quarta-feira, 21 de abril de 2021

Vinicius Müller* - A pedagogia do centro

- Blog Horizontes Democráticos

Há uma expressão, comum e ingênua, que revela um modo particular de nosso entendimento sobre a História: ‘o problema é que nunca tivemos uma guerra para, de fato, resolvermos nossas feridas mais profundas’. Ou, especificamente, ‘se tivéssemos feito uma guerra de independência ou uma revolução contra escravidão teríamos um país mais justo e desenvolvido’.  

A ingenuidade desta premissa reside na própria História. Os EUA, por exemplo, fizeram uma guerra para acabar com a escravidão e nem por isso resolveram a desigualdade racial que até hoje revela que esta ferida é muito maior do que uma guerra pode ser.  

Contudo, esta premissa revela uma pedagogia, e sua instrumentalização resulta na condenação moral de qualquer tipo de ajustamentos ou negociações que porventura tenham sido feitos no passado ou que possam se efetivar no futuro. 

É assim que há muito tempo temos oferecido nossa história pública: uma soma de arranjos feitos por quem, no fundo, não quer mudar nada. E se há – e certamente há – alguma verdade nisso, não parece razoável que essa seja a única versão da História. O outro lado é a glorificação, tão justa quanto supervalorizada, da ideia de que por seu ‘passado de luta’, por si só, alguém deva nos servir como referência. Muitas vezes, e pelo contrário, é o ‘passado de negociações e capacidade de fazer acordos’ que deve, por ser tão ou mais relevante à nossa trajetória, servir-nos de referência.   

Pensar sobre isso nos ajuda a superar alguns de nossos atuais desafios: como criar uma outra pedagogia que rompa com esse modo parcial de contar a História? Como criar uma narrativa que envolva, primordialmente, os arranjos e acordos? E como fazer isso sem parecer oportunista? 

Rosângela Bittar - Revival

- O Estado de S. Paulo

Decisão do Supremo tornou possível o revival, a mesma urna de dois anos atrás

O risco do futuro é repetir o passado indesejado. Ou, diante da urna eletrônica de 2022, os eleitores viverem a mesma perplexidade que experimentaram em 2018. Naquele tempo, todos contavam com o benefício de desconhecer os limites da ignorância de Jair Bolsonaro. No ano que vem já não haverá o álibi. A pandemia expôs a realidade e revelou o presidente por inteiro. Seu retrato, ainda sem número, tem lugar reservado.

A decisão do Supremo Tribunal Federal de devolver a Lula condições eleitorais, seja por sentimento de culpa dos magistrados ou por Justiça, foi decisiva. Tornou possível o revival, a mesma urna de dois anos atrás, sina de que só o êxito da CPI da pandemia nos livrará.

O lado da esquerda também não mudou. Seus dois principais candidatos, Ciro Gomes e Lula, reaparecem agora tal como no passado. O ex-presidente repete até seus fatais encontros marcados com o MDB. Já o cearense de Pindamonhangaba se reapresentou surpreendendo: promoveu um rompimento precoce com Lula e o PT em geral. Tudo igual. Talvez com o agravo de atribuir a Lula um dos traços mais condenáveis e marcantes em Bolsonaro: o ódio a tudo e a todos.

João Doria* - O Brasil precisa de esperança

- O Estado de S. Paulo

O Brasil da esperança valoriza o Estado onde ele é essencial: Saúde, Educação, Segurança Pública e Assistência Social

O Brasil vive hoje o pior momento da sua história. Os recordes negativos se acumulam: 27 milhões de brasileiros em extrema pobreza, vivendo com menos de R$ 9 por dia. 19 milhões passaram fome nos últimos três meses. 125 milhões, o que corresponde a seis em cada dez brasileiros, padecem de insegurança alimentar desde o início da pandemia. São 18 milhões de desempregados. Seis milhões de desalentados, que desistiram de procurar emprego, e somamos 5 milhões de crianças e adolescentes fora da escola.

O Brasil está próximo de bater 400 mil vítimas de covid. É o segundo país do mundo com mais mortes na pandemia. Faltam vacinas e medicamentos. Não foram comprados a tempo pelo Ministério da Saúde.

A Nação assiste à redução de dois anos na expectativa de vida da sua população, fato inédito na história do Brasil. Em seis anos, vivemos as três piores recessões econômicas já registradas, no País. Na década encerrada em 2020, empobrecemos 0,2% a cada ano, enquanto outros países emergentes enriqueceram 2,5% por ano.

Empobrecimento, fome, desemprego, evasão escolar e mortes. Essa tem sido a dura realidade do Brasil, especialmente para os mais pobres e mais vulneráveis.

O cenário de curto prazo não indica mudanças:

Antonio Corrêa de Lacerda* - Muito além do auxílio emergencial

- O Estado de S. Paulo

Muitos países têm adotado programas de fomento às atividades e à infraestrutura para estimular a retomada da demanda e da renda

O atendimento da população vulnerável tem sido fundamental no enfrentamento dos efeitos da pandemia. No ano que passou o pagamento do auxílio emergencial foi determinante para amenizar a situação. Para 2021 é crucial mantê-lo, pelo menos nos mesmos termos, apesar das dificuldades de ordem orçamentária. O agravamento da crise tornou-o absolutamente imprescindível para apoiar as pessoas que estão impedidas de exercer sua atividade e é preciso oferecer-lhes outras formas de sustento.

Para além da medida de amparo social, tendo em vista o aprofundamento e extensão da crise, outras medidas se tornam cruciais para o seu enfrentamento. Note que muitos países têm adotado programas de fomento às atividades e à infraestrutura como forma de estimular a retomada da demanda efetiva, portanto, da renda, do emprego e da arrecadação tributária.

Trata-se, por exemplo do caso dos EUA. Depois de ter aprovado um pacote social da ordem de US$ 1,9 trilhão, foi anunciado, mais recentemente, pelo presidente Biden o “Plano de Emprego Americano”. O programa prevê investimentos em infraestrutura de US$ 2,25 trilhões, contemplando a economia verde, em áreas como residencial, transportes e mobilidade urbana em geral, dentre outras.

Roberto DaMatta* - Seria carnavalesco se não fosse vergonhoso

- O Estado de S. Paulo

O carnaval foi “inocente” enquanto as iníquas polaridades sociais brasileiras eram parte do jogo-jogado

O carnaval é uma festa de reversão. Uma ironia coletiva marcada por uma resistência à “dura realidade da vida”. Resistência que se manifesta com fervor, fora na esfera política, numa festa. O que se recusa no carnaval, portanto, não é a riqueza imoral dos malandros populistas, mas uma estrutura social que se perpetuava como abençoada ou “naturalizada”. 

Neste tipo de rito, havia limites para certas fantasias como a de padre, militar ou juiz. Você pode se fantasiar do que quiser, mas não deve ultrapassar o plano da troça. Como no cinema, o fim do mundo acaba quando o filme termina. Mas essa ontológica diferenciação funciona somente no Brasil da bandeira e na Constituição; ela não faz parte do mundo real no qual as autoridades constituídas são as que mais desmoralizam, carnavalizando o Brasil. 

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O carnaval foi “inocente” enquanto as iníquas polaridades sociais brasileiras eram parte do jogo-jogado. Reverter hierarquias era central no carnaval enquanto “brincadeira”. Mas, no mundo globalizado, transparente e igualitário de hoje, sumiu a distinção entre o sério e o jocoso. Ficou mais difícil mentir e sabotar. 

Rubens Barbosa* - O Brasil e a diplomacia epistolar

-  O Estado de S. Paulo

Cartas não definirão a política externa dos EUA com o Brasil; mas terão influência quando as negociações bilaterais começarem

Nos últimos dois anos, a ausência de uma política externa atuante que acompanhasse as mudanças que estão acontecendo no mundo deixou um vazio que rapidamente foi ocupado por agentes subnacionais, como governadores, pelo Congresso, presidentes das duas Casas e presidentes da Comissão de Relações Exteriores e pela sociedade civil.

Nunca antes na história deste país verificou-se quase semanalmente troca de correspondência de brasileiros e americanos (Congressistas, ex-ministros e sociedade civil) com Joe Biden e com autoridades de seu governo e do Congresso, em Washington, tendo como foco a política ambiental brasileira, e tratando de temas de interesse da relação bilateral.

 Além da correspondência entre os presidentes Bolsonaro e Biden, a maioria das cartas, críticas às política ambientais e de direitos humanos na Amazônia, pediu para o governo americano não levar adiante a cooperação em todas as áreas, inclusive de Defesa (Base de Alcântara), com o Brasil, enquanto o governo brasileiro não mudar a narrativa e as medidas internas que estão permitindo o aumento dos ilícitos na Amazônia pelo desmatamento, pelas queimadas, pelo garimpo e pelo tratamento dispensado às comunidades indígenas.

Luiz Carlos Azedo - A conta do Orçamento

- Correio Braziliense

Não é de agora que o ministro da Economia, Paulo Guedes, vem sendo fritado em fogo brando no Congresso, com o doce constrangimento do presidente Jair Bolsonaro, que conseguiu desmoralizar seu Posto Ipiranga junto aos agentes econômicos. O mercado só não pede para tirar o ministro porque não sabe o rumo que o substituto adotará. Como Bolsonaro costuma surpreender na troca de ministros, os agentes econômicos preferem não arriscar, e Guedes vai ficando, cada vez mais enfraquecido. Agora, está engolindo um acordo com o Centrão que representa gastos acima do teto do Orçamento de 2021 da ordem de R$ 132,5 bilhões. Publicamente, Guedes minimiza o fato, mas sua equipe e os especialistas sabem fazer as contas.

A narrativa do governo é de que foi preservada a responsabilidade fiscal e o compromisso com a área da saúde. Bolsonaro deve sancionar o Orçamento hoje ou amanhã. A redução de gastos com despesas obrigatórias, que foram subestimadas, e o aumento do valor das emendas parlamentares pelo Senado levaram os técnicos do Ministério da Economia a propor o veto integral ao Orçamento aprovado pelo Congresso, mas Guedes não bancou a posição. Bolsonaro é o grande interessado nas emendas parlamentares destinadas à realização de obras, por razões eleitorais.

Ricardo Noblat - Outra vez se espera que Bolsonaro comporte-se como o seu oposto

- Blog do Noblat / Veja

Pano de fundo do Brasil para a Cúpula do Clima

Na véspera da abertura da Cúpula do Clima que reunirá 40 chefes de Estado, nem por encomenda fatos recentes poderiam se combinar melhor para reforçar aos olhos do mundo sua má impressão a cerca do governo Bolsonaro e a questão ambiental.

O pior índice de desmatamento da Amazônia nos últimos 10 anos foi alcançado em março último. Derrubou-se 810 quilômetros quadrados de floresta, área maior do que a da cidade de Goiânia, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia

A devastação triplicou em comparação com março de 2020. Cresceu 59% entre agosto de 2020 e março de 2021 em relação ao período de agosto de 2019 a março do ano passado. Apenas isso. 2020 foi também o ano em que queimou parte do Pantanal.

Em carta divulgada ontem, 400 servidores do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) anunciaram a suspensão de suas atividades de fiscalização graças a uma decisão do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Bruno Boghassian – Os militares e a escolta política

- Folha de S. Paulo

Novo ministro da Defesa indica que vai seguir discurso de intimidação do presidente

Se alguém tinha dúvidas sobre as intenções de Jair Bolsonaro ao trocar o comando das Forças Armadas, basta acompanhar os pronunciamentos do novo ministro da Defesa. Em poucas semanas, o general Walter Braga Netto mostrou que pretende manter a escolta política dos militares ao governo e seguir a retórica conflituosa do presidente.

Desde o início do mandato, Bolsonaro usa as Forças Armadas como ferramenta para intimidar adversários políticos e outros Poderes. Foi assim em seu embate com governadores e em ameaças que fez ao STF. Braga Netto indicou que vai ajudar o presidente nesse delírio autoritário.

Na semana passada, com o governo acuado pela CPI da Covid, o ministro agiu como auxiliar político de Bolsonaro e repetiu a tática de desviar o foco das investigações. "O uso de recursos pelos gestores dessas instâncias, estadual e municipal, deve ser acompanhado pela população e sofrer apuração rigorosa", declarou.

Hélio Schwartsman - Guerras vacinais

- Folha de S. Paulo

Qual vacina você tomaria se pudesse escolher?

Se você, leitor, pudesse escolher, qual vacina tomaria? Penso que muitos optariam pela da Pfizer. Ela, afinal, apresenta uma das taxas mais altas de eficácia em estudos de fase 3 publicados, não foi associada a efeitos colaterais graves, ainda que muito raros, e está mostrando que funciona bem na vida real, como se vê em Israel.

A questão, porém, é mais complexa. Ao que tudo indica, o Sars-CoV-2 veio para ficar. É provável que tenhamos de colocar a vacina anti-Covid no calendário anual de imunizações, e aí as vantagens da Pfizer talvez não se sustentem.

Hoje, diante dos custos econômicos de lockdowns, mesmo a mais cara das vacinas é uma pechincha. Mas, se precisarmos de reforços anuais, o preço será uma variável importante, e o da Pfizer está entre os mais elevados --US$ 20 a dose, contra US$ 4 da vacina Oxford. A logística também é mais complicada, já que o biofármaco da Pfizer precisa ser mantido à temperatura de -70°C.

Ruy Castro - Bilhete a um jovem bolsonarista

- Folha de S. Paulo

Se estiver sentindo o vírus perigosamente por perto, prepare-se para vir conhecer o Brasil real

Se o amigo vive no Brasil de Jair Bolsonaro, parabéns. Até há pouco, jovem, feliz, negacionista e com histórico de atleta, você era imune à Covid. Enquanto os velhos morriam, você assobiava no azul —distanciamento, higiene, restrições ao comércio, máscara e vacinas eram coisa de maricas e comunistas. Nas últimas semanas, no entanto, ao sentir o vírus perigosamente por perto e sabendo que amigos de seu porte físico e idade estavam intubados ou já no cemitério, é possível que você esteja pedindo ingresso no Brasil real —o nosso.

Não podemos bater-lhe a porta na cara, mas não espere muito de nossa parte. Somos 200 milhões à mercê da pandemia, dependendo apenas de nossos cuidados e do sacrifício dos profissionais da saúde —aqueles que nunca mereceram uma palavra de gratidão de Bolsonaro, muito menos uma visita de solidariedade a uma linha de frente. Mas fique certo de que esses profissionais o tratarão com a mesma heróica dedicação com que nos tratam —para eles, você será só mais um a ser salvo, não um farrista de aglomerações, festas clandestinas e carreatas.

Vinicius Torres Freire – As emendas do soneto ruim de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Crise do Orçamento tem a ver com podridão do governo e é também problema histórico

Muito se falou de emendas parlamentares nestes dias da novela infame do Orçamento federal. Por que tanto tumulto por causa de um tipo de despesa que não chega a 1,5% do gasto do governo? Para onde vai esse dinheiro? Por que o aumento do valor total das emendas ainda vai manter Jair Bolsonaro com a corda no pescoço?

O comando do Congresso e o governo haviam aprovado um Orçamento em que a despesa superava o que, em tese, é permitido gastar, dado o “teto”. Um motivo do estouro era o aumento da despesa decidida por meio de emendas parlamentares, o que foi possível porque haviam sido subestimados gastos obrigatórios (como benefícios do INSS, por exemplo), resultado de malandragem e inépcia.

Caso Bolsonaro vetasse muita emenda, a retaliação no Congresso seria maior. Depois de dias de intriga, chegou-se a um acordo. Mantém-se parte do dinheiro extra para emendas parlamentares e diminui bem o risco de Bolsonaro e gente do governo serem processados por crime fiscal. O Congresso-centrão e parte do governo reduziram Paulo Guedes a papel ainda mais ridículo.

Vera Magalhães - Campeonato do fim do mundo

- O Globo

“Nesse campeonato do fim do mundo, quando você é muito bem-sucedido, você acrescenta meio grau na temperatura do planeta”, disse, de forma contundente, o escritor e líder indígena Aílton Krenak na última segunda-feira no centro do Roda Viva.

Para ele, é este campeonato que o Brasil, tendo Jair Bolsonaro e Ricardo Salles como técnico e auxiliar, resolveu jogar. E é na condição de líder da tabela desse torneio macabro que o país chega à Cúpula de Líderes pelo Clima, proposta por Joe Biden, que será anfitrião virtual de 40 chefes de Estado a partir desta quinta-feira para marcar a volta dos Estados Unidos à mesa das negociações climáticas, depois de quatro anos de abandono desta agenda por Donald Trump.

Todos os olhos do mundo antes da reunião estão postos sobre o Brasil. Os sucessivos recordes de desmatamento da Amazônia, as queimadas na floresta e também no Pantanal, o desmonte da estrutura de fiscalização ambiental e a reiterada disposição de Bolsonaro de liberar a exploração mineral e de madeira em reservas indígenas, rever demarcações e legalizar terras ocupadas ilegalmente na região amazônica são apenas alguns dos "feitos" pelos quais o presidente brasileiro deverá ser questionado por seus pares.

Bernardo Mello Franco - Os estribos do general

- O Globo

O novo ministro da Defesa está empenhado em agradar o chefe. Walter Braga Netto estreou no cargo com uma exaltação ao golpe de 1964. Em seguida, passou a usar cerimônias militares para endossar o discurso do capitão.

Ontem o general aproveitou a troca de comando do Exército para fazer mais um comício bolsonarista. Às vésperas da Cúpula do Clima, ele tentou rebater as críticas da comunidade internacional pela devastação da Amazônia. “Os brasileiros que estão presentes na região sabem que a floresta continua de pé”, afirmou.

A patriotada não apaga o que as imagens de satélite mostram ao mundo. Ao analisá-las, o Imazon constatou que o desmatamento em março foi o maior para o mês nos últimos dez anos.

Com o governo pressionado pela abertura da CPI da Covid, Braga Netto disse que “é preciso respeitar o rito democrático e o projeto escolhido pela maioria dos brasileiros”. A frase sugere que a eleição deu um salvo-conduto ao presidente, como se ele não precisasse prestar contas à sociedade e ao Congresso.

Elio Gaspari - De Zappa@edu para Bolsonaro@gov

- O Globo / Folha de S. Paulo

O senhor abraçou uma causa perdida na discussão do meio ambiente

Presidente,

O senhor implica com os diplomatas profissionais e chega a ironizar suas boas maneiras. Como disse um colega, alguns arrumam melhor os talheres numa mesa que os pronomes numa frase. Escrevo-lhe com a autoridade de quem, no século passado, serviu como embaixador em postos para os quais o creme de barbear chegava por mala diplomática (Pequim, Hanói, Maputo e Havana). Eu evitava usar smoking, porque seria confundido com garçom.

Amanhã o senhor começará a participar da Cúpula do Clima e terá momentos difíceis. Acho que posso ajudar com uma ideia simples: deixe a diplomacia com os diplomatas profissionais. Teste-os, enunciando uma tolice. Quem concordar, profissional não é.

Na diplomacia, não há lugar para ganhadores nem para perdedores. Isso é coisa de militares. Às vezes o vencedor finge que perdeu e dá ao perdedor a chance de dizer que ganhou. Conversa de diplomata? Talvez o senhor esteja entre aqueles que consideram o americano Henry Kissinger um grande diplomata. Ele ganhou o Prêmio Nobel da Paz, mas abandonou o Vietnã à própria sorte depois de massacrar parte de sua população numa guerra perdida. Eu vivi lá e sei o que houve. Grande marqueteiro, isso sim.

O senhor abraçou uma causa perdida na discussão do meio ambiente. Depois de delirar na virtude de ser um pária, seu governo não deve apresentar contas. Sua carta ao presidente Joe Biden foi longa demais porque muita gente meteu a colher.

Zeina Latif - O presidente não sabe surfar

- O Globo

Não há mais contraponto no governo para defender a disciplina fiscal, e cada grupo corre para garantir sua parte no latifúndio

Empolgados com a expressiva alta dos preços de commodities, analistas apostam em um ciclo robusto adiante, em boa medida por conta das perspectivas de vacinação em massa no mundo. Os países emergentes se beneficiariam com o influxo de capitais estrangeiros, para além da melhora do saldo exportador.

Haveria mais investimento nesses setores e em ativos de risco, pela própria percepção de redução do risco nos países - como sugerem as elevadas correlações entre preços de commodities e o custo (spread) da dívida soberana ou o preço do seguro contra calote (credit default swap) de emergentes.

O otimismo tem contribuído para sustentar preços de ativos. Convém, no entanto, conter o entusiasmo, especialmente para o caso brasileiro.

O principal combustível para a alta das commodities é o comércio mundial, que exibiu recuperação em formato de “V” e embalou a alta de 68% nos preços de commodities entre o colapso de abril passado e março último, pelo índice do FMI. Certamente a elevada liquidez mundial tem sua contribuição, por se tratar de um preço de ativo.

Wilson Ibiapina* - 21 de abril: Brasília 61 anos

Nos primeiros tempos 

Quando cheguei a Brasília, em 1970, a cidade estava com dez anos, com muita poeira e ritmo acelerado dos operários em construção. Muito do que aconteceu nos primeiros momentos da nova capital só fiquei sabendo agora, 61 anos depois da inauguração.

As histórias curiosas foram resgatadas pela jornalista Rosalba da Matta Machado e estão no livro Dutra, memórias de um garçom de Juscelino, mordomo em Brasília, com apresentação do saudoso jornalista Carlos Chagas e orelha escrita pelo jornalista Silvestre Gorgulho, ex-secretário de Cultura do DF, que nos revelou que a estátua da Justiça, na Praça dos Três Poderes, inicialmente fora colocada, dentro do prédio do Supremo Tribunal Federal, e que posteriormente fora levada para a praça onde hoje se encontra, por determinação de Oscar Niemeyer, sob o argumento de que a justiça é para todos.

Música | Joan Manuel Serrat - Cantares

 

Poesia | Bertolt Brecht - Aos que vierem depois de nós

– Tradução Manuel Bandeira
I
Realmente, vivemos tempos sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.

Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes.
Pois implica silenciar tantos horrores!
Esse que cruza tranqüilamente a rua
não poderá jamais ser encontrado
pelos amigos que precisam de ajuda?

É certo: ganho o meu pão ainda,
Mas acreditai-me: é pura casualidade.
Nada do que faço justifica
que eu possa comer até fartar-me.
Por enquanto as coisas me correm bem
(se a sorte me abandonar estou perdido).
E dizem-me: “Bebe, come! Alegra-te, pois tens o quê!”

Mas como posso comer e beber,
se ao faminto arrebato o que como,
se o copo de água falta ao sedento?
E todavia continuo comendo e bebendo.

Também gostaria de ser um sábio.
Os livros antigos nos falam da sabedoria:
é quedar-se afastado das lutas do mundo
e, sem temores,
deixar correr o breve tempo. Mas
evitar a violência,
retribuir o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, antes esquecê-los
é o que chamam sabedoria.
E eu não posso fazê-lo. Realmente,
vivemos tempos sombrios.

II
Para as cidades vim em tempos de desordem,
quando reinava a fome.
Misturei-me aos homens em tempos turbulentos
e indignei-me com eles.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Comi o meu pão em meio às batalhas.
Deitei-me para dormir entre os assassinos.
Do amor me ocupei descuidadamente
e não tive paciência com a Natureza.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.
A palavra traiu-me ante o verdugo.
Era muito pouco o que eu podia. Mas os governantes
Se sentiam, sem mim, mais seguros, — espero.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

As forças eram escassas. E a meta
achava-se muito distante.
Pude divisá-la claramente,
ainda quando parecia, para mim, inatingível.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

III
Vós, que surgireis da maré
em que perecemos,
lembrai-vos também,
quando falardes das nossas fraquezas,
lembrai-vos dos tempos sombrios
de que pudestes escapar.

Íamos, com efeito,
mudando mais freqüentemente de país
do que de sapatos,
através das lutas de classes,
desesperados,
quando havia só injustiça e nenhuma indignação.

E, contudo, sabemos
que também o ódio contra a baixeza
endurece a voz. Ah, os que quisemos
preparar terreno para a bondade
não pudemos ser bons.
Vós, porém, quando chegar o momento
em que o homem seja bom para o homem,
lembrai-vos de nós
com indulgência.