terça-feira, 18 de maio de 2021

Merval Pereira - Sem legenda

- O Globo

O presidente Bolsonaro, cujos atos estrambóticos levaram o país à desmoralização internacional, é o tipo político que chega ao governo central do país como consequência de uma disfunção eventual da democracia. Como tal, não tem a compreensão do que seja o presidencialismo de coalizão, que reduz a uma troca de favores entre quem manda e quem obedece.

Não lhe passa na cabeça que é possível montar uma base parlamentar sobre interesses republicanos, sem repetir expedientes como o mensalão, o petrolão e que tais. Mas também não sabia que, sozinho, não teria como governar.

Do radicalismo inicial, em que montou um governo com pessoas da sua linha de pensamento, que, como ele, sabiam o que queriam destruir, mas não o que colocar no lugar, teve que se aproximar do Centrão e aprovar um “orçamento secreto” para tentar garantir que não será votado o impeachment. O único que sabia o que queria, o ministro da Economia, Paulo Guedes, não sabia que precisaria do apoio do Congresso para aprovar as reformas e queria mais do que Bolsonaro aceitava, como ficou demonstrado.

Porque tem uma visão política de baixa extração, de onde montou sua estrutura eleitoral que se limitava a um nicho suficiente para elegê-los todos e, como consequência, formar a fortuna da família à base de “rachadinhas” e ligações com interesses de forças militares oficiais e paralelas, Bolsonaro achou que podia tudo e descobriu que pode muito, mas não tudo. Não tem moderação nem discernimento para usufruir o poder que tem, por isso não conseguiu ficar na legenda que o elegeu, o PSL, nem montar uma própria, muito menos encontra outra para abrigar seus sonhos megalomaníacos.

Carlos Andreazza - Uma aposta fatal

- O Globo

Não se podia esperar que o representante da Pfizer — um comerciante — dissesse à CPI ser desnecessária a lei que, segundo a versão do cliente, permitiu a assinatura do contrato por meio do qual o governo brasileiro adquiriria milhões de doses do imunizante daquela farmacêutica.

A lei não era necessária. Mas isso é problema nosso. Não de Carlos Murillo. O interesse do executivo era vender. Ontem. Hoje. Ou amanhã. Tinha um bom produto; e o objetivo, legítimo, de comerciá-lo com o mercado do Brasil. E teria comerciado, em agosto de 2020, com a legislação disponível, se assim quisesse Bolsonaro. (E teria, imediatamente, entrado com a demanda por registro emergencial junto à Anvisa; para que tivéssemos — era possível — como vacinar os nossos ainda no ano passado.) O governo não quis. E desapareceria por dois meses, ignorando carta — de setembro de 2020 — do CEO da Pfizer.

Zuenir Ventura - Aqui a morte é tanta

- O Globo

Mesmo ainda sem saber de sua morte, Eva Wilma me emocionou, quando vi anteontem um vídeo em que, cerca de dois anos atrás, ela declamava de cor, sem vacilar, sentada na primeira fila da plateia, um texto de mais de dois minutos de “Antígona”, de Sófocles, no Teatro Poeira, de Andrea Beltrão e Marieta Severo. A personagem, como se sabe, é uma trágica heroína grega que enfrenta um tirano, assim como nossa atriz lutou contra a ditadura militar. “Ainda não acreditamos que no final o bem sempre triunfa, mas começamos a crer que o mal nem sempre vence.” Quando encerrou recitando “O mais difícil da luta é escolher o lado em que lutar”, a atriz foi ovacionada. O público tinha entendido o recado, muito atual.

O vídeo me fora enviado pela minha amiga, escritora e juíza Andréa Pachá, depois de um longo papo por telefone, em que eu contava que grande parte das pessoas com quem tinha conversado ultimamente se queixava de depressão, inclusive eu. Dizia que, se o Ancelmo me entrevistasse para sua pesquisa para escolher “a palavra do ano”, não havia dúvida quanto ao meu voto. Bruno Covas ainda não tinha morrido, mas seu quadro era irreversível, e mais uma vez me veio à memória um verso do belo e pungente poema “Morte e vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto: “Como aqui a morte é tanta”. Estava pensando, claro, nos milhares de brasileiros exterminados pela pandemia.

Ricardo Noblat - Governo sonega informação pedida pela CPI da Covid-19

- Blog do Noblat / Metrópoeles

Quantas vezes, e com quem, Bolsonaro passeou por Brasília durante a pandemia provocando aglomerações e desrespeitando normas de isolamento?

É possível que as atividades do presidente da República não sejam acompanhadas de perto e devidamente registradas por setores do governo que lhe dão suporte e zelam por sua segurança?

O senador Eduardo Girão, membro da CPI da Covid-19, pediu ao governo uma planilha com os registros de datas, locais e autoridades envolvidas nos passeios de Bolsonaro em Brasília.

Resposta do Palácio do Planalto: não há registros oficiais das saídas do presidente do seu gabinete. Ora, bastaria pesquisar nas redes sociais para descobrir que, ali, está tudo registrado.

O pedido de Girão mirou os deslocamentos de Bolsonaro desde o início da pandemia que provocaram aglomerações, contrariando recomendações médicas de isolamento.

No último dia 5, durante discurso no Palácio do Planalto, Bolsonaro antecipou a resposta que daria ao pedido de Girão aprovado pelo plenário da CPI:

– Eu sempre estive no meio do povo, estarei sempre no meio do povo. Não interessa onde eu estava. Respeito a CPI. Estive no meio do povo, tenho que dar exemplo.

Mirtes Cordeiro* - O Brasil e suas desventuras


Algumas instituições têm funcionado como se os dirigentes fossem os “capitães do mato” da era moderna.

O Brasil não consegue extrair de sua história o aprendizado necessário para reparar erros, injustiças e iniquidades que concorrem para que a sociedade brasileira, como um todo, padeça por desequilíbrios e determinadas mazelas que impedem o seu crescimento enquanto nação que se quer democrática e defensora de direitos e oportunidades para todos nós, brasileiros.

Quando eu era criança e a minha família frequentava a Igreja Católica, participávamos efetivamente dos ritos, das cerimônias, das procissões, das missas, dos leilões organizados para fazer finança para manter a Igreja. Meu pai, descendente da escrava chamada Mãe de Casa, que pariu os filhos com um português branco, era mais fervoroso na sua fé. Minha mãe, uma cabocla descendente de uma índia da tribo Jucás, dos sertões dos Inhamuns, com um branco que vandalizou o sertão em busca de escravizar os índios, era mais desconfiada com relação às crenças religiosas.

Eu e minha irmã fomos batizadas, crismadas e fizemos a primeira comunhão, além de pertencermos à corte dos “anjos”, crianças que se vestiam com roupas brancas e asas imponentes e acompanhavam a imagem de Nossa Senhora durante os festejos da igreja, sendo que o momento da coroação, no mês de maio, quando todos os anjos estavam no altar, era sempre o grande evento da cidade.

Quando a imagem de Nossa Senhora de Fátima veio de Portugal ao Brasil em peregrinação, em 1954, foi levada a minha cidade, o Ipu. Só que para acompanhar a imagem da santa somente os anjos brancos e louros podiam participar do cortejo. Eu tinha dez anos e minha irmã seis anos apenas. Minha mãe era costureira e fazia a nossa roupa de anjo com verdadeiro esmero, as asas eram verdadeiras, de penas de garças apanhadas por um ribeirinho de sua amizade.

Logo as beatas seguidoras das decisões da paróquia foram até minha casa, na Rua da Goela, comunicar que eu e minha irmã, sendo pretas, não tão pretas, mas pardas, não poderíamos acompanhar a imagem que vinha de Portugal, mas os nossos trajes, sendo tão lindos, deveriam ser emprestados para o uso de duas crianças brancas que estavam dentro do critério racial da igreja, mas não possuíam as roupas.

Eliane Cantanhêde – Os ‘idiotas’ e o tratoraço

- O Estado de S. Paulo

Tratoraço, ou orçamento secreto, serve para o quê? Comprar votos, como o mensalão

Já compararam o “tratoraço” do governo Jair Bolsonaro aos “anões do Orçamento”, aos “atos secretos” do Senado e ao “mensalão” da era Luiz Inácio Lula da Silva, mas todos eles foram punidos, com maior ou menor rigor, e o que se espera é que não se jogue a poeira para debaixo do tapete e também o tratoraço seja ao menos investigado. Passar em branco é que não dá. A planilha e as evidências obtidas pelo Estadão não deixam alternativa.

No caso do tratoraço, o resumo da ópera é o mesmo dos escândalos anteriores: jeitinhos, emendas disfarçadas, orçamentos sigilosos que são engendrados no submundo político com um objetivo muito claro: comprar votos. Em geral, com participação direta, no mínimo aval do Palácio do Planalto. Por isso, não é surpresa o surgimento do nome do então articulador político do governo, atual chefe da Casa Civil, na operação. 

O que realmente surpreende é que ele, Luiz Eduardo Ramos, é um general de quatro estrelas que há pouco passou para a reserva. Como, aliás, o novo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, que não perde uma aglomeração política, seja para a campanha eleitoral antecipada de Bolsonaro, seja para a campanha de bolsonaristas contra o Supremo e o regime civil.

Pedro Fernando Nery* - O limite dos generais


- O Estado de S. Paulo

Portaria distorce decisão do STF em benefício de militares, em especial, os generais

Militares não se aposentam. Foi assim que sempre argumentaram as Forças Armadas para se livrar da equiparação das regras previdenciárias com civis. 

Militares se aposentam: e os ministros militares do governo são aposentados. É o que buscou a Defesa para se livrar do limite remuneratório (conhecido como teto). Argumenta-se que esses generais devem poder receber acima do limite/teto acumulando “aposentadoria” e o salário de ministro. 

Estariam, assim, incluídos nas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União (TCU) que permitem – excepcionalmente nesses casos – que o teto remuneratório seja dobrado, aplicado separadamente a cada um dos pagamentos, e não à soma deles (aposentadoria+salário).

Deixa de valer, assim, o limite de R$ 39,2 mil, o salário de ministros do Supremo que é a remuneração máxima no serviço público. Com a dobra do limite feita, o chamado “teto duplex” iria para quase R$ 80 mil. É 70 vezes o soldo dos recrutas. A mudança decorre de uma portaria do Ministério da Economia (que, aliás, não diz como vai pagar, violando a Lei de Responsabilidade Fiscal). 

Cristina Serra - O dia D e a hora H de Pazuello

- Folha de S. Paulo

O general alinhou-se em obediência cega ao genocida-mor

Quando o general Eduardo Pazuello assumiu o Ministério da Saúde como interino, em maio de 2020, o Brasil estava prestes a alcançar a marca de 30 mil mortos pela pandemia. Dez meses depois, ele deixou o cargo com esse número multiplicado por dez. Ao lado das medalhas que leva no peito (se leva alguma), merece carregar o epíteto de ministro do genocídio.

Convenhamos, ele se esforçou para tal. Alinhou-se em obediência cega ao genocida-mor e deixou de comprar vacinas. Endossou a vigarice do tratamento precoce e empurrou cloroquina quando Manaus precisava de oxigênio.

Agastado com a demissão, tentou passar a imagem de que resistira à corrupção. Disse, sem dar nomes aos bois, que houve pressão dentro do ministério para que um certo medicamento fosse enquadrado em "critérios técnicos". Mencionou "oito atores" agindo com "ações orquestradas" contra sua equipe e disse ter rejeitado lobby de empresas e de políticos que queriam "pixulé".

Hélio Schwartsman - A Câmara deve ter cota de gênero?

- Folha de S. Paulo

Não creio que a reserva de assentos seja o melhor caminho.

Devemos adotar uma cota de gênero para a Câmara dos Deputados? Eu adoraria ver um Congresso Nacional mais feminino —assim como gostaria de vê-lo mais negro e mais homossexual— mas não creio que a reserva de assentos seja o melhor caminho.

Se nosso sistema eleitoral fosse baseado em listas fechadas, não veria muito problema em aprovar uma regra que exigisse que os partidos alternassem homens e mulheres em seu rol de candidatos, o que levaria a um Parlamento com maior equilíbrio de gênero.

O Brasil, porém, adota as listas abertas, sistema no qual cabe ao eleitor definir a ordem das candidaturas de cada legenda. Fica complicado interferir nisso sem passar por cima de elementos básicos da democracia, como o de que a quantidade de votos importa. Para a cota funcionar, mulheres seriam eleitas mesmo tendo menos sufrágios do que seus colegas de partido.

Andrea Jubé - No tabuleiro da baiana tem: o centro

- Valor Econômico

Kátia Abreu volta a confrontar Ernesto Araújo, agora na CPI

A Bahia pode servir de laboratório ao cenário eleitoral mais cobiçado pelo bloco de centro, em que o presidente Jair Bolsonaro seria eliminado no primeiro turno. Na rodada final, o representante da terceira via, que rompesse a polarização, enfrentaria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e derrotaria o petista, contando com a alta rejeição ao candidato.

Nos bastidores, nove em dez caciques do centro consideram esse cenário, cantado em entrevistas ao Valor pelo presidente do PSD, Gilberto Kassab, e pelo presidenciável do PDT, Ciro Gomes.

A Bahia tem o quarto maior eleitorado do país. A sucessão estadual é estratégica para o DEM do ex-prefeito de Salvador ACM Neto, para o PT de Lula e para o desempenho de Bolsonaro no Nordeste.

O Estado projeta esse cenário idílico para o centro porque, a um ano e meio da disputa presidencial, a pré-campanha baiana tem o DEM largando na frente, o PT fortemente competitivo e Bolsonaro sem palanque.

Com o DEM perdendo seus principais quadros para outras legendas em Estados-chaves, como São Paulo e Rio de Janeiro, recuperar a hegemonia do carlismo na Bahia tornou-se questão de honra para ACM Neto.

Nas últimas semanas, o vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, aposta de Neto no Estado mais rico do país, filiou-se ao PSDB pelas mãos de João Doria, e o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, migrou para o PSD. Diante do revés, Neto convocou a imprensa baiana para divulgar os próximos passos da pré-campanha, e avisou que não teme Lula, que é considerado imbatível no Estado.

Daniela Chiaretti - O choque de realidade no tabuleiro do clima

- Valor Econômico

As contradições dos Estados Unidos e do Reino Unido para tornarem concretos seus planos de descarbonizar

Depois da festa, vem a ressaca. Menos de um mês da corrida dos países ricos por percentuais mais ambiciosos de corte nas emissões de gases-estufa, que o mundo acompanhou em abril na Cúpula de Líderes Climáticos convocada pelo presidente Joe Biden, surge o choque de realidade - ou como tornar concreto o que se prometeu. É neste momento em que estão os Estados Unidos, a maior economia do mundo, e o Reino Unido, o país com a maior ambição climática entre os grandes. Os EUA, o segundo maior emissor depois da China, têm um arrojado plano de se redesenhar em nove anos. O Reino Unido, berço da Revolução Industrial à base de carvão, quer mudar de rota e de combustível. Mas não está fácil pra ninguém.

Os Estados Unidos são peça central no dominó da descarbonização global. O compromisso de Biden é forte: cortar a emissão de gases-estufa dos EUA em 50% a 52% em 2030 em relação aos níveis de 1990, além de alcançar emissões líquidas zero no meio do século. Como o democrata pretende conduzir o país a chegar lá está descrito em seu programa de governo divulgado na campanha eleitoral e na NDC americana, a sigla em inglês que batiza os compromissos voluntários que os países fazem para enfrentar a mudança do clima.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Nem liberal nem conservador

O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro não é conservador; é apenas reacionário. O conservadorismo não se opõe a reformas, e sim às rupturas revolucionárias

Que o governo de Jair Bolsonaro não é liberal na economia, todos já sabem. O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, queixou-se recentemente da falta de “aderência” a seu projeto de redução radical do Estado, anunciado na campanha eleitoral de 2018 por Bolsonaro e claramente frustrado após mais de dois anos de mandato.

A cada dia que passa, no entanto, o governo tampouco consegue ser o campeão dos valores conservadores, conforme também prometido por Bolsonaro nos palanques.

O presidente não é conservador; é apenas reacionário. O conservadorismo não se opõe a mudanças e reformas, como faz Bolsonaro, e sim às rupturas revolucionárias, especialmente aquelas motivadas por utopias que só podem resultar em autoritarismo e na anulação do indivíduo. Ademais, o conservadorismo defende o respeito às instituições democráticas e luta por sua estabilidade; defende a liberdade política e econômica, dentro da ordem constitucional; defende a igualdade de todos perante a lei, que é o verdadeiro lastro da estabilidade; defende a política como a “arte do possível”, fruto de ampla negociação; e, finalmente, defende a coesão social baseada em valores morais comuns, sobretudo o respeito, a responsabilidade e a honestidade.

Poesia | João Cabral de Melo Neto -A educação pela pedra

Uma educação pela pedra: por lições;
Para aprender da pedra, frequentá-la;
Captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
Ao que flui e a fluir, a ser maleada;
A de poética, sua carnadura concreta;
A de economia, seu adensar-se compacta:
Lições da pedra (de fora para dentro,
Cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
E se lecionasse, não ensinaria nada;
Lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
Uma pedra de nascença, entranha a alma.