sábado, 29 de maio de 2021

Hélio Schwartsman - A vingança de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Ele deve ter ficado magoado com o Exército após quase ter sido expulso em 1986

Jair Bolsonaro deve ter ficado magoado com o Exército depois de quase ter sido expulso da instituição em 1986. Vingança é a melhor explicação para a difícil situação em que o capitão reformado põe o Exército agora.

Com efeito, com pouco mais de dois anos na Presidência, Bolsonaro fez com que os generais jogassem por terra três décadas de intensos esforços de relações públicas pelos quais tentaram convencer o país de que o Exército Brasileiro tinha compromisso com a democracia e se pautava pelo profissionalismo e pela competência.

Apreço pela democracia não é compatível com o apoio ostensivo que militares da ativa dão a um político autoritário que pode ser acusado de várias coisas, mas não de zelar pelas instituições democráticas.

Cristina Serra - A CPI e o comando do genocídio

- Folha de S. Paulo

Com o que obteve, CPI já tem elementos para identificar responsabilidades

Em geral, CPIs começam com indícios, pistas, suspeitas. A CPI da Covid começou um passo à frente, favorecida por um roteiro traçado pelas declarações de Bolsonaro desde o começo da pandemia, amplamente documentadas. Basta mencionar sua campanha permanente a favor da cloroquina e contra o confinamento, o uso de máscaras e as vacinas.

É de se notar o despreparo de muitos senadores para inquirir os depoentes. Alguns até abrem mão de perguntar porque estão mais preocupados em fazer discurso para suas redes sociais. A condução das sessões também não tem sido capaz de impedir longas e nocivas perorações negacionistas. Apesar disso, o saldo de um mês de trabalho é bastante positivo.

Demétrio Magnoli – Sob o feitiço das redes

- Folha de S. Paulo

Renan Calheiros ensaia passo desastroso ao tentar quantificar mortes evitáveis por Covid

Na pandemia, todos os governos do mundo cometeram erros. O governo Bolsonaro, porém, cometeu sucessivos crimes contra a saúde pública. A missão da CPI é documentá-los, acusando o presidente perante os tribunais da opinião pública e da história. Mas Renan Calheiros ensaia um passo desastroso: quantificar as mortes evitáveis derivadas de ações ou omissões do governo federal. Enfeitiçado pelas redes sociais, o relator ameaça converter as conclusões numa pantomima política.

."Vamos ouvir a academia, a ciência e receber os estudos das mortes evitáveis", declarou, como quem dirige-se a uma consulta com um oráculo. Qual é o endereço da Ciência?

Estudos baseados em modelos estatísticos nunca faltaram na pandemia. No caso dos modelos de longo prazo, as divergências sobre óbitos sempre situaram-se nos umbrais do infinito. Todos se recordam de Osmar Terra, que sem estudo algum profetizou poucos milhares de mortes. Muitos se esqueceram dos especialistas que, apoiados no Imperial College, previram 1 milhão de óbitos no Brasil até agosto do ano passado —e isso, bem entendido, com a manutenção das restrições sanitárias adotadas no início de tudo. O que dirão as vozes oraculares sobre as mortes evitáveis?

Alvaro Costa e Silva - Nelson Sargento, o memorioso

- Folha de S. Paulo

O sambista, que morreu aos 96 anos, sabia que a tradição do passado fundamenta a arte do presente

A memória de Nelson Sargento —que morreu na quinta-feira (27), aos 96 anos— sempre foi prodigiosa. Ele lembrava que, moleque franzino, de tamborim na mão, calça e tênis brancos, camisa azul de jérsei e cartolinha de feltro, desceu as ladeiras do morro do Salgueiro para brincar o Carnaval na rua Dona Zulmira, território nelsonrodrigueano onde corriam soltas as batalhas de confete.

Depois chegou ao morro de Mangueira para viver com a mãe ao lado do fadista (depois sambista) Alfredo Português, em cujo barraco havia animadas reuniões de pagode, com carne moqueada, cerveja casco escuro e a presença da nobreza: Cartola, Carlos Cachaça, Nelson Cavaquinho, Geraldo Pereira.

Ricardo Noblat - Bolsonaro fala em segunda dose contra a Covid para 2022

- Blog do Noblat / Metrópoles

Vem aí a terceira onda da doença, enquanto o presidente da República não perde uma única chance de politizar a pandemia

No momento em que o mais recente boletim semanal da Fundação Oswaldo Cruz informa que o Brasil está às portas da terceira onda da Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro, em conversa com devotos nos jardins do Palácio da Alvorada, disse assim, sem que ninguém lhe tivesse perguntado, e depois gargalhou muito, sozinho:

“A primeira dose foi em 18, a segunda dose vai ser em 22”.

Naturalmente, quis referir-se à sua eleição em 2018 e à sua possível reeleição no ano que vem, derrotando a oposição que, segundo pensa, faria tanto mal ao país como a Covid faz. Mas o que afirmou serve para reforçar os sinais de que a aplicação da segunda dose de vacina no Brasil só terminará em 2022.

Faz todo sentido. O país teria sido o primeiro do mundo a começar a vacinação em massa se o governo tivesse se apressado em comprar o imunizante. Teve várias chances para isso, mas não quis. Agora, ele corre atrás de vacinas quando elas escasseiam com a procura crescente de outros governos mais responsáveis.

João Gabriel de Lima - A bússola das hashtags aponta para o meio ambiente

- O Estado de S. Paulo

Governo brasileiro agita lenços na plataforma, diante da partida do trem da História

As causas defendidas nas redes sociais não ficam restritas ao mundo digital. Alguns dos movimentos mais bem-sucedidos na atualidade começaram como hashtags. O #blacklivesmatter levou à condenação do assassino de George Floyd e provocou mudanças na legislação sobre racismo em vários Estados americanos. O #metoo interferiu no ordenamento jurídico sobre assédio em vários países. Na Primavera Árabe do início da década passada, intervenções no YouTube, Twitter e Facebook ajudaram a organizar um movimento de massas. A indignação das redes explodiu nas ruas.

Esse é o contexto de um novo estudo da The Economist Intelligence Unit (EIU), braço de pesquisa da principal revista liberal em língua inglesa. Em “O eco-despertar: conscientização global, engajamento e ação pela natureza”, a The Economist mede a temperatura das redes sociais e da imprensa para aferir o quanto a destruição da natureza mobiliza cidadãos em diferentes países. O resultado é animador. Nos últimos quatro anos, houve um aumento exponencial do ativismo ambiental pelo mundo. 

Almir Pazzianotto Pinto* - O paradoxo trabalhista

- O Estado de S. Paulo

Legislação opera como obstáculo à admissão de trabalhadores. No Brasil a lei amedronta

 “A indiferença é feroz” 

Viviane Forester

Não apenas no Brasil, mas em quase todo o mundo, o mercado de trabalho enfrenta perversa contradição: ao mesmo tempo que a sociedade se vê diante da necessidade da criação de milhões de empregos, outros tantos milhões são dizimados por irresistível avanço da informatização, da robotização, da inteligência artificial.

O problema ganhou corpo na década de 1970, quando surgiram os primeiros escritores preocupados com o destino dos empregados. É vasta a bibliografia sobre o assunto. Cito, entre os mais difundidos, Administração em Tempos Turbulentos, de Peter F. Drucker, A Informatização da Sociedade, de Simon Nora e Alain Minc, O Fim dos Empregos, de Jeremy Rifkin, O Horror Econômico, de Viviane Forrester, Europa, de Zygmunt Bauman, Um Mundo sem Empregos, de William Bridges, A Sociedade Pós Industrial e o Ócio Criativo, de Domênico De Masi.

O setor mais afetado é o operariado. Sobre ele escreveu Peter Drucker, em capítulo que descreve a ascensão e o declínio da classe operária: “E de repente, tudo acabou. Também não existe paralelo na história para o abrupto declínio do operário durante os últimos 25 anos” (Administrando para o Futuro, Ed. Pioneira, 1992, pág. 84).

Os números sobre o desemprego no Brasil são assustadores. Abstenho-me de reproduzi-los. A culpa recai, mas apenas em parte, sobre a pandemia do coronavírus. Registro, entretanto, que a taxa, que era de 11,6% no início de 2021, saltou para 14,4% no primeiro trimestre deste ano. “Em um ano 8.126 milhões de trabalhadores perderam seus empregos” (Estado, 1.º/4, B6).

Antes de buscarmos remédio para a insidiosa chaga social, é necessário que se lhe faça correto diagnóstico. São diversos os fatores de esvaziamento do mercado de trabalho. Em primeiro plano aponto a globalização, provocando o desaparecimento dos fatores espaço e tempo. Povos outrora distantes tornaram-se vizinhos. China, Coreia do Sul, Cingapura, Tailândia, Taiwan estão aí ao lado e nos invadem com produtos industrializados.

O segundo fator de desemprego resulta do avanço acelerado da tecnologia. Automação, telefonia celular, informatização, robotização, drones, inteligência artificial, transações comerciais e operações bancárias pela internet, tudo isso opera no interior do mercado de trabalho para reduzi-lo, na busca incessante de eficiência e produtividade.

Pablo Ortellado – Governo vence disputa nas redes

- O Globo

No momento em que as pesquisas de opinião mostram Bolsonaro perdendo apoio e a CPI, dominada pela oposição, parece impor dia após dia desgaste ao governo, é para lá de surpreendente o desempenho dos bolsonaristas nas mídias sociais quando o assunto é CPI.

Se tomamos a semana que terminou (de segunda a sexta-feira, do dia 24 ao 28 de maio) e filtrarmos pela palavra-chave CPI, os bolsonaristas tiveram um desempenho muito superior ao da oposição.

No Facebook, entre os posts de páginas com a palavra-chave CPI, os bolsonaristas fizeram 80% dos compartilhamentos no dia 24, 78% no dia 25, 66% no dia 26, 73% no dia 27 e 61% no dia 28. No Twitter, se medirmos os volumes de retuítes com a palavra-chave CPI, os bolsonaristas fizeram 94% dos retuítes no dia 24, 88% no dia 25, 75% no dia 26, 63 % no dia 27 e 74% no dia 28. Em resumo, foi um 7 a 1 para o governo.

Eurípedes Alcântara - O certo e o complexo

- O Globo

Parece cada vez mais difícil para mais gente admitir que não sabe o bastante sobre alguma coisa a ponto de ter uma opinião. As conversas sobre qualquer assunto estão ficando insuportáveis pelo excesso de certezas absolutas, antes só permitidas aos muito jovens.

Certeza é um dos sintomas da imaturidade. Ser adulto é aprender a conviver com incertezas. “Não sou jovem o suficiente para saber tudo”, diz o sábio ditado ora atribuído ao poeta irlandês Oscar Wilde, ora ao primeiro-ministro britânico da Era Vitoriana Benjamin Disraeli.

Por essa régua, vivemos numa sociedade de imaturos, inseguros, buscando muletas para se apoiar. Esse ambiente favorece duas situações indesejáveis. A primeira é a tentação de delegar decisões da vida pessoal a uma ideologia, a um partido ou até a um governo. A segunda é o recolhimento ao conforto do pensamento binário simplório, com o consequente pavor da complexidade.

Delegar o destino a um ente imaginário coletivo provedor, todo-poderoso, é uma das superstições mais acalentadas atualmente. Assustador é essa ilusão ser cultivada por jovens, principalmente das grandes cidades do Ocidente. Jovens americanos dos movimentos Antifa e Black Lives Matter, embora tenham recentemente começado a trocar sopapos entre si, costumam definir-se como socialistas ou mesmo comunistas.

“Esses moços, pobre moços (...)/ Saibam que deixam o céu/ Por ser escuro/ E vão ao inferno/ À procura de luz.”

Dizem os versos de Lupicínio Rodrigues. Acabei de ouvi-los na linda voz de Adriana Calcanhotto. É um convite lírico a pensar nas lutas dos jovens militantes. Uma lei histórica mostra que ninguém milita com o objetivo de continuar oprimido quando sua causa triunfar: o militante se imagina sempre dirigente na nova ordem. É uma lei incontrastável.

Carlos Alberto Sardenberg - Rouba mas faz, de novo?

- O Globo

Quando se cita o mote, os mais jovens — e nem tão jovens assim — lembram Paulo Maluf.

Mas até isso Maluf pegou, digamos, de maneira indevida. O verdadeiro dono do “rouba mas faz” é Ademar de Barros, político dos anos 40 a 60, prefeito e governador de São Paulo, senador, candidato a presidente.

Ele mesmo espalhava as piadas a seu respeito. Nos comícios, dizia: “Neste bolso nunca entrou dinheiro roubado”. E a plateia, divertida: “Calça nova, governador”. Ele ria.

Também lançou o que poderia ser o lema da atual velha política: amigo meu não fica na estrada.

Era verdade. Ademar no governo, não tinha um ademarista que ficasse sem cargo público.

O folclore ficou para Ademar de Barros, mas a coisa se espalhava por todo o espectro político. O consenso tácito era o seguinte: todo mundo levava o seu, o importante é que abrisse estradas (ou construísse Brasília), oferecesse bons negócios públicos aos correligionários e nomeasse a turma.

O capitalismo de amigos sempre esteve na raiz da política brasileira. Até que foram apanhados o mensalão e o petrolão — mas que, vistos de hoje, parecem mesmo dois pontos fora da curva. Todo mundo está sendo perdoado nas instâncias judiciárias e políticas.

O STF vem cancelando condenações e devolvendo ao cenário político personagens que curtiram cana em anos recentes. Na política, não há melhor exemplo de anistia plena, geral e irrestrita do que o encontro entre Fernando Henrique Cardoso e Lula.

Claudio Ferraz - Reformar para crescer?

- O Globo

O que mais se escuta do ministro Paulo Guedes desde que o presidente assumiu o governo em 2019 é que o Brasil precisa de reformas para voltar a crescer. A bola da vez são as reformas administrativa e tributária. É verdade que o sistema tributário brasileiro é anacrônico, desigual e ineficiente e que precisamos simplificar o seu funcionamento.

Também é verdade que ele gera distorções setoriais e regionais que afetam a produtividade da economia. A mesma coisa vale para a necessidade de modernização do Estado, onde precisamos melhorar o processo de seleção da burocracia e alinhar melhor os incentivos de servidores públicos em busca de um melhor desempenho.

Mas achar que qualquer uma dessas reformas colocará o Brasil automaticamente numa trajetória de crescimento econômico sustentado é uma mistura de delírio com ignorância econômica. Delírio pois o mesmo governo que promove reformas em busca de um “Estado mais eficiente” corrói sua capacidade burocrática para a implementação de políticas públicas de qualidade destruindo instituições, militarizando ministérios e apadrinhando cloroquinistas.

Ignorância porque muitos economistas deste governo parecem desconhecer totalmente o que foi produzido na literatura econômica sobre crescimento e desenvolvimento econômico nos últimos 20 anos.

Ascânio Seleme - Entrevista com o vampiro

- O Globo

Em um rápido ping-pong, como pensam bolsonaristas. Ou por que não pensam.

Ele tem 45 anos, é graduado numa área da Medicina, com mestrado e doutorado. Bem-sucedido, tem casa própria e carro importado. Casado, dois filhos. Ex-surfista, mas eventualmente ainda pega uma “ondinha”. Gosta de ir ao Bracarense depois da praia. Aos domingos leva os meninos para comer uma pizza na Capricciosa. Esse rápido ping-pong mostra como pensam bolsonaristas de seu nível. Ou por que não pensam.

Por que você votou em Bolsonaro?

Tinha que dar um basta naquela roubalheira do PT.

Você se arrependeu de votar em Bolsonaro?

Não, por que haveria de me arrepender?

Por que o presidente prega contra a democracia? Por que boicotou e boicota as vacinas, estimula e promove aglomerações. Ou talvez por que cometeu outros 30 crimes de responsabilidade?

Que crimes? E que papo é este de democracia? Democracia para roubar? Só tem corrupto no Congresso.

Você é favorável ao fechamento do Congresso?

Não disse isso. Basta prender uns 200 que a coisa se ajeita. Esses caras são uns vampiros que só estão lá para sugar o nosso sangue.

E depois? Faz-se nova eleição para preencher as vagas abertas com as prisões?

Nada, com o que sobrar já dá para tocar a coisa. E ainda vamos economizar bilhões de reais com os gastos desses caras em mordomias e vantagens. Cada um tem uns 30 assessores. Precisa?

Entrevista | Paes quer palanque “multipresidencial” para o governo do RJ

Prefeito do Rio chega ao PSD interessado em montar aliança que pode reunir apoiadores de Lula e Ciro

Por Cristian Klein e Francisco Góes / Valor Econômico

RIO - Equilibrista por natureza, o prefeito do Rio Eduardo Paes saiu nesta semana do DEM e filiou-se ao PSD, para onde também irá seu candidato a governador em 2022, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Quem quiser acreditar que eu tô brincando com Felipe Santa Cruz vai perder tempo”, afirma em entrevista ao Valor.

Por outro lado, a elasticidade de Paes o faz lançar pontes para a esquerda, numa aliança que poderia ser encabeçada pelo deputado federal Marcelo Freixo (Psol), que deve migrar para o PSB, ou pelo ex-prefeito de Niterói Rodrigo Neves (PDT). Paes defende um palanque amplo e aberto a vários presidenciáveis, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao ex-ministro Ciro Gomes (PDT), incluindo o balão de ensaio do próprio PSD, onde o presidente nacional da legenda, Gilberto Kassab, busca filiar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Paes faz política de boa vizinhança até com o governador Cláudio Castro (PL), ligado ao presidente Jair Bolsonaro e com quem se estranhou há dois meses, por causa de medidas de restrição contra a pandemia. “Tudo pode acontecer. Ontem estavam me dizendo que o [ex-ministro da Saúde Eduardo] Pazuello vai ser candidato a governador... Então, numa dessas, Cláudio vira um cara mais de centro. Faltando um ano para a eleição, há chance de tudo”, diz Paes

O prefeito reiterou sua posição de não multar Bolsonaro por ter promovido aglomeração, com apoiadores sem máscaras, no domingo: “É o povo que decide, é na eleição. Temos condições de julgar e avaliar. Não vou fazer o jogo do presidente da República, não vou ficar animando festa de gente que está errada”.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Por que escolheu o PSD para se filiar?

Eduardo Paes: A origem disso é o conflito do [deputado federal] Rodrigo Maia no Democratas. Rodrigo, nesse período mais difícil para mim, de quatro anos fora do poder, apanhando de tudo que é lado, foi muito solidário, muito correto comigo, estendeu a mão. Ajudou, defendeu publicamente, do alto da liderança na presidência da Câmara, me viabilizou duas eleições. Então eu não tinha como não ser solidário, nesse movimento dele. Tenho pelo ACM Neto uma relação de muita amizade. Dois amigos brigaram. Só que um está no meu terreiro e outro não está.

Valor: O PSD está virando um novo MDB?

Paes: Se for sem alguns dos vícios... quando você olha para os quadros - [Antonio] Anastasia, Kalil, Geraldo [Alckmin, no PSDB, sondado pelo partido], [Paulo] Hartung [sem filiação partidária, sondado pelo partido], o Otto [Alencar], estamos falando de um partido com quadros interessantes. O que virou a política brasileira? Um dia todo mundo quer que eu multe o presidente, aí você é xingado com ódio das pessoas [por não multar o presidente]. No outro você fecha uma escola porque estão cantando “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, essas maluquices... E aí você demite a direção da escola e são os malucos do bolsonarismo te xingando. O Brasil precisa de equilíbrio. Precisamos de política para resolver o problema brasileiro. Se tirar o Michel [Temer] no meio do caminho, os nossos dois últimos presidentes eleitos, Dilma [Rousseff] e Bolsonaro, não são os maiores talentos da política. E nossa tarefa é de construção de consensos.

Valor: Porque agora a filiação?

Paes: Porque não nasci em Minas Gerais, nem sou político das antigas e gosto de decidir as coisas rapidamente. Quero construir um projeto, não quero ficar esperando, ver qual é a nau que vai voar melhor e eu vou junto... Não vou sair [candidato a governador], mas quem quiser acreditar que acredite e quem não quiser que se rasgue e espere. O Felipe [Santa Cruz] é o meu candidato a governador. Uma candidatura como a do Felipe, ela precisa ser construída, não vou parar de construir por um minuto.

Felipe Santa Cruz é meu candidato a governador. Eu não vou sair [candidato], quem quiser que acredite”

Valor: Fechado a outros nomes?

Paes: Estamos conversando com outros quadros? Estamos. Estamos conversando com o Freixo, tem o Rodrigo Neves, me dou bem com o Cláudio, tenho uma boa relação com ele, mas meu candidato é o Felipe. Acho que é o quadro mais qualificado. A própria posição do Felipe é de conversar, discutir. Agora, eu acho o meu candidato melhor.

Valor: O que falta para uma aliança com Freixo?

Paes: Primeiro é tempo, muito tempo. E depois, o Psol não quer aliança. Acho que facilita e muito [se Freixo se filiar ao PSB].

Valor: O senhor fez campanha falando da importância da experiência, mas aposta agora em alguém sem carreira política prévia, não é contraditório?

Paes: É e não é [contraditório]. Primeiro, temos um problema de alternativas no Rio, muito objetivamente, se for olhar os nomes que estão colocados, tem só o Rodrigo [Neves] com alguma experiência na prefeitura de Niterói. Acho que o Felipe é um cara da política e o tema que a gente precisa resolver no Rio de Janeiro, e aí conheço a capacidade dele de liderar, de aglutinar, chama-se segurança pública.

Marcus Pestana* - O PSDB e o seu Rubicão

Não canso de repetir que a agenda real de interesse da sociedade brasileira se concentra, neste momento, em vacina, emprego e renda.

Entretanto, gostemos ou não, o processo sucessório da Presidência da República de outubro de 2022 precipitou-se de forma inédita. Na verdade, na sociedade contemporânea “on line”, conectada pelas redes sociais, onde a geração de informações se dá em ritmo frenético, a disputa política se dá em tempo real, todos os dias, o tempo todo. Bolsonaro, Lula, Ciro Gomes já estão abertamente em campanha.

Mas, há uma lacuna. Quem será o representante na disputa do chamado polo democrático do centro político do quadro partidário brasileiro, um espectro que envolve forças que vão da centro-direita à centro esquerda? Afinal, como dizia Ulysses Guimarães e gosta de acentuar o presidente FHC, há uma hora em que o conjunto de ideias que inspiram um projeto político tem que ser encarnado em um líder, ou seja, “tem que ser fulanizado”. Nossa tradição política se dá predominantemente em torno de personagens, ao contrário, por exemplo, do parlamentarismo europeu.

George Gurgel de Oliveira* - Brasil (in)sustentável: a luta pela libertação e a realidade atual da população negra no Brasil

No mês da consciência negra, é fundamental para o presente e o futuro da sociedade brasileira o debate sobre a história da escravidão e a realidade da população negra, hoje no Brasil.

Saber como se desenvolveu e os fundamentos da escravidão no Brasil, o processo de libertação da escravatura até à atualidade, são desafios para avançarmos e superarmos a difícil realidade que vive a população negra ainda hoje no Brasil.

As lutas de libertação e a abolição da escravatura 

O Abolicionismo foi um movimento político iluminista e consolidou-se como uma das formas mais representativas dos movimentos políticos, no século XIX, que tinha como objetivo a abolição da escravatura e do comércio de escravos africanos. No Brasil, eram pessoas ou organizações que defendiam o fim da escravidão.

As leis abolicionistas, decretadas entre 1850 e 1888, refletiam os conflitos e as contradições do período monárquico frente à pressão dos abolicionistas e das lutas dos negros  organizados que resistiram  e se organizavam nos quilombos, desde o início da escravidão no Brasil, no final do século XVI.

A abolição da escravatura no Brasil, em 13 de maio de 1988, assinada pela princesa Isabel, foi fruto das mudanças que já vinham acontecendo na sociedade brasileira, pressionada pelas transformações políticas, econômicas e sociais que aconteciam na Europa, na própria América, a exemplo do movimento de libertação dos escravos no Haiti, que foi fundamental na proclamação da República naquele pais. A libertação dos escravos aqui atendia aos interesses da Inglaterra em plena industrialização, que necessitava de novos mercados fora da Europa para consolidar a sua hegemonia no cenário internacional. 

A escravidão negra na América já tinha precedentes: com a chegada de Cristovão Colombo ao nosso continente, em 1492, iniciou-se o massacre e escravização de todas as populações indígenas, inclusive no Brasil.

Até à chegada da corte portuguesa ao território brasileiro, no inicio do século XIX, os colonizadores portugueses mataram, a cada 100 anos, cerca de 1 milhão de indígenas através de guerras de extermínio, assim como de doenças e enfermidades trazidas com a colonização europeia. Dos 4 milhões de índios, na chegada de Pedro Álvares Cabral, a população indígena foi reduzida a menos de 1 milhão de pessoas, no início do século XIX, quando a família real aqui chegou.

Assim, a escravidão indígena já existia no Brasil, antes da escravidão negra, inclusive os prisioneiros de guerra trabalhavam como escravos para as tribos vencedoras. No entanto, não existia como na África, como mercado organizado, desde o século XV, como mercadoria de valor de uso e de troca, gerando riquezas fabulosas durante séculos.

A existência anterior da escravidão na história da humanidade, inclusive a escravidão de brancos e de indígenas, não traz relatos de sofrimentos e de perdas tão significativas e duradouras como a dos povos africanos, realidade que nos agride como humanidade até à atualidade.

A escravidão africana, até meados do século XIX, era um dos fundamentos  da vida econômica na América. Fazia parte da estrutura das relações políticas, econômicas e sociais, base de acumulação de riquezas dos países da Europa, inclusive da Inglaterra, berço da revolução industrial.  A mão de obra escrava foi a base da economia colonial na América como as máquinas da primeira revolução industrial foram primordiais na acumulação capitalista, a partir do século XVIII, na Europa.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Verdade alternativa

O Estado de S. Paulo

Após a quarta semana de depoimentos à CPI da Pandemia, já está claro que a comissão está sendo explorada pelo presidente Jair Bolsonaro e seus sequazes para propagar mentiras e distorções explícitas como se fossem versões legítimas dos fatos. Essa estratégia – que é usada pelos bolsonaristas desde que o presidente tomou posse e foi largamente responsável pela eleição de Bolsonaro – tem o objetivo óbvio de causar confusão, mas vai além: presta-se a reduzir a realidade dos fatos a uma questão de opinião.

Ouvida na terça-feira passada, Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde do Ministério da Saúde, seguiu rigorosamente o protocolo bolsonarista. Para defender o uso de cloroquina para doentes de covid-19, amplamente rejeitado por inúmeros estudos científicos, a secretária citou pesquisas já desmoralizadas por especialistas.

Na ofensiva bolsonarista contra a verdade, contudo, pouco importa a qualidade das pesquisas mencionadas pela secretária Mayra. O efeito esperado é obtido quando essas pesquisas são mencionadas com ar de autoridade científica. O ônus de provar que tais estudos não valem nada é de quem está de fato buscando a verdade. Mesmo que a farsa seja exposta, o estrago no debate público já está feito, pois a impostura, uma vez criada, ganha vida própria e passa a ser repetida como se fosse verdade, especialmente nas redes sociais.

Ademais, e isso talvez seja o mais importante, a artimanha bolsonarista busca conferir à mentira a característica de opinião fundamentada, tão válida quanto qualquer outra. Aqueles que denunciam a fraude – sobretudo cientistas e jornalistas – são imediatamente apontados como opositores do presidente Bolsonaro e, por isso, caracterizados como inimigos do País.

Poesia - Alcides Ribeiro Soares - Monólogo para um depredador ambiental

                                  


Depois de mim,

                              o aquecimento global,

                          o derretimento das geleiras,

                               as  inundações,

                                 os furacões,

                                  os tufões,        

                              as chuvas ácidas,

                              o desflorestamento,

                           a savanização,

                          mais extinção de espécies,

                          mais doenças transmitidas por

                                     insetos,

                           mais epidemias,

                           mais pandemias,

                             mais câncer,

                              mais fome,

                      mais crianças esqueléticas

                        vagando nos lixões.

 

 

                        

        Epitáfio para o depredador-mor

                      do meio ambiente

 

                                 AQUI

                                  JAZ

        o maior usuário de motosserras

              e devastador de florestas,

                    savanizador,

                   desertificador,

     assoreador de córregos, rios, lagos e mares,

         e emissor de gases de efeito-estufa,

              de todos os tempos.

 *Alcides Ribeiro Soares, Professor titular de Economia Política aposentado da PUC-SP