quinta-feira, 27 de maio de 2021

Merval Pereira - Lições da história

- O Globo

Estamos vivendo um cabo de guerra entre a anarquia e a hierarquia dentro das Forças Armadas, especialmente no Exército. Quando o presidente da República passa o microfone para um general da ativa num palanque político, ele induziu e se associou à quebra de disciplina e da hierarquia. Por causa disso, impediu que o Ministério da Defesa e o Comando do Exército divulgassem uma nota oficial anunciando que fora aberta uma sindicância para investigar a atitude do general Pazuello.

Nos próximos dias, os chefes militares continuarão calados, mas nos bastidores há uma reação dos membros do Alto-Comando do Exército, que exigem a punição. Ela virá e será registrada oficialmente, mesmo que não tenha divulgação pública. Não há dúvida de que a decisão — que pode ser advertência, censura, suspensão, até 30 dias de cadeia — vazará, para que a opinião pública tome conhecimento, não apenas os membros das Forças Armadas.

A ida para a reserva de Pazuello são favas contadas, mas não a punição necessária. O que o presidente vem fazendo é considerado “bullying” pelos militares. Os comandantes das Forças Armadas foram demitidos recentemente, além do ministro da Defesa, porque tinham comportamento técnico e se negavam a dar demonstrações públicas de apoio político ao presidente Bolsonaro.

A cada vez que Bolsonaro se sentia atingido por uma decisão do Congresso ou do Supremo Tribunal Federal (STF), cobrava dos comandantes declarações públicas de apoio e não foi atendido. A análise é que, ao presidente Bolsonaro, interessa a anarquia nas Forças Armadas, para criar um clima propenso a ser apoiado se e quando tentar um autogolpe. Bolsonaro, com a tentativa de instalar a indisciplina nos quartéis, está cavando seu divórcio das Forças Armadas. Em 2022, provavelmente teremos problemas com os apoiadores de Bolsonaro, que estão sendo armados e incentivados à contestação, mesmo dentro dos quartéis.

Malu Gaspar – Truculentos-gerais da República

- O Globo

Parece coisa do Brasil da ditadura, mas aconteceu no Brasil de 2021. O servidor federal de carreira e sociólogo Celso Rocha de Barros foi convocado a depor pela Polícia do Senado por ter escrito um artigo criticando senadores que defendem o governo na CPI da Covid. Essa foi a parte da notícia que chegou aos jornais. O que não se sabia até hoje é que a truculência foi além.

Num dia da semana passada, o telefone tocou na casa de um parente dele. Na ligação, um policial do Senado “sugeriu”: se ele apresentasse um pedido de desculpas por escrito, talvez desse para evitar as consequências legais do que publicara. Em sua coluna na “Folha de S.Paulo”, Rocha de Barros disse que os senadores Eduardo Girão (Podemos-CE) e Luis Carlos Heinze (PP-RS) buscam tumultuar a CPI mentindo sobre medicina e cloroquina, formando um “consultório do crime” a favor de Bolsonaro.

Dias antes, foi o professor da Universidade de São Paulo (USP) Conrado Hübner Mendes que se surpreendeu com a represália a um artigo seu, também publicado na “Folha”. O professor, que costuma se referir ao procurador-geral da República, Augusto Aras, como “poste-geral da República” em suas redes sociais, escreveu que o PGR, que tem como função fiscalizar e investigar as condutas do presidente, é omisso e trabalha o tempo todo para impedir que se apurem as condutas de Bolsonaro na pandemia. Aras não gostou e entrou com uma queixa-crime na Justiça e com uma representação na USP, pedindo que o conselho de ética julgasse o comportamento do professor Mendes.

Cora Rónai - Herança maldita

- O Globo

Ou o Brasil acaba com a reeleição, ou a reeleição acaba com o Brasil. Cada época tem a saúva que lhe cabe

Lula e Fernando Henrique, de máscara, trocando soquinho: a imagem tem muitas camadas, permite várias leituras e com certeza vai ser usada para ilustrar os livros de História sobre o período de trevas que atravessamos — mas a minha primeira impressão, ao vê-la, foi de desagrado. Ela me pareceu ser, mais do que um compromisso com o futuro, o resumo do passado que nos trouxe até aqui.

Durante boa parte da sua vida pública Lula espinafrou Fernando Henrique sem trégua. Hoje diz que as suas divergências eram “políticas”, mas quem viveu a época e tem alguma memória ousa discordar.

Impeachment. Fora FHC. Fascistas. Herança maldita.

A decadência do PSDB começou quando não soube (e não quis) defender o legado de FHC e impor-se como oposição — e é a essa complacência equivocada que a foto remete.

Para representar uma verdadeira frente ampla, precisaria ter mais personagens: nela figura um só candidato à presidência.

Com quem a foto pretende dialogar? Para o PT ela é um trunfo (o ex-ministro Celso Amorim a definiu como “transcendental”) — lá está o seu candidato com aquele que designou, ao longo de tantos anos, como seu principal inimigo; a questão é que, até por questão de estilo, FHC nunca assumiu esse papel. Lula sempre manifestou horror a Fernando Henrique e seus eleitores. O inverso não aconteceu.

Ricardo Noblat - Comandante do Exército punirá Pazuello com advertência

- Blog do Noblat / Metrópoles

Mas para isso, o general Paulo Sérgio Nogueira precisa da concordância do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido)

O general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, que discursou em defesa do governo no alto de um carro de som no último domingo, no Rio, algo proibido a um militar da ativa pelo Regulamento Disciplinar do Exército, será punido apenas com uma advertência. É nessa direção que caminha o desfecho do caso.

As outras punições previstas no Regulamento são: censura, suspensão e até 30 dias de cadeia. Do fim da ditadura militar de 64 para cá, nenhum general foi preso. O espírito de corpo, entre eles, não permite. Censura e suspensão são consignadas na folha que corresponde à sua trajetória na carreira. Advertência, não.

Por isso é a pena mais branda. Fica de fora da folha, é como se nunca tivesse existido. Hoje, em São Gabriel da Cachoeira, interior do Amazonas, onde se encontrarão, o presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Defesa, general Braga Neto, e o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira, discutirão o assunto.

Pazuello tem mais um ano pela frente para continuar como general da ativa. Antes, só passará à reserva se quiser ou se for convencido a isso. Não quer. Está intransigente. Sente-se protegido pela farda. Alega que em breve voltará a depor na CPI da Covid e que precisará de retaguarda. Bolsonaro dá-lhe razão.

William Waack - A natureza humana de Bolsonaro

-  O Estado de S. Paulo

A razão, segundo um clássico conservador, não é da natureza humana sua parte mais importante

O presidente Jair Bolsonaro tem conseguido manter a média de proferir quase diariamente algo que ofenda o “bom senso” ou a “razão” no que se refere ao respeito às leis e instituições, ao decoro do cargo, à veracidade objetiva dos fatos e à civilidade no trato de adversários políticos – ou tudo junto. Fora entre seus apoiadores, tem conseguido gerar um cansaço geral e o “estamos pagando para ver” dos ministros do Supremo e dos comandantes militares.

À espera da próxima bolsonarice o colunista pede licença para lembrar, com nostalgia, clássicos lidos nos tempos de sua (do colunista) juventude acadêmica na Alemanha da década dos setenta, quando dobrava como estudante de Ciências Políticas e correspondente em Bonn do Estadão: Hannah Arendt e Hans J. Morgenthau. São dois judeo-alemães que escaparam da subida ao poder dos nazistas (1933) e passaram o resto da vida nos Estados Unidos (Arendt morreu lá em 1975, Morgenthau em 1980), cuja influência perdura hoje nas ciências sociais e nos estudos de relações internacionais.

José Serra* - Falsas dicotomias

- O Estado de S. Paulo

Exigência de critérios ambientais nas políticas públicas será questão de sobrevivência

Poucos temas produzem tantas oposições falsas quanto a questão ambiental, contrapondo as necessidades econômicas à preservação de ecossistemas. Desde os anos 1970 modelos econômicos de pesquisa vêm incorporando variáveis ambientais, no pressuposto de que o desempenho das economias, no curto e longo prazos, depende do manejo de seus recursos naturais. O Brasil precisa deixar de amadorismos e ativismos ruidosos nessa área e adotar com seriedade uma agenda que nos alavanque como potência em matéria ambiental.

Trabalho recente publicado por cientistas da UFMG comprovou hipóteses de que o desmatamento na Amazônia afeta o volume de chuvas na região desmatada, comprometendo a produtividade do seu setor agrícola e o bem-estar nas cidades. A pesquisa aponta que, no trato de sistemas altamente complexos como o ambiental, medidas isoladas ou mal concebidas podem ter consequências dramáticas. Nas últimas décadas, eventos extremos associados a variações climáticas impuseram perdas vultosas a muitas comunidades.

Não por acaso, crescem mundialmente os esforços de coordenação com o objetivo de fazer frente aos riscos ambientais. Com respeito ao aquecimento global, a assinatura do Protocolo de Kyoto (1997) foi seguida pelo Acordo de Paris (2015), um ousado compromisso internacional abrangendo intenções e metas de redução de emissões de gases relacionados ao efeito estufa. Quando ministro das Relações Exteriores (2016-2017), adotei como prioridade a adesão do Brasil ao Acordo de Paris, convicto de que, além de sua relevância intrínseca, a agenda climática envolveria relações diplomáticas, políticas públicas e decisões de investimento.

Cláudio Couto* - Partidos e movimentos de renovação são excludentes?


- O Estado de S. Paulo

As decisões do TSE em favor de Felipe Rigoni (PSB) e Tabata Amaral (PDT) no contencioso com suas agremiações, permitindo-lhes delas sair sem perder o mandato, são marco importante na relação entre partidos e os assim chamados movimentos de renovação política. “Assim chamados” porque nem todos se veem como voltados à “renovação”. É o caso da Raps, que opera como rede transpartidária de formação e articulação política construída sobre compromissos comuns, como a sustentabilidade.

O Acredito, de Rigoni e Tabata, também possui tais características, embora de forma mais assertiva em relação a seus membros. Veio daí o conflito dos dois deputados com seus partidos. Porém, é difícil a essas agremiações se dizerem desavisadas ou enganadas: o compromisso firmado com os deputados e suas entidades era claro e feito por escrito.

Fernando Guarnieri* - Partidos terão de oferecer algo a mais para manter parlamentares

- O Estado de S. Paulo

O presidente Bolsonaro, ao conversar com apoiadores, se referiu às dificuldades de achar um partido para se filiar dizendo que “ninguém quer entregar o osso para a gente, querem entregar só o casco do boi, nenhum ossinho com tutano querem dar para a gente”. Bolsonaro saiu do PSL após perder a disputa por mais espaço com o presidente da sigla e, depois de fracassar na tentativa de criar o próprio partido, procura algum sobre o qual tenha controle. Ainda não conseguiu.

Trago esse exemplo para ilustrar dois pontos: partidos têm donos e seu poder é tão forte que nem a presidência da República permite resistir a ele. Não poderíamos esperar nada diferente com relação a Tabata Amaral, deputada federal de primeiro mandato que, apesar dos mais de 260 mil votos, não atingiu o quociente eleitoral. Na sua disputa com a liderança do PDT, seu destino seria ficar com os cascos do boi e, por conta da fidelidade partidária, ela deveria aceitar este destino até o final de seu mandato sob o risco de perdê-lo.

José Pastore* - Como proteger os trabalhadores de aplicativos?

- O Estado de S. Paulo

Esse desafio está posto em todos os países, cujas sentenças são as mais variadas e mais complicam do que ajudam

Não é exagero dizer que o mundo todo procura uma fórmula para proteger os que trabalham ancorados em aplicativos de plataformas digitais. O que eles são? Empregados, autônomos, independentes, freelancers, conta própria e o que mais? 

É inegável que o trabalho dessas pessoas tem muitas peculiaridades. Elas trabalham por períodos variados: algumas horas por dia e, muitas vezes, combinam essa atividade com um emprego regular que lhes deixa algum tempo livre para aumentar a sua renda com aplicativos. São comuns os casos de profissionais que trabalham para mais de uma plataforma simultaneamente, seja na rua, em casa e até em outros países. Numa palavra: trata-se de um trabalho descontínuo no tempo e no espaço. 

É claro que essas pessoas precisam de proteções. Afinal, elas também adoecem, envelhecem e falecem, necessitando de amparo adequado para enfrentar esses eventos. 

Entre nós, a forma mais conhecida de proteção é a da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que protege as pessoas que têm empregos em locais fixos, realizados com habitualidade, em tempo parcial ou integral, com contratos por tempo certo ou indeterminado, sob a direção de um preposto de uma empresa. É o que estabelece o artigo 3.º daquela lei. 

Mas a irregularidade do trabalho dos profissionais de aplicativos está longe de se encaixar na situação de emprego. Quem seria o empregador, quando eles trabalham para mais de uma plataforma? Quem recolheria os encargos sociais? Como calcular benefícios trabalhistas e previdenciários para trabalhos realizados em frações de hora, dias, semanas e de forma irregular? Quem responde pela proteção quando o trabalho é prestado para diferentes países? 

Maria Cristina Fernandes - O motor da polarização


- Valor Econômico

Almoço de Lula e Fernando Henrique Cardoso anteviu a guinada perdulária do governo

Se ministros muquiranas costumam ser assaltados à luz do sol em praça pública durante anos eleitorais, aquele que avisa aos quatro ventos que se tornou um perdulário vai terminar o ano, na melhor das hipóteses, nu com a mão no bolso. Foi assim que o ministro da Economia se anunciou na entrevista a Alexa Salomão e Bruno Caram, da “Folha de S.Paulo”. Enquanto os ex-presidentes do Banco do Brasil e da Petrobras, que deixaram o governo tolhidos na execução da antiga cartilha do ministro, são “liberais abstratos”, Paulo Guedes optou pela dura poesia concreta das urnas. Disse que vai ter dinheiro para os dois programas com os quais o governo pretende enfrentar o PT, um bolsa família melhorado e uma bolsa de qualificação profissional, que pode chegar a R$ 600.

Dias antes, o encontro dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso antevira a mutação do governo com vistas a 2022. O Orçamento terá uma folga de caixa de R$ 35 bilhões em relação a este ano, segundo a Instituição Fiscal Independente, graças, em grande parte, aos efeitos contábeis da inflação e às benesses advindas da alocação de despesas para fora do teto fiscal. Pedalando, qualquer um chega, mas tem ainda a alta das commodities e os pagamentos do BNDES ao Tesouro.

Fabio Graner - Inflação e PIB melhoram cenário fiscal do governo

- Valor Econômico

Governo calcula deflator do PIB em 9,3% para este ano

Já é reconhecido na área econômica do governo que o cenário fiscal para este ano está melhor do que se imaginava e que a projeção de queda da relação entre a dívida bruta e o Produto Interno Bruto (PIB) para 87,2% está defasada. A nova estimativa está sendo revisada, mas fontes apontam tendência de um número menor e a possibilidade de ficar até abaixo de 85% do PIB, que foi mencionada anteontem em evento do BTG Pactual pelo ex-secretário do Tesouro e economista-chefe do banco, Mansueto Almeida.

Ele também está finalizando seus novos números, a serem divulgados em junho. Ao Valor Mansueto explicou que a dívida em 85% do PIB é um cenário conservador e que há chances razoáveis de o principal indicador fiscal do país ficar menor ainda.

O economista destaca a velocidade de mudança (para melhor) no cenário para as contas do governo em 2021, em decorrência de fatores como a surpresa positiva do PIB (real e nominal) e a inflação. Lembra que, há pouco mais de 50 dias, o consenso previa queda no PIB do primeiro trimestre, o que se alterou completamente nas últimas semanas, após os dados de atividade econômica de março. Ele projeta alta de 0,9%, que já aponta para uma expansão no ano de 4,3%, que pode chegar a 5% com um processo de vacinação mais acelerado.

Maria Hermínio Tavares - Estabilidade perversa

- Folha de S. Paulo

A gestão da pandemia tornou a crise crônica; uma agonia que será prolongada

No domingo (23), depois de desfilar com um séquito de motoqueiros pela zona sul do Rio de Janeiro, o presidente declarou a uma aglomeração de adoradores que “estamos no final de uma pandemia, se Deus quiser”.

No dia seguinte e no mesmo tom, o ministro Paulo Guedes discorreu nesta Folha sobre a recuperação da economia brasileira, que “surpreenderá o mundo”. Falou também de seus planos para este ano, repetindo velhos objetivos que não saíram do papel: reforma administrativa, reforma tributária e privatizações.

Acenou também com nova versão do Bolsa Família, financiada mediante a venda de estatais —o que, para variar, ainda está por ocorrer. Para o clarividente doutor, a pandemia parece que já se aproxima do fim e seu legado trágico não requer atenção especial.

Nada mais fantasioso. Como observou dias atrás o economista Ricardo Paes de Barros (Insper-SP) ao jornal Valor, a gestão da pandemia tornou a crise crônica; uma agonia da qual só se sabe que será prolongada.

Bruno Boghossian – Cálculo sinistro

- Folha de S. Paulo

Governantes devem pagar mortes que poderiam ter sido evitadas

O primeiro-ministro britânico foi um dos pioneiros do negacionismo na pandemia. Boris Johnson defendeu que o coronavírus se espalhasse e contaminasse a população até que a imunidade de rebanho fosse atingida. Depois, ele mudou o discurso e implantou medidas para conter a doença, mas vacilou na hora de tomar decisões mais duras.

Num depoimento considerado explosivo, um ex-braço direito de Johnson disse ao Parlamento que "dezenas de milhares de pessoas morreram sem necessidade". Dominic Cummings afirmou que, no início da pandemia, o líder britânico pensava que a Covid-19 seria amena como a gripe suína e que não era preciso barrar a entrada do vírus no país.

Johnson aplicou restrições ao funcionamento do comércio e de escolas, mas seu ex-conselheiro conta que ele rejeitou um novo lockdown em setembro. Segundo Cummings, o primeiro-ministro temia o impacto econômico da medida e teria dito que seria melhor ver "pilhas de corpos" do que adotar outro aperto.

Mariliz Pereira Jorge - Um governo de charlatões

- Folha de S. Paulo

O charlatanismo, até que se prove o contrário, vale a pena e foi institucionalizado

A imprensa dividiu os integrantes do governo Bolsonaro em duas alas: técnica e ideológica. Na prática, temos apenas um grupo de incompetentes e outro de charlatões. E este segundo é de longe o pior.

Os incompetentes deixam claros seus erros, suas limitações. Em geral, são figuras histriônicas, que ganham espaço não pelos seus feitos, mas pelo espetáculo que produzem. Weintraub, na educação, era dessa ala. Eduardo Pazuello é também um incompetente. Com três estrelas, mas um incompetente que nunca se esforçou para mostrar o contrário.

O problema maior é a ala dos charlatões e este governo está cheio deles. Segundo o dicionário, é um indivíduo que vende remédios milagrosos; que explora a boa-fé do povo, profissional inescrupuloso, enganador. O charlatão conhece o seu métier, tem vocabulário rico e apropriado e usa seu conhecimento para enganar.

Conrado Hübner Mendes - Pazuello e o seu Sereio

- Folha de S. Paulo

Honra do Exército brasileiro não resiste sequer ao canto de um descerebrado

Numa passagem da “Odisseia”, de Homero, conhecida como “Ulisses e as Sereias”, o herói, navegando de volta para casa depois da guerra, recebe conselho de uma feiticeira. Ela lhe sugere não ouvir o canto das sereias, cujo feitiço faz os homens perderem o senso e se jogarem à morte.

Ulisses manda seus marinheiros taparem seus ouvidos com cera e lhe amarrarem ao mastro para que só ele possa ouvir, mas não caia no encanto. “Se eu implorar para que me libertem, devem me amarrar com mais força.” Num momento de serenidade, sabendo do risco e da fragilidade da razão, estabeleceu para si limites a sua liberdade num evento futuro específico. (Busque as pinturas que representam essa história.)

A imagem do “Pacto de Ulisses” serviu de metáfora para explicar e justificar certas instituições jurídicas e políticas. Elucida, por exemplo, o espírito do constitucionalismo e o papel de constituições: amarrar a democracia ao mastro que segure as paixões majoritárias, a taquicardia, as emoções primárias, os instintos primitivos. Às vezes, menos liberdade é mais. Assim é a liberdade constitucional. (Leia Jon Elster sobre Ulisses e autocontenção.)

Ajuda também a entender instituições comprometidas com a imparcialidade, que precisam pairar, tanto quanto possível, acima do conflito entre governo e oposição, maiorias e minorias, aliados e adversários. Precisam se despolitizar, permanecer despolitizadas e se proteger das tentações.

Fazer instituições de Estado funcionarem como instituições de Estado é a maior operação republicana numa democracia. É uma façanha, uma busca permanente e falível. Portanto, uma conquista provisória, nunca definitiva. Atinge-se em graus, não na exata perfeição. São imprescindíveis regras constitucionais que tracem a arquitetura dessas instituições e mecanismos de controle ético e jurídico de seus agentes.

Vinicius Torres Freire – Vai ter vacina para todo o mundo?

- Folha de S. Paulo

Vai ter vacina para o mundo inteiro, com pobres no fim da fila e isolados

Nesta semana, a cada dia cerca de 30 milhões de pessoas receberam uma dose de vacina contra a Covid, no mundo inteiro. Em abril, foram produzidos mais de 42 milhões de doses por dia. Em maio, a capacidade de produção deverá ter sido de mais de 72 milhões de doses por dia, na média.

projeção para maio é de Simon Evenett e de Matt Linley, que trabalham para a Airfinity. Trata-se de uma companhia de projeções, previsões e consultoria de desenvolvimentos científicos e tecnológicos na área de biotecnologia, baseada em Londres. Dão chutes informados, como se faz em qualquer projeção. Mas, em abril, erraram por apenas 10%.

Evenett e Linley estimam que, até o final do ano, será possível produzir 11,14 bilhões de doses. Nas contas deles, seriam necessários 10,82 bilhões de doses para vacinar 75% da população mundial com 5 anos de idade ou mais. Com tantas doses, na verdade, daria para vacinar a população adulta do mundo inteiro. Até agora, cerca de 1,74 bilhão de pessoas tomaram ao menos uma dose.

Obviamente, como sabemos na própria pele, faltam vacinas, o que, claro, provoca mais mortes. Mas o problema não para aí. Em ambientes de vacinação lenta e grande circulação do vírus, há o grande risco de que se desenvolvam variantes resistentes às vacinas conhecidas. É o caso do Brasil.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Para apuração das denúncias, Salles precisa ser afastado

O Globo

A temperatura subiu no Ministério do Meio Ambiente. Desde a Operação Akuanduba, da Polícia Federal, na semana passada, o ministro Ricardo Salles e seu braço-direito, o presidente do Ibama, Eduardo Bim, enfrentam denúncias graves que envolvem a exportação ilegal de madeira da Amazônia. O delegado Franco Perazzoni informou ao ministro do STF Alexandre de Moraes, a quem coube autorizar a operação, que as provas reunidas são suficientes para acusar Bim de pelo menos dois crimes: facilitação ao contrabando e advocacia administrativa (favorecimento de madeireiras). Sobre Salles, alvo de mandados de busca e apreensão com aval do Supremo, ele afirmou haver “fortes indícios” de envolvimento.

A situação do ministro não é nada confortável. As investigações da PF incluem um relatório do Coaf que aponta movimentação suspeita de R$ 1,8 milhão do escritório de advocacia de Salles, entre outubro de 2019 e abril de 2020, quando ele já era ministro. Segundo o documento, chamou atenção o “volume expressivo”, “destoando do perfil histórico de movimentações”. As informações enviadas à PF serviram de base para a Akuanduba, que mirou também servidores do Ibama. Salles classificou a operação de “exagerada” e “desnecessária”.

Ele enfrenta uma tempestade perfeita. Não faz dois meses, o então superintendente da PF no Amazonas, delegado Alexandre Saraiva, enviou ao STF notícia-crime contra Salles, acusando-o de obstruir a investigação da maior apreensão de madeira ilegal já realizada no país, além de advocacia administrativa e organização criminosa — na época, o ministro alegou que o carregamento era legal e pediu à PF para acelerar a liberação do material (cerca de 65 mil árvores derrubadas). Apesar da gravidade das denúncias, a decisão do governo Bolsonaro foi exonerar Saraiva, o denunciante.

A despeito de conduzir uma política ambiental tóxica, contaminada por recordes de desmatamentos e queimadas — que degrada a imagem do Brasil e causa prejuízos ao agronegócio —, Salles continua com prestígio diante do chefe. Um dia depois da operação que escancarou o escândalo envolvendo o ministro e o presidente do principal órgão ambiental do país, Bolsonaro disse que Salles é um “excepcional ministro”. Pior para quem bate de frente com ele. Como o coordenador de Economia Verde do Ministério da Economia, Gustavo Fontenele, demitido por pressão de Salles.

Ontem Salles faltou à reunião do Conselho da Amazônia — nem sequer mandou representante. Irritou o vice-presidente, Hamilton Mourão, que reagiu: “Falta de educação”.