domingo, 6 de junho de 2021

Fernando Henrique Cardoso* - A ação indispensável

- O Estado de S. Paulo / O Globo

Não há desculpas para a imprevidência. A saúde e o bolso, ambos são indispensáveis

O mundo passa por um mau momento: não é só a pandemia, é a aflição do amanhã. Olhando em volta, pouco se vê, a não ser a preocupação com a sobrevivência e o pouco ânimo com as doenças. E não é para menos.

Apesar disso, enquanto estivermos por aqui é melhor, se não der para agir, pelo menos sonhar. O pior é que se nos envolvermos muito com o dia a dia, mesmo no sonho, o que há é pesadelo. Principalmente se no devaneio aparecer a política. Mas vamos lá...

Nosso presidente não decepciona, atua como se nada houvesse de grave... Mesmo eu, que, por motivos óbvios, prefiro não falar dos incumbentes, de vez em quando tenho vontade. Não é possível tratar a epidemia como se nada se tivesse que ver com ela. Todos temos. Com mais forte razão quem deveria cuidar de nosso bem-estar. Não vou exagerar: cada indivíduo precisa cuidar-se. E a crise de saúde não é “culpa do governo”. Fizesse o que fizesse o governo, o vírus estaria pronto a atacar.

Mas daria para ter um pouco mais de cuidado. Se a ação for pouco responsável, que pelo menos as palavras sejam cuidadosas. Não é o que se vê.

Deixemos de lado, contudo, o modo de ser e falar. Esqueçamos mesmo o aspecto médico-hospitalar da crise atual, não dá para deixar de lado o óbvio: a recuperação da economia demandará tempo e precisa de ação. Já.

Vejo declarações de que a recuperação econômica será breve. Confesso que as leio com preocupação. Com base em quê? Talvez, mas por enquanto se trata mais de uma aposta do que de uma verificação baseada em dados ou na experiência. Ainda que seja essa a tendência, o que sentirão os desempregados que escutam, sem ter poder de decisão, que o futuro será promissor e a recuperação será em breve?

Um pouco de empatia e solidariedade não faz mal a ninguém. E em nosso meio, se não dá para curar, que pelo menos se mostre preocupação com o que está acontecendo. Tomara que a recuperação da saúde e a do bem-estar venham depressa. Para tanto, mais do que nunca, é preciso vacinar. Vacina boa é a vacina no braço das pessoas. Há, portanto, que buscá-las, literalmente custe o que custar. Mas enquanto não vêm, que pelo menos os que têm autoridade falem com mais compaixão e atuem com maior discernimento.

Merval Pereira - E se não for bem assim?

- O Globo

O arquivamento do processo de indisciplina contra o General Eduardo Pazuello, sob pressão do presidente Bolsonaro, foi um erro do Comandante do Exército, General Paulo Sérgio Nogueira, gerou insegurança e alimentou suspeitas de que o Exército sucumbiu a um projeto autoritário que está em curso. Suspeitas assumidas por mim, no impacto da notícia surpreendente.

A versão de que o Alto Comando do Exército acatou a decisão de não punir Pazuello para não criar mais uma crise militar pode denotar ingenuidade por parte dos generais quatro estrelas, mas anula a de que o golpe de Bolsonaro representa a submissão política de uma instituição de Estado ao projeto autoritário do governo da ocasião.

No caso específico, Comandante e Exército como instituição se encontravam numa verdadeira “escolha de Sofia”, ou, em português popular, numa “sinuca de bico”. O ato do Pazzuelo foi, sem dúvida, contrário aos regulamentos militares. Mas foi praticado, de fato, não pelo General, e sim pelo Presidente, ao chamar um General da ativa para uma manifestação política, e levá-lo  ao palanque.

Mais, ao manifestar seu apoio ao general, o Comandante em Chefe colocou o Exército e seu comandante na seguinte situação:

Bernardo Mello Franco - Forças Aparvalhadas

- O Globo

O capitão enquadrou os generais que imaginavam comandá-lo. A avaliação é do cientista político João Roberto Martins Filho, professor da Universidade Federal de São Carlos. Um dos principais estudiosos da atuação das Forças Armadas no país, ele vê Jair Bolsonaro como uma criatura que dominou os criadores.

“A eleição de Bolsonaro teve apoio decidido da cúpula das Forças Armadas. O objetivo era voltar ao poder e controlar o presidente, mas esse projeto não deu certo. Desde a demissão do general Santos Cruz, no início do governo, ficou claro que ele seria incontrolável”, afirma.

Na quinta-feira, o Exército se dobrou a Bolsonaro e arquivou o processo disciplinar contra o general Eduardo Pazuello, que participou de ato político com o presidente. Para Martins Filho, a decisão de não punir o ex-ministro enfraquece o comandante Paulo Sérgio Nogueira e estimula a insubordinação nos quartéis.

“A atitude correta seria punir o general e esperar as consequências. Bolsonaro poderia demitir o comandante do Exército, mas sairia desgastado do episódio. Agora quem saiu enfraquecido foi o comandante”, avalia o cientista político.

O presidente arrastou Pazuello para o palanque no momento em que aparece em queda nas pesquisas e se vê cercado pela CPI da Covid. Antes disso, trocou os três comandantes militares e entregou o Ministério da Defesa ao general Braga Netto, que o professor define como “bolsonarista de carteirinha”.

Míriam Leitão - O novo patamar do risco militar

- O Globo

O risco institucional mudou de patamar. A impunidade de Pazuello, a submissão do general Paulo Sérgio às imposições do presidente Jair Bolsonaro deram um aviso eloquente de que o risco à democracia subiu consideravelmente. Há outros perigos. As polícias militares dão seguidos sinais de estarem se adaptando ao papel de forças políticas do presidente. As de Pernambuco atiraram contra uma manifestação pacífica e negaram socorro a um ferido. As do Ceará se sublevaram em 2020 e tiveram apoio do governo federal. Em Brasília, oficiais da PM bradaram slogan de campanha eleitoral. No Rio, policiais desfilaram no cortejo de motos como manifestantes. E não são apenas as forças de segurança. O secretário da Receita Federal fez atendimento domiciliar ao senador Flávio Bolsonaro para tirá-lo de apuros contábeis. A PGR está neutralizada. A PF tem apenas ilhas de resistência. Os órgãos ambientais e de proteção dos índios estão sendo demolidos.

A democracia brasileira nunca correu tanto risco quanto hoje. O pior perigo é subestimar as ameaças. Jair Bolsonaro sempre sonhou com um golpe. A partir da tibieza do comandante do Exército, ele ficou mais perto do seu objeto do desejo. O golpe — todos sabem — não é mais como no passado. Ele acontece após se corroer por dentro as instituições. Bolsonaro tem feito isso desde o primeiro dia e foi mais longe do que os especialistas em Forças Armadas imaginavam que ele poderia ir. Um deles me disse. “Não esperava essa capitulação absurda. Até aqui pensava que eles não se dobrariam. Não mais”. O ex-ministro da Defesa Raul Jungmann, que mantém relações próximas com militares da ativa e da reserva, alertou que é preciso reagir “antes que seja tarde”.

Luiz Carlos Azedo - Onde mora o perigo

- Correio Braziliense / Estado de Minas

Uma das características do reacionarismo é a nostalgia de um passado idealizado, no caso, o antigo regime militar

Está cada vez mais claro que a contradição principal da vida política nacional é a tensa coexistência entre um governo de fortes características bonapartistas e uma ordem constitucional democrática. Essa contradição não resulta, em si, da eleição do presidente Jair Bolsonaro, mas de suas ideias reacionárias. Um governo de direita legitimamente constituído faz parte do jogo democrático, porém, o presidente da República pretende governar o país como se tudo pudesse, levando à frente essas ideias, mesmo afrontando os ditames da Constituição de 1988.

O resultado dessa contradição é um forte esgarçamento das relações políticas entre as instituições republicanas. Além disso, a subalternização de órgãos autônomos que exercem o papel de fiscalização e controle das ações públicas e privadas junto à sociedade — Ministério Público Federal, Receita Federal, Ibama, Polícia Federal, Advocacia-Geral da União, entre outros — deriva para sua instrumentalização em defesa dos interesses políticos e eleitorais do clã Bolsonaro e seu projeto autoritário.

Vejam o recente episódio de quebra da hierarquia e da disciplina no Exército pelo general de divisão da ativa Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, que participou de um ato político de característi- cas eleitorais ao lado de Bolsonaro. Por pressão do presidente, “comandante supremo” das Forças Armadas, não foi punido pelo comandante da Arma, general de Exército Paulo Sérgio Nogueira. O fato somente reforça as características bonapartistas do governo, que se coloca acima das classes sociais; cada vez mais enfraquecido na sociedade, Bolsonaro busca apoio “nas baionetas”.

Ricardo Noblat - O que o futuro reserva depois da rendição do Exército a Bolsonaro

- Blog do Noblat / Metrópoles

Se derrotado na eleição do ano que vem, o presidente tentará melar o resultado. Só então se saberá de que lado ficarão os militares

Está tudo dominado pelo presidente Jair Bolsonaro. O Congresso, no bolso dele. A Receita Federal, a Polícia Federal, a Agência Brasileira de Inteligência e a Procuradoria-Geral da República, sob seu estrito controle. Faltava render-se o Exército, não falta mais.

Resta o Supremo Tribunal Federal onde, a partir do julho, dois dos seus 11 ministros terão sido indicados por Bolsonaro. Caso ele vença a eleição presidencial do ano que vem, a bancada bolsonarista no Supremo passará a contar com quatro ministros.

Ela engordará também nos demais tribunais superiores e no comando de universidades. Será bom preparar-se para a hipótese de que Bolsonaro eleja seu sucessor. Lula não se elegeu, elegeu Dilma e a reelegeu? O PT governou o país por quase 13 anos.

Quando era apenas candidato a suceder o presidente José Sarney em 1989, Fernando Collor comentou com amigos: “Se ganharmos a eleição, mandaremos no país durante 20 anos”. À época, o mandato presidencial era de cinco anos e não havia reeleição.

No plano de Collor, ele elegeria seu sucessor e o Congresso, em seguida, substituiria o presidencialismo pelo parlamentarismo como regime de governo. Na eleição seguinte, ele, Collor, se elegeria deputado e assumiria o cargo de primeiro-ministro.

Vinicius Torres Freire – Entenda a crise da água e da luz

- Folha de S. Paulo

Dá para evitar falta de eletricidade já em novembro, mas é preciso governo

Ainda é possível evitar que falte energia elétrica a partir de novembro e diminuir o risco de um racionamento desastroso em 2022, mesmo que 2021 seja tão seco quanto o historicamente árido 2020. É o que indicam as estimativas mais reputadas.

Ainda assim, o país precisa entrar em estado de emergência e adotar providências além daquelas já em operação ou na prancheta de quem administra o setor elétrico.

Essas providências dependem também de negociações complicadas sobre o uso de água e eletricidade e de campanhas gritantes de economia desses recursos. Em suma, dependem de explicitar um problema politicamente custoso. Depende de haver governo, também.

Hum.

Qual o problema “técnico”?

Bruno Boghossian – A morte foi uma opção

- Folha de S. Paulo

Por que o 'gabinete paralelo' é uma peça-chave da CPI da Covid?

Na CPI da Covid, os senadores e depoentes falaram 45 vezes na existência de um "gabinete paralelo" que orientava Jair Bolsonaro na pandemia. Outras 41 referências foram feitas a variantes como "aconselhamento paralelo", "estrutura paralela", "comando paralelo" ou, nas palavras do relator Renan Calheiros (MDB), "ministério da doença".

A comissão reuniu documentos e declarações que mostram que o presidente discutiu os passos do governo com médicos e leigos sem ligação com o Ministério da Saúde. Pode parecer uma bobagem que rendeu só frases de efeito e organogramas em PowerPoint, mas os relatos têm papel relevante na investigação.

A CPI quer mostrar que Bolsonaro desenvolveu, sob orientação desses conselheiros, uma política de propagação intencional do coronavírus. A sabotagem a medidas de restrição, a recusa de vacinas e o investimento na cloroquina não foram simplesmente escolhas erradas de um presidente descuidado, mas um caminho traçado por esse gabinete.

Janio de Freitas – A lenda das desordens

- Folha de S. Paulo

História é pontilhada por interferências de militares na política

Os militares do Exército pulverizaram o que houvesse de positivo no seu conceito público. Uns, por conduta degenerada em termos éticos, cívicos e profissionais. Outros, por omissão solidária, ou comodismo carreirista, ou imaginada correção. Estes três segmentos apresentam-se sob a obediência ao princípio militar de “hierarquia e disciplina”.

Mais um ataque desmoralizador ao Estatuto das Forças Armadas e ao Regulamento Disciplinar do Exército (o RDE), bases das funções militares constitucionais, faz irromper uma torrente de alarmes. “Escancaradas as porteiras para a anarquia militar, o Exército põe a disciplina em risco, incentivo à indisciplina e à bagunça”, ninguém faltou.

A irrupção da valentia é justificada. Seu moinho de vento é, no entanto, uma lenda velha, consolidada na pobreza da instrução e da reflexão em todas as classes sociais. E, entre militares, pelo mesmo motivo, lenda acreditada como verdade inquestionável. “Hierarquia e disciplina.” Desde a sua proclamação por um golpe de Estado, a República tem a história pontilhada por interferências de militares do Exército na política e nas instituições civis. É um percurso traçado pela luta entre o regime constitucional e os ataques militares para devastá-lo. Com vários êxitos e sempre contra o caminhar civilizatório.

Os quase 132 anos de República ainda não bastaram para trazer o Exército à maturidade. Não tem pensamento militar próprio, é caudatário embevecido do colonialismo militar americano —o que esvazia a concepção e nega o sentimento de soberania— e vive mais de ideologia política que de qualquer das especificidades apropriadas.

Na América do Sul desafeita às guerras, os Exércitos não são temidos pelos congêneres, mas por seus respectivos povos. Todos esses já os encontraram do outro lado de justas reivindicações materiais e legítimas aspirações políticas. No Brasil isso continua sendo verdadeiro também no jogo político do regime de Constituição democrática.

É inimaginável, nos Exércitos com maturidade profissional, que seu comandante difundisse mensagem à Suprema Corte para obstruir a candidatura mais apoiada à Presidência do país. E, para completar o serviço ilegal e imoral, chamasse outro candidato ao seu gabinete de comandante do Exército para apoiá-lo, em cena logo tornada pública. Bolsonaro não erra quando diz que deve sua eleição ao general Villas Bôas. Mas disciplina, conduta legal, moral —onde?

Elio Gaspari - A anarquia militar de Bolsonaro prevaleceu

- Folha de S. Paulo / O Globo

O vice-presidente Hamilton Mourão tocou num nervo sensível da política de hoje: a necessidade de se "evitar que a anarquia se instaure dentro das Forças". Referia-se à escalafobética participação do general Eduardo Pazuello num palanque político, absorvida pelo comandante do Exército, abrindo um novo capítulo na história da anarquia militar, o da indisciplina bolsonarizada.

Não se pode prever a duração nem o desfecho dessa desordem.

Em 1964 o general Jair Dantas Ribeiro, ministro do Exército, foi ao comício de João Goulart no dia 13 de março. Ambos acreditavam que o governo se apoiava num dispositivo de oficiais e sargentos fiéis. (O general Castello Branco reconheceu-o, meio escondido, e mostrou sua surpresa ao colega Artur da Costa e Silva.)

É sabido que, quando a política entra nos quartéis por uma porta, a disciplina sai por outra. Ela sai aos poucos. No século passado, o dispositivo palaciano juntava oficiais e sargentos. Hoje, como na Venezuela e no último golpe boliviano, somam-se comandantes e oficiais de polícias. Piorou a anarquia.

Os repórteres Marcelo Godoy e Felipe Frazão mostraram que na indisciplina bolsonariana há um buraco mais embaixo.

No dia 4 de maio, um sargento da 15ª Brigada de Infantaria Motorizada participou de uma fala do deputado Major Vitor Hugo defendendo mudanças no sistema de promoções dos graduados. (Nada muito diferente do que fazia o capitão Jair Bolsonaro.)

O general Ernesto Geisel definiu Bolsonaro como "um mau militar" e seu rigor pelo respeito à disciplina militar remete a um episódio ocorrido em fevereiro de 1972.

O Brasil era presidido pelo general Emílio Médici e faltavam dois anos para o fim de seu mandato. Ele proibiria que a imprensa tratasse da sua sucessão.

Geisel estava na presidência da Petrobras e, num país de 100 milhões de habitantes, talvez fossem 500 as pessoas capazes de prever que ele seria o próximo presidente. Sabendo como seu nome vinha sendo costurado, não passavam de 50. Com intimidade para tratar do assunto com ele, talvez 20.

Para surpresa de Geisel, um sargento que havia sido seu motorista foi à sua casa para despedir-se e perguntou-lhe quando iria para Brasília.

— Ah, eu não vou — respondeu o general.

— Vai sim. O senhor vai ser presidente — informou o sargento.

Horas depois, Geisel contou a cena ao seu assistente, Heitor Ferreira, e expôs sua contrariedade:

— Quer dizer que [...] sargento também já está de novo se metendo nisso?

Dorrit Harazim - Acorda, Brasil

- O Globo

Urge colocar um cabresto na cabeça do presidente da República, Jair Bolsonaro. E calibrar rápido essas correias para frear o insano galope presidencial em curso. Como demonstrou o engavetamento do processo disciplinar contra o general da reserva e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, o desfibrilado Alto-Comando do Exército abriu porteira a uma anarquia fardada de cima para baixo. Com as PMs de vários estados já bandeadas como linha de frente do capitão, Bolsonaro sabe que também pode contar com a confraria fortemente armada das milícias, que aguarda apenas a ordem para sair das sombras e atropelar o que resta de Brasil civil e civilizado. Uma pesquisa de julho do ano passado já mostrava que 12% dos policiais militares eram favoráveis à prisão de ministros do STF e ao fechamento do Congresso.

As minudências do “episódio/provocação Pazuello”, desencadeado por Bolsonaro, conseguiram eclipsar por um dia outras constantes nacionais como o descontrole da Covid-19, cuja curva de mortandade aponta para a inimaginável marca de 500 mil vidas descartadas, além de 13 estados com UTIs novamente lotadas e uma CPI que desenterra os porões da (ir)responsabilidade do governo. O desmatamento da Amazônia também acaba de atingir o pior índice para maio desde 2016, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), enquanto a brutalidade policial contra o cidadão comum está cada dia mais escancarada. É um desmatamento institucional de vidas — a humana, a animal, a ambiental, a política —pela força.

Não bastasse, ainda temos a Copa América, rebatizada de Copa das Cepas pelo escritor Ruy Castro. Se é que Copa haverá. A absurda realização do evento deslocado às pressas para solo brasileiro, com a participação de dez seleções e um número indefinido de possíveis variantes do vírus, corre o risco de ter apenas um torcedor desvairado —Jair Bolsonaro. Além, é claro, da quadrilha de sempre — a CBF. O presidente apostou forte no poder anestesiante de uma bola rolando em estádios, com um possível triunfo da seleção canarinho.

Cristovam Buarque* - Indisciplina e divisionismo no Exército

- Blog do Noblat / Metrópoles

Não punição de Eduardo Pazuello pode levar à transformação das Forças Armadas em bandos, milícias.

O comandante do Exército não é “caxias” no sentido técnico do jargão militar: porque é tolerante com a indisciplina. Também não é “caxias” no sentido do amor à farda, ao saber as consequências possíveis de sua tolerância com a indisciplina. Todo precedente de indisciplina tolerada gera outras indisciplinas. Outros soldados irão a manifestações políticas em apoio a amigos ou partidos. Se não for um general com aval do presidente, ele provavelmente será punido e estará criado um clima ainda mais propício à indisciplina, porque uma regra com dois pesos e duas medidas gera anarquia. Nas palavras do ex-Ministro da Defesa Raul Jungmann: “um exército sem disciplina não é tropa, é bando”.

O gesto do comandante pode levar à transformação das Forças Armadas em bandos, milícias. Agora foi com o propósito de apoiar o presidente em um ato político, depois poderá ser por qualquer partido. A disputa entrará nos quartéis. Durante os meses em que estive no serviço militar, ouvia os oficiais dizerem que a disciplina era como um cristal que depois de quebrado não se recupera, será necessário buscar outro. Em Março de 1964, ouvi a justificação para o golpe, porque o presidente João Goulart estava levando sargentos ao palanque. Eles lembravam que os bolchevistas tomaram o poder na Russia usando a indisciplina dos soldados desertores fugindo da guerra perdida contra a Alemanha.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Impostura em rede nacional

O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro fez um pronunciamento em rede nacional na quarta-feira para prestar contas das ações de seu governo em meio à pandemia de covid-19. Na prática, contudo, o discurso serviu como mais uma das peças de propaganda de sua campanha à reeleição, iniciada assim que tomou posse. Nessa condição, Bolsonaro fez o que os maus políticos fazem nos palanques: distorceu fatos e inventou conquistas e qualidades inexistentes em seu governo.

A impostura começou logo na primeira frase: “Sinto profundamente cada vida perdida em nosso país”. Depois de passar mais de um ano desdenhando da morte em massa de seus compatriotas, o presidente resolveu “sentir profundamente” – mas, ocupado demais com passeios de moto, comícios golpistas e banhos de mar, ainda não encontrou tempo para visitar os hospitais, os familiares de doentes e mortos e os médicos que estão vivendo o pesadelo da pandemia.

Em seguida, Bolsonaro festejou “a marca de 100 milhões de doses de vacinas distribuídas a Estados e municípios”. Trata-se de escárnio: conforme constatou a CPI da Pandemia, o Brasil poderia ter 150 milhões de doses até maio passado, se o governo não tivesse sabotado a compra de vacinas quando foram oferecidas.

Segundo o presidente, “o Brasil é o quarto país do mundo que mais vacina no planeta”. No entanto, levando-se em conta o número de vacinados em relação à população, o Brasil é apenas o 79.º no ranking. Somente 10% receberam as duas doses da vacina – e, nesse ritmo, é difícil acreditar que “neste ano todos os brasileiros que assim o desejarem serão vacinados”, como anunciou Bolsonaro. Soa, portanto, como promessa demagógica de campanha.

A ênfase de Bolsonaro na vacinação poderia ser uma boa notícia se fosse autêntica, mas sabe-se que é só cálculo político. A maioria dos brasileiros quer tomar a vacina, conforme atestam as pesquisas, e a escassez dos imunizantes tem motivado o mau humor dos cidadãos com o presidente. Pressionado por seus súditos do Centrão, Bolsonaro parece ter sido convencido de que boicotar as vacinas não dá votos.

O presidente foi à TV para se passar por campeão da vacinação também como resposta às revelações chocantes da CPI da Pandemia. Durante a semana não faltaram depoimentos demonstrando como Bolsonaro fez de seu governo uma cidadela do negacionismo científico – um dos fatores cruciais para que estejamos perto de atingir 500 mil mortos pela pandemia.