O caminho para esta jornada é o da política que na aparência se mostra fértil para as incursões redentoras, mas basta que elas se iniciem para que se encontrem com os muros das nossas taras congênitas como as do patrimonialismo e do patriarcalismo que sempre o acompanha, engrenagens poderosas treinadas em barrar os processos de mudança, presentes em número expressivo na nossa representação parlamentar. Pois é preciso que se atente para o fato de que o atual governo não deve sua existência apenas à desastrada ação na política dos partidos democráticos, mas a uma concertação – elaborada sem dúvida açodadamente – de setores das elites cujas raízes se vinculam à formula reacionária com que o país veio ao mundo, tal como no caso exemplar das relações entre o secular latifúndio e o moderno agronegócio, uma das peças de sustentação do estado de coisas reinantes.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
terça-feira, 11 de maio de 2021
Luiz Werneck Vianna* - Uma rota de saída do inferno
Merval Pereira - Já foi visto
Carlos Andreazza - Presidente-caô
E
o tal decreto libertador do autocrata Jair Bolsonaro? Onde está? Aquele que já
estaria pronto, mas que o presidente — numa ameaça cansada, covarde até para os
padrões retóricos bolsonaristas — não sabe se usará. Cadê? (Talvez esteja
guardado no mesmo cofre fantástico em que vão depositadas as provas de fraude
contra a eleição de 2018.) Cadê? Aquele decreto por meio do qual o populista
sustaria — sem contestação, como se imperador na República — decretos dos
tiranos governadores-prefeitos, os cerceadores do trabalho, usurpadores do
sagrado direito de ir e vir. Onde?
Quem
sabe esteja na mesma gaveta imaginária em que avança o lockdown no Brasil? O
decreto do amanhã: obra — bravata — de um governante fraco, isolado e acuado,
cujo futuro, no mundo real, depende de Arthur Lira e Valdemar da Costa Neto;
sem os quais não haveria “meu Exército” que acudisse. (O Exército do presidente
forma com Pazuello, Ramos, Braga Netto e Heleno; tudo cobra fumante dentro das
quatro linhas da Constituição.)
No mundo real: enquanto brinca de rolezinho de moto (e promete vídeo com ministros confessando o uso de cloroquina; cadê?), Bolsonaro expande a Codevasf — chegou mesmo ao Amapá — para abrigar toda a mamata que tinha acabado. (Quem dera se ele transpusesse águas assim.)
Míriam Leitão - As boas notícias e o estraga cenário
Há
notícias boas na economia, mas a incerteza permanece. O real zerou as perdas do
ano em relação ao dólar, em parte isso é resultado do forte saldo comercial
derivado da alta de produtos exportados pelo Brasil. O mais espantoso aumento é
o do minério de ferro, que é de 47% este ano no mercado chinês e só ontem teve
alta de 10%. O saldo da balança é de US$ 20 bilhões até a primeira semana de
maio, 50% a mais do que no mesmo período do ano passado. Ouvi economistas e uma
cientista política sobre esses dados e seus efeitos na economia e na política.
A conclusão é que apesar do vento a favor, o ambiente de crise permanece.
Quando há alta de commodities, as moedas dos países fornecedores, como o Brasil, se valorizam. Mas no ano passado aconteceu o oposto. O real despencou. Isso se deve à incerteza. Vacinação atrasada, os conflitos criados pelo presidente e seus ataques às medidas de proteção fortaleceram o descontrole da pandemia. A economista Silvia Matos, do Ibre/FGV, explica o que mais está alterando o fenômeno.
Hélio Schwartsman - Chocante até para os padrões do Rio
Ímpeto
assassino da polícia fluminense é inútil em relação à segurança pública
Como
já escrevi aqui, polícia é civilização. O surgimento de Estados fortes com suas
milícias e o monopólio do uso da violência, no século 16, fez, nas contas de
Steven Pinker, as taxas de homicídio despencarem para algo entre um décimo e um
quinquagésimo dos valores anteriores. Considerada isoladamente, foi a medida
que mais fez reduzir a violência inter-humana.
Mas, se a criação da polícia foi o grande passo, o controle do aparato policial para que ele não ocupe o lugar do assassino de plantão é o segundo grande passo. Este o Brasil ainda não deu.
Cristina Serra - Bolsonaro e o trator da corrupção
Brasil
de Bolsonaro é metáfora de casa abandonada onde ratos disputam os despojos
Não
é de hoje que as emendas parlamentares se prestam ao toma lá, dá cá. Mas a
coisa ganha outra dimensão quando se sabe quem pediu o quê, para quem e quanto,
como mostrou o repórter Breno Pires, de O Estado de S. Paulo. A reportagem
revela a existência de um orçamento secreto e o intrigante pendor dos
congressistas por máquinas agrícolas, especialmente tratores. A malandragem já
vem batizada: é o tratoraço de Bolsonaro.
A reportagem é o roteiro de uma investigação. Nomes, valores e destinação das máquinas estão ali. Tudo cheira mal na rapinagem de R$ 3.000.000.000,00 do orçamento público. Teoricamente, as máquinas vão ser usadas em obras de prefeituras. Algumas estão localizadas a milhares de quilômetros da base eleitoral dos parlamentares, e foi detectado superfaturamento de até 259% nas compras. Ora, mas Bolsonaro não havia acabado com a corrupção?
Ricardo Noblat - CPI da Covid vai desgastar o governo, mas não irá muito além
Relatório
final será arquivado pelo Procurador-Geral da República e não servirá para a
abertura de processo de impeachment contra Bolsonaro
O
presidente Jair Bolsonaro e seus asseclas acertam ao dizer que a CPI da
Covid-19 no Senado não os derrubará de onde estão antes da eleição do ano que
vem. Mas erram quando dizem que ela simplesmente “vai dar em nada”.
Se
não vai dar em nada, por que tudo fizeram, embora mal feito, para impedir sua
criação, depois sua instalação e tentaram indicar uma maioria de senadores que
lhes fosse favorável? Conversa para boi dormir, ou para enganar os
bolsonaristas de raiz.
O
relatório final da CPI vai apontar todos os pecados mortais e veniais cometidos
por Bolsonaro na luta que ele não lutou contra a pandemia. Deliberadamente,
deixou-a correr solta e concedeu passe livre para que o vírus matasse.
A
construção da narrativa para sustentar a acusação de que houve um genocídio
será uma poderosa arma de campanha para dificultar a reeleição de Bolsonaro. Só
isso bastaria para justificar a existência da CPI – e o presidente está cansado
de saber.
Mas para além disso, o relatório não servirá. Manda a lei que ele seja enviado à Procuradoria-Geral da República que o arquivará ou oferecerá denúncia contra os acusados. Será arquivado porque Augusto Aras, o procurador, é amigão de Bolsonaro.
Eliane Cantanhêde - Ódio, trevas e grana
Além
dos gabinetes do ódio e das trevas, o ‘Estadão’ revela mais um: o do orçamento
secreto
Sem
rumo e comando racional, o governo pode até ter ilhas de normalidade, mas, no
geral, é dividido entre ministérios onde “um manda e outro obedece” e três
“gabinetes” cercados de mistério: o do ódio, o das sombras (ou trevas) e
o gabinete secreto, revelado pelo Estadão, para jorrar dinheiro
público escondido para parlamentares aliados, sem informar o básico ao distinto
público que paga impostos: quem, como, onde e por quê.
O do “ódio” alimenta a turba bolsonarista com fake news a favor do governo e contra adversários, convocando atos golpistas contra o Supremo e seus ministros. Quando esses ministros puseram a cúpula do PT na cadeia pelo mensalão e confirmaram a prisão do ex-presidente Lula pelo petrolão, tudo ótimo. Mas, quando dão um basta no golpismo do presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores, perderam a graça.
Rubens Barbosa* - China e Brasil
Não
temos plano claro de saída da crise nem de avanços econômicos, sociais e
tecnológicos
A
quinta sessão plenária do 19.º Comitê Central do Partido Comunista da China
(PCCh), concluída em 29 de outubro, apresentou as linhas gerais do 14.º Plano
Quinquenal econômico e social do país (2021-25), com os objetivos gerais para
os próximos cinco anos e o planejamento de médio prazo, até 2035. Mantendo a
retórica de “paz e desenvolvimento”, o PCCh traçou as principais linhas
estratégicas levando em conta, sobretudo, a crescente competição global.
Os documentos divulgados pelo PCCh, indicam que as lideranças do partido, refletindo as incertezas no cenário global, buscaram mudanças em três áreas: fortalecimento da economia, autossuficiência (mercado interno e indústria) e novas políticas sobre mudança de clima.
Felipe Salto* - Um Brasil lascado
É
difícil ter esperança em meio a tanta tristeza. Mas é preciso ter otimismo na
ação
O
bordão do economista Gilberto Nogueira, do BBB21,
caiu na boca do povo: “O Brasil tá lascado”. É a síntese deste tempo. Como ter
esperança diante do caos econômico e social? O Orçamento de 2021 não reflete a
dura realidade da crise e a necessidade de forjar a reconstrução da economia.
Pior, um novo mecanismo parece ter tornado viável espécie de barganha
assimétrica entre Executivo e Legislativo. Tudo passando ao largo do
fundamental: preservar vidas e desenhar um novo futuro.
A
gestão mal-ajambrada da crise da covid-19, a demora em tomar decisões
essenciais e a ausência de planejamento ajudam a explicar esse quadro. O
governo não está conseguindo vacinar a população no ritmo necessário e
guarnecer as famílias mais pobres. Falta tudo.
Os
que podem trabalhar de casa estão em situação melhor. Mas os mais pobres seguem
desempregados ou na luta diária arriscando-se no transporte público. Dados do
Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostram que a morte
atingiu em cheio os trabalhadores diretamente expostos ao vírus. No topo dessa
lista macabra (de abril de 2020 a março de 2021), motoristas de ônibus,
cobradores, vigias, porteiros e zeladores. É cruel.
Vai ser difícil reconstruir o País depois do desmonte. O capítulo mais recente foi revelado pelo repórter do Estado Breno Pires (9 de maio): R$ 3 bilhões do Orçamento da União de 2021 teriam sido utilizados pelo governo como moeda de barganha junto ao Congresso. O processo orçamentário já estava maculado pelo risco de paralisação da máquina pública. Agora, desvendam-se novos contornos.
Andrea Jubé - Mandetta quer ser o “radical de centro”
Mara
Gabrilli seria uma “boa vice”, diz Mandetta a tucano
Um
político experiente que opera no circuito Brasília-São Paulo vê a corrida
presidencial de 2022 como uma prova de resistência, e não de velocidade. Nesse
quesito, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, presidenciável do DEM,
estaria com fôlego de atleta.
Depois
de suportar as nove horas de depoimento aos senadores da CPI da Pandemia na
semana passada, Mandetta submeteu-se ontem ao escrutínio de um público
igualmente severo e influente nas eleições. O ex-ministro foi ouvido durante
quase três horas pelos membros da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), que
reúne parte importante do empresariado paulista.
A
coluna procurou representantes da entidade que assistiram à conferência do
pré-candidato, que não foi aberta à imprensa ou ao público em geral. Ouviu que
Mandetta surpreendeu positivamente ao não restringir sua fala ao cenário
pessimista sobre a pandemia, e revelar-se apto ao debate de outros temas
candentes, como a defesa da democracia, reforma tributária, educação, segurança
pública e combate à desigualdade.
Segundo relatos, Mandetta colocou-se como pré-candidato, mas, também, como cabo eleitoral influente. Pesquisa divulgada ontem pelo Instituto Atlas mostrou Mandetta empatado com o presidente Jair Bolsonaro no segundo turno, e numericamente à frente de Ciro Gomes (PDT).
Maria Clara R. M. do Prado - A pobreza escancarada
Com
o auxílio aprovado, a pobreza atingirá este ano 61,1 milhões de brasileiros,
seis vezes a população de Portugal
Todos
conhecem a predominância da renda mal distribuída na economia brasileira. É,
talvez, a sua característica mais marcante e duradoura. Ganhou impulso a partir
do final da década de 60 com a política de “fazer crescer o bolo (da renda)”
para reparti-lo depois e acentuou-se com o aumento vertiginoso da inflação na
década de 80 até meados de 1994, quando o Plano Real conseguiu finalmente
estabilizar os índices de preços sem que fosse, porém, viabilizada a
redistribuição.
A
pandemia da covid-19, que colocou o mundo de cabeça para baixo, afetou a renda
de todos os países, com sérias implicações distributivas, impacto negativo na
educação e aumento generalizado de pobres. O Banco Mundial estima que o mundo
seja vítima do aumento dos níveis de extrema pobreza pela primeira vez depois
da continuada queda verificada ao longo de 25 anos, até o ano passado.
No entanto, a fatalidade do vírus afetou os países de forma diferente, do ponto de vista econômico e social. Não fosse o auxílio distribuído no ano passado a famílias de baixa renda, no total de quase R$ 300 bilhões, os números da pobreza no Brasil teriam cravado o status de calamidade. O nível de pessoas pobres, considerando a renda per capita por domicílio de R$ 469 por mês (valor de hoje) segundo critério do Banco Mundial, caiu em meados de 2020 quando comparado ao ano anterior. Isso ajudou a sobrevivência das famílias de renda mais baixa que perderam empregos e ocupações e impulsionou a economia, que se retraiu à metade daquilo que era previsto no início da pandemia.
Pedro Cafardo - Trabalhadores “invisíveis” são aqueles mais “visíveis”
Biden
se preocupa em fortalecer a representação sindical e o trabalhador, enquanto
Bolsonaro ignora a lei contra o trabalho escravo
O
ministro da Economia, Paulo Guedes, usa o termo “invisíveis” para identificar
um enorme batalhão de trabalhadores informais brasileiros, que não têm carteira
assinada nem trabalho fixo. São pessoas que diariamente saem de casa para fazer
algum “biscate”, vender água, paçoca e outras guloseimas nas ruas. São os
cidadãos mais prejudicados pela pandemia, porque se obrigam a arriscar a vida
para ganhar algum dinheiro que lhes permita viver.
Entende-se
a boa intenção do ministro, que parece gostar do termo que adotou, pensando em
pessoas desamparadas, mas a palavra é inadequada. Esses homens e mulheres,
muitos menores de idade, são na verdade os trabalhadores mais “visíveis” do
país. Não estão dentro de escritórios com ar condicionado, nem nas fábricas,
nem escondidos do vírus da covid-19 em seus “home offices”. Estão nas ruas, nas
praias, em toda parte.
Talvez o ministro, ao usar o termo, tenha se inspirado nos “intocáveis” da Índia, ou “dálits”, grupo formado por trabalhadores braçais, o mais baixo degrau do sistema de castas do país. Por influência religiosa, são considerados impuros, vivem nas ruas fazendo pequenos trabalhos avulsos e praticamente ninguém repara neles. Por isso, são tidos como invisíveis.
O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais
Regime
de liberdade
O
Estado de S. Paulo
Decisão
do TSE lembra que a necessária e constitucional liberdade de expressão não
significa autorização para cometer crimes
Por um placar de 4 a 3, o plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) condenou recentemente um contador do Maranhão por propaganda eleitoral antecipada de cunho negativo contra o governador Flávio Dino (PCdoB). Em 2018, o sr. Everildo Bastos Gomes publicou, em sua conta no Instagram, um vídeo no qual Flávio Dino era chamado de ladrão e caracterizado como nazista.
A decisão do TSE é controvertida, especialmente pelo enquadramento jurídico dado ao caso. Como advertiu o presidente da Corte eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso, em seu voto vencido, tratar como propaganda antecipada negativa “qualquer manifestação prejudicial a possível pré-candidato por cidadãos comuns transformaria a Justiça Eleitoral na moderadora permanente das críticas políticas na internet”.
Poesia | Ferreira Gullar - A alegria
O sofrimento não tem
nenhum valor
Não acende um halo
em volta de tua cabeça, não
ilumina trecho algum
de tua carne escura
(nem mesmo o que iluminaria
a lembrança ou a ilusão
de uma alegria).
Sofres
tu, sofre
um cachorro ferido, um inseto
que o inseticida envenena.
Será maior a tua dor
que a daquele gato que viste
a espinha quebrada a pau
arrastando-se a berrar pela sarjeta
sem ao menos poder morrer?
A justiça é moral, a injustiça
não. A dor
te iguala a ratos e baratas
que também de dentro dos esgotos
espiam o sol
e no seu corpo nojento
de entre fezes
querem estar contentes.
- Ferreira Gullar, em "Na vertigem do dia", 1980