quarta-feira, 9 de junho de 2021

Rosângela Bittar - Um sindicato armado

- O Estado de S. Paulo

Não há nada mais no horizonte, menos ainda governo. A meta a alcançar é uma ditadura

A ideia emergente de que o Exército se deixou subjugar aos caprichos de Jair Bolsonaro por temor à ascensão de Lula até pode parecer elegante, mas é falsa. O presidente pretende que seja entendida como alta política sua retórica de envelhecidos bichos-papões. Nem sequer adaptou ao século em que vive o repertório com que se elegeu e reelegeu deputado nos últimos 30 anos. Acena com as ameaças puídas de invasão de comunistas e maconheiros. Até como insultos, há muito superados pela sociedade. Os militares vergaram não por esta, mas por outra razão. 

Bolsonaro tirou do seu caminho os líderes que tentavam preservar as Forças Armadas como instituição de Estado e as atraiu para seu domínio pessoal. Abrigo onde já estavam as polícias militares, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária, as milícias, as agências de inteligência, todos os estamentos de vigilância e segurança, os produtores e vendedores de armas e munições. Uma associação que lidera como poderoso chefão de um sindicato armado, cujo logotipo é a sugestiva mão com os dedos polegar e indicador esticados em ângulo reto e três dedos dobrados. 

O Exército, que se sobressai entre as Forças, perdeu substância profissional e ideológica. Suas lideranças se enfraqueceram, não mais tiveram o êxito anterior em missões civis de desafiante complexidade. Como se viu na ocupação do Ministério da Saúde, onde produziu um desastre. 

O Alto Comando se deixou vulnerável ao assédio histórico de Bolsonaro às patentes subalternas e forças auxiliares. O comando se exerce por meio de instrumentos típicos da mobilização trabalhista: salários, ampliação das prerrogativas, equalização das vantagens, proteção em reformas das carreiras, ampliação dos postos de trabalho. 

Vera Magalhães - Ameaças precisam ter resposta

- O Globo

Quando alerto aqui com certa frequência sobre condutas, declarações e gestos do presidente da República que encorajam aliados e seguidores a esticar a corda dos limites e ajudam a minar as instituições aos poucos, não se trata de alarmismo abstrato. Está acontecendo diariamente no Brasil.

É um risco enorme tratar Jair Bolsonaro como aquele tio do pavê que fala bobagens, mas elas não têm consequência. Num regime presidencialista com as características do brasileiro, o presidente não é café com leite. Se fosse, já teria caído.

Foi o que fez Marcelo Queiroga ontem na CPI, ao dizer que não é “censor” do presidente ou que aquilo que Bolsonaro fala e acha não impacta a política de saúde. É mentira, ele sabe, e estamos pagando em vidas esse preço.

Também incorre na mesma condescendência o delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva, que, ao mesmo tempo que apresenta uma notícia-crime contra Ricardo Salles no Supremo Tribunal Federal, se recusa a nomear o presidente como o responsável por esses crimes. Salles não é ministro por geração espontânea. Está ali porque foi nomeado por Bolsonaro. Age como age porque tem o aval do presidente para tal.

A armadilha de tratar o capitão como inimputável, por ser “incorrigível” ou por falar “cada dia uma bobagem”, é ver um órgão de controle como o Tribunal de Contas da União emitir uma nota oficial dizendo que o presidente da República mentiu a respeito das mortes por Covid-19, o próprio Bolsonaro reconhecer que inventou esses dados e tudo ficar por isso mesmo. (Depois se soube que era pior: tratava-se de uma conta feita fora de qualquer processo por um auditor do órgão e disseminada nos grupos bolsonaristas.)

Bernardo Mello Franco - O médico que engole sapos

- O Globo

Marcelo Queiroga já enrolava os senadores havia quatro horas quando resolveu fazer um agradecimento público. “A maior oportunidade da minha vida quem me deu foi o presidente Bolsonaro”, derramou-se. A frase ajuda a explicar a passividade com que o médico se deixa esvaziar pelo capitão.

Nomeado em março, Queiroga já parece um ex-ministro em atividade. Suas recomendações são solenemente ignoradas pelo chefe, que insiste em provocar aglomerações, desfilar sem máscara e atacar o distanciamento social.

O cardiologista não tem autonomia nem para escalar sua equipe. Não conseguiu nomear a infectologista Luana Araújo e não consegue se livrar da pediatra Mayra Pinheiro, a Capitã Cloroquina.

Queiroga é um ministro com medo. Engole qualquer sapo para não desagradar o presidente. Apesar de se dizer favorável à ciência, ele evita varrer os negacionistas da pasta. Prefere recebê-los para ouvir conselhos.

Luiz Carlos Azedo - Mais uma saia justa

- Correio Braziliense

O estresse entre o Supremo e PGR também se inscreve numa espécie de ‘guerra de posições’ entre autoridades da confiança de Bolsonaro e a alta burocracia federal

A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), pôs mais uma saia justa na Procuradoria-Geral da República, ontem, ao questionar a omissão do vice-procurador-geral Humberto Jaques de Medeiros em relação às acusações contra Eduardo Bim, o presidente do Ibama afastado do órgão por envolvimento no inquérito que apura a exportação de madeira ilegal, supostamente sob proteção do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Em despacho, segundo revelou o site O Antagonista, a ministra disse que PGR se omitiu sobre acusações contra Eduardo Bim.

Cármem Lúcia mandou a PGR incluir Bim no inquérito de Ricardo Salles, cuja abertura foi solicitada pelo delegado federal Alexandre Saraiva. É mais uma decisão que deixa o vice-procurador-geral Medeiros em situação constrangedora. “É de se anotar que, conquanto conste expressamente da notitia criminis fatos imputados a Eduardo Bim, quanto a ele nenhum requerimento foi apresentado pelo Ministério Público”, destacou a ministra do STF.

Fernando Exman - Contagem regressiva para indicação ao STF

- Valor Econômico

Decisão coloca Bolsonaro entre dois grupos da base aliada

Corre em contagem regressiva o relógio até a indicação do próximo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

Até ontem, dava-se como certo, tanto no Legislativo quanto no Judiciário, que o presidente Jair Bolsonaro não esperaria a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello, já agendada para o dia 5 de julho, e anteciparia o anúncio do nome que será submetido ao escrutínio do Senado para substitui-lo. Foi preciso o presidente da Corte, Luiz Fux, pedir a gentileza de que o fim do mandato do colega de toga não seja eclipsado, como ocorreu com o ex-ministro Celso de Mello. Será preciso observar, dia após dia, se o apelo sensibilizará o presidente Jair Bolsonaro.

O governo não pretendia deixar sua indicação exposta ao sol, à chuva e ao sereno durante o recesso parlamentar - até porque o presidente precisará optar por manter sua promessa de apontar um nome evangélico ou atender ao desejo de sua base no Congresso. Senadores aliados ainda procuram convencer o presidente a alçar à Suprema Corte o procurador-geral da República, Augusto Aras.

Ricardo Noblat - Fux garante a Bolsonaro que a Copa América será jogada no Brasil

- Blog do Noblat / Metrópoles

Esse foi o principal motivo da visita inesperada do presidente da República ao presidente do Supremo Tribunal Federal, ontem à tarde

Acendeu a luz vermelha no terceiro andar do Palácio do Planalto, onde o presidente Jair Bolsonaro tem seu gabinete, tão logo ele soube, ontem, no final da tarde, que o Supremo Tribunal Federal marcara para amanhã uma sessão extraordinária destinada a tratar da realização ou não da Copa América no Brasil.

A sessão foi sugerida pela ministra Cármen Lúcia, relatora da ação impetrada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) que é contra a realização da Copa enquanto durar a pandemia da Covid-19. Bolsonaro telefonou então para o ministro Luiz Fux, presidente do Supremo, e partiu imediatamente ao seu encontro.

Saiu de lá com a certeza de que a maioria dos ministros não se oporá à Copa. É possível que Ricardo Lewandowisk, relator no tribunal de parte das ações que tem a ver com a Covid-19, faça determinadas exigências para que a Copa seja jogada. Caberia aos governadores bancar ou não os jogos, e quatro deles toparam.

De Fux, Bolsonaro ouviu que repercutiu muito entre seus pares a declaração do deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR), líder do governo na Câmara, que criticou decisões do Supremo e disse que elas poderão começar a ser desobedecidas. Barros disse o que Bolsonaro pensa, mas não tem coragem de fazer.

Bruno Boghossian – Gangue golpista

- Folha de S. Paulo

Investigação mostra que Bolsonaro levou gangue golpista ao poder

A Polícia Federal descobriu que aliados e auxiliares de Jair Bolsonaro financiaram protestos que pediam o fechamento do Congresso, organizaram um grupo extremista que atacou o STF e espalharam informações enganosas para atingir adversários do presidente.

As ações foram documentadas num relatório de mil páginas no inquérito dos atos antidemocráticos. A Procuradoria-Geral da República, porém, não viu muita coisa. Cinco meses depois de receber a papelada, o time de Augusto Aras pediu o arquivamento de apurações contra políticos e pessoas com foro especial.

Os procuradores não quiseram enxergar, mas a investigação mostrou que o bolsonarismo instalou uma gangue golpista dentro da máquina pública. Mensagens obtidas pelos policiais indicam, por exemplo, que um assessor da deputada Bia Kicis (PSL-DF) ajudou a organizar um acampamento de ativistas radicais que usaram tochas e máscaras para intimidar o STF, no ano passado.

Documentos também apontam que um funcionário terceirizado do Ministério dos Direitos Humanos bancou o aluguel de carros de som para um protesto em frente ao quartel-general do Exército, em abril de 2020. Renan Sena também comprou faixas que pediam uma intervenção militar. Bolsonaro participou daquela manifestação e discursou na caçamba de uma caminhonete.

Hélio Schwartsman - Mentiras na CPI

- Folha de S. Paulo

Devemos nos esforçar para banir as mentiras das esferas mais estratégicas

CPI da Covid se tornou um palco para pequenas, médias e grandes mentiras. Como não quero a Polícia do Senado no meu encalço (já basta a PF), não declinarei o nome de quem está faltando com a verdade. Acho que todas as partes concordarão que há alguém empulhando.

Meu intuito hoje é desmitificar um pouco a carga moral negativa que pesa sobre o engodo. Por mais doloroso que seja reconhecê-lo, a fraude está inscrita em nosso DNA. Mais até, está inscrita na natureza. Camuflagem, mimetismo e tanatose (fingir-se de morto) são alguns dos mecanismos pelos quais seres vivos tentam ludibriar predadores e presas. Humanos excelemos nessa matéria.

Como ensina o psicólogo Robert Feldman, bebês com só seis meses já simulam choro para atrair a atenção dos pais. Entre os três e sete anos, crianças submetidas a experimentos em que se comprometem a não espiar às escondidas um objeto que precisam identificar desobedecerão à regra em 82% das ocasiões e mentirão sobre isso em até 95% das vezes.

Elio Gaspari - Caracas fica a 3.600 km

- O Globo / Folha de S. Paulo

A História rima, mas não se reproduz

A Venezuela continua longe, mas ficou mais perto. Os desastres históricos acontecem aos poucos. Alguns grão-duques russos achavam que podiam viver com os bolcheviques. Afinal, aquela maluquice não haveria de durar.

A plutocracia venezuelana levou algum tempo para perceber que o coronel Hugo Chávez e sua turma seriam capazes de tudo para ficar no poder.

As instituições democráticas brasileiras vêm sendo obrigadas a conviver com um novo leão a cada dia. O general Eduardo Pazuello disse que não participou de manifestação política porque Jair Bolsonaro não tem filiação partidária e o comandante do Exército acreditou.

Em seguida, o procurador-geral da República pediu o arquivamento do inquérito que investigava ações de cidadãos protegidos por foro privilegiado que incitaram atos contra o regime. Demorou cinco meses, pediu novas diligências para outros envolvidos, sem ter pedido providência alguma enquanto ficou com o caso.

Ao fazer isso, o doutor Augusto Aras bateu de frente com o ministro Alexandre de Moraes, um ex-secretário de Segurança que já teve a casa esculachada pela milícia. Má ideia. O ministro respondeu pedindo ao procurador que explique melhor sua posição. Se coisas desse tipo fossem pouco, o ex-prefeito do Rio Marcelo Crivella foi indicado para a embaixada do Brasil na África do Sul.

Caracas continua longe, a 3.600 km de Brasília. A sociedade brasileira tem uma complexidade e um dinamismo que faltavam à Venezuela. O andar de cima de Pindorama produz, enquanto o venezuelano vivia nas tetas das rendas do petróleo.

José Nêumanne* - CPI da Covid já pode aprovar relatório final

- O Estado de S. Paulo

Vídeo do conselho informal de Bolsonaro contra vacina dispensa novos depoimentos

O site Metrópoles divulgou vídeo de reunião de 8 de setembro de 2020 no Palácio do Planalto em que os médicos Osmar Terra, Paolo Zanotto e Nise Yamaguchi recomendaram ao presidente Jair Bolsonaro não comprar vacinas. O chefe do desgoverno usou seu serviçal na Saúde, o intendente incompetente Eduardo Pazuello, como estafeta e cancelou compromisso de compra de 46 milhões de doses da Coronavac. Até hoje, nove meses depois, ele ainda condena isolamento social e uso de máscara. Conforme notícia posterior e da mesma fonte, houve 27 reuniões. Só isso já caracteriza, com sobras, subversão da ordem institucional, pois saúde pública é com o Sistema Único de Saúde (SUS).

Não há, portanto, nada mais há a ser revelado em novos depoimentos à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado sobre omissões e crimes cometidos pelo presidente Jair Bolsonaro e membros de seu repugnante desgoverno no combate ao contágio letal do novo coronavírus. Não se trata aqui de desmerecer para descontinuar o trabalho competente e indispensável que vem sendo efetuado pelo dito “grupo dos sete” na coleta de dados relevantes. O ex-secretário de Comunicação do Presidência da República Fábio Wajngarten entregou ao relator, Renan Calheiros, a carta do laboratório Pfizer oferecendo vacinas, que ficou sem resposta de seus destinatários de primeiro escalão. E, como agora se sabe, pela metade do preço. O senador Otto Alencar levou Nise Yamaguchi, presente às reuniões palacianas, a confessar à CPI sua abissal ignorância em epidemiologia, ao não responder a questões básicas sobre o vírus que nos aflige. A epidemiologista Luana Araújo reduziu a pó a estúpida defesa do negacionismo bolsonarista pelos senadores governistas Marcos do Val, Marcos Rogério, Eduardo Girão e Luiz Carlos Heinze.

Paulo Delgado* - Reparador de brechas

- O Estado de S. Paulo

FHC, um intelectual que presenteia o povo com mais do que poderia receber por gratidão

Político e intelectual missionário, avesso a dar sermão, exerceu o poder sem falsos pretextos. Em país de política inóspita e coalizões frágeis, elites apáticas, demagogias, combinou liberalismo econômico com intervenção social, sem provocar frustração.

Numa América Latina em que os intelectuais emigram e muitos reagem às críticas de forma rígida, Fernando Henrique Cardoso é exemplo admirável de quem não deixou passar a hora nem esticou provocação. Cidadão do mundo, selou compromisso com o Brasil. Com elevada capacidade de ligar fatos, conectar análises e dono de jovialidade compreensiva e receptiva a novas explanações, sua trajetória prova que é possível associar eficácia e grandeza – e felicidade – à política como ofício.

Carioca, compreendeu o mar e navegou por suas ondas. Executou reforma ambiciosa da moeda, reuniu a mais brilhante equipe de economistas, enterrou a inflação. Ousou sem impostura ou negligência. Construiu alicerces para o Estado eficiente, enfrentou oligarquias e movimentos sindicais monopolistas. Foi corajosamente impessoal na crise bancária. Sempre alertou para a racionalidade limitada da economia, a emersão do sujeito de direitos, a certeza de que só será promissora nação capaz de conduzir conjuntamente vida social e econômica.

Apontou caminhos para a modernização. Traçou fronteiras, sem sufocar a liberdade. Não mentiu sobre o que pensava, não se moveu falsamente na política. A todas as críticas que recebeu respondeu sem provocar ou perseguir. Espírito propenso ao jogo democrático, não estimulou a ferocidade de campanhas eleitorais que acham que é a pior parte que funciona. E ao reconhecer a inadequação da reeleição, deu de vez a mão a JK como os dois maiores presidentes brasileiros.

Inesperado, combinava informação, intuição e razão. Assim, quando o MST invadiu a fazenda da família o presidente não exigiu reintegração na marra, mandou o ouvidor agrário negociar. O professor preocupou-se mais com a maneira como um movimento social faz tão descuidadamente suas ações. Não viu profanação em sua adega: se são hospedes compulsórios, que bebam o vinho como desagravo à cortesia.

Vinicius Torres Freire - Mais sinais de despiora

- Folha de S. Paulo

Vendas no comércio crescem além do esperado, mercado financeiro anda mais calmo

Não se deu muita bola para as vendas do comércio em abril, divulgadas nesta terça-feira (8) pelo IBGE: cresceram além da conta de quase todo mundo. Sim, o comércio vem claudicando desde dezembro, com a seca dos auxílios emergenciais e repiques horrendos da epidemia. Abril teria outra baixa, pelos mesmos motivos, era o que se previa, como foi registrado nestas colunas. Só que não.

Receita de impostos, PIB trimestral e comércio tiveram desempenho acima do esperado. Nas entranhas desses indicadores há coisas feias: a inflação ajuda a engordar a arrecadação tributária, o consumo das famílias no PIB caiu. Ainda assim, houve despioras significativas.

O indicador de emprego formal dos economistas do Itaú teve alta em maio. A população ocupada cresceu 5,5%, voltando ao nível anterior ao da epidemia.

Antes de passar às más notícias, convém lembrar outras despioras relevantes. As taxas de juro de prazo mais longo (mais de dois anos) no atacadão de dinheiro andam caindo. Depois de tomar um calmante em meados de abril, o preço do dólar relaxou ainda mais, voltando à casa de R$ 5. O ingrediente mais importante desse calmante foi o fim das turbulências no mercado financeiro americano, com umas pitadas de juros mais altos por aqui e de indícios de que o teto de gastos não desabaria.

Cristiano Romero - Contas públicas: e o povo?

- Valor Econômico

Desigualdade deveria nortear debate sobre contas públicas

O país a que chamamos de Brasil tem um problema fiscal grave porque o Estado gasta muito mais do que arrecada com tributos e outras receitas, como os dividendos gerados pelas empresas estatais onde o Tesouro Nacional é o maior acionista. Esta é, digamos, a dimensão macroeoconômica, debatida, geralmente, por especialistas, apartados de seu aspecto mais importante _ os impact0s na vida das pessoas; no caso deste país onde vive a 6ª ou 7ª maior população, seus efeitos sobre o destino da maioria pobre e miserável.

Toda e qualquer política pública só deveria ser adotada nesta Ilha de Vera Cruz depois de considerados seus efeitos sobre o arraigado conflito distributivo que nos caracteriza desde sempre. Em outras palavras, os três poderes da República não poderiam aprovar nenhuma iniciativa que aumentasse a concentração de renda existente, hoje, uma das cinco maiores do planeta. Observar esse aspecto a partir de agora seria o início de uma longa e nobre jornada desta sociedade rumo à criação de uma nação.

Não se trata de proposição absurda ou revolucionária. O projeto de nação já existe, está na Constituição que aprovamos em 1988. Essa mesma Constituição possui aspectos que contradizem seus princípios mais civilizadores, mas, os princípios que norteiam o caminho da virtude são cláusulas pétreas, presentes nos artigos que tratam dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos que habitam a 4ª maior extensão de terra contínua deste mundo.

Zeina Latif - O bom, o mau e o feio

- O Globo

Não há melhora na qualidade do regime fiscal. O caminho para a campanha de 2022 eleva o risco de deterioração das contas públicas

O comportamento recente dos indicadores fiscais tem surpreendido positivamente, para além do efeito do desmonte de políticas de socorro na pandemia (responsável por 57% da melhora do balanço da União até abril) e da aprovação tardia do orçamento represando despesas não obrigatórias (9,5%).

É inegável a dupla contribuição do aumento (nominal e real) do PIB: eleva a receita tributária e reduz o déficit e a dívida pública, ambos medidos como proporção do PIB. Alguns fatores poderão ser mais duradouros, uns tantos são transitórios, enquanto outros serão perversos.

A pandemia tem gerado uma “seleção natural” no setor produtivo, com fusões e aquisições, crescimento dos grandes grupos e fechamento de empresas menos eficientes, via de regra, com maior grau de informalidade. Apesar de o quadro preocupar do ponto de vista social, pois a informalidade é alternativa para muitos, a consolidação do setor produtivo traz ganhos de escala e de produtividade ao longo do tempo, enquanto o aumento da formalização na economia alimenta a arrecadação e o crescimento do PIB.

Esse efeito é mais duradouro - o bom.

Roberto DaMatta - Por que Bolsonaro não usa máscara?

- O Globo

Fiz a pergunta a muitas pessoas de ambos os polos e a uma minoria centrista que procurei como um detetive. Todos se assombraram com minha inocência. Como é que eu — professor titular de Antropologia Social e pesquisador da “alma brasileira” — não sabia que, entre nós, quem manda não obedece?

Como é que eu podia ignorar que, no Brasil, mandar anula o obedecer, essa desagradável anormalidade democrática que inverte a velha ordem? Como é que eu esquecia que “estar no poder” é sinônimo de não seguir coisa alguma, porque obedecer é o carimbo dos fracos e dos pobres?

É claro que Bolsonaro não usa máscara!

Como é que ele aceitaria tal banalidade, se o sinal que envia é que pode tudo? No Brasil, ser superior é não estar com a lei, mas situar-se acima dela, é claro.

É ter o privilégio de não ser cidadão. De provocar e abusar, na certeza de não ser punido. É ser “impunível” e, se preso for, ter a plena confiança de que um jurisconsulto ponderado vai livrá-lo da prisão, que será especial — um xadrez hierárquico e diferenciado...

Ninguém definiu tais condições com mais clareza que o próprio Bolsonaro quando, em 12 de maio do corrente, numa de suas tiradas absolutistas, declarou que “só Deus me tira daqui” e, no dia 17, afirmou ser “imorrível, imbrochável e também incomível”. O incomível é curioso. Ele salienta a qualidade bolsonaresca de ser duro de roer, mas deixa de lado outras implicações que Freud explica, e eu prefiro não comentar...

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* - Joga pedra na Geni!

Chega o tempo das queimadas, da escassez de chuvas, da energia controlada e dos preços absurdos dos gêneros de primeira necessidade, produtos agrícolas colhidos, nas tais “entressafras”. A baixa umidade do ar ressuscitará os problemas respiratórios, de pele e as gripes que virão para se juntar à Covid. “A culpa é do Bolsonaro!” - Joga pedra na Geni!

Na realidade, trata-se da sazonalidade (repetição anual) dos mesmos fenômenos e desafios no mesmo período. Esses problemas são tratados com as mesmas soluções, ineficientes, sem qualquer criatividade, mas financeiramente caudalosas.  

Nunca os brasileiros se preparam para a chegada do inverno. Os políticos passam o ano se acusando e se defendendo. Nada produtivo. Ninguém se apega aos problemas estruturais da sociedade e menos ainda aos males presentes. Nenhum deles parece se interessar pela governabilidade.  Nesse happening, atravessam incólumes os Exercícios. A sustentabilidade alimenta, inclusive, a retórica de  reeleição. E só.

Na sociedade civil, participar e até organizar alguns eventos, na semana do meio ambiente, esgota o esforço militante de alguns. Ganham perenibilidade a poluição do ar, da água, do solo, do subsolo, nos biomas terrestres, nas inadequadas técnicas e ferramentas  usadas para extração, cultivo ou transformação até dos recursos  para subsistência.

O quadro remete à abertura da Conferência (da ONU) em Estocolmo, na Suécia, no dia 15 de dezembro de 1972, cinquenta anos atrás, cujo tema era o Ambiente Humano. O chefe da delegação brasileira, na contramão da História, conclamou os países a virem poluir no Brasil. Era um chamamento para o processo de desenvolvimento em curso por aqui: “Temos recursos naturais abundantes, mão de obra barata e um amplo mercado consumidor” - e emendou - “Falta capital e tecnologia”. Já não se pensava mais em substituição de importações, mas na atração da indústria pesada, de bens de capital, aquela que reproduz o próprio sistema de produção.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Rede de ódio desvendada

O Estado de S. Paulo

Estranhamente, após cinco meses de absoluto silêncio, a Procuradoria-Geral da República (PGR) requereu ao Supremo Tribunal Federal (STF) o arquivamento do inquérito que apura responsabilidades pela organização e financiamento de manifestações golpistas ocorridas em abril do ano passado, incluindo um sórdido ataque ao edifício-sede da Corte Suprema.

As razões alegadas pela PGR para pugnar pelo encerramento do inquérito são frágeis e incongruentes em relação aos achados da Polícia Federal (PF) no curso das investigações (ver editorial Visões muito discrepantes, publicado em 8/6/2021). O ministro relator, Alexandre de Moraes, determinou que a PGR “esclareça o alcance do pedido”, mas deverá acatá-lo, haja vista que, de acordo com a jurisprudência do STF, um pedido desta natureza é “irrecusável”.

Mas, se não pode deixar de acatar o pedido de arquivamento feito pelo parquet, o ministro relator pode trazer à luz o minucioso esquema de desinformação e destruição de reputações que foi montado na antessala do presidente da República com o objetivo de corroer a confiança dos brasileiros nas instituições pátrias, desqualificar adversários e críticos de Jair Bolsonaro e, consequentemente, depreciar o próprio valor da democracia. E foi exatamente o que Alexandre de Moraes fez na sexta-feira passada.

O funcionamento da rede de trolls – usuários inautênticos que, por meio das redes sociais e de aplicativos de mensagens, como o WhatsApp e o Telegram, disseminam falsidades, distorções e ataques contra adversários do presidente Jair Bolsonaro e de sua prole de encalacrados com a Justiça – foi esmiuçado pela delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro ao longo das mais de 150 páginas de seu relatório. O que a PGR não enxergou como conjunto de indícios robustos o bastante para “apontar para a participação de deputados e senadores nos supostos crimes investigados” agora vem a público pela decisão do ministro Alexandre de Moraes de retirar o sigilo do inquérito que tramita no âmbito da Corte Suprema.

“Embora a necessidade de cumprimento das numerosas diligências determinadas exigisse, a princípio, a imposição de sigilo à totalidade dos autos, é certo que, diante do relatório parcial apresentado pela autoridade policial – e com vista à Procuradoria-Geral da República desde 4/01/2021 – não há necessidade de manutenção da total restrição de publicidade”, escreveu o ministro relator em seu despacho.

Como revelou o Estado, a PF identificou mais de mil acessos àquelas contas inautênticas nas redes sociais feitos a partir de computadores instalados em órgãos públicos e até na residência privada da família Bolsonaro na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro. A polícia identificou ainda acessos a contas e páginas que disseminam desinformação e ataques ao Estado Democrático de Direito oriundos de gabinetes de deputados e senadores, e até mesmo de instalações militares. Ora, se isto não é razão forte o bastante para ensejar o prosseguimento das investigações, como pleiteia a PGR, o que seria, afinal?