segunda-feira, 17 de maio de 2021

Marco Aurélio Nogueira* - Um vazio a ser superado com o tempo

- O Estado de S. Paulo

Bruno Covas fará falta na vanguarda de uma articulação interessada em qualificar o que tem sido chamado de centro democrático

A morte do jovem prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), aos 41 anos de idade, tira da política brasileira uma de suas mais promissoras lideranças. Advogado, economista, deputado estadual, secretário de Meio Ambiente de São Paulo, presidente do Juventude do PSDB e deputado federal, Bruno foi um militante das boas causas. Neto do ex-governador do estado de São Paulo, Mário Covas, não herdou a personalidade explosiva do avô. Sensível, educado, cordial, sempre disposto a negociar, construiu importante patrimônio político nesse país envolvido em sérias dificuldades. 

É um golpe antes de tudo para sua família, para seu filho Tomás, muito apegado a ele, para os inúmeros amigos e companheiros com quem conviveu em sua curta e intensa vida. 

É um golpe também para a cidade de São Paulo, que o reelegeu para um segundo mandato na Prefeitura em 2020, prêmio por uma gestão meticulosa, sem estardalhaço, ciente de que as realizações precisam ser dosadas para serem viáveis. Pode não ter agradado a todos, mas mereceu o respeito de todos, inclusive dos adversários. O que virá depois dele, com a posse do vice-prefeito Ricardo Nunes (MDB), ainda é uma incógnita, por mais que compromissos de continuidade tenham sido publicamente assumidos.

João Doria* - 'Bruno Covas e suas virtudes'

- O Estado de S. Paulo

Seu olhar significava esperança, a mesma que continuará nos movendo na defesa de interesses coletivos que o Bruno sempre defendeu

Bruno Covas tinha orgulho de se dizer político. Ele nunca escondeu a satisfação com a atividade porque exercia a política com honestidade e ética, fazendo o que ela tem de mais elevado: a defesa do bem comum. E, apesar das muitas funções que teve, como secretário de Estado e parlamentar, foi na Prefeitura de São Paulo que vi o Bruno ser mais feliz - justamente pela enorme possibilidade de praticar o bem comum. 

Seu olhar significava esperança, a mesma que continuará nos movendo na defesa de interesses coletivos que o Bruno sempre defendeu. No ápice da pandemia, num dos momentos mais desafiadores, ainda em 2020, Bruno chegava discretamente no Palácio dos Bandeirantes. Entrava de forma anônima na sala de reunião, antes das entrevistas coletivas. Sentava na ponta da mesa no meu lado esquerdo. Sempre teve um local cativo.

Ouvia as discussões. Era cuidadoso e, também por isso, impunha respeito. Recordo das suas observações sempre com o propósito de melhorar uma iniciativa. Usava o seu conhecimento da máquina pública para fazer contrapontos, com sua voz serena, com equilíbrio e, acima de tudo, com humildade.

Vera Magalhães - Maior marca de Covas foi política, não administrativa

- O Globo

Confirmada a notícia trágica da morte do prefeito de São Paulo, Bruno Covas, aos 41 anos recém-completados, fui questionada pelo jornalista Fernando Andrade, na CBN, a respeito da marca que o tucano deixou em sua gestão à frente da cidade.

Não é possível falar em uma marca distintiva do ponto de vista administrativo. Covas herdou a cadeira de João Doria menos de dois anos depois de ser eleito seu vice em uma inédita conquista em primeiro turno, em 2016.

Tinha então 36 anos, uma breve experiência no Executivo, como secretário estadual de Meio Ambiente de Geraldo Alckmin, mas uma longa trajetória partidária, além de uma vivência dos bastidores da política que vinha literalmente de berço, do convívio com o avô e ídolo Mário Covas, com quem chegou a morar no Palácio dos Bandeirantes.

O estilo jovial, o gosto não disfarçado por viagens e baladas, uma então recém-adquirida disposição para perder peso, mudar a alimentação e investir na saúde e na forma física levavam a que seus adversários, e mesmo alguns aliados, apontassem nele a inapetência pelo dia a dia da administração, que exige longas horas dedicadas a questões burocráticas e que numa cidade como São Paulo, que de fato não para, significa uma rotina exaustiva de trabalho.

Essa crítica, aliada à dúvida a respeito de se ele conseguiria imprimir a própria marca à gestão herdada de Doria, consumiu os primeiros meses de sua gestão, nos quais Covas se eximiu de fazer grandes mudanças, até para não atrapalhar uma já complicada eleição do correligionário ao governo do Estado.

Foi só a partir de 2019 que ele se sentiu livre para fazer as mudanças que entendia necessárias e que visavam também contemplar aliados políticos. Algumas, como a nomeação de Ale Youssef para a Cultura, levaram a que se indispusesse com o próprio Doria. Mas a dúvida quanto à vocação para a gestão permanecia.

Míriam Leitão - A perda prematura do prefeito nascido em berço da boa política

- O Globo

Neste tempo das dores sem fim, o jovem político Bruno Covas perde a luta para o câncer. Das cenas do começo da pandemia, que ficarão na memória, uma delas é a do prefeito de São Paulo morando na prefeitura para trabalhar e, ao mesmo tempo, respeitar o confinamento. A imagem da cama colocada abaixo do quadro do Pátio do Colégio, lugar onde a cidade começou, era forte demais. Simbolizava a união entre a capital e seu prefeito.

Neste tempo em que o país precisa tanto de políticos dedicados à causa pública, o que São Paulo e o Brasil viram foi uma dessas pessoas em combate pela saúde da cidade enquanto travava a sua própria luta. Bruno Covas nasceu em berço da boa política e governou a mesma cidade que seu avô, Mário, governou. E com igual senso de dever. Foi abatido pela mesma doença.

Durante a campanha eleitoral, neste tempo dos conflitos extremados e polarizados, São Paulo viu alguns debates entre Bruno Covas e o candidato Guilherme Boulos, em que as divergências eram colocadas com elegância e respeito. Parecia lembrar ao Brasil o que o Brasil pode ser. É inevitável pensar, neste momento, no futuro que ainda aguardaria o jovem político que administrava a maior cidade do país.

Bernardo Mello Franco - Vinte anos depois, Bruno Covas repete drama do avô

- O Globo

Duas décadas depois, Bruno Covas repete o drama do avô. Mario Covas descobriu um câncer no auge da carreira política. Havia acabado de se reeleger governador de São Paulo. Ele rompeu uma tradição da política brasileira e manteve os cidadãos informados sobre a evolução da doença. Morreu em 2001, aos 70 anos.

O prefeito Bruno também escolheu enfrentar a tragédia pessoal com transparência. Além de explicar cada etapa do tratamento, usou as redes sociais para divulgar boletins médicos e mensagens de otimismo. Na quinta-feira, ele publicou a última foto no hospital. Morreu neste domingo, aos 41 anos.

Carlos Pereira* - A grama do vizinho é mais verde que a minha

- O Estado de S. Paulo

Não é possível escapar da necessidade de moedas de troca no presidencialismo multipartidário

presidencialismo multipartidário requer, como condição sine qua non, o uso discricionário de moedas de troca pelo presidente. Essa não é uma opção moral do governante. É uma necessidade para que o jogo político alcance funcionalidade em um ambiente em que o partido do presidente não desfruta de maioria legislativa. Governos e sociedades que negam esse imperativo pagam custos mais altos de governabilidade.

Regimes parlamentaristas costumam ter partidos fortes, ideológicos e programáticos, capazes de ofertar suporte legislativo estável a um governo em troca da alocação de ministérios e outros espaços de poder a parceiros que façam parte da coalizão de governo.

Já presidencialismos multipartidários, como o brasileiro, não possuem partidos políticos programáticos. Aqui os partidos são ideologicamente amorfos. Os acordos na construção de maiorias legislativas não se dão em torno de princípios, ideologias ou agendas de políticas universais. Se dão em troca de acesso a poderes e recursos orçamentários necessários à implementação de políticas locais com a digital do parlamentar, que são cruciais para a sua sobrevivência eleitoral em um ambiente altamente competitivo.

Antonio Carlos do Nascimento*- Paladinos ilegais e profetas infiéis, heranças seculares e perigosas

- O Estado de S. Paulo

Logo teremos eleições e preocupa muito que não elejamos quem defenda os interesses coletivos

O advogado, escritor, político e revolucionário Maximilien Robespierre conquistava simpatizantes com posições humanistas, era contrário à escravidão, à pena de morte e defendia a participação política de todos os cidadãos, independentemente de seu lastro financeiro.

Ele se tornaria líder dos jacobinos, ala revolucionária mais radical, e rapidamente sua parcimônia seria substituída pelo autoritarismo, que em nome da causa decapitaria amigos por divergências de toda ordem. Mas da ala dos descontentes um estruturado revés levaria também sua cabeça para rolar na Place de la Concorde.

Na democracia, os reveses que inquietam por alternar extremos ideológicos também principiam nas insatisfações, porém se concretizam nas urnas, sem ferimentos democráticos. Uma vez empossado, o novo mandatário deve abandonar a belicosidade eleitoral e encontrar os caminhos para validar suas promessas, sem distanciamento dos crivos institucionais e do sentimento popular, sob o grave risco de decapitação no pleito seguinte, ou durante o vigente.

É alternativa condenável o aparelhamento do sistema administrativo para, em seguida, mutilar as instituições e modular o governo longe da participação popular. Essas estratégias, ou tentativas, para linhas à direita ou à esquerda, ensaiadas ou implementadas, nunca deixam bons saldos.

Outra tática para dominar as massas e os consequentes triunfos políticos contempla alinhamento por arrimos religiosos, não faltando habilidosos articuladores que se utilizam, para suas próprias pretensões, da fé incondicional dos seguidores. As religiões têm variadas teceduras em suas origens, provavelmente a frágil pequenez humana perante o universo tenha sido detectada muito cedo por nossos ancestrais e, desde quando nós encontramos registros, nossa jovem espécie tem seus credos.

Fernando Gabeira – Pandemia e lição de casa

- O Globo

Já estamos um pouco cansados de falar da pandemia. Quem caiu, quem não caiu, amigo entubado, amigo extubado, CoronaVac, AstraZeneca, vozes abafadas pelas máscaras, CPIs, mentiras e gravações.

Mas a Humanidade tem de enfrentar seus erros e fazer a lição de casa, pois, nas condições de crise ambiental, novas pandemias podem nos atacar.

Um passo importante foi a comissão especial criada pela OMS, que divulgou seu relatório. Nele, o grupo liderado pela ex-primeira-ministra da Nova Zelândia Helen Clark aponta os erros da própria OMS, que perdeu um mês antes de decretar a emergência.

Governos locais — com seu negacionismo, isso conhecemos bem —também foram responsáveis por políticas destruidoras.

Em outras palavras, a tragédia que o mundo vive hoje poderia ter sido evitada. Comissões internacionais como essa são importantes para despertar uma nova consciência. No final da década dos 60, o Clube de Roma publicou um relatório de personalidades políticas alertando para a produção e o consumo insustentáveis. Isso foi um marco.

No meu entender, existe uma lição implícita na pandemia, já absorvida no século XIX por Humboldt. Ao escalar a montanha do vulcão Chimborazo, ele compreendeu algo que já estava amadurecendo em seu pensamento: os elementos da natureza são interligados, ela é uma rede viva e, portanto, vulnerável.

Demétrio Magnoli – Quem é a polícia do B?

- O Globo

"Tudo bandido!", decretou Hamilton Mourão horas depois do massacre no Jacarezinho, em 6 de maio, quando indagado sobre 27 das 28 vítimas fatais. O vice-presidente só conhecia a identidade do policial morto. Os supostos criminosos não tinham sido processados, julgados ou condenados. A segunda maior autoridade do país oferecia seu amparo a execuções extrajudiciais.

Mais: classificando como “bandidos” as vítimas ainda não identificadas, dizia implicitamente que são criminosos os que residem ou simplesmente circulam pelo Jacarezinho. A frase, síntese da barbárie nacional, esclarece os protocolos ocultos de ação da polícia no Rio de Janeiro. Desde o fracasso da política das UPPs, restaurou-se o padrão de invasão de favelas em operações letais. O pressuposto é que as favelas são terra estrangeira e seus moradores, combatentes inimigos.

Exige-se a investigação da Operação Exceptis, cujo nome de batismo enviava uma mensagem voluntária de deboche ao STF e uma outra, involuntária, a todo o país: a polícia do Rio não reconhece as leis regulares, mas apenas suas próprias leis, de “exceção”. O que procurar, porém, na investigação?

Malu Gaspar - Disputa sobre dinheiro para combate à Covid pode prejudicar governo na CPI

- O Globo

O desfecho de um embate entre o Ministério da Economia e o Tribunal de Contas da União sobre as verbas repassadas pelo governo federal a estados e municípios para o combate da pandemia de Covid-19 em 2020 pode afetar o rumo da CPI da Covid no Senado. E por ironia, se a equipe econômica vencer a disputa, o governo de Jair Bolsonaro perde seu principal argumento de defesa na comissão. 

A discussão se dá em torno dos R$ 79 bilhões extras que o governo repassou a estados e municípios como ajuda de emergência para o combate à Covid. O TCU entende que o dinheiro é federal e, por isso, tem de ser acompanhado pelos órgãos de controle de Brasília. Já a Secretaria do Tesouro do Ministério da Economia considera que, uma vez feito o repasse, a verba passa a ser dos estados, e portanto não cabe fiscalização, nem responsabilidade da União.

Na CPI, os governistas defendem justamente o contrário da equipe de Paulo Guedes: que a comissão tem que investigar também o uso do dinheiro repassado, uma vez que, por ter origem na União, há responsabilidade federal. 

Bruno Carazza* - Nuvem de palavras

- Valor Econômico

Notas taquigráficas indicam rumos da CPI da Covid

Descontados os intervalos, já se passaram 38 horas e 46 minutos de depoimentos desde que o senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura as ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia, convocou para se sentar à mesa a primeira testemunha: o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.

Desde então já foram realizadas seis oitivas de personagens que, em diferentes partes do roteiro, foram protagonistas ou coadjuvantes, vilões ou mocinhos, neste filme de terror que já teve mais de 435 mil vítimas.

Já subiram ao palco da CPI os ex-ministros da Saúde Mandetta (cuja audiência durou 7 horas e 20 minutos) e Nelson Teich (5 horas e 26 minutos), o atual responsável pela pasta Marcelo Queiroga (8 horas e 2 minutos), além do diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária Antônio Barra Torres (5 horas e 27 minutos), o ex-secretário de comunicação social do governo Fabio Wajngarten (7 horas e 17 minutos) e o gerente-geral da farmacêutica Pfizer na América Latina Carlos Murillo (5 horas e 14 minutos).

Sergio Lamucci - Commodities avançam na pauta exportadora

- Valor Econômico

Nos 12 meses até abril, as vendas externas de produtos primários equivaleram a 67% do total exportado no período

As commodities já respondem por mais de dois terços das exportações brasileiras. Nos 12 meses até abril, as vendas externas de bens primários equivaleram a 67% do total exportado no período, num cenário marcado pela alta significativa dos preços desses produtos, devido à força da demanda externa, especialmente da China e dos EUA. Para ter uma ideia do avanço das commodities na pauta exportadora nas duas últimas décadas, esse percentual era de apenas 34,5% em 2000, segundo a classificação do Indicador de Comércio Exterior (Icomex) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

De janeiro a abril, as commodities responderam por uma fatia até maior das exportações do país - 68,5% do total. Os preços das vendas ao exterior desses produtos subiram 23,4% em relação ao mesmo período de 2020, enquanto o volume cresceu 4%. Chama a atenção ainda a concentração em poucos produtos - a soja teve participação de 16% no valor das exportações nesses quatro meses, ao passo que o minério de ferro respondeu por 15%, e os óleos brutos de petróleo, por 11%. Juntos, os três explicam 42% do valor das vendas ao exterior no quadrimestre.

Marcus André Melo* - Virgindade política

- Folha de S. Paulo

A conversão de Bolsonaro em mais um membro da velha política reduz seu apelo junto ao bolsonarismo raiz, mas o impacto sobre 2022 é baixo

A trajetória de Bolsonaro é marcada por uma singularidade notável: nenhum dos governantes populistas com os quais é comparado —Trump, Orban, Obrador, Modi, entre outros— sofreu metamorfoses tão profundas no padrão de governança ao longo do seu mandato. Sua ascensão ao poder está associada fundamentalmente a sua rejeição à velha política. A mesma, no entanto, que ele veio a abraçar em guinada inédita, antes de alcançar a metade do mandato. Quais as consequências desta reconversão?

Sim, embora já fosse veterano de sete mandatos, pelo papel inteiramente marginal que ocupou na política congressual nacional Bolsonaro podia apresentar-se ao eleitorado nacional como um outsider. Ele é representante típico do “dégagisme”, a rejeição à velha política —como no “que se vayan todos”— da forma que analisa Pierre Rosanvallon em seu novo livro (ainda inédito em português).

Celso Rocha de Barros – Vai ser homem, Pazuello?

- Folha de S. Paulo

Na CPI, ele terá de decidir se conta o que sabe ou acaba como bode expiatório

A CPI da Covid está descobrindo evidências de um assassinato em massa. Segundo o depoimento do gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, Bolsonaro desprezou várias ofertas de vacinas da empresa. Na estimativa do epidemiologista Pedro Hallal, só essa decisão de Bolsonaro causou entre 5.000 e 25 mil mortes.

Só essa decisão: não estamos levando em conta os ataques de Bolsonaro à Coronavac, que é responsável por cerca de 80% das vacinas do Brasil; nem da adesão tardia e parcial ao consórcio Covax Facility (entramos comprando 10% de nossas necessidades, poderíamos ter pedido até 50%); nem das vacinas já aplicadas que podem perder eficácia porque o governo federal mandou estados e municípios gastarem as reservas de Coronavac que guardavam para a segunda dose, inflando assim o número de vacinados; nem de toda a sequência de crimes documentados de Bolsonaro durante a pandemia que não se relacionam a vacinas.

A verdade é que, não fossem os adversários, reais (Doria) ou imaginários (China), de Bolsonaro, o número de brasileiros vacinados seria próximo de zero. A OMS, organizadora do consórcio Covax, também foi alvo constante de ataques bolsonaristas.

Ana Cristina Rosa - País do futuro

- Folha de S. Paulo

A promessa de futuro promissor parece distanciar-se na medida em que o atraso se aproxima da realidade nacional

Uma geração inteira cresceu ouvindo que “o Brasil é o país do futuro”. Mas qual perspectiva de futuro pode haver para uma nação que não investe no capital humano e tampouco preserva com afinco seus recursos naturais?

Está comprovado que não há avanço longe de investimentos em educação para garantir a formação dos profissionais do amanhã, assim como não é razoável nutrir expectativas favoráveis sobre o que está reservado aos pósteros sem preservar os direitos da natureza.

No discurso de 100 dias de governo, o presidente da maior economia do mundo, Joe Biden, citou a primeira-dama, a professora Jill, ao anunciar investimentos. “Por muito tempo ela disse: qualquer país que nos ultrapasse na educação vai nos ultrapassar também na economia.”

Catarina Rochamonte* - Do Mensalão ao Bolsolão

- Folha de S. Paulo

O Bolsolão está em fase embrionária de apuração, mas é improvável que avance muito nesta República da impunidade do bolsonarismo e do lulopetismo

A chamada “emenda do relator”, criada por acordo entre o governo e uma ampla representação do Congresso, acrescenta verba extra às emendas parlamentares já previstas para beneficiar discricionariamente deputados e senadores dispostos a subjugar seus votos aos interesses palacianos. Investigações da imprensa dão conta de que tal artifício proporcionou um orçamento secreto de R$ 3 bilhões, que faria parte de um esquema mais amplo já apelidado de “Bolsolão”.

O presidente Bolsonaro afirma que foi tudo normal e que, se alguém comprou algo superfaturado “na ponta da linha”, ele não tem culpa. Na ponta dessa linha detectou-se, por exemplo, a compra de tratores superfaturados, donde o apelido “Tratoraço”.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Um jovem exemplar

O Estado de S. Paulo

Bruno Covas mostrou-se à altura das melhores tradições paulistanas, que valorizam o trabalho, a cooperação e o diálogo, tudo isso temperado pelo orgulho de viver nesta cidade que é o mundo

O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, morreu ainda no início de sua trajetória política, mas isso não impediu que esse jovem quadro do PSDB desse muitas lições inclusive para os veteranos que parecem ter esquecido qual é a verdadeira missão dos homens públicos.

Aos 41 anos, enfrentou com relativo sucesso o desafio de governar a maior cidade do País e uma das maiores do mundo em meio a uma pandemia e a sérias restrições orçamentárias, tudo isso diante de problemas crônicos da gigantesca metrópole.

A morte precoce não impediu que Bruno Covas gravasse seu nome na história da cidade. Mostrou-se à altura das melhores tradições paulistanas, que valorizam o trabalho, a cooperação e o diálogo, tudo isso temperado pelo orgulho de viver nesta cidade que é o mundo.

Mesmo seus mais críticos adversários reconhecem em Bruno Covas a disposição para a verdadeira política – aquela em que as eventuais diferenças ideológicas não são encaradas como obstáculos intransponíveis, mas como expressões legítimas de distintas visões de mundo. 

O prefeito vinha fazendo sua carreira firmemente apegado à ideia de que a política não é briga de rua, e sim colaboração em nome de ideais superiores, tal como se comportava seu avô, o governador Mario Covas – que não pestanejou em manifestar apoio a Lula da Silva quando este disputou o segundo turno da eleição presidencial contra Fernando Collor em 1989, e que se juntou à candidata petista Marta Suplicy na disputa à Prefeitura de São Paulo contra Paulo Maluf em 2000.

Foi dessa maneira, aliás, que Bruno Covas tentou resgatar os valores do antigo PSDB, partido que fez história com a Presidência de Fernando Henrique Cardoso, levando ao Palácio do Planalto, vitrine para o Brasil, o compromisso com a responsabilidade fiscal e com a modernização do Estado. Hoje perdido entre projetos de quem coloca suas ambições pessoais à frente dos imperativos históricos do partido, o PSDB vem perdendo musculatura moral para voltar a ser protagonista da política. Bruno Covas era uma brisa de ar fresco em meio a essa atmosfera pesada.

Poesia | Affonso Romano de Sant’Anna - Os desaparecidos

De repente, naqueles dias, começaram
a desaparecer pessoas, estranhamente.
Desaparecia-se. Desaparecia-se muito
naqueles dias.

Ia-se colher a flor oferta
e se esvanecia.
Eclipsava-se entre um endereço e outro
ou no táxi que se ia.
Culpado ou não, sumia-se
ao regressar do escritório ou da orgia.
Entre um trago de conhaque
e um aceno de mão, o bebedor sumia.
Evaporava o pai
ao encontro da filha que não via.
Mães segurando filhos e compras,
gestantes com tricô ou grupos de estudantes
desapareciam.
Desapareciam amantes em pleno beijo
e médicos em meio à cirurgia.
Mecânicos se diluíam
- mal ligavam o torno do dia.

Desaparecia-se. Desaparecia-se muito
naqueles dias.
Desaparecia-se a olhos vistos
e não era miopia. Desaparecia-se
até a primeira vista. Bastava
que alguém visse um desaparecido
e o desaparecido desaparecia.
Desaparecia o mais conspícuo
e o mais obscuro sumia.
Até deputados e presidentes esvaneciam.
Sacerdotes, igualmente, levitando
iam, arefeitos, constatar no além,
como os pescadores partiam.

Desaparecia-se. Desaparecia-se muito
naqueles dias.
Os atores no palco
entre um gesto e outro, e os da platéia
enquanto riam.
Não, não era fácil ser poeta naqueles dias.
Porque os poetas, sobretudo
- desapareciam.

Se fosse ao tempo da Bíblia, eu diria
que carros de fogo arrebatavam os mais puros
em mística euforia. Não era. É ironia.
E os que estavam perto, em pânico, fingiam
que não viam. Se abstraíam.
Continuavam seu baralho a conversar demências
com o ausente, como se ele estivesse ali sorrindo
com suas roupas e dentes.

Em toda família à mesa havia
uma cadeira vazia, a qual se dirigiam.
Servia-se comida fria ao extinguido parente
e isto alimentava ficções
- nas salas e mentes
enquanto no palácio, remorsos vivos boiavam
- na sopa do presidente.

As flores olhando a cena, não compreendiam.
Indagavam dos pássaros, que emudeciam.
As janelas das casas, mal podiam crer
- no que viam.
As pedras, no entanto,
gravavam os nomes dos fantasmas
pois sabiam que quando chegasse a hora
por serem pedras, falariam.

O desaparecido é como um rio:
- se tem nascente, tem foz.
Se teve corpo, tem ou terá voz.
Não há verme que em sua fome
roa totalmente um nome. O nome
habita as vísceras da fera
Como a vítima corrói o algoz.

E surgiam sinais precisos
de que os desaparecidos, cansados
de desaparecerem vivos
iam aparecer mesmo mortos
florescendo com seus corpos
a primavera de ossos.

Brotavam troncos de árvores,
rios, insetos e nuvens em cujo porte se viam
vestígios dos que sumiam.

Os desaparecidos, enfim,
amadureciam sua morte.

Desponta um dia uma tíbia
na crosta fria dos dias
e no subsolo da história
- coberto por duras botas,
faz-se amarga arqueologia.

A natureza, como a história,
segrega memória e vida
e cedo ou tarde desova
a verdade sobre a aurora.

Não há cova funda
que sepulte
- a rasa covardia.
Não há túmulo que oculte
os frutos da rebeldia.

Cai um dia em desgraça
a mais torpe ditadura
quando os vivos saem à praça
e os mortos da sepultura.