domingo, 27 de junho de 2021

Entrevista | Roberto Freire defende inclusão de “arrependidos” em frente anti-Bolsonaro

Presidente do Cidadania quer que movimento contra o presidente não vete ninguém: "Bolsonaro é protofascista, mas nem todo eleitor dele é"

Luciana Lima / Metrópoles

Recém-chegado no grupo de partidos que tentam formar uma frente para tirar o presidente Jair Bolsonaro do poder, o presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, tem defendido, cada vez mais, o caráter amplo da empreitada. Para Freire, dois pontos devem ficar bastante explícitos para que a frente triunfe. Um deles é que as participações tenham caráter realmente “amplo”: “Não se pode vetar ninguém”, defendeu. Em relação aos objetivos, Freire também é claro: “Não pode ter caráter eleitoral, rumo a 2022”, destacou.

“A primeira coisa que a gente tem que ter em mente é que essa frente não trata de 2022. Na hora que entrar qualquer discussão eleitoral, dificilmente se fará uma frente contra o desmantelo que aí está. Não posso estar falando quem é que vai se coligar, ou não, que alternativas. Se eu antecipar essa discussão, eu me esqueço de qual é a nossa tarefa imediata.”

Roberto Freire é dirigente partidário desde o período da repressão. Antes, era do PCB, antigo “partidão”, do qual saiu em 1992 para fundar o Partido Progressista Socialista (PPS). Deixou no início dos anos 1990 o peso do termo comunista, aderindo a uma postura mais liberal. Em 2019, mais uma carga ideológica foi retirada de sua vida e da própria legenda. Na onda de siglas que tentavam se desvencilhar dos desgastes políticos atrelados aos partidos, o PPS deixou de uma vez só os termos “partido” e o desgastado “socialista”, mudando para Cidadania.

Em entrevista ao Metrópoles, Freire ressaltou a necessidade de que o movimento, que vem sendo chamado de “Janela para a Democracia”, não exclua ninguém, principalmente os “bolsonaristas arrependidos”. “Uma atitude que eu tenho é de defender nessa frente ampla que estejamos abertos para os dissidentes. Eu defendo isso claramente. Não temos que ter veto a ninguém que queira vir defender a democracia e se opor ao governo Bolsonaro. Não tem que ter veto”, enfatizou.

 “Bolsonaro é protofascista, não resta dúvida, mas nem todo eleitor dele é fascista”

Ao falar sobre a resistência à ditadura, ele lembrou o exemplo de Teotônio Vilela, que se transformou em um símbolo de luta pela anistia.

“Aprendi isso muito bem, foi fundamental. Nós, do velho PCB, tínhamos essa mesma compreensão na luta contra a ditadura. Quem quisesse lutar contra a ditadura que viesse se integrar e não tínhamos por que vetar. Teotônio era da Arena, tinha apoiado o golpe em 1964. Ele veio e se transformou em um símbolo da luta pela anistia e pela democracia. Por isso, eu não tenho porque vetar quem quiser vir defender a democracia e se opor a esse governo obscurantista e irresponsável”, defendeu.

Freire, que chegou ao movimento convidado pelo presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, já tem mantido conversas com lideranças do DEM, do PSDB e do MDB para atraí-los para a frente. Já em relação ao seu partido, que tem oito deputados na Câmara, luta internamente para vencer a narrativa de alguns membros de que ainda não é o momento de ingressar na defesa do impeachment.

 “O Cidadania, como partido, ainda está discutindo. Tem alguns que ainda acham que não é o momento e então estamos com um certo cuidado. Mas eu, pessoalmente, acho que é a alternativa que temos, pelo desmantelo, total insensatez e irresponsabilidade do presidente. Estou falando desmantelo, para não ficar citando crimes que ele comete, de responsabilidade e alguns até comum”, observou.

Merval Pereira - Os nossos heróis

O Globo

O Brasil sempre foi um país peculiar, de heróis improváveis, mas, da redemocratização para cá, têm se repetido situações estranhas, como a que vivemos hoje, quando heróis transformam-se em bandidos e vice-versa, com a facilidade com que os móbiles mudam de posição de acordo com os ventos.

O presidente Bolsonaro, envolvido em escândalos de corrupção que prometeu combater, desnuda-se ao vivo diante do país na transmissão televisiva da CPI.  O deputado Luis Miranda, chegado dos Estados Unidos onde montou uma série de empreendimentos suspeitos que lesaram diversos investidores, e até hoje responde a processos na Justiça de Brasília, tornou-se da noite para o dia o herói do momento ao denunciar a suspeitíssima compra da vacina indiana Covaxin.

O senador Renan Calheiros, outro que anda às voltas há anos com investigações e denúncias, é o inquisidor-mor, que leva o governo às cordas como se fosse um paladino da Justiça. O ex-deputado Roberto Jefferson, que se tornou herói nacional ao denunciar o esquema do mensalão depois de ter se sentido traído pelo então superministro José Dirceu na divisão do butim dos Correios, hoje é um tresloucado defensor de milícias e, armado, aparece dia sim, outro também, nas redes sociais defendendo a eliminação física dos adversários.

Antes, Pedro Collor já aparecera como herói denunciando seu irmão presidente por falcatruas com PC Farias das quais fora barrado pela ganância da dupla. O governo do PT que, segundo Dirceu dizia “não rouba nem deixa roubar”, viu-se metido em trapaças continuadas, do mensalão ao petrolão, que levaram a uma devastação de sua cúpula, indo a maioria para a cadeia, inclusive o ex-presidente Lula.

Bernardo Mello Franco – O operador

O Globo

Ricardo Barros é a bola da vez no rolo da vacina. Com o filho no enredo, Bolsonaro terá dificuldade para se livrar logo do operador

O PP barganhou o Ministério da Saúde para votar a favor do impeachment de Dilma Rousseff. Ao assumir a Presidência, Michel Temer cumpriu o combinado. Entregou a pasta a Ricardo Barros, um deputado patrocinado por empresas de seguros.

Ao saber da nomeação, o veterano Paulo Maluf fez piada: “Ele não é médico, mas entende de operações”. Falava com conhecimento de causa. Barros era tesoureiro do PP, o partido com mais políticos na mira da Lava-Jato.

Na primeira semana no cargo, o ministro defendeu uma redução na cobertura do SUS e informou que não pretendia fiscalizar a qualidade dos planos de saúde. Pouco depois, disse que pacientes inventam doenças e que médicos fingem que trabalham.

As provocações distraíram a plateia enquanto Barros fazia o que sabe. Numa de suas operações, a pasta pagou R$ 20 milhões por remédios que nunca foram entregues. Segundo a Procuradoria, o golpe causou a morte de 14 pacientes com doenças raras. O caso envolvia o empresário Francisco Maximiano, agora citado no rolo da Covaxin.

Em 2017, a Comissão de Ética Pública concluiu que Barros usou o cargo para fazer campanha, prometendo verbas e hospitais em redutos de aliados. A advertência deu em nada. Ele continuou no governo até o prazo limite para concorrer ao sexto mandato.

Em agosto passado, Jair Bolsonaro recrutou o ex-ministro para operar em seu nome na Câmara. “Eu o convidei e ele aceitou prontamente a honrosa missão de liderar o governo. Para nós é muito bom”, disse o presidente. “Estou muito grato e muito feliz com a chegada dele para nos ajudar a mudar o Brasil”, animou-se.

Eliane Cantanhêde – É ‘rolo’!

O Estado de S. Paulo

Por que Bolsonaro lavou as mãos para o rolo de milhões de dólares justamente na Saúde?

O presidente Jair Bolsonaro vem perdendo condições de governabilidade rapidamente. Esta realidade está aí, à vista de todos, mas ele é incapaz de reagir demonstrando alguma capacidade de liderança, reassumindo seu próprio governo, dando um choque de gestão e adotando um discurso minimamente condizente com o tamanho da crise – crise dele e do País. Bolsonaro está fora de órbita e seu governo, perdido no espaço.

Não, o presidente não é acusado de comandar ou arquitetar a negociação espantosa da vacina Covaxin. A questão é de prevaricação e expõe o quanto ele não governa, não quer saber, não dá bola para o que acontece nos ministérios e no País e está mergulhado até o último fio de cabelo no Centrão, na defesa dos filhos, na sua própria ideologia e, acima de tudo e de todos, na sua reeleição.

O funcionário concursado Luís Ricardo Miranda e seu irmão, deputado Luis Miranda, foram à residência oficial do presidente num sábado, relataram a pressa e a pressão no Ministério da Saúde em favor da Covaxin e entregaram a ele a nota fiscal (NF) com discrepâncias graves em relação ao contrato. Não erros burocráticos, superficiais nem “de digitação”, mas uma evidente tentativa de roubo do dinheiro público. Na compra de vacinas!

Luiz Carlos Azedo - Só falta a propina

Correio Braziliense / Estado de Minas

Para completar o clima noir na CPI da Covid-19, surgiu uma mulher fatal: a servidora do Ministério da Saúde Regina Célia Silva Oliveira, que autorizou a importação da Covaxin

Antes de mais nada, dois raciocínios básicos: primeiro, quando as políticas públicas deixam de levar em conta a vida banal, ou seja, o dia a dia das pessoas que deveriam beneficiar, estão capturadas por grandes interesses privados; segundo, todo crime deixa um rastro e tem uma motivação, como nos romances noir. Nesse leito, os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid do Senado são como um trem em movimento, têm que chegar na última estação (se não descarrilarem no meio do caminho, é claro). Pois bem, a suspeita de compra superfaturada de 20 milhões de doses da vacina Covaxin pelo governo federal, assunto investigado pela CPI, chegou ao gabinete do presidente Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto. Mais uma vez, ninguém sabe como uma CPI vai terminar.

Na sexta-feira, em depoimento na CPI, pressionado pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Simone Tebet (MDB-MT), o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) afirmou que o presidente Bolsonaro sabia que o deputado Ricardo Barros (PP- PR), líder do governo no Congresso, estaria envolvido em suspeitas de irregularidades no processo de compra da vacina Covaxin. “Foi o Ricardo Barros que o presidente falou”, disse. O parlamentar e seu irmão, o servidor Ricardo Luis Miranda, se encontraram com Bolsonaro no dia 20 de março para relatar denúncias de irregularidades na importação da vacina. Segundo Miranda, o presidente afirmou que levaria a denúncia ao delegado-geral da Polícia Federal (PF), o que não foi feito.

Ricardo Noblat - Partidos enterram de vez o retorno do voto em cédula

Blog do Noblat / Metrópoles

Mais uma promessa de campanha de Bolsonaro que não será cumprida

Os partidos, por meio dos seus representantes, sabem onde lhes apertam os calos. Cada um tem mais filiados enrolados com a justiça. Todos dependem da boa vontade dos juízes que têm a força para selar o seu destino. A Justiça Eleitoral, mas não só, é contra a volta do voto impresso. Então por que contrariá-la?

É menos arriscado contrariar Jair Bolsonaro que defende a volta do voto em cédula. Tanto mais porque ele, hoje, é um presidente enfraquecido – perde para Lula nas pesquisas de intenção de voto, e acaba de ser atingido pela denúncia de que acobertou a compra superfaturada da vacina indiana Coaxin.

Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, antecipou a Bolsonaro as dificuldades para aprovação no Congresso de emenda à Constituição que troca o voto eletrônico pelo impresso. Na Câmara, com um esforço hercúleo, ela até poderia passar, mas custaria caro. No Senado, dificilmente passaria.

Foi o que se confirmou ontem. Onze presidentes de partidos, mais da metade deles que apoia o governo, reuniram-se em videoconferência e disseram ser a favor da manutenção do voto eletrônico. Os onze partidos: PSDB, MDB, PP, DEM, Solidariedade, PL, PSL, Cidadania, Republicanos, PSD e Avante.

O mais longo dos dias para Bolsonaro, que começou na última quarta-feira 23 por obra e graça dos irmãos Miranda, está muito longe de terminar.

Lourival Sant'Anna – Polidez e grosseria


O Estado de S. Paulo

Novo surto de populismo e autoritarismo no mundo normaliza grosseria

No Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, o filósofo francês André Comte-Sponville define a polidez como “a primeira virtude e, quem sabe, a origem de todas”. Também a chamamos de bons modos, educação ou gentileza, mas “polidez” tem a mesma origem de “política”. Pertencem ao mesmo lugar: a polis, a cidade. Não é possível conviver bem em sociedade na falta de uma e de outra. Tanto que a grosseria de um líder revela suas intenções autoritárias.

Esse novo surto de populismo e autoritarismo no mundo vem acompanhado de uma normalização da grosseria. A polidez é a domesticação de nossos instintos. Todos temos impulsos agressivos. A educação nos ensina a não sermos arrastados por eles. É o que nos separa dos animais – e dos mal-educados.

A educação impõe limites ao indivíduo. Populistas e autoritários, que no fundo são o mesmo líder em estágios diferentes, rejeitam limites ao seu poder. Daí a sua rejeição à política, a arte da negociação e da concessão. Seu ponto de partida é o não pertencimento à polis, ao urbano. Por isso, suas referências a um país profundo, sua nostalgia rural, suas fantasias de um passado rústico, sua desconfiança da inovação, da ciência, da gestão.

O alvo preferencial da grosseria desses líderes são as jornalistas. Em seu imaginário, jornalistas estão à sua mercê: são obrigados a ouvir em silêncio o que eles têm a dizer. Essa é também a sua primitiva percepção das mulheres: seres criados para aturar sua grosseria, inconsistências e inseguranças. 

Esses líderes são grosseiros com todos que os frustram. Mas eles crescem diante das mulheres, dada a mescla de insegurança e covardia, central em sua psique. Quando se sentem desafiados intelectualmente por uma mulher, diante de uma pergunta para a qual não têm resposta, partem para o ataque, como um rato acuado.

Rolf Kuntz - Acuado, Bolsonaro fecha-se cada vez mais em seu mundo

O Estado de S. Paulo

Com o escândalo da vacina, nem sobrou tempo para festejar a saída do incendiário

Sai o ministro da fogueira, do desmatamento e da porteira aberta para a devastação, mas fica o devastador-mor, seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro. Não valeria a pena gastar rojões para festejar, nem haveria tempo para uma celebração. Mais um escândalo, o da vacina indiana, a Covaxin, já dominava o noticiário. Além disso, logo em seguida sairia mais um lembrete da situação miserável de milhões de brasileiros. Com a disparada dos preços, viver ficou 8,13% mais caro nos 12 meses até junho, segundo a prévia da inflação divulgada na sexta-feira. Sem folga no orçamento, as famílias têm sido forçadas a enfrentar grandes aumentos de itens essenciais, como comida, eletricidade, gás de cozinha e gasolina. Se os freios funcionarem, a taxa anual ficará em 5,9% até dezembro, segundo o mercado, ou 5,8%, de acordo com o Banco Central (BC).

Se qualquer dessas previsões se confirmar, a inflação, além de ficar muito acima da meta oficial, 3,75%, ainda vai estourar o limite de tolerância, fixado em 5,25%. A prévia, desta vez apurada entre 14 de maio e 14 de junho, é conhecida oficialmente como Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15).

Para conter a onda inflacionária, o BC continuará aumentando os juros básicos. Até dezembro poderá elevá-los dos atuais 4,25% para 6,25% ou 6,5%, mas, ainda assim, a inflação deverá permanecer bem acima dos padrões internacionais. Negociações entre inquilinos e proprietários mantiveram os aluguéis em níveis toleráveis. De resto, as famílias seguem tentando cortar gastos e pechinchando quando possível.

Míriam Leitão - Economia não salva, estúpido

O Globo

O governo Bolsonaro acabou diante dos olhos da Nação. Hoje, duas pessoas tentam dar a ele sobrevida por estarem em postos estratégicos: Augusto Aras e Arthur Lira. A popularidade despencou, os abusos do presidente contra a vida humana são reiterados por ele mesmo. É repulsivo ver o presidente expondo duas crianças ao vírus. O golpe de morte foi dado na CPI, na sexta-feira, quando ficou claro que Bolsonaro sabia que havia corrupção no Ministério da Saúde, e que um dos responsáveis era seu líder na Câmara. Há uma aposta feita por governistas, a de que a economia o salvará. Alguns indicadores vão de fato melhorar nos próximos meses, mas o desconforto econômico permanecerá e há outros elementos poderosos na perda de competitividade eleitoral de Jair Bolsonaro.

A economia não salva um presidente responsável por uma tragédia humanitária, que ameaça a democracia e ainda tem o governo envolvido em corrupção. A economia sempre será importante na avaliação dos governos e no resultado eleitoral. Por isso ficou tão famosa a expressão do estrategista eleitoral James Carville de que “é a economia, estúpido”. E é nisso que se agarra o governo no momento. Afinal, os bancos estão aumentando a projeção de crescimento do PIB para este ano. O crescimento vai permitir a recuperação da popularidade de Bolsonaro? O economista José Roberto Mendonça de Barros não acredita nisso e dá três razões:

Armínio Fraga - O futuro do país do futuro

Folha de S. Paulo

O tema do crescimento tem implicações para as duas candidaturas já postas

Aproxima-se rápida e precocemente a campanha para as eleições presidenciais. O clima está tenso e tende a piorar. Estamos caminhando para opções insatisfatórias ano que vem. Mas ainda há tempo para a construção de uma alternativa superior.

Enquanto isso, segue o desmonte em áreas estratégicas, promovido pelo atual governo. E começa o campeonato de versões sobre o passado. Compartilho o temor geral de que estejamos vivendo um golpe em câmera lenta contra a democracia, à maneira deste século. Ou pior. Essa é a principal ameaça que o Brasil enfrenta. E olhem que a pandemia ainda não está sob controle.

Mas vamos hoje falar de crescimento. Mostrar crescimento sempre tem apelo eleitoral. O tema tem implicações para as duas candidaturas já postas. No caso de Bolsonaro, os 5% ou mais projetados para este ano e o provável impacto do fim da pandemia ano que vem (a despeito de suas escolhas de política sanitária). No caso de Lula, o seu legado.

Começo com alguns detalhes técnicos. É preciso distinguir entre recuperação e crescimento. Em ambos os casos há aumento do nível de atividade. Mas o termo crescimento deveria ser reservado para aumentos em termos reais e prolongados. Parte do crescimento decorre do mero aumento da população, o que não leva a um aumento da renda (ou PIB) per capita, o critério adequado para comparações ao longo do tempo e entre países.

Passemos a um pouco de história. Durante o período do chamado milagre econômico (1950-1980), o PIB brasileiro aumentou cerca de 9 vezes, o que equivale a 7,4% ao ano. Espetacular. Foi um período de urbanização e industrialização. Como no período o crescimento da população foi acelerado, o PIB per capita cresceu bem menos, 4,4% ao ano, um resultado ainda muito impressionante.

Vinicius Torres Freire - Ricos e pobres na queda de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Pixuleco da vacina, baixa da popularidade e até reforma do IR aumentam tensão

O plano de mudança do Imposto de Renda de Jair Bolsonaro não pegou nada bem entre ricos, financistas, tributaristas variados e entre a classe média-rica que já se deu conta do que se passa. Para ser justo, reforma tributária quase alguma faz sucesso de público, pois ainda se está para ver mudança que diminua imposto em regra, em geral.

No entanto, não importa o motivo, se interesse cru ou crítica à técnica tributária ruim dessa reforma, a reação vai chegar ao Congresso.

A pressão na política da tributação vai aumentar, pois já ocorre briga feia por causa da criação da Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS), que aumentaria impostos de certos setores empresariais.

O benefício indubitável da mudança no IR vai apenas para os futuros isentos, talvez 5 milhões de contribuintes. O pessoal de baixo da pirâmide daqueles que pagam IR pode até pagar mais. A maioria restante do país, que mal sabe o que é renda ou vive no aperto muito sofrido, menos ainda ligará para Imposto de Renda.

Bruno Boghossian -Barros e Bolsonaro são um só

Folha de S. Paulo

Bolsonaro está amarrado a Barros e centrão na crise da Covaxin

Jair Bolsonaro assumiu a responsabilidade pela negociação da Covaxin no momento em que foi avisado das suspeitas sobre aquele acerto. “Se eu mexo nisso aí, você já viu a merda que vai dar, né?”, disse o presidente, segundo o deputado Luis Miranda (DEM-DF).

Tudo indica que a ideia era abafar o caso para evitar um terremoto nas relações entre o Planalto e o centrão. De acordo com o depoimento dado à CPI da Covid, Bolsonaro apontou o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), como provável operador do negócio. Esse enrosco político vai determinar o desfecho da crise e a sobrevivência do presidente.

Bolsonaro e Barros estão amarrados. A CPI ainda vai investigar se os dois eram beneficiários do potencial trambique, se houve mero desinteresse em investigar as suspeitas ou se o presidente deixou o esquema rolar para não atrapalhar o aliado. Em qualquer das hipóteses, o Planalto não conseguirá se desvencilhar sem que o governo desmorone.

Janio de Freitas – O carcereiro está à espera

Folha de S. Paulo

A duradoura e livre sabotagem a vacinas não veio (só) do negacionismo

Por trás dos milhões de mortes, o desespero brasileiro pelas vacinas sabotadas. Por trás das duas imposições trágicas, uma fortíssima ação quadrilheira a causá-las e explorá-las. Jair Bolsonaro está em fuga, como o Lázaro nas matas de Goiás. Com a diferença de que centenas de policiais caçam um serial killer, e o outro tem a Polícia Federal sob controle e a favor também dos comparsas.

Aconteciam coisas nos três dias anteriores ao vazamento do tumor lancetado pelos irmãos Miranda. Atitudes disfarçadas, fora de sintonia com as circunstâncias e, no entanto, sugestivas de serem assim por intenção. Nenhuma resposta do vice Hamilton Mourão a Roberto D’Ávila, por exemplo, dispensou uma mensagem inexplícita, mas inequívoca. O homem calmo, “de direita em economia”, mas “não na vida em geral”, ao lado de Bolsonaro por lealdade. E “se o substituir” —o restante nem importa.

No mesmo dia, Arthur Lira, presidente da Câmara no velho estilo, saía dizendo a Evandro Éboli e Thiago Bronzatto patatices ostensivas, mas não gratuitas. “A CPI é um erro”, “não vai trazer efeito algum”, “falta circunstância” para impeachment, “não houve demora para compra de vacinas”. “Não sou governo”, mas age para e com Bolsonaro. Nada firme, tudo maleável, lá e cá. Assim, nessa hora, nada é de graça em quem ocupa posto de observação privilegiada. Como dizendo vários “olha, eu não estou na armação do que está vindo aí”.

Não precisariam estar. As revelações enfim encontraram o caminho certo. O governo de Bolsonaro não é só um bando de saudosistas da ditadura a empurrar a democracia de volta ao abismo. Ligações com milicianos, compras sucessivas de imóveis, facilidades ao desmatamento ilegal e ao contrabando de madeira, como ao garimpo ilegal e ao contrabando de ouro, negócios com cloroquina aqui e no exterior, desvio de dinheiro público em Câmaras, todas as medidas necessárias para bloquear a ação legal das polícias, e mais e mais. Nada disso vem da índole autoritária: é bandidagem muito lucrativa. Para a qual o autoritarismo e a intimidação servem, além do que lhes é próprio, de instrumento múltiplo.

Dorrit Harazim - A chance

O Globo

O mundo precisa lavar-se e pausar por uma semana, escreveu em 1947 W.H. Auden, um dos mais admiráveis autores de língua inglesa do século XX. O verso no original tem aparência ainda mais simplória quando retirado de seu conjunto — o monumental poema “The age of anxiety” (A era da angústia), quase tão extenso quanto um livro. Nele, Auden trata da busca humana por algum significado e identidade no mundo cambiante do pós-Segunda Guerra. Na narrativa em verso, quatro personagens reunidos num bar de Nova York contemplam onde foram parar suas vidas, sonhos e perdas. Hoje, passados quase 80 anos, cá estamos, igualmente aflitos e perturbados com a condição humana, o tempo a escoar, a pandemia a cavalgar, o futuro de cada um em suspenso. Juventude, posses, família, relacionamentos, esperança, status social, tudo parece incerto, adiado ou precário.

Aquém do noticiário nacional de emergência máxima (a combustão acelerada de Jair Bolsonaro graças à investida letal da CPI da Covid), sempre aparece um fait-divers que também diz montes sobre o Brasil miúdo. Dias atrás, o repórter Artur Rodrigues, da Folha de S.Paulo, pinçou um anúncio publicado num site de vagas de emprego, o Trabalha Brasil. Rodrigues apontou uma novidade trazida pela Covid-19 ao anúncio: a exigência de a candidata ao emprego ter tomado a vacina da Pfizer.

Pela descrição da vaga em Campinas (SP), um casal oferecia R$ 1.600 mensais a uma “babá/governanta” para cuidar de duas crianças, organizando suas rotinas, alimentação, atividades diárias (estudos, cursos, lazer). Fossem estrangeiros, a remuneração oferecida seria escandalosa. Pagar o equivalente a US$ 320 mensais por 160 horas trabalhadas (ou seja, US$ 2 a hora) é tido como ilegal em qualquer país desenvolvido do planeta. A exigência de cinco dias da semana no emprego, mais meio sábado, por salário tão minguado também seria tachada de exploração abusiva.

Elio Gaspari - Lorenzoni torturou os fatos

O Globo / Folha de S. Paulo

Ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência assumiu o comando da tropa de choque que defende o governo no estrambótico caso da Covaxin

O ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, assumiu o comando da tropa de choque que defende o governo no estrambótico caso da Covaxin com uma afirmação temerária:

“Quero lembrar aqui que este governo está no trigésimo mês sem nenhum caso de corrupção. Vou repetir: trigésimo mês sem nenhum caso de corrupção e assim ele continuará. Porque gostem ou não, nós somos diferentes”.

Diferenças, sempre as há. Ao contrário de outros candidatos que embolsam dinheiro de caixa dois de empresas, negam e se protegem com a lentidão da Justiça, Lorenzoni admitiu ter recebido R$ 300 mil da generosa JBS e pagou uma multa de R$ 189 mil.

O problema está nas semelhanças.

O caso da Covaxin tomou o devido tamanho porque um servidor e seu irmão deputado (governista) denunciaram a maracutaia. Lorenzoni anunciou que o governo vai processá-los.

O ministro torturou os fatos quando disse “este governo está no trigésimo mês sem nenhum caso de corrupção”.

Bolsonaro e o doutor Lorenzoni estavam no Planalto havia doze meses quando o repórter Aguirre Talento revelou que a Controladoria-Geral da União achou um gato na tuba de um edital do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Tratava-se de uma compra de equipamentos eletrônicos para a rede pública de ensino. Coisa de R$ 3 bilhões, valor cerca de duas vezes superior ao total do contrato da vacina indiana.

Malu Gaspar - CPI da Covid será prorrogada para investigar denúncias de corrupção no contrato da Covaxin

O Globo

Os senadores do grupo que reúne a maioria dos senadores na CPI da Covid saíram do depoimento dos irmãos Miranda sobre suspeitas de corrupção no contrato da Covaxin com uma certeza: diante dos novos fatos e linhas de investigação, será inevitável prorrogar a CPI. 

O grupo de independentes e de oposição na CPI tem sete dos onze senadores. "Chegamos à conclusão ontem de que será preciso prorrogar", diz Alessandro Vieira (Cidadania-SE). "Não há outra alternativa".

Segundo o senador, a prorrogação da CPI será colocada em votação (e aprovada) na próxima semana. Com isso, os trabalhos que deveriam terminar em 7 de agosto só serão finalizados 90 dias depois, no início de novembro. 

Entre as providências que deverão ser tomadas estão a convocação para depor do deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo. Também serão pedidas novas quebras de sigilo e novos depoimentos, para averiguar e aprofundar as denúncias feitas pelos irmãos Miranda.

Hélio Schwaetsman - Entre o amor e o mal

Folha de S. Paulo

Há perdão para pessoa do seu círculo de relacionamentos que abraçou o hitlerismo?

Há perdão para os nazistas? A resposta “não” é a mais frequente e torna-se praticamente obrigatória se você for uma mulher, alemã, judia e chegou a ficar presa num campo de internamento. Mas e se, em vez de um nazista abstrato, nos referirmos a uma pessoa do seu círculo de relacionamentos que abraçou o hitlerismo?

Poucos filósofos pensaram o mal e a política com a originalidade e a profundidade de Hannah Arendt. A expressão “banalidade do mal”, que ela cunhou para expressar a sem-cerimônia e a irreflexão com que pessoas comuns atuando em regimes totalitários cometiam as piores ignomínias, entrou para a cultura popular. Ainda assim, Arendt não escapou à armadilha descrita no parágrafo anterior.

Hannah Arendt perdoou Martin Heidegger, filósofo que ganhou uma cadeira de reitor por bajular Hitler, que manteve a carteirinha do partido até 1945 e que jamais fez uma autocrítica de sua ligação com os nazistas, mesmo tendo morrido só em 1976. Heidegger fora mentor e amante de Arendt, e eles voltaram a ver-se e a escrever-se após a guerra.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

A grande obra de Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

A mais recente pesquisa de intenção de voto para presidente produzida pelo instituto Ipec mostra o ex-presidente Lula da Silva com 49%, contra 23% do presidente Jair Bolsonaro. Se as eleições fossem hoje, seriam grandes as possibilidades de o petista vencer ainda no primeiro turno.

Felizmente ainda faltam 16 meses para a votação, e nem se sabe bem quem serão os candidatos – salvo Lula da Silva e Bolsonaro, que nunca descem do palanque. Portanto, não é possível cravar que esse cenário tétrico se manterá.

Mas a pesquisa mostra um fato cristalino: é Bolsonaro quem está fortalecendo a candidatura de Lula da Silva. Quando se observa o potencial de voto, saltou de 50% para 61%, de fevereiro para cá, a parcela de entrevistados que dizem que poderiam votar ou votariam com certeza em Lula. Já os que dizem que não votariam em Lula de jeito nenhum passaram de 44% para 36%.

Com Bolsonaro, o cenário se inverte. Saltou de 56% para 62% o porcentual dos que dizem que não votariam no presidente de jeito nenhum, enquanto a parcela dos que se dispõem a votar nele caiu de 38% para 33%.

Não é preciso ser estatístico para observar que Lula da Silva herdou parte do potencial de voto de Bolsonaro, e sem fazer força. O líder de um partido que, quando esteve no poder, se envolveu em grossas traficâncias, provocou inédita crise econômica e foi pivô da profunda cisão que a sociedade brasileira experimenta há anos, o que em qualquer lugar civilizado resultaria em ostracismo político, hoje surge como grande favorito a retomar a Presidência. Eis a grande obra de Bolsonaro.

O presidente está se esforçando com denodo para viabilizar a volta de Lula da Silva. Depois de dois anos e meio de absoluta inércia administrativa, em que passou mais tempo em palanques e se divertindo em praias e passeios, enquanto gastava energia sabotando os esforços para combater a pandemia de covid-19, criando crises com o Judiciário, o Congresso e os militares e investindo no isolamento do Brasil no mundo, o presidente colhe os frutos de seu empenho em arruinar o País: para cada vez mais eleitores, o retorno de Lula é menos danoso do que a continuidade de Bolsonaro.