sábado, 27 de fevereiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A urgência da CPI da pandemia – Opinião / O Estado de S. Paulo

Chamar às falas os responsáveis pelo desastre sanitário pode ser um lenitivo para o patológico descaso com a vida dos brasileiros

Sobre a mesa de trabalho do presidente do Congresso, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), está o pedido de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as ações e omissões do governo federal na condução da crise sanitária provocada pelo novo coronavírus. O pedido é assinado por 31 senadores de 11 partidos. É do mais alto interesse público que esta CPI seja instalada imediatamente.

Pululam razões para que o Poder Legislativo exerça uma de suas principais prerrogativas constitucionais, a de fiscalizar o Poder Executivo. De longe, uma CPI é um dos instrumentos mais graves do sistema de freios e contrapesos, mas gravíssima é a tragédia que se abateu sobre o País.

Não é remota a possibilidade de que as atuações do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, tenham sido determinantes para transformar o que seria uma profunda crise sanitária neste horror inominável. Um inquérito parlamentar para apurar responsabilidades, pois, é mandatório.

Já são mais de 250 mil vítimas fatais da peste. E não há nada que permita ao mais otimista dos brasileiros sonhar com dias melhores no futuro próximo. Ao contrário. É duro constatar que, a ser mantido o comportamento desidioso da dupla Bolsonaro e Pazuello, a Nação está mais próxima de prantear 300 mil vidas perdidas para o novo coronavírus em poucas semanas do que de ver o arrefecimento da crise no País.

No mesmo dia em que foi registrado o maior número de mortes por covid-19 em 24 horas no Brasil desde o início da pandemia – 1.582 óbitos, no dia 25 passado –, Bolsonaro foi às redes sociais não para lamentar os mortos, mas para desencorajar o uso de máscaras pela população.

Marco Aurélio Nogueira* - A hora mais amarga

- O Estado de S. Paulo

É quando despontam as grandes lideranças, os estadistas, os talentos emergentes

Não há por que esconder que o ano de 2021 seguirá em marcha de desastre e tragédia.

Já seria complicado se tivéssemos um bom governo e um estoque generoso de vacinas. Seria um alívio, uma injeção de ânimo. Mas o Programa Nacional de Imunizações e o SUS estão soterrados por falhas e incúria, funcionam a duras penas, sem coordenação do Ministério da Saúde e tendo muitas vezes de se contrapor a ele. O “apagão” de vacinas é parte disso.

Não temos vacinas porque os responsáveis pela aquisição simplesmente viraram as costas para a pandemia, trataram-na como coisa sem importância e não se preocuparam em agir quando os imunizantes se tornaram disponíveis. Por essa desfaçatez criminosa e pelos exemplos e atitudes que adotou desde março de 2020, o governo impulsionou a disseminação do vírus e a contaminação serial. Convidou parte da população a não seguir protocolos sanitários básicos. Continua a fazer isso, em que pesem os discursos oficiais que, agora, no auge do desespero, soam em tom apaziguador. Chegamos a 250 mil mortos e tudo indica que o número continuará crescendo.

Há um cortejo de sócios dessa tragédia. Não perdemos o controle da pandemia só porque o governo não soube e não quis agir. Houve a colaboração de médicos que endossaram (ou não condenaram) a prescrição de tratamentos ineficazes. Os militares coonestaram tudo, desonrando a farda que envergam. A ignorância geral, a desvalorização da ciência e de seus instrumentos de pesquisa, a má consciência cívica de parcela da população, a falta de condições sociais para o distanciamento formaram um circuito que foi sufocando o País.

Oscar Vilhena Vieira* - A Constituição e seus inimigos

- Folha de S. Paulo

Omissão do Supremo diante de ataque à democracia seria inaceitável

Em 25 de setembro de 1930, perante a Justiça Federal em Leipzig, Hitler deixou claro seu objetivo de tomar as instituições jurídicas e “dessa maneira transformar nosso partido num fator determinante... quando possuirmos poder constitucional, vamos moldar o Estado à forma que nos seja apropriada”. Dito e feito. Hitler ascendeu ao poder, promoveu a polarização e a desordem, e, em 1933, deu início a um substantivo processo de erosão constitucional que, entre outras coisas, retirava do Judiciário o controle sobre seus atos. O resto da história, infelizmente, todos sabemos.

Como reação ao nazismo e ao método empregado para erodir a ordem constitucional de Weimar, a nova Lei Fundamental alemã, de 1949, não apenas adotou uma ampla carta de direitos, um sofisticado sistema federal e de separação de Poderes, um robusto conjunto de cláusulas intangíveis (pétreas), como conferiu ao Tribunal Constitucional a função de “guarda da Constituição”. O que, aliás, também fizemos no Brasil em 1988.

Ao longo dos últimos 70 anos, o Tribunal Constitucional foi convocado diversas vezes para colocar limites a partidos desleais à democracia, conter abusos à liberdade de expressão, assim como assegurar o monitoramento de grupos violentos hostis à democracia. Nos anos 1950, invocando a doutrina da “democracia militante”, extinguiu tanto o novo partido nazista, como o partido comunista. Muitas dessas decisões foram cercadas de controvérsias, tanto jurídicas, como políticas. Mas o fato é que a democracia alemã resistiu.

Cristovam Buarque* - Pesada mão invisível

- Blog do Noblat / Veja

O mercado

A chamada mão invisível do mercado aparece na bomba de gasolina, onde não aparece o preço do dólar ou do petróleo. É natural que o consumidor fique descontente: ele vê a subida do preço e não vê a subida do custo de produção do que ele compra. O consumidor vê o posto de gasolina, não a Petrobras, nem os produtores de petróleo, nem tem por que aceitar que esta empresa precisa financiar seus custos, e ainda reservar parte do lucro para investir e continuar produzindo. O descontentamento é ainda maior quando o consumidor é um caminhoneiro cuja sobrevivência depende do preço do combustível, sabendo que a Petrobrás é uma estatal.

Para acalmar os consumidores, o governo tira a mão visível que aparece na bomba de gasolina, e usa a força política para baixar o preço, mesmo sacrificando “sua” empresa, ou desvia dinheiro de outros setores para simultaneamente atender aos consumidores, transferindo o problema para os usuários de serviços, isem que eles percebam. O consumidor fica satisfeito com o preço baixo, por não perceber que o subsídio foi financiado com a piora dos serviços do governo na qualidade das estradas, das escolas, dos hospitais. No final, todos, inclusive os caminhoneiros, pagam para que o governo passe a ideia de sensibilidade social. A mão do mercado é mais visível do que a pesada mão invisível da intervenção populista fazendo “fake” preços.

Ricardo Noblat - O que pode esconder a caixa preta da compra de vacinas

- Blog do Noblat / Veja

Razões para a cólera do presidente

O presidente Jair Bolsonaro está mais histérico do que de costume. E sua histeria não foi atenuada com a boa notícia para sua família de que o Superior Tribunal de Justiça, liderado pelo ministro João Otávio de Noronha, por quem ele se apaixonou à primeira vista, detonou o processo que investiga Flávio Bolsonaro, acusado dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

O mais recente surto de descontrole de Bolsonaro começou dias antes de ele anunciar que demitiria o economista Roberto Castelo Branco, indicado para a presidência da Petrobras por Paulo Guedes, ministro da Economia, o ex-Posto Ipiranga do governo que ainda se imagina um general, mas que há muito tempo não passa de um desprestigiado ajudante de ordens do ex-capitão.

Era mais uma crise que poderia ter sido evitada, mas não, representou um baque para as ações da empresa na Bolsa de Valores, o dólar subiu e o país ficou mais caro para os brasileiros, e mais barato para os investidores estrangeiros. O mandato de Castelo Branco termina agora em março. Se não fosse renovado, ele simplesmente iria para casa sem esse barulho todo.

Hélio Schwartsman - Na contramão da lógica

Autoridades têm enormes dificuldades para fazer o óbvio

Sempre brinco que o jeito mais fácil de salvar vidas é baixar um decreto reduzindo a velocidade máxima permitida para veículos. Reportagem da Folha corroborou meu chiste, mostrando que após uma década de reduções, os óbitos em acidentes caíram 44% na cidade de São Paulo. É claro que a diminuição da velocidade não foi a única medida adotada, mas é uma das variáveis-chaves, a julgar pela literatura internacional.

Outras fórmulas eficazes para evitar mortes no atacado, como o saneamento básico, demoram a apresentar resultados e envolvem custos altos, mas, no caso da velocidade, o efeito é imediato e não gera despesa. Considerando as multas, pode até ser lucrativa para o poder público.

Cristina Serra – O ‘clube dos cafajestes’

- Folha de S. Paulo

É como se chamava um grupo de ricaços boêmios do Rio nos anos 50

Um ano depois do primeiro caso de Covid no Brasil, vivemos o momento mais grave da pandemia. Um ano inteiro de sacrifícios, dor e morte não serviram para nada. Caso único no mundo. Estaca zero. Andamos em círculos. Falta vacina. Falta leito. Falta ar. E vai piorar.

Mas nada disso tira o sono do dinheiro grosso no Brasil, que só chiou com a intervenção militar na Petrobras. Para compensar a corda esticada, Bolsonaro oferece a Eletrobras e os Correios na bacia das almas.

No campeonato de canalhice da República, é difícil superar Paulo Guedes e a pressão pela aprovação da PEC emergencial, tentativa de assalto aos direitos sociais inscritos na Constituição.

A lógica da negociação é perversa: o governo só voltaria a pagar o auxílio emergencial em troca do fim dos gastos públicos obrigatórios com saúde e educação. A chantagem faz todo sentido para essa gente oculta sob a alcunha de "mercado": onde já se viu pobre receber auxílio e ainda ter saúde e educação gratuitas?

Alvaro Costa e Silva - Odorico ou Bolsonaro?

- Folha de S. Paulo

São injustas as comparações do prefeito de Sucupira com quem ocupa o Planalto; aquele pelo menos sabia falar

O personagem Odorico Paraguaçu, imortalizado por Paulo Gracindo, desfruta hoje de tanta popularidade quanto na época em que a novela "O Bem-Amado" foi exibida, em 1973. Coisas de memes: internautas recuperaram a cena em que o prefeito da fictícia cidade de Sucupira desvia vacinas que poderiam conter uma epidemia e, alertado para sua desumanidade, dá de ombros: "E daí?".

Chega a ser assombrosa a coincidência com o Brasil sob Bolsonaro. Mas injusta com Odorico. Populista, corrupto e inculto, o político de Dias Gomes tinha lá seu charme baiano. Sobretudo no uso da linguagem, inspirada nos sermões tonitruantes de Carlos Lacerda e no estilo cômico de José Cândido de Carvalho no romance "O Coronel e o Lobisomem". Bolsonaro, chefe de uma Sucupira profunda, não sabe o que é um discurso elaborado; o negócio dele é cuspir palavras e palavrões.

A obra está de volta no streaming. Assistir a ela de novo ou pela primeira vez é uma experiência antropológica. No meio de uma conversa aparentemente normal, os seres humanos param de falar, põem a mão no bolso, pegam uma carteira, dela tiram um estranho bastonete, levam-no à boca e o acendem! E, incrível, as pessoas bebem de uma maneira antes conhecida como "socialmente", sem que no capítulo seguinte apareçam numa reunião dos Alcoólicos Anônimos.

Demétrio Magnoli - Fora da bolha, Folha

- Folha de S. Paulo

Saída é persistir no ceticismo, único caminho para algo próximo ao ideal da objetividade

Certa vez, escrevi aqui, em resposta ao excelente João Pereira Coutinho, que minhas críticas simétricas ao governo israelense e ao movimento de boicote e desinvestimento contra Israel não me colocavam “em cima do muro”.

É que os supostos dois lados são o mesmo: uma frente tácita contra a paz em dois Estados. A Folha completa 100 anos diante de uma encruzilhada. Torço para que escolha o jornalismo —ou seja, a recusa às narrativas fáceis dos “dois lados”.

O segredo da moderna Folha, criada por Otavio Frias Filho, encontra-se no ceticismo ativo. No aniversário centenário, Flavia Lima, a ombudsman, sugeriu renunciar “à ideia de ‘polarização’ para equiparar a extrema direita e a esquerda”, pois a segunda “não transpôs os limites democráticos e da civilidade” (Folha, 21.fev). De fato, há diferenças.

No plano circunstancial, é incorreto equiparar o Bolsonaro que sonha com o AI-5 com o Lula que rejeitou dobrar a lei para obter um terceiro mandato. Mas, na esfera da filosofia política, o apoio inabalável a ditaduras que torturam e matam aproxima os “dois lados”. É patriotismo de aldeia minimizar o problema sob o pretexto de que diz respeito a países estrangeiros, não a nós. O jornalismo vive da liberdade.

Sérgio Augusto* - Vacinas, valores e velórios

- O Estado de S. Paulo

Não teríamos mais do que 8 mil óbitos até o fim da pandemia, mas atingimos a marca de 250 mil

Já estava me preparando para ser vacinado quando as vacinas acabaram. Foi aí que descobrimos que, na estupefaciente gestão do general Placebo no Ministério da Saúde, a vacinação é regida por dois calendários, como o tempo já foi em priscas eras. Pelo calendário juliano, quando há vacinas disponíveis, e pelo calendário gregoriano, quando elas acabam e ainda não têm data para chegar. Daí a máxima romana “sine vaccinus, sine die”, cunhada antes da invenção da primeira vacina. 

E assim as vacinações no Rio foram jogadas para as calendas. Ainda bem que para as calendas romanas, não para as gregas. Será que nas calendas de março saberemos quando, pelo calendário gregoriano, levaremos nossa redentora picada? 

Pior do que essa espera, possivelmente passageira, e as justificadas incertezas relativas à segunda dose foi tomar conhecimento das descaradas mentiras sobre a performance de Bolsonaro durante a pandemia que a ministra Damares e o chanceler Ernesto Araújo tentaram vender na ONU. Ficaram só na tentativa porque ninguém lá fora acredita mais em nada que diga, faça ou prometa fazer de bom o ogro que nos governa, exaspera, envergonha, e concentrou no extermínio seu mais eficaz programa de corte de gastos na Previdência. 

João Gabriel de Lima - Um país com três desastres aéreos por dia

- O Estado de S. Paulo

É fundamental que o Brasil da inteligência suplante o Brasil da ignorância

A tragédia brasileira na gestão da pandemia atingiu, nesta semana, um número macabro: 250 mil mortes. Enterramos o equivalente a três Maracanãs lotados. Tal cifra poderia ser evitada? Há meses a ciência diz que só há duas maneiras de controlar uma pandemia: vacinação em massa (que, infelizmente, vai demorar) ou isolamento social. Em Portugal, onde vivo, o auge do coronavírus foi em meados de janeiro. O país tinha os piores números da Europa – 300 mortes por dia e risco de colapso da saúde pública. O governo decretou quarentena. Na quinta-feira 25, foram registradas 49 mortes – a ciência funciona. Na mesma data, o Brasil contabilizou 1.582 óbitos, o equivalente às vítimas três desastres aéreos num único dia. 

A tragédia brasileira, no entanto, poderia ser ainda pior. Em artigo publicado no Estadão, o economista Pedro Nery lembrou que o México, governado por uma esquerda negacionista, apresenta uma taxa de 1.400 óbitos por covid por milhão de habitante, a maior da América Latina. Segundo estudos citados por Nery, uma das razões do desastre mexicano é a inexistência de algo equivalente a um auxílio emergencial. Os mexicanos vulneráveis foram obrigados a sair de casa para batalhar o sustento, expondo-se ao vírus mortal. 

Sob pressão, Lira desiste de votar a ‘PEC da Blindagem’

Diante da pressão das redes sociais, de críticas do STF e de racha no próprio Centrão, presidente da Câmara remete proposta para análise de uma comissão especial

- André Shalders Felipe Frazão / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Sem acordo com partidos e sob críticas do STF, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-al), adiou a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que amplia a imunidade parlamentar. Uma comissão especial será criada para analisar o texto. A proposta limita situações em que parlamentares podem ser punidos.

Em derrota sofrida no plenário, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistasal), adiou ontem a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que amplia a imunidade parlamentar. Sem acordo com os partidos, Lira desistiu de votar a proposta às pressas e anunciou a criação de uma comissão especial para analisar o texto. A medida ficou conhecida como “PEC da Blindagem” porque limita as situações em que parlamentares podem ser presos, além de proibir o afastamento do mandato por ordem judicial.

Fernando Guarnieri* - Concepções de ‘opinião pública’

- O Estado de S. Paulo

O Problema dos Três Corpos, na física, trata da dificuldade de se prever a posição de três corpos atraídos mutuamente por sua gravidade. Se os corpos têm massas equivalentes e distâncias semelhantes em relação a um centro, o movimento deles em torno deste centro seria caótico. Na política temos algo equivalente aos três corpos da física se atraindo mutuamente. O Estado tem três funções, que nas democracias contemporâneas são exercidas por três poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Esses seriam os três corpos da política. O centro, em torno do qual eles se movem, é a “opinião pública”.

A separação dos poderes, idealizada em sua forma mais definitiva por Montesquieu no século 18 para evitar os abusos de autoridade, teria como base um sistema de pesos e contrapesos que deveria gerar um equilíbrio. No entanto, no Brasil, na última década, os movimentos na política parecem estar um tanto caóticos. A votação da PEC 03/21, a chamada “PEC da Blindagem”, que dificulta a prisão de parlamentares, é um retrato deste movimento caótico. É o Legislativo procurando ampliar suas prerrogativas frente a um Judiciário cada vez mais “ativo” e que rapidamente deu a alcunha de “PEC da Impunidade” à proposta.

Desemprego bate recorde em 2020

Já são quase 14 milhões de brasileiros sem trabalho; índice fechou 2020 em 13,5%

Daniela Amorim / Gregory Prudenciano / O Estado de S. Paulo

A taxa média anual de desemprego saltou de 11,9% em 2019 para 13,5% em 2020. Os trabalhadores mais afetados foram os dos setores de comércio, serviços domésticos e alimentação.

Meses depois do choque inicial provocado na economia pela pandemia de covid-19, o mercado de trabalho permanece como um grande desafio para a recuperação da atividade econômica em 2021. Houve ligeira melhora na reta final de 2020, em linha com a tradicional geração de vagas temporárias para as festas de fim de ano, mas ainda insuficiente para absorver toda a população em busca de renda e oportunidade. A taxa de desemprego média anual saltou de 11,9% em 2019 para um ápice de 13,5% em 2020.

Os maiores baques foram em comércio (-1,702 milhão de vagas, em média), serviços domésticos (-1,198 milhão de trabalhadores) e alojamento e alimentação (-1,172 milhão). Todos os três setores bateram recordes de demissões. A indústria também demitiu em massa, alcançando quase um milhão de vagas extintas, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), apurada desde 2012 pelo IBGE.

Hélio Zylberstajn* - Poderia ter sido pior

- O Estado de S. Paulo

As manchetes dos jornais de hoje enfatizam a taxa média de 13,5% de desocupação em 2020, a maior desde 2012. Esse número é péssimo, claro, mas não conta toda a história. A desocupação média anual esconde os três períodos distintos do ano e induz o público menos informado a conclusões exageradas.

No primeiro período, janeiro e fevereiro, a ocupação formal estava crescendo bastante, induzindo até alguma redução na informalidade. O ano começava bem. A partir de março, porém, a pandemia provocou um estrago enorme, destruindo milhões de ocupações. Atingiu severamente, no primeiro momento, os trabalhadores informais, que ficaram sem clientes e foram para casa, obviamente sem aviso prévio, sem FGTS, sem seguro-desemprego. Em seguida, os formais também tiveram suas perdas, que não foram pequenas. O estrago só não foi maior porque o governo acudiu com as duas políticas conhecidas: as medidas para a manutenção de empregos e o benefício emergencial, que transferiu renda para os 40% dos domicílios brasileiros de menor renda. A onda destrutiva durou até agosto, quando ocorreu nova reversão, que devolveu o sinal positivo à série. Veio uma recuperação rápida e vigorosa, que surpreendeu a todos e perdurou até o fim do ano.

Adriana Fernandes – Duas PECs, dois pesos

- O Estado de S. Paulo

Congresso fala em urgência das votações para as medidas de combate à covid-19, mas age com o mesmo negacionismo do presidente Jair Bolsonaro diante do quadro devastador da pandemia no Brasil.

É inaceitável que, na pior semana desde o início da pandemia, os deputados tenham parado qualquer discussão para tirar de supetão uma proposta de mudança na Constituição para blindagem parlamentar, apelidada de PEC da "impunidade". Numa operação a jato, a PEC, se transformou no assunto de "maior relevância'' para os deputados.

Nada, absolutamente nada, tem mais importância do que enfrentar com foco e determinação a pandemia. Parlamentares têm a responsabilidade de não apenas votar projetos voltados para o combate da pandemia, mas também atuar como instrumento de pressão sobre os governos federal, estaduais e municipais agirem.

Para votar a PEC da imunidade parlamentar, ritos de tramitação foram sendo atropelados e subjugados à vontade soberana das lideranças congressistas. Suas Excelências, as majestades, reis intocáveis, como bem batizou a senadora emedebista Simone Tebet ao comentar as negociações políticas para aprovação da PEC.

Já para a PEC do auxílio, o Congresso enrola e adia a sua tramitação na esteira de “bodes na sala” colocados no substitutivo do relator, senador Marcio Bittar, como o fim dos pisos de saúde e educação. Dois pesos e duas medidas. Ou melhor, duas PECs, dois pesos.

Pablo Ortellado - Bolsonarismo entranhado

- O Globo

As articulações políticas para derrotar Bolsonaro estão olhando para as urnas e se esquecendo da sociedade —estão preocupadas demais com Bolsonaro e pouco preocupadas com o bolsonarismo.

Talvez seja perfeitamente exequível derrotar Bolsonaro nas urnas em 2022, mas ainda será necessário lidar com o pesado fardo do bolsonarismo.

A comparação com o trumpismo, espécie de contrapartida americana do bolsonarismo, pode ser instrutiva. Trump foi derrotado nas urnas e tentou sem sucesso pressionar a Justiça e o Congresso a não reconhecer o resultado —o trumpismo, porém, segue vivo.

Quarenta e três por cento de todos os eleitores americanos e 74% dos republicanos acreditam que as eleições presidenciais de 2020 nos Estados Unidos foram fraudadas. Mesmo após a divulgação das chocantes imagens de violência, num episódio que deixou 5 mortos, 21% de todos os eleitores e 45% dos republicanos aprovam a invasão do Congresso americano.

Ascânio Saleme - A infâmia

- O Globo

O presidente é solitariamente o indivíduo que mais contribuiu para a encrenca em que o Brasil está metido, à beira de um colapso sanitário

A tragédia foi anunciada há um ano. Desde fevereiro de 2020 sabia-se que a pandemia de coronavírus deveria ser tratada com todo rigor pelas autoridades, nas três instâncias de poder, e pelos brasileiros, em cada um dos cantos da Nação. Foi já neste começo que percebemos que não dava para contar com a contribuição do presidente do Brasil. Jair Bolsonaro fez graça e piada sobre a “gripezinha” e desafiou a ciência ao propor tratamento alternativo inteiramente ineficiente. Jamais respeitou o distanciamento social recomendado e quase nunca usou máscara para se proteger e proteger os demais.

O exemplo do principal líder do país repercutiu de maneira devastadora. Bolsonaristas passaram a usar a mesma retórica, os mesmos argumentos do mito, deixaram as máscaras em casa e se aglomeraram. O Ministério da Saúde, seguindo as instruções absurdas do presidente, instrumentalizou a Anvisa, deixou de comprar vacinas, torpedeou o quanto pôde o Instituto Butantan e receitou cloroquina para quem sentia falta de ar e não dispunha de oxigênio para se socorrer.

O fanatismo de Bolsonaro foi de tal ordem que ele chegou agora ao ponto de atacar o uso de máscaras. Citando estudo de uma universidade alemã que não identificou, disse que máscaras são prejudiciais porque podem irritar e desconcentrar as pessoas, além de causarem dor de cabeça. Pode? Não pode. Sob qualquer ângulo que se observe, a afirmação do fanático é estúpida. No mesmo dia em que ele pronunciava a barbaridade, 1.582 brasileiros morriam em consequência da doença.

Fora um ou outro, governadores e prefeitos Brasil afora não caíram imediatamente na falácia presidencial. Em alguns casos, corretamente, decretou-se lockdown nos momentos mais agudos da crise no ano passado. Os resultados foram positivos, nenhuma dúvida. Mas, do lado de fora, Bolsonaro torpedeava os que endureciam acusando o desarranjo que o fechamento produziria na economia. Aos poucos, a contaminação tomou também a consciência de alguns mandatários em estados e municípios.

Carlos Góes - A nova economia do salário mínimo

- O Globo

O novo consenso é que um mínimo moderado pode elevar renda sem destruir empregos

Em janeiro de 1987, o New York Times publicou um editorial afirmando que o salário mínimo correto seria “US$ 0,00”. Por mais estranho que possa parecer, o editorial refletia aquilo que era uma visão padrão entre economistas nos anos 1980.

A visão então prevalente se baseia numa lógica razoável: com maiores custos, empregadores estão dispostos a contratar menos trabalhadores. Ao mesmo tempo, com salários maiores, mais pessoas estão dispostas a trabalhar. Haveria, portanto, um salário de equilíbrio em que a quantidade de trabalhadores e de empregos disponíveis seriam próximas: onde oferta e demanda por trabalho se encontram.

Nesse modelo, um salário mínimo acima do ponto de equilíbrio aumentaria o desemprego, pois passaria a haver mais pessoas querendo trabalhar do que vagas demandadas.

Nem tudo que é logicamente razoável, contudo, é verdadeiro. E a compreensão do salário mínimo entre economistas mudou por causa de estudos empíricos que demonstraram que esse modelo não é uma boa descrição da realidade.

Em 1994, os economistas David Card e Alan Krueger publicaram um estudo em que comparavam os salários de trabalhadores em cidades ao longo da divisa de dois estados. Um estado aumentou o salário mínimo, enquanto o outro o manteve constante.

Ou seja, o novo salário mínimo só valia em uma parte da cidade. Ao contrário do previsto pela teoria descrita acima, não se observou redução relativa de emprego no lado da divisa onde ocorreu o aumento. Posteriormente, três economistas ampliaram essa comparação para todos os aumentos de salário mínimo estadual entre 1990 e 2006.

Carlos Alberto Sardenberg - É tudo conspiração

- O Globo

Não, o presidente da República não precisa entender da formação de preços de combustíveis, muito menos saber de quantas agências o Banco do Brasil necessita para funcionar de modo eficiente. Mas deve ter um mínimo de conhecimento geral de economia e administração, para ao menos entender as explicações das pessoas capacitadas que coloca em seu governo. E, sobretudo, nunca sair falando de coisas que ouviu por aí.

Isso, em circunstâncias normais. Acrescente ao quadro um presidente que acredita estar cercado de conspiradores — e, pronto, eis o desastre Jair Bolsonaro.

Ele não quer saber se os preços do diesel e da gasolina estão em níveis corretos. Se fosse isso, ele chamaria o Guedes e pediria uma aula. Mas não: instigado pelo seu grupo de raiz, ele acha que o aumento dos combustíveis é uma conspiração de inimigos comunistas com o objetivo de criar um clima de caos social que abale ou derrube seu governo.

Exagero?

Também pensei isso quando comecei a tratar do tema. A ideia de que a Petrobras está tomada por petistas que querem derrubar o “mito” aparece com frequência nas redes bolsonaristas.

Nossa primeira reação é um riso entre conformado e inquieto. “Esses caras são malucos” — é o comentário que se segue. Roberto Castello Branco chefiando uma malta de esquerdistas?

Míriam Leitão - Bancos e corretoras pioram projeções para o Brasil

- O Globo

O mercado financeiro continua fazendo contas e piorando as principais projeções para a economia brasileira. Há uma mudança de humor recente do ambiente externo, com o aumento dos juros futuros dos títulos americanos, e uma crescente desconfiança com o intervencionismo do governo Bolsonaro em empresas estatais.

O banco Itaú subiu de 4% para 5% a projeção para a taxa Selic, e piorou de -2,1% para -2,5% a estimativa para o resultado primário, por causa do pagamento do auxílio emergencial. Mesmo que a PEC Emergencial seja aprovada, as medidas de contenção de despesas só começariam a ter algum efeito a partir de 2023, segundo o banco. Ainda assim, o Itaú manteve estimativa de alta de 4% no PIB deste ano.

O Bradesco subiu a projeção de inflação de 3,5% para 3,9% e para o dólar, de R$ 5,00 para R$ 5,30 no final do ano. Segundo o banco, as sondagens setoriais apontam para retração no PIB do primeiro trimestre, com o agravamento da pandemia e o aumento das medidas de restrição à circulação de pessoas. Para o PIB do ano, o banco manteve expectativa de crescimento de 3,6%.

Sérgio C. Buarque* - A milícia do presidente

- Revista Será?

O presidente Jair Bolsonaro parece inspirar-se no seu grande desafeto ideológico, o populista autoritário presidente Nicolás Maduro (que sucedeu o falecido coronel Hugo Chavez) na missão muito bem sucedida de destruição da Venezuela. Os dois decretos assinados por Bolsonaro, facilitando a posse de armas de fogo pela população, é um instrumento a mais de formação de grupos armados, que pode levar à escalada de violência e intimidação na política brasileira. A simplificação do acesso a volumes mais amplos de armas, fora do controle das Forças Armadas, facilita o armamentismo dos grupos criminosos que atuam e controlam amplas áreas das cidades brasileiras, principalmente no Rio de Janeiro (narcotraficantes e milicianos), e permite a formação das milícias bolsonaristas com os fanáticos seguidores do presidente. Esta é a intenção de Bolsonaro. “Eu quero todo mundo armado!”, disse ele mais de uma vez. Quando diz isso, Bolsonaro sabe quem vai comprar armas e organizar pequenos arsenais: os caçadores e atiradores (autorizados a comprar até 60 armas sem necessidade de autorização do Exército), numa fachada para todo tipo de criminoso e fanatismo político.

Marcus Pestana* - Congresso Nacional e imunidade parlamentar

O parlamento é o centro de gravidade no funcionamento da democracia. Ali está presente a representação plural da sociedade para a construção permanente dos marcos constitucionais e legais que regram a vida da sociedade, do Estado e da economia e um contrapeso ao poder, que não é absoluto, do governo de plantão.

No Brasil, o abismo existente entre a sociedade e o Congresso não é novidade. De 1999 a 2002, tive acesso a pesquisas nacionais de opinião pública que testavam a confiança da população em 42 instituições. Os resultados foram quase os mesmos nos quatro anos. Nos primeiros lugares vinham os Correios e o Corpo de Bombeiro, nos últimos, o Congresso Nacional e os partidos políticos. A população tende a avaliar bem individualmente o deputado que atua na sua região e mal a instituição como um todo.

Há picos de rejeição em casos como a CPI dos anões do orçamento, mensalão, Lava Jato, rejeição da Emenda das Diretas, e momentos de aproximação como na eleição de Tancredo Neves, na Constituinte de 1986, nos impeachments de Collor e Dilma.

Esta relação entre Congresso e sociedade está sendo testada mais uma vez. A votação da manutenção ou não da prisão do deputado Daniel Oliveira (PSL/RJ) que agrediu de forma violenta e desqualificada membros do STF e fez apologia da ditadura, do AI-5 e do fechamento do Congresso e do Judiciário, se desdobrou na manutenção da prisão por 305 contra 154 e na discussão da emenda constitucional sobre imunidade e inviolabilidade do mandato parlamentar.

Guarda na mira / Paes quer armar agentes do município, mas enfrenta resistência

Luiz Ernesto Magalhães e Selma Schmidt / Globo

Proposta, porém, já enfrenta resistência até de vereadores da base do prefeito Eduardo Paes

Projeto que libera o armamento da Guarda Municipal do Rio está em pacote apresentado pela prefeitura

RIO — O projeto de armar a Guarda Municipal (GM) do Rio foi um dos pontos apresentados pelo prefeito Eduardo Paes (DEM) num pacote divulgado durante um almoço na tarde desta sexta-feira, dia 26, no Palácio da Cidade. Autor do projeto, o vereador Jones Moura (PSD) lembrou que, no ano passado, o ex-prefeito Marcelo Crivella fechou um convênio com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) para treinar os agentes da prefeitura. Segundo ele, também foram cedidas 150 armas para o início do programa, que permanecem acauteladas na PRF. O treinamento ainda não começou.

Na defesa da projeto, Paes apresentou no pacote do município o resumo de um estudo de um técnico da Fundação Getúlio Vargas, de 2018, que aponta queda nas taxas de homicídios em cidades que armaram seus agentes. O projeto do vereador tramita desde 2017.

Na apresentação aos vereadores, o secretário municipal de Ordem Pública, Brenno Carnevale, defendeu o emprego das armas. Segundo participantes, seria uma medida essencial inclusive para coibir a atuação de milícias, por exemplo, no combate a construções irregulares.

— Muitas guardas do país já atuam armadas e o índice de mortes por causa disso não subiu. O perfil de trabalho do agente municipal é diferente da PM. A PM se envolve mais em confrontos. Os agentes da GM atuam mais na proteção de praças e jardins. Não há situação de conflito — diz Jones.

A proposta de armar a GM não tem todos os pareceres favoráveis nem da bancada que apoia o governo. A vereadora Teresa Bergher (Cidadania) já anunciou que votará contra o projeto.

Poesia | Murilo Mendes - Explosões

A ode explode. O bode explode.

O Etna explode. O erre explode.

A minha explode. A mitra explode.

Tudo agora e amanhã explode.

Exceto a Bomba: o homem não pode.

O homem não pode. O homem não pode. O homem não pode.

*

O homem pode:

Soltar a vida. Fuzilar a Bomba. Reinventar a ode.