domingo, 30 de maio de 2021

Merval Pereira - O paradoxo da esquerda

- O Globo

A esquerda brasileira está diante de um paradoxo que pode derrota-la ao promover passeatas como as de ontem, por todo o país, contra o governo Bolsonaro. Estou convencido de que se não tivéssemos a pandemia, as manifestações de rua já teriam criado um clima político favorável ao impeachment do presidente. Não é preciso levar em conta a ação do governo na pandemia para impedi-lo de continuar na presidência da República.

Antes disso, já havia cometido barbaridades, como as manifestações antidemocráticas contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. A partir da divulgação daquele vídeo com o “golden shower”, logo no início de seu governo, Bolsonaro deu motivos suficientes para ser impedido de estar na presidência da República.  

Mas promover manifestações de rua neste ambiente de pandemia, ainda mais agora, com uma terceira onda de COVID-19 às portas, parece tão insensato quanto o desfile de motocicletas patrocinado por Bolsonaro, ou as aglomerações que ele promove a cada aparição pública.

É um paradoxo mortal termos uma CPI no Senado tentando fazer conexões entre o comportamento de Bolsonaro durante a pandemia com uma política premeditada de alcançar a imunidade de rebanho, e ao mesmo tempo se comportar como ele e seus seguidores, dando margem a que manifestações como essas sejam normalizadas.

Bernardo Mello Franco - Sigilo para a matança

- O Globo

A polícia escondeu os registros da maior chacina da história do Rio. A medida driblou a Lei de Acesso à Informação e pôs os documentos em sigilo por cinco anos. Tempo suficiente para esfriar o clamor por uma investigação isenta sobre a matança.

Segundo a versão oficial, não houve execuções na operação que deixou 28 mortos no Jacarezinho. Se isso é verdade, não existiria motivo para ocultar os relatórios que narram a incursão na favela.

Ao classificar os papéis como “reservados”, o subsecretário Rodrigo Oliveira afirmou que sua divulgação não é “pertinente” porque poderia revelar “dados sensíveis”. No dia da matança, ele acusou o Judiciário de praticar “ativismo”. Acrescentou que os defensores de direitos humanos teriam “sangue nas mãos”.

O delegado fez uma inversão de papéis típica da retórica bolsonarista. A polícia mata, mas a culpa pelas mortes não é de quem puxa o gatilho. A ordem é acusar advogados, defensores públicos e pesquisadores que criticam a violência fardada.

O ataque ao Judiciário está em sintonia com a ocultação dos registros do massacre. São dois lances de uma queda de braço que opõe a polícia fluminense ao Supremo Tribunal Federal.

Eliane Cantanhêde - Lado errado da história

- O Estado de S. Paulo

Bolsonaro quer deixar todo mundo morrer? E que fim terá a CPI?

Quanto ao destino da CPI da Covid, além de cortes internacionais: é improvável o deputado Arthur Lira abrir processo de impeachment, e a PGR já tem o pretexto para lavar as mãos: atua em “fatos”, não em “questões políticas”. Leia-se: entra nos casos de corrupção de governadores (“fatos”), não no desprezo do governo federal por vacinas, relatado por Dimas Covas, do Butantan (“política”). Se isso não vale, nada mais vale contra o presidente Jair Bolsonaro na PGR. Mas o jogo ainda está no meio...

Se Jair Bolsonaro é tão visceralmente contra as vacinas, como comprova a CPI, e continua tão visceralmente contra o distanciamento social, como mostra sua nova ação no Supremo contra governadores, qual a estratégia dele para conter a sanha assassina do vírus? Ir até o fim dos tempos com sua aposta nas falácias da imunidade de rebanho e da cloroquina?

Isso leva a uma outra dúvida, ainda mais assustadora: o que o presidente pretende? Deixar todo mundo adoecer e morrer? Estimular a produção e a exportação de novas variantes? Enquanto ele insiste num negacionismo insano, o Brasil está chegando à terrível marca de 500 mil mortos ainda em junho, sem previsão para o fim do pesadelo.

Ricardo Noblat - Eduardo Cunha oferece-se em Brasília para ajudar Bolsonaro

- Blog do Noblat / Metrópoles

Ex-presidente da Câmara, cassado, preso e condenado por corrupção passiva, Cunha está de volta aos bastidores do poder

Foram longos e proveitosos sete dias os passados em Brasília pelo casal Eduardo Cunha – ele, ex-presidente da Câmara dos Deputados, cassado por quebra de decoro parlamentar em setembro de 2016; preso e condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em março do ano seguinte, e finalmente solto este mês; ela, Claudia Cruz, jornalista.

Enquanto Cláudia passeava com amigas, Cunha dedicou-se a fazer o que sempre gostou – política. Mais de uma vez, reuniu-se com Arthur Lira (PP-AL), atual presidente da Câmara, seu amigo e parceiro em outros tempos; visitou e foi visitado por deputados do seu partido, o MDB; e foi visto em restaurantes da cidade, cumprimentando quem lhe estendesse a mão.

A Lira, disse que tudo fará para tirar da liderança do MDB na Câmara o deputado Isnaldo Bulhões Jr. (AL), que ali substituiu Baleia Rossi (MDB-SP), derrotado por Lira na eleição de fevereiro passado para presidente da Casa. E revelou-se disposto a ajudar o presidente Jair Bolsonaro a se reeleger. Cunha tem esperança de recuperar um dia a condição de elegível.

Janio de Freitas – A fraude da exceção

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro é motivo para que atual sistema de votação e apuração seja preservado

Nada do que Bolsonaro diga ou faça está isento de interesse pessoal seu, que só se estende, com fortes motivos, aos filhos. Nesta regra, que faz a exceção de repelir a tradicional exceção a toda regra, tem inclusão automática o retorno ao voto impresso pretendido por Bolsonaro. E já engatilhado para discussão na Câmara.

A preocupação com fraude eleitoral, muitas vezes referida por Bolsonaro desde a campanha a presidente, é verdadeira —o que, nele, não deixa de ser afinal admirável. Mas não é para dificultar tal crime ainda mais, como sugerem sua denúncia de fraude e a promessa, em março do ano passado, de exibir as provas já em suas mãos —o que, nele, não deixa de ser sua mentira múltipla e continuada.

Ainda que o brasileiro sistema de votação e apuração eletrônica negue, um dia, a perfeição apregoada, a nossa pequena urna não figura em fraude alguma. O nome de Jair Bolsonaro está relacionado à fraude eleitoral constatada e provada, diz o termo técnico, com materialidade.

Na apuração das eleições de 1994, o juiz da 24ª zona eleitoral no Rio surpreendeu fraudes para quatro candidatos a deputado federal. Eram votados com cédulas (impressas) em papel diferente, mais fino. A constatação se deu em uma cédula para cada um dos quatro. O primeiro: Jair Bolsonaro.

Bruno Boghossian – Entre o milagre e o apagão

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro aposta em milagre econômico para encobrir tragédia

Vez ou outra, quando o calo aperta na CPI da Covid, um bolsonarista aparece com números vistosos da economia. No depoimento de Eduardo Pazuello, o líder do governo deixou o tema da comissão de lado por um minuto e fez propaganda das previsões otimistas do mercado financeiro para o crescimento do PIB e a retomada do emprego.

Jair Bolsonaro aposta num milagre econômico para recuperar popularidade até a eleição. A ideia é aproveitar o crescimento na casa de 4% previsto para este ano, pegar carona na provável recuperação das taxas de emprego e turbinar programas sociais para encobrir a tragédia da pandemia. Pode funcionar.

O líder do governo explicou a lógica. Fernando Bezerra (MDB) afirmou ao Valor Econômico que a oposição só trata a CPI como "bala de prata" porque "o movimento da economia é muito maior". Ele afirmou que o governo vai aproveitar uma folga no Orçamento para atender aos mais pobres e que a mudança no clima vai reeleger o presidente.

Vinicius Torres Freire – O erro do pessimismo exagerado

- Folha de S. Paulo

Oposição acha que Bolsonaro vai cair de podre, mas país pode despiorar até o fim de 21

O Brasil sob Jair Bolsonaro tem sempre algo de bom, diz uma piada sarcástica que corre nas redes sociais: a situação desta semana é sempre melhor do que a da semana que vem. O gracejo faz pensar na atitude da esquerda e da oposição. Em geral, esperam que Bolsonaro vá cair de podre ou assim vá chegar à eleição.

A mera sugestão de que pode não ser assim provoca acusações de delírio otimista a respeito da economia e da Covid. Mas pode haver condições objetivas para que o governo esteja em melhor situação daqui a seis meses ou um ano –se vai estar, depende também do confronto político.

O pessimismo exagerado é uma espécie de otimismo negligente que pode custar caro a quem queira derrotar Bolsonaro em 2022. Tentar fazê-lo antes disso já parece fora de questão. O plano é aquele clichê: “deixa sangrar”.

Vai sangrar? Pode ser até pior, dadas as incertezas. Há riscos imponderáveis, do tamanho de um vírus mutante que talvez venha a matar ainda mais e reiniciar a epidemia do zero, driblando as vacinas e as imunidades dos já infectados. Nossa burrice selvagem nos habilita até a essa catástrofe. Uma seca pior do que a prevista pode causar um apagão. Etc.

Samuel Pessôa – Do sonho à razão

- Folha de S. Paulo

Espaço para aumentar a tributação da renda e da propriedade é limitado

esquerda brasileira acordou para o problema da baixa progressividade dos impostos no Brasil. O tema já foi abordado mais de uma vez por aqui.

O duro é quando a gente senta e faz as contas. Ai a coisa fica difícil. É urgente que os partidos de esquerda deem esse passo.

Recentemente, um grupo de pesquisadores do Ipea terminou trabalho que simula ganhos de receita de impostos com medidas que aumentam a tributação dos mais ricos. Ver as páginas 54 a 62 do texto.

O trabalho propõe “caminhar na direção de um modelo mais coerente e aderente às práticas internacionais. Isso passa por seguir um conjunto de diretrizes que incluem:

i) maior isonomia no tratamento tributário entre os rendimentos do trabalho e do acionista ou proprietário de empresas (inclusive nos pequenos negócios);

ii) maior isonomia na tributação entre as diversas fontes de renda do capital (dividendos, aplicações financeiras ou ganhos de capital); e

iii) adoção de um mecanismo consistente de integração do Imposto de Renda nos níveis pessoal e da empresa, com alíquotas não desalinhadas em relação aos padrões internacionais”.

Paulo Fábio Dantas Neto* - Fatalidade e procura: dilemas da política democrática sob pressão do populismo

Às vésperas de nova onda da pandemia e a dezesseis meses das eleições presidenciais, o ponto em discussão é a recepção do quadro atual como permanente ou transitório. Os efeitos da terceira onda podem, ainda, ser mitigados, ou estamos condenados a experimentar o pior? A eleição presidencial de 2022 será, necessariamente, um terceiro turno de 2018, ou pode haver outro desfecho, além de reeleição ou revanche?  A semana encerra-se com respostas distintas, dadas por atores políticos da esquerda. O contraste pode ser compreendido de diversas formas. Sugiro, a seguir, uma delas.

Quem aprendeu a pensar na política como o território privilegiado da ação direta tende a ver o tempo como adversário. Sente ímpeto de desafiá-lo e usa como hino o “quem sabe faz a hora”. Sabendo o que é certo e errado, usa a pressuposta sapiência para fabricar experiências exemplares que façam acontecer. 

Diversamente, quem aprendeu a pensar a política como o território da representação segue, nela, o lema existencial de Mário Lago e faz “(...) um acordo com o tempo: nem ele me persegue, nem eu fujo dele, um dia a gente se encontra”. Ciente da própria ignorância, sempre achará mais importante conseguir, com sua ação, uma agregação do que o reconhecimento de que está com a razão.

A parte da esquerda que privilegia a ação direta lançou-se às ruas para enfrentar Bolsonaro no seu território. A imprudência (ou cálculo eleitoral míope) dos que aceitam as provocações da extrema-direita constrange governadores num momento em que a pandemia ameaça se agravar e a AGU ingressa, performaticamente, no STF, questionando a autoridade daqueles para decretar restrições e punições a aglomerações. O recado é “Bolsonaro mata mais que o vírus”. Essa sugestão ignora o espectro da terceira onda e sugere que a pandemia é politicamente orientada. Nessa meia-verdade, a metade não veraz é a grande novidade: o vírus passou a ser o inimigo número 2 dessa parte da oposição de esquerda, que se pretende “sem medo”. O medo é um sentimento humano. A temeridade é coisa de quem se afasta da humanidade, colocando-se acima dela. É assim que se mata ou se suicida por uma "causa" que, vista de perto, pode ser fanatismo ou interesse como outro qualquer. Há momentos, como o de agora, em que heroísmo e demagogia andam de braços dados e matam da mesma forma.

É incomensurável o efeito sanitário desse rebaixamento de status do vírus, baseado em meia-verdade. Mas o seu sentido político negativo pode ser percebido: diferenças entre bolsonaristas e essa parte da esquerda estão ainda mais explícitas no campo político-eleitoral e cada vez menos nítidas no da saúde pública. E nem adianta o resto da oposição se julgar isenta de responsabilização pelo passo em falso. Como se sabe, a propaganda bolsonarista não é dada a nuances e exibirá a evidente hipocrisia como pecado de toda a oposição. E com alguma razão, pois, embora claramente divididos quanto à oportunidade dessa convocação, todos os partidos da esquerda a assinaram, mirando duvidosos bônus políticos. Já o “centro”, silente, em geral, diante da aventura, dividirá apenas os ônus.

O agressivo ministro das comunicações segue o figurino do presidente e ambos farão, com as imagens das manifestações de hoje, o que têm feito com os presentes recebidos, diariamente, do performático triunvirato da CPI da pandemia, que, estando longe da esquerda das ações diretas, substitui a oposição política pela demagogia direta. O próximo presente - avisa Demétrio Magnolli, em “Sob o feitiço das redes”, FSP, 29.05.21 - será a mensuração “científica” das mortes que poderiam ter sido evitadas, anunciada pelo relator da CPI, num amadorismo surpreendente, tratando-se de quem se trata.

Cristovam Buarque* - Três “E SE”?

- Blog do Noblat / Metrópoles

E SE, em 2022, a oposição tivesse se unido e apresentado um candidato único, capaz de barrar a continuação deste governo antipatriótico?

E SE, em maio de 1888, ao lado do artigo único “É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil”, a Princesa Imperial tivesse acrescentado um segundo artigo “Fica estabelecido um Sistema Único Nacional de Educação em todo o território nacional”? Certamente o Brasil seria outro. Todos os descendentes de escravos teriam sido educados, quebrando a desigualdade, o racismo, a economia brasileira teria maior produtividade, aumentando e distribuindo a riqueza de todos, a sociedade teria coesão e rumo, o país não teria pobreza.

E SE, em março de 2020, ao tomar conhecimento da epidemia que se espalhava pelo mundo, o presidente tivesse feito um discurso em cadeia nacional dizendo que o Brasil estava ameaçado de ser invadido por um vírus e que, a partir daquele instante, as divergências políticas ficariam de lado, todos os brasileiros estavam convocados para defender a vida de cada brasileiro? Chamasse os líderes partidários, os ex-presidentes, cientistas, profissionais de saúde para um mutirão em defesa do país. Reunisse os líderes políticos de todos os partidos, governadores de todos os estados, deixasse de lado as divergências e unisse esforços e conhecimento científico para defender o Brasil. Assumisse que o papel do presidente é liderar os esforços de todos para impedir a invasão do território nacional por um vírus assassino e que esta guerra seria ganha por profissionais da ciência com o apoio de todos, da mesma forma que se a invasão fosse por tropas estrangeiras, a guerra seria ganha por soldados profissionais com o apoio de todos.

Marco Aurélio Nogueira* - As vidas cruzadas de Marx e Engels em biografias

- O Estado de S. Paulo / Aliás

O dois livros apresentam as vicissitudes existenciais da dupla e recobrem o cenário político do século 19 

É bastante sugestiva a afirmação de que em toda dupla de parceiros algumas diferenças de estilo e personalidade atuam de forma complementar. Um é fulgurante, o outro é mais discreto; enquanto um é organizado e sistemático, o outro é talento e explosão. 

Não se sabe o quanto há de verdade nisso. Mas a afirmação cai com perfeição na trajetória dos amigos Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), intelectuais e ativistas políticos alemães que, no século 19, propuseram uma teoria destinada a revolucionar o pensamento social e a incidir vivamente nos desdobramentos da vida moderna ao longo do século 20 e depois, nas primeiras décadas do 21. Passaram a integrar a história do pensamento crítico e das revoluções sociais que, em boa medida, ganharam impulso com as ideias que os dois amigos plantaram sem saber que floresceriam com tanto esplendor. 

A vida e a obra de Marx e de Engels são analisadas por duas biografias recentemente lançadas pela Editora Boitempo. Escritos com esmero, os livros não só apresentam as vicissitudes existenciais de Marx e Engels, como também recobrem o cenário político e intelectual europeu e as origens do socialismo no século 19. 

O historiador alemão Gustav Mayer dedicou três décadas para seguir as pegadas de Engels. Seu livro foi publicado em 1935, mas tem tanto vigor e é tão bem escrito que não decepcionará o leitor atual. Embora seja erudito, o texto desliza com facilidade e encanta pelo ritmo literário. 

Friedrich Engels foi um personagem ímpar na história do socialismo e do marxismo. Filho mais velho de um industrial alemão ligado à indústria têxtil, cuidou dos negócios da família mas se dedicou mesmo ao ativismo político e teórico. Por conta própria, estudou filosofia, ciências da natureza e arte militar, na qual se tornou um especialista. Foi o principal responsável pela organização dos congressos comunistas iniciais, de onde nasceria, anos depois, o primeiro grande partido social-democrático alemão. Colaborou intensamente com Marx, escrevendo algumas obras em conjunto com ele (como o Manifesto Comunista e A Ideologia Alemã). Foi um organizador incansável, um homem de múltiplas funções. Generoso, deu o devido suporte material a Marx, sempre às voltas com a falta de dinheiro.

Governo Bolsonaro é alvo de manifestações em 21 capitais do país

Passeatas pedem impeachment do presidente, responsabilização dele pela condução da pandemia e 'vacina já'; também houve protestos em Brasília, Salvador, Belo Horizonte, Recife e Belém, entre outras cidades

João Paulo Saconi e Guilherme Caetano / O Globo

BRASÍLIA, RIO SÃO PAULO — Manifestantes fizeram neste sábado diversos protestos contra o governo Jair Bolsonaro. Os atos aconteceram em pelo menos 21 capitais, além de cidades no interior do país. Os manifestantes criticaram a gestão federal da pandemia do novo coronavírus, pediram maior velocidade no processo de vacinação e o impeachment do presidente. Apesar de usarem máscaras, os manifestantes não deixaram de causar aglomeração.

Os atos foram convocados por entidades e políticos de oposição em resposta às mobilizações bolsonaristas realizadas nas últimas semanas, na esteira do desgaste que o governo tem sofrido na CPI da Covid, no Senado. Pela manhã, os protestos aconteceram no Rio, Brasília, Salvador, Belo Horizonte, Recife e Belém, entre outras cidades. Em Recife, a Polícia Militar atirou balas de borracha e gás lacrimogêneo contra os manifestantes, e o comandante da PM foi afastado do cargo.

No meio da tarde, milhares de pessoas se concentraram em frente ao Museu de Arte de São Paulo (MASP), na Avenida Paulista, para a manifestação na capital paulista. Outros protestos estavam previstos para ocorrer em Porto Alegre, Vitória, Curitiba, Natal, Macapá e Fortaleza.

Homens da Companhia de Engenharia de Tráfego do Rio (CET-Rio) fizeram o controle do trânsito enquanto agentes da Polícia Militar (PM) ficaram responsáveis pela segurança. Não houve conflitos envolvendo participantes do ato ou policiais. Ao fim das atividades, na Cinelândia, um grupo ateou fogo a dois bonecos com o rosto de Bolsonaro. A corporação, que observava à distância, não interveio. O fogo foi controlado pelos próprios manifestantes.

Antes de seguir até a Cinelândia, o ato permaneceu concentrado enquanto seus organizadores discursavam sobre dois carros de som. Eles informaram que, ao fim do ato, políticos seriam convidados a discursar. O momento, no entanto, não chegou a acontecer.

Estavam no ato parlamentares como os vereadores da capital Chico Alencar, Tarcísio Motta e Mônica Benicio, ambos do PSOL (ela viúva da vereadora Marielle Franco, do PSOL, asassinada em 2018); as deputadas estaduais Renata Souza e Dani Monteiro, também do PSOL e a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB).

Também marcaram presença integrantes da classe artística, como o ator Paulo Betti e as atrizes Camila Pitanga e Maria Ribeiro — a última homenageou com cartazes o humorista Paulo Gustavo, morto no início do mês aos 41 anos, vítima da Covid-19.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Nada mudou

Folha de S. Paulo

Enquanto CPI expõe desmandos na gestão da pandemia, Bolsonaro comete novos

Em que pese a falta de preparo e planejamento, a CPI da Covid vem conseguindo reunir evidências à mancheia sobre os desmandos e omissões do governo Jair Bolsonaro durante a pandemia.

No depoimento mais recente à comissão, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, trouxe detalhes que deram substância à desídia presidencial concernente à aquisição da vacina Coronavac.

Não houvesse a administração federal recusado em outubro de 2020 uma oferta de 100 milhões de doses do imunizante, num resultado direto de declarações do mandatário, o Ministério da Saúde teria recebido 49 milhões de doses a mais até o fim de maio.

Naquele momento, contudo, o presidente estava mais preocupado em imprecar publicamente contra o imunizante e promover seus curandeirismos —fruto, ao que parece, dos conselhos de um estapafúrdio “ministério paralelo” que operava à margem da Saúde.

Já chegaram à comissão documentos que indicam ao menos 24 reuniões do grupo, composto por filhos de Bolsonaro, negacionistas como o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) e médicos defensores da cloroquina, entre outros.

A incúria não ficou restrita ao Planalto. Só em abril, mais de um ano após a pandemia ter sido decretada pela Organização Mundial da Saúde, o Itamaraty instituiu um grupo de trabalho para intensificar os esforços em prol da obtenção de vacinas, testes e insumos —quase todos, como se sabe, produzidos fora do país.

O mesmo pode ser dito do Ministério da Saúde, que acaba de lançar um novo plano de testagem em massa da população, providência na qual fracassou fragorosamente até agora, não obstante seu papel crucial na contenção da doença.

Poesia – Fernando Pessoa - Ah, quanta melancolia!

Ah, quanta melancolia!
Quanta, quanta solidão!
Aquela alma, que vazia,
Que sinto inútil e fria
Dentro do meu coração!

Que angústia desesperada!
Que mágoa que sabe a fim!
Se a nau foi abandonada,
E o cego caiu na estrada -
Deixai-os, que é tudo assim.

Sem sossego, sem sossego,
Nenhum momento de meu

Onde for que a alma emprego -
Na estrada morreu o cego
A nau desapareceu.