sexta-feira, 30 de julho de 2021

Vera Magalhães - Bolsonaro já nem finge que trabalha

O Globo

O presidente Jair Bolsonaro desistiu até de tentar fingir que governa, que trabalha. Daqui às eleições, será alguém voltado apenas à tentativa cada vez mais desesperada de se reeleger. A live desta quinta-feira pode ser considerada a peça inaugural de um vale-tudo cada vez mais perigoso para permanecer no poder.

Bolsonaro montou uma “surperprodução” no Palácio da Alvorada. Fez um rapapé para aumentar a audiência da transmissão que faz todas as quintas-feiras abrindo, via Secom, credenciamento para a imprensa.

Apresentaria, finalmente, as “provas” da fraude da eleição de 2014, algo que vem apontando há anos de forma leviana, juntamente com o mentiroso “roubo” de sua própria eleição em primeiro turno.

Nos primeiros minutos, fraudes viraram “indícios”. E Bolsonaro enfileirou ataques: ao Supremo Tribunal Federal, ao Tribunal Superior Eleitoral, ao ministro Luís Roberto Barroso, aos senadores da CPI.

Com o rosto transfigurado pelo pânico diante da perda de popularidade e pela evidência de que a classe política não embarcará em seu delírio, Bolsonaro, sem conexão nenhuma, misturou armamento da população, Cuba, Argentina, PT, Lula, Tarcísio Freitas e outras tantas platitudes para se fazer de vítima de um complô de quem não quer eleições democráticas.

Ficou flagrante o uso da máquina do Executivo em favor de uma obsessão autoritária: foi produzida às pressas uma logomarca com um “garoto-propaganda” do tal “voto auditável”.

Na melhor técnica de um mentiroso contumaz e descompromissado com a democracia, Bolsonaro enunciou perguntas conspiratórias para as quais, é claro, não apresentou respostas. Não era esse o objetivo: era plantar alguma ponta de dúvida na cabeça dos eleitores.

Bernardo Mello Franco - Ouro em desinformação

O Globo

O Brasil ainda luta por medalhas em Tóquio, mas já garantiu o ouro na Olimpíada da desinformação. Na última década, nenhum país da América Latina caiu tanto nos rankings que medem o respeito à liberdade de expressão. A queda se agravou nos primeiros dois anos do governo de Jair Bolsonaro.

Em relatório divulgado ontem, a organização britânica Artigo 19 mostra que o Brasil despencou para a 86ª posição numa lista de 161 países. Agora aparece atrás de nações como Albânia, Afeganistão e Haiti.

No documento, Bolsonaro desponta como um mentiroso contumaz. Só no ano passado, disparou 1.682 declarações falsas ou enganosas. Isso equivale a mais de quatro cascatas por dia, sem descontar domingos e feriados.

O mentirômetro do Planalto registrou novos recordes na pandemia. Em vez de enfrentar o coronavírus, o capitão sabotou as medidas de distanciamento, fez propaganda de remédios ineficazes e tentou maquiar o número de mortos pela doença.

Fernando Abrucio* - O Centrão vai suportar o ‘Custo Bolsonaro’?

O Estado de S. Paulo

A live do presidente Bolsonaro sobre as supostas fraudes nas urnas eletrônicas mostra que se casar com ele significa levar todo o combo bolsonarista junto. O Centrão imagina que possa ficar só com o lado bom desse casamento: o comando de grande parte do Orçamento federal, peça-fundamental para reeleger deputados e senadores desse grupo. Porém, existe um outro lado: as teses malucas e autoritárias defendidas pelo bolsonarismo.

No fundo, a aposta política do Centrão envolve incorporar o que se poderia chamar de ‘Custo Bolsonaro’. Os políticos de partidos tradicionais da centro-direita que agora aliam-se ao presidente da República poderão ser, em alguma medida, identificados com os atos golpistas e extremistas do bolsonarismo. Três efeitos negativos podem advir disso. Primeiro e mais importante: alguns parlamentares do Centrão têm processos no STF e serão acompanhados pelo TSE durante a eleição de 2022. Aparecerem como incendiários da democracia os ajudará nestas arenas judiciais?

Entrevista | Sergio Fausto: ‘É importante dar um sinal de unidade no campo democrático’

Sergio Fausto, cientista político e diretor executivo da Fundação FHC

Cientista político é cético quanto à competitividade dos nomes do centro; ele defende um canal de diálogo entre PT e PSDB

Pedro Venceslau, O Estado de S. Paulo

Diretor executivo da Fundação Fernando Henrique Cardoso e um dos dirigentes do projeto Plataforma Democrática, o cientista político Sergio Fausto defende que o PSDB e o PT mantenham um canal de diálogo para que os partidos possam estar juntos em um eventual 2° turno da eleição presidencial de 2022 caso o adversário seja o presidente Jair Bolsonaro. Segundo ele, os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, ao se encontrarem em maio, “deram um sinal claro de que, em que pese muitas diferenças entre as forças que representam, ambos estão no campo democrático.” Ao Estadão, Sergio Fausto disse ainda ser “cético” em relação à viabilidade de um candidato que represente uma terceira via na disputa pelo Planalto. 

Existem pré-candidaturas presidenciais já apresentadas por partidos do centro político. Qual a chance de alguma delas liderar a chamada terceira via?

Aos olhos de hoje, a probabilidade de surgir uma candidatura competitiva que aglutine todas as forças de centro, que vão do Ciro Gomes (do PDT) ao (Luiz Henrique) Mandetta (do DEM), é remota. 

Entre as opções apresentadas, acredita que o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), é um nome viável?

Sou cético sobre o Doria ser esse nome, em que pese que, ao meu juízo, ele vem fazendo um bom governo em São Paulo. Ele não conseguiu até o momento agregar as forças políticas e ser visto como um ponto de convergência. Doria tem dificuldade em ultrapassar as fronteiras de São Paulo, e mesmo no Estado é um candidato que encontra resistências. Ele terá que fazer seus cálculos.

Ricardo Noblat - Justiça Eleitoral inova e rebate mentiras em tempo real

Blog do Noblat / Metrópoles

Em sua conta oficial no Twitter, o Tribunal Superior Eleitoral apontou 17 mentiras pregadas por Bolsonaro em live no Facebook

Jair Bolsonaro faltou com a palavra que deu ao senador Ciro Nogueira (PP-PI), líder do Centrão, de que pararia de bater duro no Supremo Tribunal Federal e em seus ministros.

Nogueira sequer tomou posse na chefia da Casa Civil da presidência e Bolsonaro, em conversa com seus devotos no Palácio da Alvorada, atacou outra vez o ministro Luís Roberto Barroso.

Barroso não é só ministro do Supremo, é também presidente do Tribunal Superior Eleitoral. À noite, em live no Facebook, Bolsonaro não resistiu à tentação e voltou a espicaçar o ministro.

Não esperava revide, mas houve revide e em tempo real. Pelo menos 17 afirmações feitas por Bolsonaro foram apontadas como falsas em posts publicados na conta oficial do tribunal no Twitter.

Nunca antes nesse país se viu nada parecido. Os tribunais só se manifestam por meio de notas oficiais ou pela boca dos seus ministros. O tribunal inovou e surpreendeu Bolsonaro.

Eliane Cantanhêde - Governo vira comitê de campanha

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro mexe as peças com objetivo de salvar o pescoço e garantir sua reeleição em 2022.

Goste-se ou não de Roberto Jefferson, o polêmico político do PTB e do Centrão que detonou a crise do mensalão no governo Lula, ele tem razão: a reforma ministerial do presidente Jair Bolsonaro lembra a manobra de Fernando Collor para salvar o pescoço em 1992, quando mudou o seu governo para ampliar a base de apoio no Congresso. No caso de Collor, foi tarde demais. E no de Bolsonaro?

O fato é que foi uma decisão drástica entregar a “alma do governo” para o senador Ciro Nogueira, do PP, líder do Centrão e aliado do PT em 2018, quando chamava Bolsonaro de “fascista”. O Centrão está com tudo, os militares vão escorregando para o segundo pelotão e Paulo Guedes perde de nacos de poder para Onyx Lorenzoni construir sua campanha durante curtos – ou longos? – oito meses, até se desincompatibilizar para disputar o Governo do Rio Grande do Sul.

Carlos Melo* - No fim, uma live eleitoral

O Estado de S. Paulo

Como tantas lives, foi instrumento eleitoral onde o presidente esconde a realidade do País. Investiu na fantasia do complô e não entregou nada além do que está no zap das suas redes.

Verdade que nada disso importa ao negacionismo nacional, mas os dados do TSE são transparentes, estudiosos os acompanham em detalhe, há fiscalização de candidatos e partidos, observadores internacionais; tudo pode ser auditado, sim. A acirrada concorrência na imprensa não facilitaria silêncios e conluios. Eventos isolados não constroem um fato; nunca se constatou algo relevante. Ainda assim, depois de muito cobrado, Jair Bolsonaro se dispôs a apresentar sua “bomba” contra a Justiça Eleitoral.

A expectativa era mais de forma que de conteúdo: a versão acima dos fatos. E não foi bomba, foi traque. Como tantas lives, foi instrumento eleitoral onde o presidente esconde a realidade do País. Exibiu falsos brilhantes, silogismos, falou em nome de um povo que supostamente o apoia, mas que as pesquisas não comprovam. Investiu na fantasia do complô e não entregou nada além do que está no zap da sua rede.

Bruno Boghossian - Centrão e extremistão

Folha de S. Paulo

Não há ilusão de normalidade na contratação de um operador político para o Planalto

novo chefe da Casa Civil chegou ao Planalto com a missão de azeitar relações com o Congresso, reduzir tensões com o STF e preparar terreno para a reeleição de Jair Bolsonaro. A contratação de um profissional para cumprir essas funções deixa o presidente livre para continuar exercendo sua especialidade: trabalhar na direção contrária.

Ao mesmo tempo em que abria as portas do governo para o centrão, Bolsonaro espalhou novas mentiras sobre a atuação do Congresso na aprovação do fundo eleitoral, acusou integrantes do Supremo de conspiração e voltou a divulgar informações falsas para tumultuar a realização das próximas eleições.

Não há nenhuma ilusão de normalidade na contratação de um nome como Ciro Nogueira para administrar as articulações e gerenciar o trabalho do Planalto. O centrão pode até tentar reduzir danos políticos provocados pelos ataques de Bolsonaro às instituições, mas a linha mestra do governo continua sendo executada no gabinete presidencial, controlado pelo líder do extremistão.

Ruy Castro - Por trás da boçalidade

Folha de S. Paulo

Os palavrões, grosserias e agressões são só uma frente. O perigo está no que isso esconde

Você já viu pelo menos um pronunciamento oficial de Jair Bolsonaro. Ele fala sentado a uma mesa numa sala, tendo ao fundo uma indefesa bandeira nacional e uma simulação de biblioteca. Os livros, comprados pelas cores das lombadas, estão ali para sugerir compostura e reflexão. Inútil, porque o que sai pela boca do orador, em forma, conteúdo, expressão, timbre e dicção, revela um analfabeto funcional —aquele que, tecnicamente alfabetizado, capaz de reconhecer as letras, despreza o pensamento abstrato, por não lhe servir para nada. Segundo pesquisas, o brasileiro médio lê 4,96 livros por ano. Já é pouco, mas Bolsonaro deve levar 4,96 anos por livro.

Nesses pronunciamentos, Bolsonaro se faz acompanhar de um dois de paus, que não abre a boca, e de um tradutor ou tradutora de libras, cuja função é levar os palavrões e grosserias de Bolsonaro aos deficientes. Há dias, quando ele evacuou sua imortal declaração "Caguei! Caguei pra CPI!", a intérprete de libras era uma patusca senhora de óculos. Conhecendo Bolsonaro, e pelo desembaraço com que traduziu o desaforo —nem sombra de titubeio—, já deve ter um estoque de porras, não f.... e PQPs em seu vocabulário. A não ser que emita uma tradução asséptica, caso em que merecerá um sonoro esporro por desfigurar o estilo do patrão.

Hélio Schwartsman - Precisamos de mais impeachments

Folha de S. Paulo

O impeachment é uma instituição em evolução

impeachment é um processo traumático que não pode ser banalizado. Não digo que essa afirmação esteja errada, mas penso que precisa ser relativizada.

Em regimes presidencialistas, as eleições ocorrem em prazos predeterminados e espera-se que os eleitos concluam seus mandatos. Se a ideia é tornar a dissolução de governos um processo mais simples e de fácil digestão política, aí seria melhor adotar de vez o parlamentarismo.

Na América Latina, onde desde o século 19 vicejam os presidencialismos, o impeachment costumava funcionar como uma espécie de bomba atômica —uma arma concebida para jamais ser utilizada. Grupos interessados em promover mudanças de governo preferiam recorrer diretamente a militares e seus tanques.

Reinaldo Azevedo - O perigo é o centrão perder para o PM

Folha de S. Paulo

Risco de rompimento do equilíbrio instável não está no acordo com Nogueira e Lira

A "prova matemática" que Jair Bolsonaro apresenta de que houve fraude em 2018 é, ela mesma, uma fraude já desmoralizada pelos... matemáticos. O truque, a exemplo do que se dá com o cloroquinismo, consiste em chamar de mera opinião a ciência, e de ciência a mera opinião ou o proselitismo ideológico. Uma postura corrói a democracia; a outra mata pessoas. O momento é delicado. Bolsonaro já sabota seu recém-indicado ministro da Casa Civil.

A trapaça se opera com a mesma sem-cerimônia com que o crime é chamado de liberdade de expressão, e a liberdade de expressão, de crime. E tudo se dá sob o silêncio cúmplice do procurador-geral da República, Augusto Aras, ele próprio empenhado em criminalizar os que têm uma opinião desabonadora não a respeito de sua pessoa privada —talvez seja um cara bacana—, mas de seu desempenho à frente da PGR, a exemplo do que faz com Conrado Hübner Mendes, colunista deste jornal.

Dora Kramer - De galho em galho

Revista Veja

Há um ano e oito meses Jair Bolsonaro governa sem filiação partidária. Desde que a República é República não se tem notícia de algo parecido

Há um ano e oito meses Jair Bolsonaro governa sem filiação partidária. Ele saiu do PSL em novembro de 2019, tentou criar sem sucesso o Aliança para o Brasil e, de lá para cá, entabulou negociações com nove legendas, chegou a pensar em ressuscitar a UDN, mas nada deu certo. Desde que a República é República não se tem notícia de algo parecido.

Ainda que nos últimos 132 anos o Brasil não tenha tido na Presidência ninguém nem de longe parecido com Bolsonaro — não por falta de concorrentes no quesito picaresco —, a situação é inusitada. O poder é um atrativo para partidos. Presidentes da República, então, representam uma oportunidade única de crescimento para qualquer agremiação.

Partidos crescem na Presidência. Basta ver o que foram PMDB e PFL no governo José Sarney, o PSDB na passagem de Fernando Henrique Cardoso pelo Planalto, o PT na era Lula e observar a ascensão do PSL à condição de segunda maior bancada da Câmara no abrigo dado à candidatura de Bolsonaro.

Ricardo Rangel - Os generais não sabem quem é o inimigo

Revista Veja

Bolsonaro humilha e desmoraliza generais constantemente, mas os generais preferem reclamar dos senadores

Bolsonaro disse que o general Luiz Eduardo Ramos não é um ministro “nota 10”. Disse isso poucos dias depois de defenestrar o general para pôr em seu lugar alguém que os militares detestam: um cacique do Centrão — esse, sim, nota 10. Tempos atrás, o presidente nada fez quando Ramos foi chamado de “maria fofoca” por Ricardo Salles.

Bolsonaro disse também que o general Mourão “atrapalha um pouco”, é como aquele cunhado do qual a gente não pode se livrar, tem que aturar. Antes disso, mandou o vice-presidente — que não é seu subordinado — passar o vexame de ir a um país estrangeiro para cuidar de interesses particulares de uma igreja, expondo-o a sofrer denúncia criminal e até processo de impeachment.

Bolsonaro desautorizou e humilhou o general Pazuello várias vezes, constrangeu-o a cometer atos ilegais e até criminosos, e o sujeitou ao vexame de dizer o “ele manda, eu obedeço”. Ao chamar o general ao palanque de seu comício, o presidente o levou a infringir a lei e o regulamento militar.

Murillo de Aragão - Em busca de novos caminhos

Revista Veja

O Brasil precisa tomar o rumo da racionalidade para ter sucesso

Na tese do copo d’água meio cheio, o Brasil só não fracassou em termos. Estamos entre as maiores economias do mundo e somos o segundo maior produtor de alimentos, entre outras façanhas. Mas existe o meio copo d’água vazio, que, em algum momento, terá de ser preenchido. Ou nos afogaremos em um país de fato fracassado.

Aos que têm recursos é fácil imaginar uma vida amena fora do Brasil. E, de lá, meter o pau no país, entre uma taça e outra de vinho. Mas a questão importa para os mais de 200 milhões de brasileiros, pelo menos, que não vão sair daqui, e nem sequer sabem o que é um passaporte. Devemos pensar neles. 

Qual seria o caminho para incorporar milhões de brasileiros em uma nação potencialmente virtuosa? Devemos começar pensando que as soluções do passado não funcionaram. O tenentismo nos trouxe a estatização e terminou reforçando a supremacia do Estado sobre a sociedade.

Alon Feuerwerker - Me ajuda a te ajudar

Revista Veja

Novos acordos políticos não resolvem o problema da reeleição

Suponhamos, por exercício intelectual, um Brasil sem a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 no Senado. O cenário para o governo estaria razoável. Os números da vacinação avançam e são expressivos, e as curvas de casos e mortes vêm caindo faz algum tempo. E todas as projeções são de recuperação robusta do produto interno bruto este ano, compensando com alguma margem a retração do ano passado.

Mas há a outra face da realidade. Iluminar o lado escuro da lua mostrará que os casos e mortes pelo novo coronavírus ainda vão em patamares altos. E o sofrimento social nascido do desemprego e da pobreza não dá sinal de arrefecer. Apesar disso, todas as pesquisas demonstram que vetores positivos começam a superar os negativos na resultante de percepção popular.

Falando nela, a política, a avaliação do presidente da República anda algo estacionada. Verdade que o ótimo+bom das pesquisas deslizou para em torno de um quarto do eleitorado, mas o número retorna ao resiliente um terço se juntarmos o “regular positivo”. Um terço que, aliás, tem sido o patamar da aprovação de Jair Bolsonaro e também a intenção de voto nele no segundo turno. Ou seja, o presidente parece ter chegado a um certo piso.

Luiz Carlos Azedo - O fantasma ao redor

Correio Braziliense

Um golpe que anteceda as eleições é improvável. Exigiria um cenário de radicalização política extrema e grande conturbação social, o que não é o caso até agora

O fantasma que ronda a democracia brasileira não é o do comunismo, como na antológica abertura do Manifesto, escrito em 1848 por Karl Marx e Friedrich Engels. Com o fim da guerra fria e a morte de Luís Carlos Prestes, e dos líderes da luta armada contra o regime militar na década de 1970, como Carlos Marighella, essa narrativa se tornou completamente inverossímil, até por falta de protagonistas, sendo necessário encontrar outros pretextos: o do presidente Jair Bolsonaro é o de um fantasioso plano de fraude eleitoral, tão imaginário quanto fora o plano forjado, em 1937, pelo então capitão Olímpio Mourão Filho, para legitimar o golpe do Estado Novo, de Getúlio Vargas. General, Mourão seria um dos líderes da deposição de João Goulart pelos militares, em 1964.

Ontem, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso voltou a defender o sistema eleitoral brasileiro, que “nunca foi alvo de fraude”, e denunciou o caráter golpista da narrativa de Bolsonaro, ao participar da inauguração da nova sede do Tribunal Regional Eleitoral do Acre. “O discurso de que ‘se eu perder houve fraude’, é um discurso de quem não aceita a democracia”, disse. Barroso também fez referência à denúncia apresentada pelo ex-candidato a presidente do PSDB Aécio Neves (MG), derrotado por Dilma Rousseff (PT) em 2014: “O candidato derrotado pediu auditoria, e o próprio partido reconheceu que não houve fraude. Nunca se documentou fraude. No dia que se documentar, a Justiça Eleitoral vai apurar imediatamente. Ninguém tem paixão por urnas, mas sim por eleições livres e limpas”.

César Felício - Rendição ou ruptura

Valor Econômico

Ainda não está clara a vitória da política no governo Bolsonaro

Tutelar presidentes sempre é uma prática arriscada, em qualquer dimensão de tempo e de espaço. A nomeação do senador Ciro Nogueira para a pasta da Casa Civil foi recebida dentro do Congresso, particularmente pelos seus correligionários, como uma capitulação de Jair Bolsonaro à “realpolitik”.

A presença de Nogueira como o condestável do governo junto ao Legislativo significaria o fim de diversas coisas: do flerte de Bolsonaro e das Forças Armadas com o golpe, caso se torne evidente que o cenário eleitoral de 2022 é de derrota; da aposta na crise institucional permanente com o Judiciário, uma tônica de Bolsonaro desde que tomou posse; no uso da radicalização ideológica como instrumento para intimidar expoentes da sociedade civil a se manifestarem livremente contra o governo. Todos fatores que deixaram o Brasil no plano institucional e de ambiente político muito mais perto do modelo de El Salvador do que o do Uruguai, por exemplo.

Teria se passado uma régua. Nogueira na Casa Civil significaria o novo marco zero. “A nomeação de Ciro Nogueira faz cessar todas as conspirações”, diz, por exemplo, o veterano senador Esperidião Amin (PP-SC), que atua na política desde que Bolsonaro era cadete nas Agulhas Negras. Para o otimista Amin, Nogueira no ministério deixa no passado o rumor de sabres que alertou Brasília nos últimos dois meses, com a militância bolsonarista do ministro da Defesa, Braga Netto. “Isso agora é passado, nunca existiu. Ou tudo segue existindo, mas muito menor” conclui. “Se não estivesse agora no governo um navegador dos sete mares como é Ciro Nogueira, podia-se pensar na radicalização. Mas agora não vamos simplesmente para uma distensão. Vamos para uma pacificação”, aposta.

José de Souza Martins* - A espada e o voto impresso

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Os militares prestariam um enorme serviço à pátria se modernizassem sua profissão e sua formação

É um equívoco político supor que os militares, enquanto militares, são autoridade privilegiada na opinião sobre o voto, quanto a ser impresso ou eletrônico. Esse é um assunto essencialmente civil porque é político. E a política é de todos os cidadãos, também deles enquanto tais.

Eles têm tanto direito de dar palpites em assuntos políticos e eleitorais quanto eu, educador, tenho direito de dar palpites sobre assuntos militares.

Em especial quanto à necessidade de modernização da formação das novas gerações de oficiais para que se atualizem quanto à sociedade e ao país a que devem servir. Pois já não é este o país instrumentalizado pela geopolítica da dominação americana e da Guerra Fria nem o da polarização ideológica dela decorrente, o do regime de 1964.

As novas gerações têm concepção própria de liberdade, de democracia e de esperança. Seria bom para o país levar isso em conta. Em vez da discussão ultrapassada e arcaica sobre voto impresso ou voto eletrônico, os militares prestariam um enorme serviço à pátria se modernizassem sua profissão e sua formação. E o país inteiro lhes ficaria agradecido, como já ficou em outras ocasiões.

Cristovam Buarque* - O espírito do tempo e a educação

Correio Braziliense

Em janeiro do ano passado, a Unesco criou um grupo de 15 pessoas para elaborar proposta sobre o futuro da educação no mundo. A diferença desta nova proposta para outras duas, décadas atrás, é o espírito do tempo atual. Os relatórios anteriores foram elaborados em momentos de evolução, sem as rupturas que temos em marcha no século XXI. Nos debates do grupo, do qual participo, estamos percebendo a necessidade de captar as mudanças adiante, de acordo com o espírito do tempo, as curvas que a história está fazendo.

Uma mudança diz respeito aos novos recursos tecnológicos, graças à computação, à telecomunicação, aos grandes acervos de imagem e som, à inteligência artificial, às redes sociais digitais e a tudo que permite levar a realidade para dentro da sala de aula, e fazer o ensino-aprendizagem à distância, de forma remota entre professores e alunos. O espírito deste tempo permite e induz à passagem da “aula teatral” – professor e quadro negro na presença dos alunos – para a “aula cinematográfica” - professor usando todos os modernos recursos audiovisuais e computacionais para uma aula dinâmica, presencial ou não. A escola do futuro não será apenas um aperfeiçoamento da atual, será uma “nova escola”. Da mesma forma que, um século atrás, a arte dramática descobriu o potencial do cinema, levando o teatro ao mundo inteiro e com uma linguagem que rompia os limites do palco.

Flávia Oliveira - Uma sobe e puxa a outra

O Globo

Minha filha e meu neto dormem no quarto ao lado, enquanto eu choro por Rebeca Andrade. Lembro meus descendentes, porque, na primeira entrevista (ao colega Carlos Gil, da TV Globo) após a conquista inédita para a ginástica artística brasileira, prata no peito, a medalhista reverenciou as atletas que pavimentaram o caminho da modalidade no Brasil, a família, os amigos, a equipe, a psicóloga. E a mãe, dona Rosa Santos, empregada doméstica, que criou sozinha sete filhos como tantas matriarcas brasileiras: “Antes de sair da barriga da minha mãe eu era grata”. O agradecimento de uma jovem negra pela própria vida, antes mesmo de vir à luz, guarda o sentido da existência na diáspora. Não é trivial para uma negra parir um filho no Brasil, país forjado na escravidão e, ainda hoje, habituado a explorar, depreciar, criminalizar, encarcerar, exterminar corpos que, com racismo, com tudo, representam 56% da população, maioria sub-representada. Sou, por isso, devota do útero das mulheres negras, senhoras do ventre do mundo, como nos ensinou o Salgueiro em mais de um carnaval.

A medalha de prata de Rebeca Andrade coroa um processo histórico que vem também de Tóquio, na Olimpíada de 1964. Foi na capital japonesa que dona Aída dos Santos, também negra, sem apoio, sem uniforme oficial, com traje adaptado, conquistou o quarto lugar no salto com vara. Foi a única mulher numa delegação com 67 homens. Não bastasse, nos brindou com a filha Valeskinha (Valeska dos Santos Menezes), ouro no volêi em Pequim 2008. Cinquenta e sete anos se passaram até Rebeca Andrade se tornar a primeira brasileira a conquistar uma medalha olímpica na ginástica artística. Nunca escondeu a inspiração em Daiane dos Santos, igualmente negra, dona do primeiro ouro do Brasil num campeonato mundial, na Califórnia (EUA), em 2003. Desde aquele agosto, o planeta sabe que o duplo twist carpado tem nome e sobrenome.

Como a ascensão de Ciro Nogueira altera os rumos do governo Bolsonaro

Escolha do senador para 'primeiro-ministro' representa a maior inflexão até hoje em método, imagem e, principalmente, estratégia eleitoral

Por Daniel Pereira / Revista Veja

Ao tomar posse no Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro montou o governo sobre três pilares: os radicais, os militares e os superministros Paulo Guedes (Economia) e Sergio Moro (Justiça). Essa arquitetura era coerente com o que o ele prometeu na campanha de 2018, quando se apresentou como candidato da extrema direita, enalteceu as Forças Armadas e defendeu a agenda liberal na economia e o combate à corrupção. Apesar dos quase trinta anos de experiência no Congresso e de seus sete mandatos de deputado federal, o ex-capitão, mesmo após vestir a faixa presidencial, insistiu na estratégia de atacar a “velha política” e na promessa de não negociar com os partidos, especialmente com os líderes do Centrão, considerados por ele a essência do fisiologismo. Sectário, Bolsonaro apostou desde o início no confronto, na tensão e até na intimidação. Jamais na moderação e no diálogo. Deu no que deu. Acossado por uma CPI e mais de uma centena de pedidos de impeachment, em desvantagem nas pesquisas eleitorais e com sua administração reprovada por metade da população, o presidente se viu obrigado a redesenhar completamente o seu governo — em nome, claro, de manter o poder.

Com a minirreforma ministerial, Bolsonaro entregou a “alma do governo”, como ele mesmo definiu numa entrevista, ao Centrão, com a nomeação do senador Ciro Nogueira (PI) para o cargo de ministro-chefe da Casa Civil. O grupo político do parlamentar, antes demonizado pelo mandatário, transformou-se em solução e, de quebra, protagonista quase solitário da nova administração, já que dos três pilares iniciais do governo restou apenas o núcleo militar, mesmo assim desidratado. Os radicais ficaram pelo caminho, e a figura dos superministros deixou de existir até como mera peça de ficção (veja o quadro). A aproximação com o Centrão começou em meados do ano passado e sempre foi regida pela seguinte equação: quanto mais o presidente se enfraquecia, mais ele estreitava laços com a “velha política”. Em março, as partes noivaram, com a nomeação da deputada Flávia Arruda (PL-DF) para a Secretaria de Governo. Agora, casaram de vez. Um casamento de conveniência, daqueles em que os noivos superam sérias diferenças do passado. Um dos principais auxiliares do presidente, o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, associou o Centrão a um grupo de ladrões. Já Ciro Nogueira chamou Bolsonaro de fascista. O dote político envolvido no enlace facilitou o perdão.

Em seu pior momento desde o início do mandato, Bolsonaro aposta no Centrão para aprovar projetos prioritários no Congresso, garantir alguma estabilidade política, afastar o fantasma da perda da Presidência e conseguir uma estrutura de ponta para disputar a reeleição. Já os partidos do Centrão, como o PP de Ciro Nogueira, o PL e o Republicanos, que cresceram nas eleições municipais pegando carona em programas do governo federal, acham que com a aliança podem aumentar suas bancadas na Câmara dos Deputados, que são a fonte de seu poder de negociação. Se o candidato à reeleição for derrotado, nada impede essas legendas de aderir ao presidente eleito. Ou seja: o grupo não tem nada a perder — e pode ganhar ainda mais até a eleição. O próprio Ciro Nogueira apoiou Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer. “Diferentemente de Sarney, de FHC, de Lula e até do primeiro mandato de Dilma Rousseff, Bolsonaro não tem nem de longe uma base organizada e tão articulada quanto a dos governos anteriores. Faltavam articuladores. Agora, com o Ciro Nogueira, os profissionais estão entrando em campo”, diz o cientista político Paulo Kramer, que ajudou a formular o plano de governo de Bolsonaro em 2018.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Guerra e paz

Revista Veja

Novo chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira é um hábil negociador e adepto da ponderação. Mas sua tarefa não será fácil em um governo em eterno confronto

Tido como um dos mais competentes chefes de governo da história, Winston Churchill (1874-1965) era também um grande frasista. Entre as várias pérolas de sabedoria política ditas em sua carreira, o ex-primeiro-ministro britânico dizia: “Na vitória, seja magnânimo”. Para ele, o vencedor de uma batalha, fosse política ou por territórios, não deveria tripudiar sobre o perdedor, mas demonstrar um sentimento de grandeza que não apenas desanuviaria o ambiente como seria o ponto de partida de uma nova composição. Infelizmente, o presidente Jair Bolsonaro não vem comungando do mesmo pensamento. Depois de dois anos e sete meses na Presidência, eleito com uma vitória robusta, o atual ocupante do Palácio do Planalto tem escolhido até aqui um estilo de gestão baseado em permanente estado de guerra, atirando em inimigos (reais ou imaginários) quase diariamente, criando instabilidades desnecessárias e, muitas vezes, ameaçando as instituições. Com esse comportamento, Bolsonaro pretende agradar ao núcleo duro de sua base radical, mas comprometeu de tal forma a governabilidade que várias camadas que apoiaram sua candidatura em 2018 hoje procuram alternativas.