quinta-feira, 10 de junho de 2021

Merval Pereira - Governo das sombras

- O Globo

Os últimos dias revelaram dados concretos para confirmar o que já se intuía: Bolsonaro é um personagem político que se movimenta mais à vontade nas sombras, à margem das instituições oficiais. Gabinete paralelo na Saúde, gabinete do ódio no Planalto, ação paralela no TCU e por aí vai. Temos um chefe de governo que tenta montar uma estrutura extraoficial que interfere na ação de sua equipe formal quando lhe interessa, muitas vezes criando obstáculos à consecução de programas de governo, como no caso do combate à corrupção.

A interferência de Bolsonaro na Polícia Federal, para controlar as informações que lhe convêm, é um caso típico dessa estrutura paralela. Alexandre Ramagem, delegado que Bolsonaro queria ver à frente da Polícia Federal, tornou-se íntimo da família e, não podendo, por interferência do STF, nomeá-lo, colocou-o na Abin, de onde alimenta um sistema informal de informações de que Bolsonaro se orgulha.

Funcionários do governo que vão à CPI dão uma versão dos fatos que a realidade desmente. Caso especial é o ex-secretário executivo do Ministério da Saúde na era Pazuello, Elcio Franco, que assumiu, como se fossem oficiais, políticas públicas que deveriam estar banidas por decisão científica. Disse com todas as letras que a gestão a que serviu considerava que o tratamento precoce era uma maneira adequada de combater a Covid-19.

Malu Gaspar – Crônica de uma fake news bolsonarista

- O Globo

Não se pode dizer que surpreende o presidente Jair Bolsonaro ter propagado fake news sobre os registros oficiais de mortes por Covid-19, como ele fez na última segunda-feira. Mas, mesmo que pareça, não dá para dizer que foi mais um lance igual aos outros que vivemos nesta trágica distopia nacional. Porque, embora Bolsonaro pareça sempre apertar a mesma tecla, cada movimento visa a fazê-lo avançar um passo a mais na meticulosa estratégia de avacalhar as instituições da democracia brasileira.

Já vimos outros episódios dessa série de mau gosto. Primeiro, Bolsonaro faz um ataque a uma instituição qualquer. Se ninguém fizer nada, avança mais um pouco. Se resistirem, recua, mas mobiliza sua base para manter o ataque original circulando. Enquanto isso, procura uma chance de tentar de novo, contra outro alvo. O objetivo final é claro: seguir nesse rumo, avançando e recuando, até que esteja tudo dominado pelo modus operandi bolsonarista.

O que se viu na segunda-feira foi mais um passo do presidente em direção a esse objetivo. No cercadinho reservado aos seus seguidores, no Palácio da Alvorada, ele contou uma mentira. Disse que, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), cerca de 50% dos óbitos registrados por Covid-19 em 2020 afinal não ocorreram por causa da doença. “Esse relatório saiu há alguns dias, logicamente que a imprensa não vai divulgar. E, como é do Tribunal de Contas da União, ninguém queira me criticar por causa disso.”

William Waack - Acomodação à tragédia

-  O Estado de S. Paulo

O governo vai nadar em dinheiro, confiante em que nada vai parecer tão trágico

 “Não é uma boa decisão, mas também não é trágica”, confidenciou uma das principais personalidades do mundo militar e que faz parte do governo de Jair Bolsonaro. A opinião parece refletir o que pensa parcela substancial dos oficiais-generais da ativa quanto à não punição do general Eduardo Pazuello

Depende do que se considera como trágico. O Exército foi apenas a mais recente instituição de Estado brasileira (o Ministério da Saúde veio antes) instada a adotar o “Führerprinzip” – expressão consagrada na ciência política. No lugar do alemão “Führer” cabe caudillo, máximo líder, guia genial dos povos, condottieri, conducator ou, em russo, vozhd (“dono dos servos”). 

O significado é o mesmo. Trata-se do princípio da lealdade em primeiro lugar à pessoa do dirigente político e só depois às instituições que existem, obviamente, para servi-lo. Traduzido para o bolsonarês castiço, “Führerprinzip” é “mito”. Ocorre que nos trópicos (que já foram chamados de tristes) muitos princípios viram bagunça, e “mito” no Brasil está mais para “acomodação” do que para “condução”. 

Bolsonaro é um sucesso entre as forças políticas do Centrão que vivem da proximidade dos cofres públicos ou do domínio de pedaços das máquinas estatais transformadas em ferramentas para defesa de seus interesses particulares – e nem estamos falando de corrupção. Elas se acomodaram dentro do Palácio do Planalto, de onde retiraram a prerrogativa de distribuir verbas de orçamentos costurados à luz ou às sombras por poucos mandões (Bolsonaro só obedece). 

Luiz Carlos Azedo - Cabeça de camarão

- Correio Braziliense

Hoje, Doria não seria o candidato do PSDB à Presidência. Perderia as prévias da legenda para o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, ou o senador Tasso Jereissati (CE)

O que é o centro democrático? O ex-ministro Moreira Franco, discípulo do pessedismo de Amaral Peixoto, resume assim: a direita da esquerda e a esquerda da direita. Juntar essas forças num projeto eleitoral é o maior desfio político da conjuntura para os partidos que compõem esse campo — DEM, PSD, MDB, PSDB, Cidadania, PV e PDT —, porque as eleições de 2022 estão logo ali e o cenário eleitoral foi polarizado pelo presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Existe um eleitorado órfão, porque não deseja a continuidade de Bolsonaro ou a volta de Lula. Para essa fatia de eleitores, o chamado centro democrático é como um suculento camarão empanado. Nas eleições, porém, sem cabeça, o crustáceo morrerá na areia da praia.

Como na música Cartomante, de Ivan Lins e Vitor Martins, grande sucesso na voz de Elis Regina — “Cai o rei de Espadas/ Cai o rei de Ouros/ Cai o rei de Paus/ Cai, não fica nada” —, os pré-candidatos que buscam articular e unificar esse campo estão desistindo ou se inviabilizando. Os casos mais emblemáticos são o ex-juiz da Lava-Jato Sergio Moro, uma espécie de rei de Espadas na crise ética, e o apresentador Luciano Huck, o rei de Ouros, para grande massa de empreendedores do país. O primeiro iniciou uma bem-sucedida carreira de consultor jurídico na área de análise de riscos; o segundo, vai dar um upgrade na carreira de comunicador, ao substituir o apresentador Fausto Silva nas tardes de domingo da Rede Globo.

Está difícil a vida do rei de Paus, o governador de São Paulo, João Doria, que lançou precocemente sua pré-candidatura e confrontou Bolsonaro na crise sanitária. O problema dele é o desgaste que enfrenta pelo fato de São Paulo ser o epicentro da pandemia de covid-19, com grande impacto na economia no estado e reflexos no desempenho de seu governo. Ensanduichado entre uma base bolsonarista muito forte, principalmente nas médias e pequenas cidades do interior, e a recidiva do petismo nos grandes centros urbanos, Doria não consegue fechar majoritariamente o eleitorado paulista. Sem São Paulo, sua candidatura não decola nacionalmente

Ricardo Noblat - A lição militar de respeito à democracia que vem dos Andes

- Blog do Noblat / Metrópoles

Ministério da Defesa do Peru pede respeito à vontade cidadã que se expressou nas urnas e reafirma a neutralidade das Forças Armadas

E depois do terceiro dia de apuração dos votos para presidente da República do Peru, em face de uma disputa apertada entre a conservadora Keiko Fujimore e o professor rural esquerdista Pedro Castillo, os militares daquele país resolveram falar por meio de uma nota oficial do Ministério da Defesa.

O que disseram deveria envergonhar seus colegas brasileiros de farda, incapazes de resistir às pressões de um ex-capitão que no passado afastaram dos seus quadros por má conduta ética, mas que agora apoiam não só para que governe, mas para que tente se reeleger nas eleições do ano que vem.

A nota do Ministério da Defesa do Peru tem cinco parágrafos. Os quatro principais:

 “A Constituição estabelece que a finalidade primordial das Forças Armadas é garantir a independência, a soberania e a integridade territorial da República. As Forças Armadas estão subordinadas ao poder constitucional. Qualquer chamado a que não se cumpra esse encargo é impróprio numa democracia”;

“As Forças Armadas reiteram seu compromisso com a Constituição, a democracia e o princípio da neutralidade. Reafirmam o compromisso de respeitar a vontade cidadã expressa nas urnas no último dia 6”.

“Exortamos os peruanos a respeitar os resultados do processo eleitoral e trabalhar unidos para fortalecer a democracia e impulsionar o desenvolvimento do país”.

“Por fim, advertimos que emblemas e quaisquer outras formas de identidade institucional do Comando Conjunto das Forças Armadas, Exército, Marinha e Força Aérea não podem ser usados por pessoas naturais ou jurídicas, públicas ou privadas. O desrespeito a isso pode resultar em ações legais”.

Com 99% dos votos apurados até o início desta madrugada, Castillo estava à frente com 50,20% contra 49,79% de Fujimore, uma diferença de pouco menos de 80 mil votos. Ele já se declarou eleito. Ela pediu à justiça eleitoral a recontagem de 500 mil votos, alegando que houve fraude. O pedido ainda não foi aceito.

Observadores internacionais que fiscalizaram a eleição disseram que não houve fraude.

Entrevista | Marcos Nobre: ‘Faz parte da encenação de Bolsonaro parecer que está fraco’

Professor da Unicamp avalia que volta de Lula ao cenário político contribuiu para a organização da esquerda e que a direita não bolsonarista precisa encontrar um caminho para enfrentar o presidente em 2022

Marlen Couto / O Globo

RIO — Presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e professor da Unicamp, o cientista social Marcos Nobre avalia que o presidente Jair Bolsonaro não está enfraquecido, como acredita parte da oposição — embora pesquisas recentes mostrem que sua aprovação é a mais baixa desde o início do mandato. Para o pesquisador, o presidente que agora enfrenta o desgaste de manifestações de rua e de uma CPI contra seu governo não está “fraco nem forte”, mas forte o suficiente para ir ao segundo turno em 2022 e evitar um possível processo de impeachment; e fraco o suficiente para manter a narrativa de que está permanentemente na luta contra o sistema e manter sua base unida.

A aprovação ao governo Bolsonaro vive seu pior momento, mas o presidente mantém o apoio de uma parcela significativa da população. A oposição subestima o presidente?

Existe um grau diferente de organização na oposição. Enquanto a esquerda está mais organizada no entorno do PT e do Lula, a direita não bolsonarista ainda não encontrou sua maneira de se organizar. Outro ponto é que não existe uma articulação política entre esses dois centros para fazer frente a Bolsonaro. Para derrotá-lo em 2022, vai ser preciso um acordo entre eles. Sem isso, não será possível. Quando olhamos as pesquisas, vemos que a rejeição a Bolsonaro subiu, mas muita gente que saiu da aprovação, do ótimo ou bom, foi para a avaliação de que o governo é regular. Essas pessoas podem voltar se não encontrarem uma candidatura alternativa. Não é razoável imaginar que 2022 vai ser pior do que 2021 porque vai ter vacina, mesmo que de maneira tardia ou desorganizada. E existe um cenário de crescimento da economia, que pode não durar, mas pode durar o suficiente. Mesmo que alguém acredite que Bolsonaro estará pior em 2022, não deveria deixar de tentar organizar o campo democrático. A política, na situação em que a gente está, existe para a gente reduzir ao máximo a possibilidade de catástrofe.

Quem são os eleitores que avaliam o governo como regular e podem ser tão decisivos?

Dá para dizer que é um contingente que não gostaria de ser obrigado a escolher entre Bolsonaro e Lula. Ao mesmo tempo, diante de uma alternativa Lula ou Bolsonaro, não vai se dividir de maneira igual. Existe um grande ponto de interrogação. Diante de um risco, você não dobra a aposta. Se nós tivermos vacinação, economia melhorando, prorrogação do auxílio emergencial e depois um Bolsa Família robusto, Bolsonaro será um candidato muito forte.

Bolsonaro está forte o suficiente para ir ao segundo turno e fraco o suficiente para mostrar a seu eleitorado que ele luta permanentemente contra o sistema"

É muito estranho as pessoas continuarem a achar que Bolsonaro está enfraquecido, porque faz parte da encenação dele parecer que está fraco, que está lutando contra o sistema. O extraordinário é que muitas pessoas acreditam. Quando alguém me pergunta se Bolsonaro está fraco ou forte, respondo “nenhuma das duas coisas”. Está forte o suficiente para ir ao segundo turno e evitar um impeachment, e está fraco o suficiente para mostrar a esse eleitorado que ele é alguém que luta permanentemente contra o sistema.

Maria Cristina Fernandes - O golpe além da bolha

- Valor Econômico

Milícia militar temida por Castello se forma com anuência civil

 “Não sendo milícia, as Forças Armadas não são arma para empreendimentos anti-democráticos. Destinam-se a garantir os poderes constitucionais e a sua coexistência”. Este é um trecho de carta do general Humberto Castello Branco, então chefe do Estado-Maior do Exército, para generais e “organizações subordinadas” (aqui a íntegra: bit.ly/3v6ZjaQ).

A carta é datada de 20 de março de 1964, uma semana depois do comício da Central do Brasil, no Rio, em que o então presidente João Goulart anunciara sua disposição de levar à frente as reformas de base. Dez dias depois, os generais viram no discurso de Jango para suboficiais e sargentos, na Cinelândia, a semente da milícia de que falava Castello. No dia seguinte, o derrubaram.

Tivesse sido expedido pelo comandante do Exército, Paulo Sérgio Oliveira, o documento só seria conhecido em 2064. Como é da lavra de um golpista, está depositado no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas. Desde que o general Eduardo Pazuello escapou de punição pelo comando do Exército, a carta circula em grupos de WhatsApp de generais da reserva - e da ativa - temerosos de que, desta vez, com sua anuência e do Congresso, se confirme o vaticínio de Castello.

Maria Hermínia Tavares* - O que virá já se sabe

- Folha de S. Paulo

Porque abominam a democracia representativa, populistas cortejam as Forças Armadas

Quando a turba trumpista invadiu o Capitólio, contestando a vitória de Joe Biden, os chefes das três Armas condenaram a aventura, reafirmaram sua fidelidade ao Estado de Direito e garantiram a posse do presidente eleito. É difícil imaginar o que teria ocorrido houvessem os militares embarcado na tentativa golpista de Trump. É possível que já não se estivesse discutindo as numerosas falhas da democracia americana, mas sua asfixia nas garras da extrema direita populista.

Pelo mundo afora, populistas de diferentes matizes de ódio empenham-se em destruir a democracia representativa, cujas regras abominam. Seu sucesso ou fracasso depende da força das instituições, da qualidade das lideranças políticas oposicionistas, da resistência da imprensa e da sociedade organizada e, por último, porém não menos importante, da fidelidade das Forças Armadas aos princípios constitucionais.

Bruno Boghossian - Ciranda de mentiras

- Folha de S. Paulo

Presidente bateu recorde com invencionices sobre vacina, mortes, cloroquina e eleições

Jair Bolsonaro bateu mais um recorde pessoal. Em 19 minutos de pregação num culto religioso, ele despejou informações falsas sobre a segurança das eleições, os efeitos da cloroquina, a eficácia de vacinas e o número de vítimas da Covid-19. O presidente armou uma ciranda de mentiras para limpar a própria barra, escapar de punições e se reeleger.

A prioridade de Bolsonaro é fraudar a história da pandemia. No início da semana, ele foi ao cercadinho do Palácio da Alvorada e disse que metade das mortes por Covid-19 registradas no país não foram provocadas pela doença. Para lustrar a balela, o presidente disse que a conclusão era do Tribunal de Contas da União.

O episódio é um retrato acabado da máquina bolsonarista de invencionices. O TCU disse que nunca havia feito aquela constatação. Logo depois, soube-se que a tese malfeita havia sido incluída por um auditor no sistema do tribunal horas antes da declaração do presidente. O tal funcionário seria filho de um militar que é amigo de Bolsonaro.

José Serra*- (Ir)responsabilidades orçamentárias

-  O Estado de S. Paulo

O equilíbrio fiscal e a qualidade do gasto dificilmente orientam o cálculo parlamentar

Polêmicas envolvendo o Orçamento da União mostram que o longo processo de construção institucional relativo à matéria, iniciado com a Constituição de 1988, requer cuidados. Na condição de parlamentar dedicado ao tema desde a Constituinte, gostaria de desfazer certa confusão provocada por discursos recentes que vão em direção equivocada: o Poder Executivo abriria mão de seu protagonismo no processo orçamentário, seja por fraqueza política, seja por estratégia de poder.

O Orçamento público é o principal instrumento pelo qual a sociedade, mediante seus representantes no Legislativo e no Executivo, decide como serão usados os recursos arrecadados pelo Estado. No jargão econômico, essa é a função alocativa do Orçamento. Tantas são as aplicações possíveis dos recursos públicos quantos são os problemas e oportunidades afetos a uma sociedade. Investiremos em rodovias ou em escolas? Permitiremos aposentadorias mais precoces ou financiaremos mais pesquisa? A preservação do meio ambiente merecerá mais recursos que atividades culturais? Valendo-me de exemplo atual e relevantíssimo: adiaremos o Censo Demográfico para gastarmos com obras locais?

Aos múltiplos usos potenciais dos recursos públicos acrescente-se a pluralidade de preferências: cada cidadão escolheria, se pudesse, um conjunto próprio de prioridades tendo em vista a escassez de recursos. Dado que, infelizmente, não podemos obter tudo, escolhas nos são impostas. Note-se, ainda, que elas abrangem não apenas alternativas de gastos, mas a distribuição dos seus custos entre grupos e gerações. Se nos endividamos hoje para executar certa despesa, nossos filhos e netos pagarão a conta.

Na esfera pública, certos agentes, sobretudo políticos, fazem escolhas em nome dos eleitores. Receitas arrecadadas de toda a sociedade podem ser destinadas a grupos específicos. Essas observações levantam desafios por toda parte. Como garantir que as decisões dos representantes estejam alinhadas com os interesses dos representados? Como evitar que a busca por benefícios no Orçamento provoque o crescimento desenfreado do gasto e do endividamento?

Adriana Fernandes – Plano econômico para a reeleição

- O Estado de S. Paulo

Bolsonaro conta com plano econômico para fazer frente à covid e conseguir se reeleger

A prorrogação do auxílio emergencial combinada com o reforço do programa Bolsa Família, o Refis para as empresas e o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda das pessoas físicas formam uma tríade de peso que o governo Jair Bolsonaro está pavimentando para aumentar o apoio político nas eleições presidenciais do ano que vem.

É na economia que o governo conta para fazer frente à crise na saúde, que o atraso da vacina e as mortes de quase 500 mil brasileiros tiram da popularidade do presidente.

Com essas três frentes de medidas, Bolsonaro atende a um público eleitor grande: os empresários endividados com o Fisco, a classe média e a população de baixa renda. Garantia de reforço extra na campanha de 2022.

As negociações políticas avançaram nos últimos dias no embalo da narrativa de que a economia está se recuperando mais rápido do que o previsto, num quadro também de menos aperto das contas públicas programado para 2022.

Vinicius Torres Freire - Inflação mais feia do que o previsto

- Folha de S. Paulo

Carestia sem refresco e desemprego vão fazer Bolsonaro jogar no ataque eleitoral

Nos dois primeiros anos de Jair Bolsonaro, a inflação comeu todo o aumento do salário médio, pelo menos. A carestia da comida, por sua vez, foi equivalente ao dobro do crescimento médio dos rendimentos do trabalho. A recuperação do PIB desde o novo buraco profundo, causado pela epidemia, não é e tão cedo não será acompanhada pelo avanço do emprego.

É fácil entender porque o governo anunciou com tanta tranquilidade a prorrogação do auxílio emergencial até pelo menos setembro e prometeu uma ampliação do Bolsa Família até o final do ano, além de um programa subsidiado de estágios para jovens, o BIP-BIQ.

Parte importante do prestígio político do governo vai balançar entre o peso da inflação e do desemprego na vida dos mais pobres e o contrapeso dos remendos que puder arranjar contra a miséria.

Celso Ming - Inflação mais forte

- O Estado de S. Paulo

Ainda que a inflação desacelere nos próximos meses, o Banco Central precisará adotar uma postura mais firme porque será difícil reduzi-la em 12 meses para menos de 6%

Não é só o avanço do PIB que vem surpreendendo. Surpreendeu, também, desta vez negativamente, a inflação de maio, que foi de 0,83%, depois do 0,31% de abril, acima das estimativas correntes, que eram de 0,65% a 0,76%.

Com isso, a inflação acumulada no ano ficou em 3,22% e, em 12 meses, em 8,06%. A meta deste ano para a qual o Banco Central deve calibrar os juros básicos (Selic) é de inflação de 3,75%. Como o intervalo de tolerância dessa meta é de 1,5 ponto porcentual tanto para cima como para baixo, o limite superior é 5,25%, que vai sendo amplamente estourado pela inflação em 12 meses e pelas projeções do mercado.

Ainda que, nos próximos meses, a inflação mensal tenda a ser bem mais baixa, será difícil reduzi-la em 12 meses para menos de 6,0%, especialmente agora que se agrava a crise hídrica e que a disparada dos preços no atacado tende a ser repassada para o varejo (custo de vida).

Fabio Graner - PIB encosta em nível que teria sem crise, diz SPE

- Valor Econômico

Professor da Unifesp vê problemas para manutenção da retomada

A recuperação da economia brasileira em ritmo mais forte do que o esperado colocou o país apenas 2% abaixo do que estaria, caso a tendência de crescimento dos anos de 2017 a 2019 não tivesse sido interrompida pela recessão da covid-19. O cálculo é da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia e foi antecipado ao Valor pelo subsecretário, Fausto Vieira, da área macroeconômica da pasta.

Essa distância pode até ser eliminada, ainda neste ano, o que seria inédito nos dez episódios de retrações do nível de atividade vividos pelo Brasil desde 1980, avalia Vieira. Mesmo que esse prognóstico não se confirme, ele diz que a distância de 2% em relação à tendência sem a crise é um evento raro, só ocorrido após a recessão de 2001, evidenciando o bom desempenho da atividade. Nas outras recuperações, esse espaço foi bem superior, com no mínimo 5% de distância ante a trilha original.

O economista do governo ressalta que a literatura mostra não ser só no Brasil que há dificuldade de se alcançar o nível em que a economia estaria sem o evento negativo. Em geral o que se perdeu não se recupera nunca mais, e isso é mais frequente em países pobres.

Míriam Leitão - Reformas ruins e o engano do mercado

- O Globo

A inflação deu um salto e foi a 8% em 12 meses, um mês antes do que era projetado. Deve terminar o ano estourando o teto da meta. Por uma dessas esquisitices fiscais brasileiras, o fato de o pico ser no meio do ano permitirá ao governo gastar mais em 2022. O PIB deve crescer mais de 4% este ano, porém a conjuntura é marcada pelo alto desemprego e nenhuma garantia de crescimento sustentado. No mercado financeiro, analistas avaliam que a situação fiscal melhorou após a aprovação do Orçamento e o andamento das reformas. É mais um momento de autoengano do mercado. As reformas são ruins, o Orçamento tem gambiarras e este governo corta gastos apenas das áreas que quer perseguir.

O quadro econômico ficou ainda mais difícil com a má notícia de ontem, da inflação. Os preços têm pressionado, e aqui na coluna antecipamos esse movimento de alta no acumulado de 12 meses. A surpresa é que o fenômeno foi mais forte. A previsão do professor Luiz Roberto Cunha era de que o acumulado em 12 meses chegaria a 8% em junho. Atingiu 8,06% com o número de maio. Cunha informa que o índice permanecerá alto por vários meses até novembro, caindo ligeiramente para o nível de 7%. E que pode ficar entre 6% e 6,5% no fim do ano. Isso estoura o teto da meta que é de 5,25%.

*Cláudio de Oliveira – É imperioso retomar a CPI das Fake News

É imperioso que Câmara e Senado retomem as atividades da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investiga as fake news. Essa necessidade foi reforçada depois de Luiz Henrique Mandetta revelar um possível gabinete paralelo, no qual o presidente da República se aconselharia para decidir as ações do governo na pandemia do coronavírus ao largo do Ministério da Saúde. O ex-ministro revelou ainda a participação de destaque em reuniões do filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro, sem função governamental oficial.

A existência desse gabinete paralelo foi reafirmada pelo depoimento de Antônio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa, à CPI da Covid-19. Segundo ele, em uma reunião com a presença da médica oncologista Nise Yamaguchi, foi proposta a alteração da bula da hidroxicloroquina com o objetivo de indicá-la no trata­mento do Sars-CoV-2. Como se sabe, as instituições científicas e médicas já comprovaram a ineficácia desse e de outros medicamentos no combate à Covid-19.

Os depoimentos posteriores do gerente-geral da Pfizer para a América Latina, Carlos Murillo – que relatou as dificuldades e atrasos para a venda de vacinas ao governo brasileiro –, do ex-secretário de Comunicação Social Fabio Wajngarten, da secretaria do Ministério da Saúde Mayra Dias e da médica Nise Yamaguchi fortaleceram na CPI a convicção da maioria dos seus membros de que as decisões de políticas de saúde passaram pelo chamado gabinete paralelo e em contrário ao Ministério da Saúde.

O depoimento da médica infectologista Luana Araújo, vetada pelo Palácio do Planalto para assumir a recém-criada Secretária Extraordinária de Enfrentamento à Pandemia a convite do ministro Marcelo Queiroga, mostra que as injunções políticas continuam a sobrepor à ação do  Ministério da Saúde na atual crise sanitária. A infectologista era e continua contrária ao uso da hidroxicloroquina e outros medicamentos do “tratamento precoce”, motivo das demissões de Mandetta e do médico Nelson Teich da pasta da Saúde.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

A rede de mentiras e desinformação no Palácio do Planalto

O Globo

Para informações que incomodam, todo governo quer impor sigilo. Não é outro o motivo que levou o Exército a decretar cem anos de segredo ao processo administrativo aberto contra o ex-ministro e general da ativa Eduardo Pazuello, por ter participado de manifestação política ao lado do presidente Jair Bolsonaro. O mesmo prazo secular foi imposto pelo Palácio do Planalto em instâncias prosaicas, como a carteira de vacinação de Bolsonaro, ou bem mais relevantes, caso da identidade dos servidores que acessam perfis oficiais nas redes sociais.

Foi decisiva, para entender a comunicação digital do Planalto, a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que levantou o sigilo sobre o inquérito que apura a participação de políticos em atos antidemocráticos. Moraes destampou um bueiro que já exala um odor nada agradável, que todas as evidências revelam emanar do Planalto. O relatório produzido pela Polícia Federal (PF) no âmbito do inquérito ainda deverá ser esmiuçado, mas o que já se descobriu é suficiente para comprovar o envolvimento de expoentes do bolsonarismo em episódios para lá de suspeitos.

Os policiais partiram da análise técnica do Digital Forensic Research Lab (DFRLab), vinculado ao americano Atlantic Council, que documentou o uso das redes sociais bolsonaristas para disseminar desinformação. De acordo com reportagem do GLOBO, o assessor presidencial Tercio Arnaud Tomaz é apontado pela PF como chefe do “gabinete do ódio”, que comandava a publicação de conteúdos fraudulentos sobre a Covid-19 e desferia ataques a políticos rivais e ex-aliados de Bolsonaro. Tomaz operava, de dentro do Planalto e até do condomínio onde mora a família Bolsonaro, um perfil com 492 mil seguidores no Facebook e mais de 11 mil no Instagram, com um nome autoexplicativo: “Bolsonaronews”.

Enquanto esteve no ar, o “Bolsonaronews” veiculou elegias à cloroquina e alvejou os principais opositores de Bolsonaro: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os ex-ministros Sergio Moro e Henrique Mandetta, o ex-governador Wilson Witzel e o deputado Rodrigo Maia (RJ), ainda presidente da Câmara. Partiram de órgãos públicos, segundo a polícia, acessos a páginas de desinformação operadas por assessores do senador Flávio Bolsonaro e do deputado federal Eduardo Bolsonaro.