré, não vem reclamar”), mas não esconde seu entusiasmo com o grande aumento do número de armas nas mãos da população civil, objetivo que vem perseguindo desde o início de seu mandato. Segundo reportagem do jornal O Globo publicada em 31 de janeiro, já são mais de 1 milhão de armas, um aumento de 65% em comparação com 2018.

A paixão pelas armas é correspondida pelo desprezo à cultura, outro traço de Bolsonaro, visível nas escolhas feitas por ele para essa área em seu governo. O elo que une a paixão pelas armas e o desprezo pela cultura é a intolerância, pois a cultura reclama pluralidade e valorização da diferença. “Quando ouço falar em cultura, puxo o meu revólver”, diz um personagem da peça Schlageter, do dramaturgo e poeta nazista Hanns Johst, escrita em 1933, logo após a chegada de Hitler ao poder. Bolsonaro não é nazista, mas compartilha com o personagem a mesma ojeriza à transgressão criativa, que é própria da criação cultural.

Marco Aurélio Nogueira* - Implosão do DEM pode ajudar a que se saia do marasmo

- O Estado de S. Paulo

Dissonâncias no partido permitem que se veja melhor quais são os planos e as ambições das distintas correntes

Embora algum estrago tenha provocado de imediato, não é propriamente ruim, para a democracia e a dinâmica política que nos levará a 2022, que tenha havido uma “implosão” no DEM e muito barulho no PSDB em função das dissonâncias e deslealdades ocorridas na eleição dos presidentes do Congresso Nacional.

Seria possível incluir o MDB nesse grupo, especialmente porque suas bancadas traíram Baleia Rossi na Câmara e Simone Tebet no Senado. Mas o MDB foi o que tem sido desde que cedeu ao fisiologismo e perdeu densidade programática, entregando-se às flutuações do jogo político miúdo. O MDB tornou-se um partido de alta elasticidade, que vai para o lado que oferece mais vantagens.

O DEM e o PSDB, porém, não queriam ser assim. Insistiam em afirmar um perfil de centro-direita com leves inflexões à esquerda. E se vangloriavam de ser o esteio de uma articulação liberal-democrática ampla o suficiente para derrotar o petismo e o bolsonarismo em 2022. Tiveram bom desempenho nas eleições municipais do ano passado, mas não conseguiram imprimir velocidade ao jogo, nem manter unidas suas tropas. Ao contrário, vieram à tona todos os personalismos e os mais variados interesses que se abrigavam nas duas legendas. A dispersão foi aguda.

Vera Magalhães - Estranho no ninho


- O Globo

João Doria Jr. é candidato a presidente da República desde 2018, talvez antes. Quando decidiu adentrar a política, o hoje governador de São Paulo traçou uma rota rápida que o levaria, no curto intervalo de seis anos, ao Palácio do Planalto. Até aqui, os passos deram certo. Mas agora o campeonato será jogado numa outra liga, bem mais dura.

A primeira mostra de que o jogo é bruto veio nos primeiros meses após a eleição. Logo depois do Bolsodoria, o tucano passou a ser hostilizado pelo presidente, pelos filhos e pelo entorno radicalizado.

A razão é simples: o bolsonarismo só pensa na reeleição, e a ordem é aniquilar no nascedouro qualquer potencial adversário. Nesta quinta-feira, a milícia virtual do presidente, deputados federais à frente, começou a alvejar ninguém menos que a empresária Luiza Trajano, por ver nela uma potencial candidata, graças a sua campanha pela vacinação imediata de todos os brasileiros. O jogo é bruto.

Doria não é alguém conhecido exatamente pela calma nem por seguir os ritos da política, que incluem muito diálogo antes das ações. Na segunda-feira, foi anfitrião de um jantar que reuniu figurões tucanos, em que o cardápio servido foi a ideia de que ele assumisse o comando da sigla de entrada, sua candidatura presidencial como prato principal e uma nova tentativa de expulsar Aécio Neves de sobremesa.

Ricardo Noblat - Compadre de ACM Neto vira ministro de Bolsonaro na hora errada

- Blog do Noblat / Veja

Presidente do DEM reafirma a independência do seu partido

Se o deputado Rodrigo Maia (RJ) não tivesse anunciado sua saída do partido com tiros, relâmpagos e trovoadas, o ex-prefeito de Salvador, ACM Neto, presidente nacional do DEM, estaria a essa altura comemorando a nomeação de João Roma para ministro da Cidadania, cargo ambicionado por 9 de cada 10 políticos porque seu ocupante é quem manda no programa Bolsa Família.

ACM Neto e Roma são amigos desde que se conheceram em Brasília nos anos 90 – o primeiro como deputado federal pelo Partido da Frente Liberal (PFL), o segundo como membro da Executiva do partido. Foi amor à primeira vista. Pernambucano, Roma foi trabalhar no gabinete de Neto na Câmara e, depois, a convite dele, mudou-se para a Bahia decidido a fazer política.

Os dois eram carne e unha, a ponto de Neto ser padrinho do filho de Roma. Entre 2013 e 2018, Roma chefiou o gabinete de Neto na prefeitura de Salvador. Mas quando se sentiu pronto para disputar o mandato de deputado federal, Neto preferiu que ele deixasse o DEM e se filiasse ao Republicanos. Na Bahia, pelo menos, Republicanos e DEM sempre andaram juntos a serviço de Neto.

Era para Roma virar ministro de Bolsonaro sem macular a imagem de independência do DEM e do seu presidente. Uma vez que Bolsonaro emplacasse Arthur Lira (PP-AL) na presidência da Câmara e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) na presidência do Senado, o Republicanos, um dos partidos do Centrão, bancaria a indicação de Roma. Neto assistiria tudo à distância segura.

Demétrio Magnoli - A vacinação como espetáculo

- Folha de S. Paulo

No lugar de imunizar, fazemos o que realmente queremos: linchar pessoas malvadas

No Brasil, em média, vacinamos menos de 300 mil por dia. Sem escassez de imunizantes, seríamos capazes de vacinar perto de 2 milhões. Mas, mesmo agora, poderíamos vacinar facilmente 600 mil. A lentidão, que amplifica as mortes, não escandaliza quase ninguém. A indignação concentra-se na já lendária figura do fura-fila. É que, de fato, mais que vacinar, queremos colocar todo mundo no seu lugar numa hierarquia de prioridades. Na sociedade do espetáculo, passar julgamento moral vale mais que salvar vidas.

A cidade do Rio reservou um dia inteiro para cada grupo etário de um ano, dos 99 aos 80. Vacinas e enfermeiros despendem horas ociosas, diariamente, à espera do idoso "certo". Legal, isso: garante que o idoso de 89 anos não passe na frente do camarada mais velho, de 93, participante de um grupo de maior risco. São Paulo foi na mesma linha, economizando só um pouco do ridículo: reservou uma semana completa para a faixa dos 90 anos ou mais. Nas unidades de saúde, manhãs inteiras passaram na janela sem a presença de um único "vacinável". Bem planejado: assim, evitamos aglomerações.

A fila perfeita é, claro, imperfeita. Profissionais de saúde, nossos heróis, vêm primeiro. Daí que imunizamos psicoterapeutas de 60 anos que trabalham online antes de gente comum com mais de 80 anos. A parcimônia cumpre função não divulgada: vacinando bem devagar, escapamos do vexame de interromper a campanha por esgotamento das doses —e, portanto, o governo federal oculta seu atraso na aquisição de imunizantes. Por essa via, na sociedade do espetáculo, o negacionismo de direita estabelece uma aliança tácita com o humanismo de esquerda.

Beatriz Resende* - O feminismo necessário


- Folha de S. Paulo

Estamos diante de uma geração de pensadoras decisivas para nosso momento literário e de reflexão

Como se dá hoje a produção das mulheres na ficção, na teoria e crítica? Que importância tem nessas escritas o feminismo em suas múltiplas possibilidades?

Foi para colocar em pauta esses temas urgentes que organizamos no Programa Avançado de Cultura Contemporânea da UFRJ um encontro que se ocupou da questão "Literatura e Feminismo".
Durante duas tardes, escritoras de ficção, reconhecidas e premiadas, debateram com teóricas e críticas as formas como usam linguagem, imaginação e conhecimento.

Maria Galindo, militante feminista da Bolívia, abriu o "evento sem corpos" e pautou as discussões afirmando que o ato de escrever é altamente feminino, e a criatividade, um instrumento de luta por mudanças sociais. Num mundo letrado branco e masculino, quem é a mulher que escreve?
A discussão, que se estendeu por várias mesas, enfatizou a quantidade de filtros hierárquicos que se impõem às falas subalternas, desde a academia até o mundo editorial.

Adriana Armony, Carla Rodrigues e Noemi Jaffe evidenciaram alta dose de poética na ficção e na reflexão filosófica. No encontro entre Adriana Azevedo, Natália Polesso e Cidinha da Silva, que se indentificou de forma feminista ao se apresentar como uma escritora sem amarras mas que constrói laços, o cruzamento necessário entre questões de gênero e raça se evidenciou.

Oscar Vilhena Vieira* - Direito à memória, não ao esquecimento

- Folha de S. Paulo

Decisão do Supremo protege o acesso das futuras gerações à história

Não temos direito a tudo que queremos. É o preço de vivermos em sociedade. O fato de termos um interesse, ainda que legítimo, de esquecer algo, ou desejar “apagar” uma informação sobre nosso passado, não significa que tenhamos o direito de fazê-lo, exceto se essa informação for ilegal ou abusiva.

Foi isso que o Supremo Tribunal Federal decidiu nesta semana. E não poderia ter sido diferente, uma vez que a Constituição não prevê um direito ao esquecimento ou a algo que lhe dê sustentação. O que nosso sistema constitucional reconhece, de forma muito robusta, é uma proteção preferencial ao direito à informação e à liberdade de expressão, em face da centralidade que esses direitos têm para a própria democracia.

Acolher o direito ao esquecimento seria um “desaforo” à jurisprudência de proteção à liberdade de expressão e ao direito à informação que vem sendo consolidada pelo Supremo a partir dos julgamentos da Lei de Imprensa e das biografias não autorizadas. Neste último caso o Supremo reconheceu —de forma unânime— a prevalência do direito à informação sobre a vontade subjetiva do biografado. Como salientou a ministra Cármen Lúcia, permitir que um indivíduo impeça a circulação de uma informação conferiria a ele a prerrogativa de “controlar o outro”; de suprimir sua autonomia.

Hélio Schwartsman - O esquecimento como virtude

- Folha de S. Paulo

Seria útil se as "big techs" aperfeiçoassem seus mecanismos de busca

Agiu bem o STF em não reconhecer o direito ao esquecimento. Fazê-lo implicaria restringir perigosamente direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e de informação. Em termos mais concretos, para dar eficácia ao direito ao esquecimento precisaríamos criar mecanismos que impediriam um sujeito de ir aos arquivos de um jornal e conferir o que foi notícia no passado. Não tem como funcionar.

Daí não decorre que o esquecimento não seja, tanto quanto a memória, um ingrediente importante para o bom funcionamento da sociedade e do próprio cérebro humano.

A razão pela qual humanos não temos uma memória perfeita não é de bioengenharia. Existe uma síndrome rara, a hipertimesia, que faz com que seus portadores se lembrem de praticamente tudo --algo próximo ao que Jorge Luis Borges descreveu no conto "Funes, o Memorioso".

Ascânio Seleme - O fura fila, nenhuma surpresa

- O Globo

Somos um país egoísta, que esconde sua natureza com uma alegria contagiante, musical, dançante, calorosa

Escrevi os três parágrafos abaixo no início da pandemia de coronavírus, a pedido da filha de um amigo que coletava impressões sobre como sairíamos da crise sanitária que se espalhava pelo mundo:

Muita gente acha que o Brasil será melhor, que o trauma da pandemia tornará os brasileiros mais tolerantes, solidários e amigáveis. Tenho sérias dúvidas sobre isso. Somos um país egoísta, que esconde sua natureza com uma alegria contagiante, musical, dançante, calorosa. Quem nos vê rapidamente, durante uma semana de carnaval, por exemplo, acha que somos os melhores seres do planeta, amáveis, tolerantes, misturados. Trata-se de um engano. Não somos, nunca fomos e jamais seremos modelo para o mundo.

“Farinha pouca, meu pirão primeiro” é um velho adágio popular que mostra bem como pensa o brasileiro. Uma outra máxima, conhecida como a “Lei do Gerson”, foi expressada em um comercial dos anos 1970, em que o velho craque da seleção e do Fluminense afirmava que “o brasileiro gosta de levar vantagem em tudo”. Verdade. Somos isso mesmo, não adianta querer negar. E temo que esse modo degenerado de ver o mundo seja intensificado depois da pandemia de coronavírus. Os bons exemplos são poucos, é necessário garimpar muito fundo para encontrar casos que mereçam destaque. Quando os encontramos, batemos bumbo, fazemos festa, damos prêmio.

Pablo Ortellado - Auxílio é viável e é urgente

- O Globo

Congresso e governo discutem uma reedição do auxílio emergencial, em nova versão. A medida é viável, no tocante às regras fiscais, e urgente, do ponto de vista social.

A pobreza extrema, que chegou a ser reduzida para 4,5% em agosto de 2020, com a primeira edição do auxílio, subiu para 12,8% em janeiro de 2021. São 27 milhões de brasileiros vivendo com menos de R$ 246 ao mês. Temos, além disso, 14,1% da força de trabalho desocupados, com os índices do segundo semestre de 2020 atingindo o nível mais alto de toda a série histórica. São 14 milhões de trabalhadores.

Depois de idas e vindas, o governo lançou a ideia de um auxílio enxuto, de R$ 200 e distribuído para cerca de metade dos beneficiários de 2020. Mas Congresso e sociedade podem pressionar o governo a entregar mais.

O auxílio não é apenas despesa, mas também estímulo à atividade econômica, como mostrou estudo da Faculdade de Economia e Administração da USP. Quando recebem o auxílio, as famílias aumentam o consumo, estimulando as expectativas de vendas das empresas e o investimento privado.

O estudo da USP estima que o efeito estabilizador do auxílio sobre o Produto Interno Bruto em 2020 foi o grande responsável pela sua redução em apenas 4,1%, sendo que o mercado chegou a estimar uma queda do PIB de 11% —que, afinal, terminou sendo aproximadamente a redução do PIB na maioria dos outros países latino-americanos.

Carlos Alberto Sardenberg - Vacina, auxílio, reforma e privatização

- O Globo

Outra coisa que aproxima esquerda e direita no Brasil: a bronca com o mercado. E a ignorância a respeito dessa obscura entidade, motivo de contradições dos dois lados.

O vice-presidente Hamilton Mourão, ao justificar a concessão de um novo auxílio emergencial, comentou: “Não podemos ficar escravos do mercado”.

Ora, não é difícil encontrar, entre economistas e investidores — membros do tal mercado —, quem defenda fortemente o auxílio. Inclusive por razões econômicas. O auxílio coloca renda na mão das famílias, o que vai movimentar comércio e serviços, como se verificou no ano passado.

A ressalva do mercado está na demanda por uma política pública organizada e permanente — e não um quebra-galho populista.

É grande a diferença. Uma política bem pensada define com clareza os beneficiários do programa, mede sua eficácia e, sobretudo, define as fontes de financiamento, respeitando o controle das contas públicas.

O quebra-galho, esse exigido pelo Centrão e pelo presidente Bolsonaro, é um arranjo de momento para fins eleitoreiros. Simplesmente aumenta o gasto, sem cortar nada em troca. E não dá horizonte aos mais pobres, por ser provisório.

Carlos Góes - Os pobres são estratégicos

- O Globo

A resposta à crise econômica iniciada na esteira da pandemia do Coronavírus levou a uma situação inesperada: no meio de uma das piores recessões da história brasileira, os 40% mais pobres viram sua renda subir. O auxílio emergencial, criado por iniciativa do Congresso e da sociedade civil, transferiu renda diretamente para os brasileiros mais vulneráveis e logrou o fato impressionante de reduzir a pobreza nos meses iniciais da pandemia.

Focalizar a política fiscal nos mais pobres como método de combate a recessões tem respaldo da literatura científica. Um estudo experimental de cinco economistas realizado no Quênia comprovou que cada dólar transferido para os mais pobres em um determinado município causava uma expansão econômica de US$ 2,7 naquela cidade, indicando que a transferência tem amplo “efeito multiplicador” de estímulo econômico.

Outro estudo recente, de Owen Zidar, indica que reduzir impostos sobre os 10% mais ricos têm baixo impacto econômico, enquanto reduzir impostos dos mais pobres estimula a economia de forma substancial.

A lógica por trás desses resultados, desenvolvida pela teoria econômica, se explica da seguinte forma. Os mais pobres tendem a ter menor acesso à poupança e ao crédito, de modo que um aumento de sua renda se transforma quase integralmente em consumo.

Já os mais ricos conseguem suavizar seu consumo ao longo do tempo, poupando uma parte maior do aumento de receita para consumir no futuro. Por isso, transferir renda para o primeiro grupo tenderá a levar a um maior impacto econômico imediato.

João Gabriel de Lima - A piada do escorpião e os ‘partidos Jay-Z’

- O Estado de S. Paulo

Partidos vêm perdendo credibilidade por mudar de opinião nas barbas do eleitor

O eleitor do DEM confia no DEM? A cantora pop Beyoncé confia no marido, o rapper Jay-Z? “Minhas suspeitas se multiplicaram depois que você mentiu”, canta Beyoncé ao som de guitarra acústica na música Resentment. Da mesma maneira, o eleitor do DEM tem todos os motivos para se sentir ressabiado depois do racha do partido em praça pública ao longo da semana. 

O episódio reflete, de certa forma, o cisma mundial das direitas – “liberais” de um lado, “populistas” do outro, na nomenclatura utilizada pelos cientistas políticos. O ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia queria fazer do DEM um partido de centro direita estilo europeu, como o Democrata Cristão de Angela Merkel – ideológico e defensor da democracia. Para isso, afastou-se da estridência populista do bolsonarismo. 

Na eleição para presidente da Câmara, no entanto, vários deputados do partido votaram em Arthur Lira, o candidato de Bolsonaro. O eleitor ficou desconcertado: o DEM, afinal, é oposição ou situação? Em crise de identidade, o partido rachou. Maia afirmou, em entrevista ao jornal Valor na segunda-feira, que o presidente do partido, ACM Neto, não tinha “coluna vertebral”. Na terça-feira, ACM acusou Maia de “descontrole” e atribuiu o cavalo de pau de vários deputados de seu Estado, a Bahia, às vicissitudes da política. 

Adriana Fernandes - Crise de identidade

- O Estado de S. Paulo

Tributaristas já têm lista de perguntas sem respostas sobre reforma em tramitação no Congresso

A prova maior de que a reforma tributária está sem rumo é a obsessão do presidente Jair Bolsonaro em reduzir a tributação dos combustíveis sem conexão alguma com as propostas que tramitam no Congresso Nacional de mudança no caótico sistema tributário brasileiro.

Uma dessas propostas, enviada pelo próprio governo, cria a Contribuição sobre Bens e Serviços para substituir o PIS/Cofins, os dois tributos que o presidente quer diminuir para diminuir o preço do diesel, uma demanda dos caminhoneiros.

Pelas três principais propostas tributárias em tramitação no Congresso (duas PECs e o PL do CBS) esse movimento desejado por Bolsonaro jamais seria possível tecnicamente. Bolsonaro também avançou em seara que não é a sua e divulgou nesta sexta-feira projeto que altera a forma de tributação do ICMS de combustíveis, imposto dos governadores.

Com uma lista bilionária de isenções tributárias para compensar a redução do PIS/Cofins, o presidente até agora não teve coragem de pegar a sua caneta bic e botar a assinatura para cortar alguma delas e compensar a redução da arrecadação com a medida, uma exigência das leis de Responsabilidade Fiscal e de Diretrizes Orçamentarias (LDO) de 2021. Nada agradou.

Monica de Bolle* - A face econômica da necropolítica

- Revista Época

Desde 31 de dezembro não temos auxílio emergencial ou orçamento para a Saúde. Mas temos discussão no Congresso sobre a autonomia do Banco Central

Foram mais de 1.000 mortos por dia por causa da Covid-19 no Brasil, segundo a média móvel de sete dias. Apenas no dia 9 de fevereiro foram quase 2 mil mortes em 24 horas. Duas mil mortes em 24 horas são mais de 80 mortes por hora, o que equivale a mais de uma morte por minuto. Como números num papel não dão a experiência do tempo, convido o leitor a parar o que estiver fazendo agora e olhar o ponteiro dos segundos de um relógio, ou acionar o alarme do telefone. Deixe passar 60 segundos e pense: “Aqui, agora, enquanto eu nada faço além de esperar o tempo passar, mais de uma pessoa morreu de Covid no país”. Agora, considere: hoje é dia 12 de fevereiro e seria sexta-feira de Carnaval. Desde 31 de dezembro não temos auxílio emergencial ou orçamento para a Saúde. Mas temos discussão no Congresso sobre a autonomia do Banco Central.

Sei que há muitos indignados no Brasil. Sei também que, de modo geral, as pessoas no Brasil não têm o costume de olhar para o que está acontecendo no resto do mundo. Mas se o fizessem constatariam que o Brasil é dos únicos países que, em meio a uma severa crise humanitária, com variantes perigosas do vírus circulando em seu espaço, coloca em pauta tema arcano de política monetária como se prioritário fosse. 

Raul Jungmann* - Biden e a Amazônia

- Capital Político

Um dos primeiros atos do Presidente Joe Biden significou uma reviravolta profunda no posicionamento dos Estados Unidos frente à crise climática e, por tabela, na relação com o Brasil e a Amazônia. Me refiro a “Executive Order in Climate Change Policy”, que contém três inovações maiores, dentre outras.

Em primeiro lugar, a alocação do tema “crise climática” à Defesa e Segurança Nacional dos EUA, revelando um senso de urgência e importância estratégica globalmente inequívocas e inéditas. Em segundo, a coordenação de todo o governo – ministérios, fundações, universidades e agências, em articulação com o setor privado, para dar respostas conjuntas ao desafio do clima.

Em terceiro lugar, a citação da Amazônia, a necessidade da sua preservação, com destaque e prioridade sobre as demais regiões. Essa diretiva, partindo de uma nação endereçada a outra nação soberana, tem um claro viés colonialista e é inaceitável.

Marcus Pestana* - Regulação, privatizações e crescimento

Além da universalização da imunização para superarmos a pandemia, há um desafio central que é a retomada do crescimento econômico visando a geração de renda e emprego. Quem pode desencadear a retomada são os investimentos. E como sabemos, o setor público brasileiro encontra-se mergulhado em grave fiscal. Ou seja, a resposta virá majoritariamente dos investimentos privados. E não basta para atrair investimentos possuir bons fundamentos macroeconômicos. É preciso um ambiente de confiança e credibilidade ancorado em previsibilidade, bons marcos legais e regulatórios, estabilidade de regras e respeito aos contratos.

Ao longo dos séculos XIX e XX, o papel do Estado esteve no centro das discussões sobre modelos de intervenção e desenvolvimento. Há uma dimensão ideológica que coloca liberalismo versus estatismo, mas há também a questão da eficiência global da economia e sua produtividade e dos impactos no orçamento público e suas prioridades.

As tarefas necessárias para o funcionamento da sociedade e da economia podem ser supridas pela ação direta do Estado, pelo terceiro setor, como hospitais filantrópicos e as APAES, por exemplo, ou pela iniciativa privada. O desfaio é conseguir o melhor e mais eficiente mix que potencialize a efetividade das ações e a produtividade dos recursos.

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira* - Pátria mal amada, pátria maltratada

- O Estado de S. Paulo

É hora de remover os entulhos que impedem a construção do Brasil dos nossos sonhos

Nelson Rodrigues disse que somos “narcisos ao inverso” e temos complexo de “vira-lata”. Ele nos comparou a essa espécie de cão possivelmente porque ela não constitui uma raça, tal como o povo brasileiro, que é a junção de várias raças, não provem de uma única.

Quanto à mitologia de Narciso, posta ao inverso, significa que não apreciamos a nossa figura quando refletida nas águas ou no espelho. Ao contrário de Narciso, não nos aceitamos e chegamos a nos rejeitar.

Na base dessas duas afirmações há duas realidades: não sabemos, ainda, com precisão quem somos e como somos, assim como nos acompanha historicamente um sentimento de autodepreciação. O desconhecimento leva muitos segmentos a serem carentes de autoestima, autoconsideração, apego ao nosso modo de ser e ignorância quanto às nossas qualidades. A não aceitação, por parte das elites, da multiplicidade de raças, o racismo, a desigualdade e a discriminação sociais, as carências no campo da educação e da cultura, entre outros fatores, têm impedido um mergulho profundo nas nossas raízes.

Houve um esforço da parte de intelectuais para nos decifrar. Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Celso Furtado, Raymundo Faoro, Gilberto Freire e outros empreenderam estudos nesse sentido, mas não foram acompanhados pela elite, que jamais se preocupou com a própria origem, mas sim com a que gostaria de ter tido.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

'Mercado irritadinho' – Opinião | O Estado de S. Paulo

Diante da escalada inflacionária, Jair Bolsonaro cultiva a narrativa segundo a qual a culpa é dos governadores, do vírus e dos investidores

O presidente Jair Bolsonaro declarou que quer “tratar de diminuir impostos num clima de tranquilidade, não num clima conflituoso”, numa referência à sua intenção de reduzir os impostos federais sobre os combustíveis para baratear o diesel e agradar aos caminhoneiros. Queixou-se de que “o pessoal do mercado” fica “irritadinho” com “qualquer coisa que se fala aqui”. E insistiu: “Vamos deixar de ser irritadinhos, que isso não leva a lugar nenhum. Uma das maneiras de diminuir (o preço do) combustível é com o dólar caindo aqui dentro. Mas qualquer negocinho, qualquer boato na imprensa, tá o mercado irritadinho, sobe o dólar”. Arrematou dizendo que “o mercado tem que dar um tempinho também” e que “um pouquinho de patriotismo não faz mal a eles”.

É preciso um esforço considerável para traduzir o dialeto primitivo do sr. Bolsonaro, mas presume-se que o presidente da República tenha tentado expressar sua contrariedade com o fato de que o mercado reage mal sempre que se fala em intervir em preços.

Bolsonaro nunca escondeu que não entende nada de economia. Ainda na campanha, avisou aos eleitores que era um ignorante completo sobre o assunto, deixando todas as questões relativas a esse tema para serem respondidas pelo hoje ministro da Economia, Paulo Guedes.

Já na condição de presidente, disse que não era economista e que, por esse motivo, não conseguia entender por que razão a Petrobrás eventualmente reajustava os preços dos combustíveis acima da inflação. Em abril de 2019, a Petrobrás havia majorado o preço do diesel em 5,7%, e Bolsonaro informou ter mandado a estatal suspender o aumento até que lhe explicasse “o porquê dos 5,7% quando a inflação projetada para este ano está abaixo de 5%”. Ato contínuo, as ações da Petrobrás despencaram, ante a óbvia intervenção do presidente.

Poesia | João Cabral de Melo - A educação pela pedra

Uma educação pela pedra: por lições;
Para aprender da pedra, frequentá-la;
Captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
Ao que flui e a fluir, a ser maleada;
A de poética, sua carnadura concreta;
A de economia, seu adensar-se compacta:
Lições da pedra (de fora para dentro,
Cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
E se lecionasse, não ensinaria nada;
Lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
Uma pedra de nascença, entranha a alma.