Há uma expressão, comum e ingênua, que revela um modo particular de nosso entendimento sobre a História: ‘o problema é que nunca tivemos uma guerra para, de fato, resolvermos nossas feridas mais profundas’. Ou, especificamente, ‘se tivéssemos feito uma guerra de independência ou uma revolução contra escravidão teríamos um país mais justo e desenvolvido’.
A
ingenuidade desta premissa reside na própria História. Os EUA, por exemplo,
fizeram uma guerra para acabar com a escravidão e nem por isso resolveram a
desigualdade racial que até hoje revela que esta ferida é muito maior do que
uma guerra pode ser.
Contudo,
esta premissa revela uma pedagogia, e sua instrumentalização resulta na
condenação moral de qualquer tipo de ajustamentos ou negociações que porventura
tenham sido feitos no passado ou que possam se efetivar no futuro.
É
assim que há muito tempo temos oferecido nossa história pública: uma soma de
arranjos feitos por quem, no fundo, não quer mudar nada. E se há – e certamente
há – alguma verdade nisso, não parece razoável que essa seja a única versão da
História. O outro lado é a glorificação, tão justa quanto supervalorizada, da
ideia de que por seu ‘passado de luta’, por si só, alguém deva nos servir como
referência. Muitas vezes, e pelo contrário, é o ‘passado de negociações e
capacidade de fazer acordos’ que deve, por ser tão ou mais relevante à nossa
trajetória, servir-nos de referência.
Pensar sobre isso nos ajuda a superar alguns de nossos atuais desafios: como criar uma outra pedagogia que rompa com esse modo parcial de contar a História? Como criar uma narrativa que envolva, primordialmente, os arranjos e acordos? E como fazer isso sem parecer oportunista?