sexta-feira, 7 de maio de 2021

Vera Magalhães - O Brasil involuiu 20 anos

- O Globo

O isolamento brasileiro diante da histórica decisão do governo dos Estados Unidos de apoiar a suspensão temporária de patentes de vacinas para Covid-19 é especialmente emblemático porque nos permite fazer um retrato de hoje e de exatos 20 anos atrás, quando vivemos uma epopeia oposta da diplomacia brasileira e cravamos uma das nossas principais vitórias em organismos multilaterais, justamente no tema de patentes para remédios.

Foi em novembro de 2001, ainda sob os escombros do 11 de Setembro, que a mesma OMC, palco da guinada de Joe Biden, aprovou, em sua 4ª Conferência Ministerial realizada em Doha, no Qatar, uma resolução proposta inicialmente pelo Brasil prevendo que, em casos de epidemias, os países-membros da organização poderiam flexibilizar as regras de patentes previstas no Acordo de Direitos de Propriedade Intelectual Relacionadas ao Comércio e Saúde Pública (conhecido como Trips).

A resolução foi o marco final do que ficou conhecido como “guerra das patentes”, uma ofensiva do governo FHC em várias frentes (diplomática, econômica e de comunicação) para pressionar a indústria farmacêutica a baixar preços dos medicamentos que compunham o coquetel anti-Aids, fornecido gratuitamente pelo Ministério da Saúde, ameaçando com a quebra das patentes.

Bernardo Mello Franco - Tropa de trapalhões

- O Globo

Todo governo tenta tumultuar as comissões parlamentares de inquérito. Manobras protelatórias, factoides e bate-bocas fazem parte do jogo. Mas a tropa de Jair Bolsonaro está exagerando nas trapalhadas.

Em duas semanas, o Planalto já acumula ao menos sete vexames na CPI da Covid. A série começou quando o UOL publicou uma planilha da Casa Civil com 23 acusações contra o governo. A lista foi redigida para ajudar os bolsonaristas. Ao vazar, virou arma para a oposição.

Na semana passada, O GLOBO revelou que requerimentos assinados por senadores governistas foram produzidos em computadores da Presidência. Os registros eletrônicos mostram que os parlamentares atuaram como laranjas do capitão.

Eliane Cantanhêde - Gabinete das trevas

- O Estado de S. Paulo

Depoimento de Queiroga foi aflitivo e confirma: quem manda na Saúde não era e não é o ministro

A estrela da CPI da Covid nesta semana é a cloroquina, mas a da semana que vem será a vacina. O governo Jair Bolsonaro não sai bem nem numa nem na outra e todas as perguntas giram em torno de um mesmo eixo: o grave negacionismo científico do próprio presidente da República diante da cloroquina, da máscara, do distanciamento, da vacina. De toda a pandemia, enfim.

A cronologia da CPI corresponde e expõe às câmeras, para o Brasil inteiro, a própria realidade do governo. Luiz Henrique Mandetta foi demitido do Ministério da Saúde por defender teses e protocolos científicos e da OMSNelson Teich foi colocado lá para ficar quieto, não atrapalhar, mas se rebelou quando percebeu a roubada. E o jeito foi meter um general da ativa do Exército, Eduardo Pazuello, para fazer o papel de bobo, obedecendo a tudo que seu mestre mandasse.

Por trás dessa cronologia, há o que Mandetta revelou já no primeiro dia de depoimentos: quem manda na pandemia não é o Ministério da Saúde, logo, nem Mandetta, nem Teich, nem Pazuello, mas, sim, o presidente, com um gabinete das sombras, ou das trevas. Não consta que Bolsonaro seja médico, cientista ou saiba a diferença entre vírus e bactéria. E não se sabe quem são e qual é a formação e a expertise em saúde, particularmente em saúde pública, dos tais integrantes do gabinete misterioso.

César Felício - A CPI e um revólver sobre a mesa

- Valor Econômico

Bolsonaro tem ambiente para fazer ameaças

Em Madrid, esta semana, a governadora local, Isabel Diaz Ayuso, arrasou nas eleições: poderá governar o estado onde está a capital espanhola apenas com o seu partido, o direitista PP, e o apoio do Vox, de extrema-direita. Diaz fez uma campanha negacionista, sabotando sistematicamente campanhas de isolamento social, e chegou a dizer que o impacto do covid-19 se devia a maus hábitos dos imigrantes.

No dia 21 de abril, sexagésimo aniversário de uma quartelada na França, um manifesto assinado por 20 generais e 100 oficiais de alto escalão na reserva alertou que “a França está em perigo”, e que “nossas bandeiras tricolores não são pedaços de pano”. Protestaram os militares contra a discriminação promovida pelos movimentos antirracistas. “Não é hora de procrastinar, caso contrário, amanhã a guerra civil acabará com esse caos crescente”, advertiram.. O governo de Macron prometeu tomar providências contra o grupo. Empatada com o presidente francês nas pesquisas para a eleição de 2022, a direitista Marine Le Pen elogiou a mensagem ameaçadora da caserna.

Ruy Castro - Perguntas à queima-roupa

- Folha de S. Paulo

Uma CPI, por definição, destina-se a inquirir e buscar respostas. Para isso, é preciso saber perguntar

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito, por definição, destina-se a inquirir e buscar respostas. Donde, se a CPI da Covid está lhe parecendo chocha, obrigando-o às vezes a ir fazer um café para acordar, a culpa não é das respostas ensaboadas dos depoentes. É da maioria dos senadores, que não sabe perguntar. Como colaboração, eis algumas dicas de quem tem passado a vida fazendo perguntas.

Regra básica: nenhuma pergunta pode ficar sem resposta. Para isso, deve ser formulada de modo a, diante de respostas como “não sei”, “não me lembro” ou “sou ministro da Saúde, não me compete julgar”, suscitar pronto repique. Exemplo: “Qual é a sua atitude ao ver suas recomendações de distanciamento e máscara contrariadas pelo presidente ao provocar aglomerações?”. Resposta: “Isso é feito sem o meu conhecimento”. Repique: “Ao tomar conhecimento, o senhor fala com ele sobre isso?”. Se sim, “O que ele responde?”. Se não, “Por que não?”.

Hélio Schwartsman - Pazuello, covarde ou herói?

- Folha de S. Paulo

Ele é tão leal a Bolsonaro que não hesita em passar por covarde para protegê-lo

general Pazuello fugiu do depoimento que daria à CPI da Covid. Isso é fato. Resta determinar se o fez por covardia ou bravura. É claro que estou sendo irônico, mas menos do que o leitor imagina. A relação entre covardia e bravura é irredutivelmente paradoxal.

O guerreiro que nada teme não faz nada de extraordinário quando enfrenta a morte no campo de batalha. Para que sua atitude tenha algo de heroico, é preciso que ele tenha medo, se não de perder a vida, dos chamados destinos piores que a morte, como viver em desonra ou ver seus familiares e compatriotas reduzidos à escravidão. E basta admitir que o medo é indissociável da bravura para gerar situações contraditórias.

Reinaldo Azevedo - A lei da patente delinquência nos mata

- Folha de S. Paulo

Ao se opor à quebra das patentes das vacinas, Bolsonaro atenta contra os interesses do povo brasileiro; quem está surpreso?

Temos um governo que, também no cenário internacional, atua abertamente contra os interesses da população. É o caso da oposição, por ora mantida, à quebra das patentes das vacinas contra a Covid-19. Antes, o Brasil estava de mãos dadas com Donald Trump. Agora, de costas para Joe Biden.

O buraco em que nos metemos é muito fundo —havendo a possibilidade de que não tenha fundo nenhum. As eleições do ano que vem dirão. Insistamos por ora. Sempre resta a esperança no fundo da caixa dos desatinos.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, depôs nesta quinta na CPI. Médico, deixou claro não ter autonomia nem mesmo para expressar sua oposição —conhecida antes de assumir o cargo— ao tratamento precoce com cloroquina e outras drogas presidenciais. Não é surpreendente, mas é sempre repulsivo.

Indagaram ao doutor qual é a sua posição sobre a quebra das patentes. Poderia ter dito, por exemplo, que tal questão não se limita à saúde. Atine também à política externa. Já que falava na CPI na condição de ministro de Estado, limitar-se-ia a defender o que é melhor para a população. E, no caso, quanto mais vacinas, melhor. Com ou sem a quebra.

E pronto. Teria escapado de maneira digna sem dizer muita coisa. Ocorre que a inexperiência e a ignorância exercem um importante papel na tragédia civilizatória em curso. O Brasil é tido, no mundo, como exemplo no combate à Aids. E é. A produção local dos remédios que compuseram o famoso "coquetel" tem uma importância central nessa história. José Serra, então ministro da Saúde, encampou a ideia do fim das patentes e enfrentou, no começo, a oposição dentro do próprio governo.

Ignácio de Loyola Brandão* - Imortal na parede da padaria

- O Estado de S. Paulo

Em São Paulo, descobri que as padarias não vendiam apenas pão. Eram uma instituição

A primeira padaria que me ficou na memória foi a Palamone, em Araraquara. Devia ter sete para oito anos, plena Guerra. Ia com meu pai para uma fila, cada pessoa com um cartão que lhe dava direito a tantos pães, conforme a família. Eu não entendia, meu pai dizia, é a guerra, o racionamento, não tem farinha. A segunda padaria foi a Pasetto, em frente ao Jardim Público. Nesta altura, eu estava com dez anos, a Guerra tinha acabado e os Pasetto tinha uma carrocinha mágica, que circulava pelas ruas, levando pão francês, sovado, aviãozinho e um pão doce feito em fitas que se enrolavam, com coco entre elas. A Palamone e a Pasetto fecharam, mas eu já tinha saído da cidade. Dos Pasetto, me relaciono hoje com o Paulinho, médico de nomeada, e com a Tatiana, da Unesp, a primeira que me deu a noticia que eu receberia o título de Honoris Causa.

Em São Paulo, descobri que as padarias não vendiam apenas pão. Eram uma instituição, parte essencial do cotidiano. Assim que cheguei e fui viver em um apartamentinho na esquina das ruas Bresser e Silva Telles, na primeira manhã, desci para comer pão com manteiga e café com leite. O balconista perguntou: pão na chapa? Média ou pingado? Começava minha aventura na selva paulistana. Na chapa? Média, pingado? Boiei, fiquei a olhar. Primeira lição sobre um clássico das padarias, o pão na chapa. A média veio não em xícara, mas em um copo americano, que já foi exibido no MoMA de Nova York como exemplo do design brasileiro, e que vendeu, desde 1947, 6 bilhões de unidades. Como poderia eu, em 1957, imaginar que no futuro escreveria para DBA a história da vidraria Nadir Figueiredo, que criou o copo?

José de Souza Martins* - Fim da era de ascensão social

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

A manipulada insurreição eleitoral antipolítica de 2018 subverteu a ordem e anexou o Brasil ao Ministério da Economia como uma província secundária e incômoda

Os quase cem anos da era de ascensão social no país estão chegando ao fim nestes dias de incerteza e de desorientação política. É verdade que o Brasil da Revolução de Outubro de 1930, que confirmou a opção pelo trabalho livre com direitos sociais, começara a decair com a opção econômica neoliberal de 1964. Esse processo poderia ter sido revertido se houvesse aqui, em vez de golpismo lucrativo, suficientemente amplo discernimento político e empresarial.

Aquela foi uma era de otimismo e esperança em que os gestores políticos da economia brasileira criaram condições para que o país superasse os bloqueios do atraso para ingressar no mundo moderno. Eram inteligentes, criativos e patriotas.

As sociedades não mudam da noite para o dia. Precursores daquele momento de reconfiguração social, de opções corajosas e criativas, já haviam começado a agir nas décadas finais da escravidão.

O pernambucano Joaquim Nabuco (1849-1910) analisou e interpretou o escravismo na perspectiva do que poderia ser o Brasil e ainda não era porque agrilhoado ao cativeiro, que escravizava corpos e mentes. Também dos senhores de escravos. Eles próprios, cativos da mentalidade senhorial.

O grande empresário paulista Antônio da Silva Prado (1840-1929), conservador, o maior fazendeiro de café do mundo, banqueiro, industrial, diretor e acionista da melhor ferrovia brasileira, ministro do Império na crise do escravismo, revolucionou o Brasil. Promoveu e personificou a modernidade possível, que o país podia e de que carecia. Seria o primeiro prefeito de São Paulo por dez anos.

Fez na cidade uma precursora revolução urbana, transformando-a de um povoado de casas de taipa numa metrópole moderna.

Vinicius Torres Freire - Desemprego a perder de vista

- Folha de S. Paulo

Crise do emprego vai além do meio da década; não há plano nem para atenuar miséria

A taxa de desemprego deve ficar perto de 14% até 2023, dizem os chutes informados dos economistas em geral mais atilados neste tipo de previsão. Em fevereiro, estava em 14,5%. No pior momento antes da epidemia, 2017, esteve em 12,7%, na média do ano —o desemprego voltaria a esse nível já muito horrível apenas em 2025, por aí. A economia do Brasil, o PIB, deve voltar ao mesmo nível médio de renda ou produção de 2019 apenas em algum momento de 2022, afora novos desastres.

Em um país empobrecido e com desemprego alto, é razoável supor que pobreza e miséria devam ficar também em níveis mais altos do que os vistos no já triste e pobre 2019. De onde poderia sair o dinheiro para atenuar a miséria? Não se sabe. Onde estão os planos oficiais de emprego para os mais pobres em especial? Não há.

Antes de continuar a conversa: “taxa de desemprego” é a parcela das pessoas que estão na força de trabalho, disponíveis para trabalhar e que tentam encontrar emprego, mas não conseguem. Força de trabalho é a soma dessas pessoas com aquelas que estão trabalhando, ocupadas. Logo, é possível que o número de pessoas ocupadas aumente e a taxa de desemprego continue a mesma ou até suba.

Celso Ming - A cara esquisita da inflação no Brasil

- O Estado de S. Paulo

A inflação interna avançou em consequência do aumento do dólar em reais, mas já existem sinais que indicam desaceleração desse movimento

inflação que rola no Brasil e, em parte, no mundo é mesmo esquisita. Por aqui já tivemos a inflação do chuchu (tempos do ministro Mário Henrique Simonsen), a inflação do feijão e do bife (tempos do então ministro Delfim Netto). A de agora lembra o ornitorrinco, animal que tem bico de pato, mas não é pato; bota ovo, mas não é nem réptil nem ave; é mamífero, mas a fêmea não tem mamas.

Ao elevar nesta quarta-feira os juros básicos (Selic) para 3,5% ao ano e acenar com nova alta nas próximas reuniões do Copom, o Banco Central avisou que espera para este ano uma inflação de 5,1% e, para 2022, para quando está focada a política de juros, inflação de 3,4%. E repete que essa alta de preços é temporária, o que implica o diagnóstico de que não é consequência de um aumento anormal do consumo, mas apenas fruto da disparada dos preços das commodities que, em parte, é o resultado da recomposição de fluxos estancados pela pandemia.

Claudia Safatle - Nem tudo está perdido

- Valor Econômico

Crescimento mundial pode puxar a economia brasileira

A expansão da economia americana, estimada em cerca de 7% este ano, e a da China, com a perspectiva de um crescimento de 9%, puxam o crescimento da economia mundial para a casa dos 6% com impacto positivo sobre os países emergentes. Na zona do euro as expectativas são mais modestas, com a produção interna aumentando algo na casa dos 4%. O Brasil recebe esses ventos a favor movidos por políticas fiscal e monetária expansionistas e, se não fizer besteira, pode até levar algumas casas a rever suas expectativas sobre o nível de atividade doméstica. Esse é o caso do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), que cogita fazer revisão dos seus prognósticos para algo ligeiramente superior aos 3,2% estimados para a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano.

No primeiro trimestre havia a previsão de uma contração da economia brasileira de cerca de 0,5%, mas a realidade revela dados melhores e deverá registrar um percentual levemente positivo para a atividade. O segundo trimestre ainda está com projeções também negativas, mas as informações de abril são melhores do que o esperado.

Tudo vai depender, porém, do ritmo da vacinação contra a covid-19 e das informações sobre as últimas restrições à mobilidade que vários Estados, sobretudo São Paulo, fizeram para conter o contágio. Segundo a coordenadora do Boletim de Macroeconomia do FGV Ibre, Silvia Matos, é preciso considerar, ainda, o risco de uma terceira onda da pandemia por causa da cepa indiana do vírus. Se isso acontecer, novas medidas de restrição à mobilidade podem ser usadas e não se deve descartar por completo o recurso ao “lockdown”.

Fabio Giambiagi - O gasto em pessoal militar

- O Globo

A realidade dos números é inequívoca. Em 2020, o gasto real com pessoal civil caiu, enquanto o dos militares teve aumento

Uma lição que tentava passar para meus alunos quando dava aulas de Finanças Públicas era: “Sempre que for possível, abram o dado”. Ou seja, antes de fazer afirmações peremptórias sobre algo, é preciso entender bem o que está acontecendo. O gasto público está aumentando? Sim, ok. Por causa de que rubricas? INSS? Perfeito, onde? Aposentadorias urbanas ou rurais? Por idade ou por tempo de contribuição? O problema está nas “outras despesas”? Quais delas, então?

Agora faço uma observação similar quando vejo análises gerais sobre a despesa com pessoal. Esta é uma rubrica que, sem dúvidas, era necessário rever no começo do atual governo, haja vista o fato de que, desde que o teto do gasto fora adotado em 2016, ela e o INSS foram os dois grandes itens que continuaram mantendo seu crescimento, em contraste com a evolução do terceiro grande bloco de despesa – as “outras” – que encolheram muito entre 2016 e 2019.

A razão se localiza na decisão do Governo Temer de validar os aumentos salariais negociados politicamente - ainda no Governo Dilma - com a maioria das carreiras do funcionalismo, acarretando um incremento real do gasto.

Esse item, então, pressionou severamente as chamadas “despesas discricionárias”, que têm sido espremidas nos últimos cinco anos.

Cristian Klein - Ida de Paes para o PSD põe aliança em dúvida

- Valor Econômico

Prefeito do Rio articula frente com legendas de esquerda mas filiação ao camaleônico partido de Kassab traz incerteza ao projeto, que tem Lula entre os maiores interessados

A saída de Eduardo Paes do DEM para o PSD levantou dúvidas sobre uma aliança para 2022 entre partidos de esquerda e o grupo liderado pelo prefeito do Rio e pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A união é incentivada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com quem Maia se encontrou anteontem.

As negociações para a montagem de uma frente ampla, de perfil antibolsonarista, tem tido Paes como um dos protagonistas, mas o movimento de migração para o PSD - atualmente um partido com mais ambições regionais do que o MDB e o PSDB no Rio, que também estiveram no radar para abrigar o grupo - gerou apreensão sobre a chance de o bloco se formar já no primeiro turno.

“Não acho que está nada garantido, essa aliança é um projeto, que vem sendo costurado. Mas não tem noivado, que dirá casamento”, afirma o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, que participa das articulações. O pedetista tem como pré-candidato ao governo do Estado o ex-prefeito de Niterói Rodrigo Neves (PDT) mas defende também o nome do deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ). Paes, no entanto, tem como carta na manga o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, que também deve acompanhá-lo no PSD.

Flávia Oliveira - Campo de mortes

- O Globo

O Brasil da pandemia é um campo de mortes e o Rio de Janeiro, epicentro da carnificina. O estado que forjou politicamente Jair Bolsonaro e Wilson Witzel, paladinos na brutalidade, banalizou a barbárie. Ontem, uma mal explicada operação da Polícia Civil prendeu seis pessoas e deixou 25 mortos, entre os quais um policial, na favela do Jacarezinho, Zona Norte da capital. Em um dia, o equivalente a um terço das mortes confirmadas por coronavírus na comunidade; foram 79, desde março de 2020, segundo o Painel Rio Covid-19. Foi a mais letal intervenção oficial de agentes da lei da História do estado, segundo o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni/UFF). Foi também o segundo maior assassinato coletivo já registrado em território fluminense — no primeiro, conhecido como Chacina da Baixada, criminosos executaram 29 pessoas em duas cidades, Nova Iguaçu e Queimados, em março de 2005.

Enquanto parte do planeta se ocupa da vida — não faz dois dias, o presidente Joe Biden anunciou inédito apoio dos EUA à quebra temporária de patentes de vacinas contra a Covid-19 —, o Brasil empilha corpos. Em 14 meses de pandemia, o país ultrapassou 415 mil vidas ceifadas na combinação nefasta do vírus aos atos e omissões do presidente da República, o 01 do morticínio, como já demonstrado no par de depoimentos dos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich à recém-iniciada CPI no Senado Federal. O Estado do Rio se aproxima de 46 mil óbitos por Covid-19, com taxa de letalidade de 5,96% dos infectados, o dobro da média nacional. Na capital, onde até ontem 24.495 pessoas perderam a vida, praticamente um em cada dez doentes (8,9%) não sobrevive.

Ricardo Noblat - Filhos zero de Bolsonaro se reconciliam com o pai

- Blog do Noblat / Metrópoles

Flávio, Carlos e Eduardo lamentam a morte de policial na favela do Jacarezinho, no Rio, e se calam sobre o massacre ali de 24 pessoas

Os filhos zero se reencontraram com o pai em modo radical que os criou à sua imagem e semelhança. Deram prova disso ao se sentirem à vontade para postar em suas contas na internet notas lamentando a morte no Rio de um policial na favela do Jacarezinho.

Escreveu Flávio, o senador:

 “Meus sentimentos à família do inspetor de polícia André Leonardo de Mello Frias, que tombou na honrada missão de defender nossa sociedade do crime organizado. Dar a vida pela nossa segurança não é para qualquer um, é para corajosos e vocacionados!”

Em seguida, Carlos, o vereador:

 “Meus sentimentos à família do policial alvejado e assassinado em troca de tiros com traficantes na data de hoje no Jacarezinho – RJ.”

Por último, Eduardo, o deputado:

“Não surpreende ver deputados do PSol defendendo bandido enquanto policial tomba em serviço. Surpreende é pessoas acharem que o PSol defende pobre, quando é justamente nas zonas mais humildes que eles são menos votados”.

Operação policial deixa 25 mortos no Rio e é alvo de denúncias

Ação mais letal da história da polícia do Rio deixa rastro de denúncias de execução e desfazimento de cenas de crime

Por Rafael Rosas / Valor Econômico

RIO - A operação da Polícia Civil destinada a combater o aliciamento de traficantes de drogas a menores de idade na favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio, chegou à noite de ontem ainda sem encerramento oficial e com saldo de 25 mortes - inclusive um policial -, ao menos cinco feridos, fechamento parcial do metrô carioca e suspeitas de execução. A ação no Jacarezinho foi a mais letal da polícia do Rio em sua história. Até o começo da noite, o policial era o único identificado entre os mortos.

A operação, iniciada pela manhã, havia sido autorizada devido a necessidade de se evitar que traficantes de drogas continuassem a recrutar para a facção criminosa dominante na comunidade crianças de até 12 anos, segundo as investigações. Além disso, a facção é acusada de praticar homicídios, roubos e até sequestro de trens da Supervia. Ainda de manhã, o policial civil André Leonardo de Mello Frias, de 45 anos, foi morto enquanto tentava tirar uma barricada que impedia o avanço do blindado das forças de segurança.

Ao fim da manhã, já eram mais 24 mortos e uma chuva de denúncias chegavam à Defensoria Pública do Estado do Rio. Maria Julia Miranda, que integra o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria, esteve na favela no começo da tarde e afirma que há pelo menos dois casos em que há suspeita de desfazimento de cenas de crime. “Chegaram mortas ao hospital 24 pessoas, o que é indicativo de desfazimento de cena de crise”, disse a defensora durante entrevista coletiva no fim do dia.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

O Brasil com fome

O Estado de S. Paulo

A experiência da pandemia exigirá a reconstrução do sistema de proteção alimentar. Esse trabalho começa agora. Mas, antes de reconstruir, é preciso doar

A crise econômica e política que o Brasil amarga há anos foi agravada em 2020 pela pandemia e redobrada pela incompetência e desídia do governo federal. Em 2021, no pico da pandemia, o País enfrenta uma nova crise: a fome.

Segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, no fim de 2020, 55,2% dos domicílios, abrigando 116,8 milhões de brasileiros, sofriam algum grau de insegurança alimentar. Desses, 19,1 milhões (9% da população) padeciam de insegurança grave, ou seja, passavam fome. Uma pesquisa da Universidade Livre de Berlim mostra um quadro ainda mais tétrico, com 59% dos domicílios em insegurança alimentar e 15% em situação grave.

A violência da pandemia atingiu um sistema de segurança alimentar já vulnerável. Em 2014, o País havia pela primeira vez saído do Mapa da Fome das Nações Unidas, que inclui países nos quais mais de 5% da população consome níveis insuficientes de calorias. Esse foi o resultado de programas como o Bolsa Família ou o Fome Zero, mas também de políticas como o plano de segurança alimentar, a estruturação de conselhos regionais ou o fortalecimento dos programas de alimentação escolar.

Poesia | Frederico Garcia Lorca - Céu vivo

Eu não poderei queixar-me
se não encontrei o que buscava.
Próximo das pedras sem sumo e dos insetos vazios
não verei o duelo do sol com as criaturas em carne viva.

Porém eu irei à primeira paisagem
de choques, líquidos e rumores
que tresanda a menino recém-nascido
e onde toda superfície é evitada,
para entender que o que busco terá seu alvo de alegria
quando eu voar mesclado com o amor e as areias.

Ali não chega a geada dos olhos apagados
nem o mugido da árvore assassinada pela lagarta.
Ali todas as formas guardam entrelaçadas
uma só expressão frenética de avanço.

Não podes avançar pelos enxames de corolas
porque o ar dissolve teus dentes de açúcar,
nem podes acariciar a fugaz folha do feto
sem sentir o assombro definitivo do marfim.

Ali sob as raízes e na medula do ar,
comprende-se a verdade das coisas equivocadas.
O nadador de níquel que espreita a onda mais fina
e o rebanho de vacas noturnas com patinhas vermelhas de mulher.

Eu não poderes queixar-me
se não encontrei o que buscava;
porém irei à primeira paisagem de umidades e pulsações
para entender que o que busco terá seu alvo de alegria
quando eu voar mesclado com o amor e as areias.