quarta-feira, 2 de junho de 2021

Vera Magalhães - A catimba de Bolsonaro

- O Globo

Vai ter Copa. Sete anos depois da controvérsia envolvendo a realização da Copa do Mundo no Brasil, e em plena pandemia, nos vemos na situação surrealista de sediar um evento futebolístico que dois vizinhos entenderam ser inoportuno abrigar.

E por quê? É simples: porque é desse tipo de coisa que gosta Jair Bolsonaro, é esse tipo de evento, e de confusão, que move o presidente do Brasil. Decisões administrativas, montagem de gabinetes de crise, planejamento de políticas públicas, definição de diretrizes de Estado, tudo isso aborrece e entedia o capitão.

A discussão a respeito da realização da Copa América no Brasil é um exemplo acabado de como o modo caótico de decisão de Bolsonaro nos trouxe até aqui. Ela desnuda a forma de pensar e decidir do presidente. Mostra que qualquer esforço narrativo para mostrá-lo como alguém que agora se preocupa com vacinas e com razoabilidade é apenas maquiagem.

Bolsonaro levou meses para decidir cobrar de seu ministro da Saúde, o agora premiado Eduardo Pazuello, alguma providência para que o Brasil estivesse bem posicionado na corrida pelas vacinas.

Mas bastou um telefonema de um cartola para que ele mobilizasse todo o governo para aceitar realizar aqui o campeonato futebolístico que Colômbia e Argentina recusaram por razões políticas, sociais e sanitárias. Razões essas presentes no Brasil, que vive o início de uma terceira onda de Covid-19.

Bernardo Mello Franco - Gasolina na fogueira

- O Globo

Jair Bolsonaro resolveu jogar gasolina na fogueira. Na primeira fala após os protestos de sábado, o presidente adotou tom de enfrentamento. Debochou dos atos, disse que as ruas ficaram vazias, chamou os manifestantes de maconheiros. “Faltou erva para o movimento aí”, provocou.

O capitão acusou o golpe. Foi a primeira vez que a oposição ocupou as ruas desde o início da pandemia. As marchas ocorreram em todas as capitais brasileiras, com destaque para Rio e São Paulo. Os participantes homenagearam as vítimas do coronavírus e gritaram “Fora Bolsonaro”. Uma mensagem simples, que deve embalar novos protestos nos próximos meses.

O presidente vive seu pior momento. Com a popularidade em queda, vê a CPI avançar sobre o “gabinete das trevas” que deixou os brasileiros sem vacina. Ontem a médica Nise Yamaguchi ilustrou o funcionamento dessa engrenagem. Seu depoimento resumiu o misto de negacionismo e ignorância que transformou o país num inferno da Covid.

Além de lidar com seus próprios problemas, Bolsonaro passou a conviver com o fantasma de um rival forte. O ex-presidente Lula recuperou os direitos políticos e passou a liderar as pesquisas para 2022. Seu retorno desvalorizou a principal moeda de qualquer candidato à reeleição: a perspectiva de poder.

Acuado, o presidente reage como sempre: aposta na radicalização e tenta criar cortinas de fumaça. A decisão de sediar a Copa América no Brasil segue o manual bolsonarista. Diante de uma crise, fabrica-se outra polêmica para desviar o foco do debate. O risco é oferecer uma nova bandeira aos insatisfeitos. Em 2013, numa conjuntura bem diferente, a pregação contra a Copa das Confederações ajudou a entornar o caldo contra Dilma Rousseff.

Elio Gaspari - A anarquia militar de Bolsonaro

- O Globo / Folha de S. Paulo

Ela contaminou o século XX e agora é diferente, pior

O vice-presidente Hamilton Mourão defendeu a necessidade de punição do general Eduardo Pazuello dizendo que é preciso “evitar que a anarquia se instaure dentro das Forças”.

Santas palavras. A partir da Proclamação da República, em 1889, a anarquia militar empesteou a política brasileira do século XX com pelo menos 14 levantes e seis golpes. Pode-se dizer que alguns foram de direita, outros de esquerda, mas todos tinham uma essência política. Os tenentes dos anos 20 queriam uma nova República. Até mesmo os generais que, em 1969, empossaram a junta militar dos Três Patetas (expressão usada por Ernesto Geisel em conversas privadas e Ulysses Guimarães em declaração pública) agiram em nome de uma suposta defesa da ordem.

A má notícia é que hoje a anarquia militar tem um pé na delinquência civil, para dizer o mínimo. Gregório Fortunato, o “Anjo Negro” e chefe da guarda pessoal de Getúlio Vargas, era paisano. Fabrício Queiroz, o chevalier servant dos Bolsonaros, é um ex-policial militar. Nenhuma crise militar do século passado teve PMs, muito menos conexões com milicianos. Em 1964, o general Humberto Castello Branco disse que “não sendo milícia, as Forças Armadas não são armas para empreendimentos antidemocráticos, destinam-se a garantir os poderes constitucionais e sua coexistência”. À época, a palavra “milícia” tinha outro significado.

Não passava pela cabeça dos generais do século passado conviver com a ideia de PMs amotinados. Em 1961, quando policiais militares de São Paulo rebelaram-se, o comandante da tropa de São Paulo, general Arthur da Costa e Silva, acabou com o levante no grito e prendeu os indisciplinados.

Ricardo Noblat - O bom exemplo de Paulo Câmara no trato com a indisciplina da PM

- Blog do Noblat / Metrópoles

Governador de Pernambuco demite comandante da Polícia Militar, mas deve explicações sobre o que ocorreu no Recife, e por ordem de quem

Não foi o coronel Vanildo Maranhão, comandante da Polícia Militar de Pernambuco, que pediu demissão do cargo depois que o Batalhão de Choque reprimiu a manifestação anti-bolsonarista do último sábado, no Recife, deixando feridos e dois homens cegos.

Na verdade, foi o governador Paulo Câmara (PSB) que o demitiu. Câmara mandou avisar ao coronel: ou ele pediria demissão ou seria demitido. Para não passar vergonha maior, Maranhão demitiu-se, e seu substituto já foi escolhido.

Temem-se atos de vandalismo durante manifestações de rua, mas foram os policiais que os protagonizaram ao obedecer a ordens que partiram ainda não se sabe de quem, e dispararem balas de borracha contra pessoas cercadas na ponte Duarte Coelho.

Não se limitaram a isso, nem a jogar bombas de gás lacrimogêneo. Surgiram novos vídeos que mostram policiais atirando contra moradores de um prédio que a tudo assistiam pela janela. Até uma bomba foi arremessada no telhado de um sobrado.

Demitir o comandante da Polícia Militar não basta. É preciso punir os policiais truculentos, descobrir o que se esconde por trás do que aconteceu e revelar as conclusões do inquérito que foi aberto. O distinto público tem o direito de saber tudo.

Rosângela Bittar - O antídoto para o golpe

- O Estado de S. Paulo

O voto eletrônico é antigolpista. Pretende-se sua eliminação exatamente por isso?

Vício do catálogo de tomada do poder no Brasil, o golpe já assumiu tantas e tão diferentes formas que talvez tenha sido a inspiração da célebre com paração da política com as nuvens. A última forma, em avançado estágio de preparação, é um golpe do repertório americano de Donald Trump. O de preparar, anos antes, a resistência a entregar o cargo em caso de derrota eleitoral no futuro. Temor que ronda e assombra o presidente Jair Bolsonaro.

Para facilitar a rota de execução, faz ameaças públicas de alterar o processo eleitoral com a instituição do voto impresso. Retrocesso que Bolsonaro considera incluso no preço que pagou aos fregueses do orçamento secreto, que hoje controlam a Câmara, já cooptada para este e outros projetos do retrógrado arsenal do presidente. Uma estratégia tão primária que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ainda não sabe o que fazer com as diretas e indiretas que tem recebido. Inaceitáveis ataques a um sistema consolidado e admirado no mundo inteiro.

O voto eletrônico é antigolpista. À prova de fraude. Pretende-se sua eliminação exatamente por isso? Muitos dos defensores do voto impresso são os mesmos treinados em produção de falsas notícias, mas até hoje se dispensaram de apresentar provas de suas suspeitas.

Roberto Romano* - Disciplina e hierarquia rompidas

- O Estado de S. Paulo

A soberba e a subversão da ordem imperam, absolutas, desde que Bolsonaro subiu ao Planalto

Começo com um pensador ético da modernidade. Diz Spinoza no seu Tratado Político: “A soberba é natural ao homem. A nomeação para o cargo de um ano basta para tornar os indivíduos orgulhosos. Sendo assim, que pensar dos nobres que desejam receber honras perpétuas?” Um pequeno emprego faz a pessoa se tornar arbitrária, acima da lei. Imaginemos o cume do poder! No país do “sabe com quem está falando” e do guarda da esquina (bom Pedro Aleixo…) a prática enunciada pelo filósofo é certeza.

O Estado moderno reúne três monopólios: o da norma jurídica, da taxação, da força pública. Na democracia vários setores dividem aqueles monopólios. Em terra não democrática os referidos monopólios se concentram em um setor em detrimento de outros. No Brasil, a força pública (Exército, Marinha, Aeronáutica) é partilhada com a polícia judiciária, com a civil e a militar (antigas corporações a serviço dos entes federados). O Poder Executivo em nossa pátria tem o controle majoritário daquelas forças.

Fernando Exman - Dois possíveis roteiros para a CPI da Covid

- Valor Econômico

Base pode levar relatório paralelo direto ao plenário

Pouco mais de 30 dias de CPI da Covid e o respeitável público está cheio de dúvidas em relação aos resultados das investigações.

Um questionamento legítimo. O histórico das comissões parlamentares de inquérito não ajuda aqueles que esperavam colher subsídios para embasar um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. Por outro lado, aliados do Palácio do Planalto já consideram contratado pelo menos algum desgaste na imagem do governo. Estão dispostos a fazer o possível para impulsionar a economia e lançar logo um novo programa social, para garantir um contraponto.

A base está consciente que precisará trabalhar duro para tentar neutralizar a estratégia da maioria que tem conduzido a CPI. O plano é o mesmo que tucanos e dirigentes do antigo PFL formularam na época da CPI dos Correios. Estes acreditavam que o escândalo do mensalão provocaria o início de um processo de sangria do governo Lula, por meio do qual o ex-presidente perderia todo o seu fluido vital e chegaria praticamente morto ao pleito de 2006.

Equivocaram-se. Na verdade, até se conseguiu levar adiante os pedidos de indiciamento apresentados ao Ministério Público. A CPI dos Correios pode ser considerada uma exceção e até hoje o seu relatório final provoca calafrios entre políticos do PT e de partidos de centro, os quais à época estavam com Lula e hoje marcham ao lado de Bolsonaro.

Cristovam Buarque* - Almoço Incompleto

- Correio Braziliense 

Muitos criticaram o ex-presidente Fernando Henrique por se reunir com o ex-presidente Lula e dizer que votaria neste no segundo turno. A crítica deveria ser por FHC não dizer que votaria logo no primeiro turno, se Lula aceitasse sentar com todos os candidatos já postos, para juntos escolherem qual teria mais chance de vencer e firmarem acordo de como governaria. 

Aquele almoço demonstrou política com civilidade, coisa rara hoje em dia. Não se vê isso entre seguidores do atual presidente, tampouco entre eleitores do Lula, que tratam adversários como inimigos, nem em muitos que se dizem democratas, mas demonizam Lula e o PT. Mas não basta civilidade.  

Contei em artigo recente que, ao ver a notícia daquele almoço, lembrei que, em 1998, acompanhei Lula ao Palácio da Alvorada em visita a Fernando Henrique, reeleito dias antes. O presidente abriu pessoalmente a porta do apartamento residencial dentro do Palácio e disse: “Lula, venha conhecer o lugar onde você vai morar um dia”. Não pareceu ironia, nem adivinhação, era uma espécie de sentimento histórico e carinho político. A longa conversa, da qual fui a única testemunha, durou apenas suas poucas horas, porque não se transformou em acordo que lhe desse continuidade histórica.

Ivan Alves Filho* - Populismo nunca mais

O Campo Democrático tem que se desvencilhar, o mais rapidamente possível, de toda e qualquer ilusão com o chamado populismo, seja ele de "direita" ou de "esquerda". Isto, caso queira de fato se apresentar como uma opção entre o governo atual - que flerta o tempo todo com o autogolpe - e os desmandos do chamado lulismo - que se comprometeu com a corrupção e o próprio autoritarismo. 

Neste sentido, o encontro de Fernando Henrique Cardoso com Lula da Silva soa como uma advertência para lá de negativa. Quase um manual de como não devemos fazer as coisas andarem em matéria de política democrática. Afinal, nenhum dos dois tem condições de apontar caminhos futuros. E com que moral o teriam? Se Fernando Henrique Cardoso atropelou a Constituição de 1988 para passar a boiada da reeleição e paralelamente manipulou a cotação do dólar no final do seu primeiro governo, Lula da Silva sequer quis reconhecer esta mesma Constituição, quando de sua promulgação.

Ambos contribuíram para lançar um descrédito profundo sobre as instituições, hoje sob constante ameaça de Bolsonaro e seus seguidores. Lula da Silva chegou a abandonar um mandato de deputado federal, alegando seu desconforto em conviver com  "300 picaretas" no Congresso Nacional. Um gesto político que simplesmente achincalhava com a luta de tantos homens pelo restabelecimento da Democracia, sendo que alguns até pagaram com a própria vida, como o operário metalúrgico de São Bernardo do Campo, o comunista Manoel Fiel Filho, trucidado em 1976. 

Os governos comandados por Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva e Dilma Rousseff praticamente nada fizeram para alterar o modelo econômico imposto à nação em 1964, a ponto de o Brasil ser considerado o segundo pior país do mundo em matéria de distribuição de renda. O subdesenvolvimento, como diria Nelson Rodrigues, não se improvisa...

Zeina Latif - O PIB de cada um

- O Globo

O surpreendente desempenho do PIB no 1º trimestre (+1,2% ante o anterior) produz um significativo carrego estatístico de 4,9% para o crescimento em 2021. Explico: se a economia andar de lado até o final do ano, oscilando apenas conforme o padrão sazonal, essa magnitude de expansão do PIB está garantida. A cifra elevada decorre da base de comparação baixa (2020) e do início de ano favorável.

Não convém, porém, tomá-la como piso para o ano, pois poderá haver leituras negativas adiante. Não só por contas de elevadas incertezas, mas porque o dado do 1º trimestre beneficiou-se de alguns fatores pontuais.

O principal ponto negativo foi a elevação de estoques. Uma conta aproximada – a diferença entre a variação da demanda total (-0,8%) e a oferta (+1,2%) – indica algo correspondente a 2pp do PIB, cifra poucas vezes vista.

O problema é que o excesso de oferta de bens e serviços que evitou a queda do PIB não deve se repetir, aumentando a chance de uma leitura negativa no 2º trimestre, ainda mais porque parte do acúmulo de estoques foi possivelmente involuntário.

Fábio Alves – A ilusão do PIB

- O Estado de S. Paulo

Revisão positiva para o PIB é um efeito matemático chamado 'herança estatística'

Depois do desempenho surpreendentemente positivo no primeiro trimestre, é cada vez maior o número de analistas que passou a projetar um crescimento de 5,0% ou mais do PIB em 2021. Mas estaria o brasileiro sentindo no seu dia a dia a economia avançando nesse ritmo?

O consenso das estimativas dos analistas para o desempenho do PIB neste ano vem melhorando nas últimas semanas, conforme a pesquisa Focus, do Banco Central. No fim de 2020, essa estimativa era de crescimento de 3,32% para 2021. No mais recente boletim Focus, essa projeção já subiu para 3,96%. 

Não à toa, aumentaram as previsões apontando para expansão mais forte do PIB neste ano. Os bancos Itaú e Fibra estimam alta de 5,0%. O Goldman Sachs prevê crescimento de 5,5%. E o Bank of America, avanço de 5,2%.

Segundo o IBGE, o PIB cresceu 1,2% no primeiro trimestre ante o último trimestre de 2020, superando o consenso das projeções dos analistas, de alta de 0,70%. Até há pouco tempo, os economistas esperavam uma contração da economia entre janeiro e março em razão, entre outros fatores, do fim do auxílio emergencial. Mas a atividade mostrou resiliência maior do que o imaginado. Além disso, a segunda onda da pandemia teve um impacto menor na economia do que em 2020.

Mais do que uma melhora substancial, de fato, no fôlego da atividade econômica resultante de um mercado de trabalho aquecido e de um dinamismo em vários setores da economia, a revisão das projeções para 2021 reflete, em grande parte, um efeito matemático, o chamado carrego ou herança estatística, que é um impulso deixado de um ano para outro.

Cristiano Romero - Ribamar Oliveira

- Valor Econômico

Governos escapavam do TCU, mas do Riba, jamais!

Governos fiscalmente irresponsáveis escapavam do escrutínio dos órgãos de controle do Estado brasileiro, como o temido Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU), mas do olhar implacável do jornalista Ribamar Oliveira, jamais. Depois de lutar bravamente por quase 50 dias contra a Covid, num hospital de Brasília, o Riba partiu no fim da tarde de ontem.

A importância do Ribamar para a história recente deste país, governado por um presidente negacionista que, desde o início da pandemia, faz cálculo político da tragédia e, por essa razão, nunca verteu uma lágrima pelos 465.312 compatriotas mortos pelo coronavírus até agora, é incomensurável. O trabalho insistente e acurado do repórter em vários momentos da vida nacional teve influência decisiva no aperfeiçoamento institucional da gestão da coisa pública neste imenso povoado a que chamamos de Brasil.

Comecemos em flashback. Coube ao Riba, repórter especial e colunista semanal do Valor, denunciar, pouco antes de ser diagnosticado com o novo coronavírus, ardil que se armou no Congresso Nacional e dentro do governo, para favorecer a liberação ilegal de verbas para obras previstas em emendas de parlamentares ao Orçamento.

Há especialistas bem remunerados em orçamento no parlamento e no Poder Executivo, mas nenhum deles viu que, feitas as contas - coisa que o Riba fazia com paciência e precisão de relojoeiro suíço -, o relator da lei orçamentária, senador Márcio Bittar (DEM-AC), pressionado pelo Palácio do Planalto e por congressistas, dobrou o volume de recursos previstos para pagar as emendas. Mas, de que rubrica do orçamento Bittar remanejou verbas, uma vez que dinheiro não dá em árvore, apesar da crença de parlamentares patrimonialistas - à esquerda e à direita (e ao centro também) do espectro político nacional - no milagre da multiplicação do dinheiro público?

Vinicius Torres Freire - Bolsonaro e os desesperados do PIB

- Folha de S. Paulo

Economia despiora mais rápido, mas emprego fica para trás e piora pobreza e desigualdade

Pobre que não tem emprego deve pedir empréstimo aos bancos, disse Jair Bolsonaro, a seu modo cruel e degradante —trata-se de alguém que faz troça de gente morrendo asfixiada de Covid.

Para ser mais preciso, disse isso: “Tem gente criticando ainda falando que quer mais [auxílio emergencial]. Como é endividamento por parte do governo, quem quer mais é só ir no banco e fazer empréstimo”.

Foi no mesmo dia em que o IBGE divulgou o PIB do primeiro trimestre. O resultado mais notável do desempenho da economia foi uma despiora mais rápida do que a esperada, enquanto o nível de emprego vai ficando muito para trás. Pelo menos desde 2012, é a maior divergência entre PIB e emprego. Em relação ao primeiro trimestre de 2020, a economia cresceu 1%. O número de pessoas de alguma renda do trabalho ainda é 7,3% menor, cerca de 6,6 milhões a menos. Já foi pior. No terceiro trimestre do ano passado, a perda de empregos era de 12,1%, segundo a Pnad do IBGE. Mas, mesmo nas despioras mínimas que ocorreram entre 2016 e 2019, o nível de emprego acompanhou o PIB, mais ou menos. Agora, não.

Em parte, sabemos o que se passa. O setor de serviços é o mais deprimido da economia, ainda mais no subsetor “outras atividades de serviços” (queda acumulada de 13% em quatro trimestres, ante baixa de 3,8% do PIB), onde trabalhadores mais pobres e menos qualificados arrumam trabalho. Os serviços estão enterrados na lama por causa da epidemia, de resto prolongada porque Bolsonaro sabota as medidas sanitárias.

Bruno Boghossian – Salto alto no lamaçal

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro zomba dos pobres, dos mortos e dos insatisfeitos

Jair Bolsonaro resolveu debochar das cobranças pela prorrogação do auxílio emergencial. Com o país à beira de mais um ciclo mortífero, o presidente disse que não tem culpa pela "situação difícil em que se encontra a população", uma vez que não é o responsável pelas medidas de restrição implantadas até aqui.

"Tem gente criticando, ainda falando que quer mais. Como é endividamento por parte do governo, quem quer mais é só ir no banco e fazer empréstimo", ironizou.

O presidente achatou a curva de queda de sua popularidade no ano passado graças aos bilhões do auxílio emergencial. Agora, ele mostra mais uma vez que o governo não sabe como gerenciar o redemoinho econômico provocado pela pandemia e, para piorar, ainda dá de ombros a quem depende de ajuda para sobreviver durante a crise.

Uma das especialidades de Bolsonaro é zombar dos brasileiros que não o idolatram. Depois que milhares de pessoas protestaram contra o governo, o presidente afirmou que as ruas ficaram vazias porque "faltou erva". Meses atrás, quando o número de famílias enlutadas disparava na pandemia, ele disse que aquele sofrimento era "frescura".

Ruy Castro - Os milicos que se cuidem

- Folha de S. Paulo

Um dia, ainda veremos Bolsonaro de dedo no nariz de um deles

Foi num dia de semana à tarde, em 1970, auge da ditadura —me contaram. Um garoto de seus 15 anos ganhou uma flautinha de plástico e foi à praia com ela. Sentado na areia, numa Ipanema vazia, tentou tirar o Hino Nacional —afinal, ouvia-o todo dia. Ao extrair algo parecido com a frase inicial, percebeu uma sombra entre ele e o Sol. Olhou para cima e viu um sujeito forte, bronzeado, de cabelo reco. O homem rugiu: "Por que está tocando isso?". O garoto, surpreso, ficou mudo. Não havia resposta. O homem emendou: "Estou ali naquela barraca escutando tudo. Se continuar com gracinha vai se dar mal!". Um vendedor de mate sussurrou para o garoto: "Coronel do Exército".

É típico das ditaduras se apoderarem dos símbolos nacionais. O Brasil de Médici era uma diarreia verde-amarela. Uma geração de escolares foi submetida a anos de bandeira e hino diários, de pé, no pátio do colégio. Talvez por isso, um garoto de cabelo comprido tocando o Hino Nacional na praia pudesse ser um deboche, uma contestação.

Hélio Schwartsman - Ofensiva contra o preconceito

- Folha de S. Paulo

É positiva a sugestão da OMS de usar letras gregas para a designar as variantes

As variantes de Kent, sul-africana, de Manaus e indiana podem estar com os dias contados. A OMS resolveu dar sua contribuição na luta contra o preconceito ao propor que as cepas mais preocupantes do Sars-CoV-2 sejam designadas por letras gregas. Os ingleses ficam com alfa, sul-africanos, com beta, brasileiros, com gama, indianos, com delta, e assim por diante.

A preocupação não é sem sentido. Nacionalistas de todos os tempos batizaram doenças com os nomes de seus inimigos ou desafetos. O recorde provavelmente é a sífilis, que se tornou epidêmica na Europa no século 16 e que, dependendo da nacionalidade do falante, era chamada de "mal de Nápoles", "mal francês", "mal germânico", "mal polonês", "mal espanhol" ou "mal cristão".

Modernamente, cientistas continuaram a usar topônimos para batizar moléstias e seus agentes etiológicos. Ainda que sem a intenção explícita de associar povos a doenças, mantiveram a tradição de chamar patógenos e patologias pelo nome do lugar onde primeiro foram identificados. Foi assim que surgiram a febre do Oeste do Nilo, o vírus de Marburgo, as gripes espanhola e de Hong Kong, o ebola, entre tantos outros.

Palavras importam, mas não têm poderes mágicos. Dado que seres humanos não precisam de mais do que uma leve insinuação para pensar e fazer bobagens, convém evitar a identificação de nacionalidades a doenças. Tradições, especialmente quando não têm propósito definido, existem para serem quebradas.
Nesse contexto, é positiva a sugestão da OMS de usar letras gregas para a designação popular das variantes. Mas que ninguém se iluda. Não basta policiar a linguagem para pôr fim a preconceitos.

Bolsonaristas não precisaram de nenhum nome oficial para fazer trocadilhos envolvendo o vírus e os chineses, o que, aliás, nos trouxe a má vontade das autoridades de Pequim na liberação de insumos para as vacinas. Certas piadas custam vidas.

 

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Um país goleado

O Estado de S. Paulo

O País está apreensivo com a perspectiva, cada vez mais real, de um novo recrudescimento da pandemia de covid-19, e multiplicam-se os relatos de aumento das internações e de falta de oxigênio para o atendimento de doentes. Mesmo assim, o presidente Jair Bolsonaro achou que este era um bom momento para oferecer o Brasil como sede da Copa América de futebol, a ser realizada entre 11 de junho e 10 de julho.

Que o presidente não tem apreço pela saúde dos brasileiros, a esta altura está muito claro. A CPI da Pandemia tem conseguido detalhar ao País como se deu a sistemática sabotagem do governo aos esforços para conter o coronavírus, desde as medidas sanitárias e de distanciamento social até a compra de vacinas.

Mas a decisão de receber a Copa América de seleções, contrariando tão frontalmente o bom senso, vai muito além da indiferença pelos cidadãos. Na verdade, demonstra que Bolsonaro não hesitará um segundo sequer em atender exclusivamente a seus interesses eleitorais, mesmo que isso coloque em risco a vida da população.

Antes de ser uma óbvia temeridade do ponto de vista sanitário, contudo, o sinal verde de Bolsonaro para a realização da Copa América no Brasil é uma afronta moral.

O País caminha a passos largos para atingir meio milhão de mortos, uma tragédia sem paralelo na história, que certamente marcará gerações. Grande parte dos brasileiros está particularmente agastada porque muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas se o governo tivesse agido de forma racional, buscando vacinas onde houvesse, investindo em insumos hospitalares e apoiando de forma decisiva as medidas de isolamento social.

Nesse contexto, o desdém do presidente Bolsonaro pelo infortúnio dos brasileiros é profundamente imoral, e a recepção de uma competição esportiva internacional em total desconsideração pelo momento de grande angústia é nada menos que indecente.

“Lamento as mortes, mas temos que viver”, declarou Bolsonaro como resposta às reações indignadas à sua decisão de aceitar a realização da Copa América no Brasil. É o padrão bolsonarista desde o início da pandemia: o presidente estimula os brasileiros a fingir que a doença não existe, mesmo diante de uma pilha de cadáveres e do estresse do sistema de saúde.