quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Vera Magalhães – As respostas ao ensaio de golpe

O Globo

No dia em que o presidente Jair Bolsonaro promoveu uma das cenas mais ridículas da História do Brasil pelo menos desde a redemocratização, com um anacrônico e acabrunhado desfile de sucatas militares sobre o Eixo Monumental, em Brasília, o Congresso lhe deu duas respostas de que não aceitará mais essas manobras antidemocráticas. Serão suficientes essas respostas? E elas são da mesma dimensão e igualmente inequívocas? Não creio nem em uma coisa nem na outra.

As reações das duas Casas do Congresso ao ensaio vergonhoso promovido pelas Forças Armadas nesta terça-feira, numa demonstração de vassalagem inaceitável a um presidente com pendores golpistas, foram desiguais.

No Senado, o presidente Rodrigo Pacheco condenou de forma clara o ridículo desfile de tanques e blindados na Esplanada dos Ministérios, uma demonstração tanto do anacronismo do gesto quanto dos equipamentos.

Disse que a Casa não aceitará tentativas de intimidação e soltou um “Viva a democracia”, evocando propositalmente Ulysses Guimarães num momento em que cresce a articulação pela sua candidatura à Presidência.

Não ficou só nas (necessárias) palavras. Com um forte simbolismo, os senadores aprovaram o projeto de lei que revoga a Lei de Segurança Nacional e estabelece crimes contra o estado democrático de direito no Código Penal, uma forma de garantir que os atuais arreganhos autoritários possam ser punidos sem que se precise recorrer a um entulho da ditadura, num momento em que várias dessas sucatas são retiradas dos porões, na forma de blindados ou de ideias.

Elio Gaspari - Uma crise que veio do nada

O Globo / Folha de S. Paulo

60 anos depois, tudo de novo

No próximo dia 25 completam-se 60 anos do início da crise provocada pela renúncia do presidente Jânio Quadros. Em 1996, lendo o livro-reportagem do jornalista Carlos Castello Branco, que havia sido assessor de imprensa do tatarana, Fernando Henrique Cardoso comentou:

“O Brasil esteve perto de uma guerra civil sem que houvesse crise econômica, crise social ou até mesmo uma crise política séria. Era tudo futrica.” Isso e mais um presidente pensando em dar um golpe.

Passaram-se 60 anos, uma pandemia matou mais de 560 mil pessoas, há 14,8 milhões de desempregados, e o país está novamente numa encrenca institucional. Blindados desfilam por Brasília, e o presidente ameaça sair dos limites da Constituição. A crise sanitária existe, e a econômica agravou-se. Mesmo assim, espremendo a encrenca institucional, voltou-se ao ponto de partida: tudo futrica e enunciados golpistas.

Na crise sanitária valsam vigaristas em torno da cloroquina e de golpes com imunizantes. Na crise econômica, o ministro Paulo Guedes enfrenta as estatísticas do desemprego brigando com o IBGE. A crise política girou em torno do voto impresso contra as urnas eletrônicas. Atrás desse biombo está um presidente que já anunciou sua disposição de rejeitar o resultado da eleição do ano que vem.

Os blindados que se moveram em Brasília ecoam a cena em que o presidente americano Donald Trump pretendia comemorar a data nacional de 4 de Julho de 2020 (quatro meses antes da eleição) com uma parada militar de aviões sobrevoando grandes cidades e tanques no gramado da Casa Branca.

O plano encolheu quando o chefe do Estado-Maior Conjunto, general Mark Milley, entrou na discussão:

— Vocês não aprendem? Não é assim que fazemos. Isso é o que faz a Coreia do Norte, o que fazia Stálin. Nós não fazemos paradas desse tipo. Isso não é a América.

Bernardo Mello Franco - Blindados e bananas

O Globo

Jair Bolsonaro promoveu um desfile de blindados para intimidar o Congresso. O plano não saiu bem como ele esperava. Os parlamentares rechaçaram a pressão e sepultaram a farsa do voto impresso. A parada fora de época virou alvo de chacota nas redes.

A encenação foi um fiasco instantâneo. Autoridades de outros Poderes recusaram o papel de figurantes, e o presidente despontou na rampa com os comandantes militares e os sabujos de sempre. Na praça, um punhado de fanáticos urrava por golpe e ditadura.

O cortejo foi idealizado pelo comandante da Marinha, Almir Garnier. Ele sugeriu transformar um exercício de rotina, realizado anualmente, num teatro para bajular o capitão. Questionado sobre a provocação à Câmara, o almirante alegou uma “coincidência imprevisível” de datas. Para dizer isso, seria melhor fingir que perdeu a voz.

Em vez de exibir força, Bolsonaro escancarou sua fraqueza. É um presidente impopular, que apela à farda para camuflar o isolamento. Para as Forças Armadas, foi mais um espetáculo desmoralizante. Pela submissão aos caprichos do “chefe supremo” e pelo fumacê dos veículos mal regulados.

Enquanto os tanques deslizavam na Esplanada, a CPI ouvia mais um militar metido no rolo das vacinas. O tenente-coronel Helcio Bruno se revelou um típico bolsonarista de internet. Nas redes, divulgava notícias falsas e atacava as instituições. No Senado, adotou tom humilde e invocou o nome de Deus.

Zeina Latif - A responsabilidade da elite no risco de retrocesso democrático

O Globo

Nosso amadurecimento democrático é modesto. A democracia de massas chegou tardiamente e o caminho até lá foi acidentado, deixando sequelas. Nos 100 anos que separam a Proclamação da República e a volta do voto direto para presidente, os períodos democráticos foram breves, instáveis e de limitada legitimidade.

Além disso, nossa experiência difere daquela de nações ricas. Enquanto naqueles países a democracia decorreu do amadurecimento da sociedade, nos emergentes foi resposta à pressão externa da globalização, no caminho para o fim da Guerra Fria - além da crise produzida pelos governos militares.

Como consequência, a inserção do liberalismo, na economia e na política, é limitada - ensina Lourdes Sola. As engrenagens necessárias para o vigor democrático - como os freios e contrapesos na ação estatal - não funcionam tão bem.

Tem mais. A sustentação da democracia depende de acúmulo de experiências bem-sucedidas na economia. Em países ricos, rupturas são improváveis. Já países de renda média que falham na geração de emprego e na redução de desigualdades são mais vulneráveis a retrocessos.

Na falta de uma classe média homogênea e representativa, usuária de serviços públicos, a busca por políticas governamentais eficazes é prejudicada.

Rosângela Bittar - Entre o rei e a lei

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro incide na ilusão de que conta com todos os segmentos armados da República

A paranoia presidencial apenas se repete. Os golpes anunciados seguem velhos modelos. No máximo, mudam os protagonistas, na maioria das vezes para nivelar o País por baixo. Tal como hoje.

Em 1992, Fernando Collor de Mello já se consumia no fogaréu das denúncias de corrupção da CPI do PC. Convocou, então, reunião de emergência com os ministros do Exército, Marinha, Aeronáutica, e o chefe do Gabinete Militar. Expôs a situação à sua maneira. Sondava o grau de solidariedade na hipótese de resistência.

Antes que concluísse, foi interrompido pelo ministro do Exército, general Carlos Tinoco. Que com toda a franqueza apresentou a posição de consenso: todos ali reunidos esperavam que o presidente da República tivesse argumentos para se defender. Quanto às Forças Armadas, seguiriam cumprindo o que determina a Constituição.

A configuração do poder militar, hoje, 28 anos depois, não tem a imagem decisiva de outrora. Evidencia-se, porém, a dificuldade que enfrenta o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, fiel cumpridor de ordens do presidente Jair Bolsonaro, para disseminar provocações.

Eliane Cantanhêde - Três derrotas para o presidente Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro sofreu três derrotas relevantes nesta terça-feira, 10, e a principal delas foi a decisão do plenário da Câmara de "enterrar definitivamente", como disse o presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que recriaria o voto impresso no Brasil. Esta era - ou é? - não apenas a principal bandeira, mas a atual obsessão de Bolsonaro. 

As duas outras derrotas: a Lei de Segurança Nacional (LSN) foi derrubada no Senado e a convocação de blindados militares para desfilar na Praça dos Três Poderes e na Esplanada dos Ministérios foi um fiasco, pelo espetáculo, pelas autoridades que participaram e pelo público que assistia. Em vez de ajudar, pode ter piorado as chances de aprovação do voto impresso na Câmara.

Se lhe serve de consolo, o presidente tem a favor dele o placar da votação do voto impresso na Câmara. A proposta perdeu porque não atingiu os 308 votos necessários para aprovar emendas constitucionais e nem mesmo os 257 de maioria absoluta, mas teve mais votos favoráveis (229) do que contrários (218). Arthur Lira, que conversou com ele antes da votação, anunciou que Bolsonaro acataria o resultado, qualquer que fosse ele. Mas, com Bolsonaro, nunca se sabe.

Carlos Melo* - Dia de constrangimentos

O Estado de S. Paulo

O desfile de blindados promovido pelo ministro da Defesa e pelo presidente da República, mais que fuligem, deixou no ar o sentimento de tristeza e impotência. Num clima de águas malparadas, o País mora no impasse. Quando isso ocorre, o vencedor é sempre o constrangimento. E o dia foi de muitos constrangimentos: da sociedade, da economia, dos poderes e até dos militares – as Forças Armadas do Brasil mereciam outro destino.

O vexame democrático e institucional é inegável e não tem como voltar atrás. Agosto é mesmo mês de desgosto e são quase três anos de “agostos”. A repercussão internacional dos tanques envelhecidos, enchendo a Praça dos Três Poderes de fumaça, foi péssima. Essa desinteligência retrai investimentos, afeta a economia, reduz qualquer esperança. Empresários e operadores de mercado já se dão conta de que, desse modo, o Brasil não irá longe.

Paulo Delgado* - A morte dos intelectuais

O Estado de S. Paulo

Paulatinamente está sendo consagrada no Brasil a lei de ferro da ignorância...

Sem estola, estofo, carmesim ou linho fino, malquistos por meio mundo, poucos parceiros na vigília para romper o sono da universidade, sem influência social na nova geração, cinco deles se foram há poucos dias. Cinco dos maiores intelectuais brasileiros dos últimos anos deixam esta vida no pior momento para a inteligência do País, de total enfraquecimento de todos os princípios. Um efeito cumulativo irrecuperável da falta de paz no dia a dia, fruto exclusivo do fato de a elite política persistir em seu hábito de deixar o País funcionar em termos negativos.

A farra, que só Deus via e hoje não engana mais ninguém, nunca foi desconhecida do intelectual verdadeiro. Não fosse a mania acadêmica, por justificadas razões da época autoritária, de reduzir toda a vida ao engajamento político, talvez fosse mais fácil tornar feliz e compreensível o papel do intelectual para todos. Assim, quem sabe, a irritação com a originalidade da escrita fosse secundária e o gosto pelo conteúdo predominasse. Mas, não. Após a redemocratização os intelectuais passaram a ser analisados e confundidos no caos comum da promiscuidade política e da má gestão dos três Poderes e, por suas proximidades afetivas, muitas vezes, foram sendo desmerecidos. Desvendar sua posição política dispensava de ler seus escritos e cumpria o papel de obscurecer sua obra. Daí para a mediocridade foi um pulo, pois a excelência de um intelectual passou a prescindir de sua inteligência.

Não há no horizonte um novo início alvissareiro para a função dos intelectuais. Desde que o rapapé partidário fez o espírito de rixa tirar o salto alto das colunas sociais, a opinião nacional, desinformada da complexidade das coisas, ganhou mais coragem no uso do ironismo ideológico para fazer sangrar os gigantes da filosofia, história, ética, sociologia, literatura. A admiração pelo estudo e a característica e a personalidade própria da linguagem acadêmica rigorosa perderam espaço para consagrar os clichês do escreve difícil, impenetrável, denso, partidário, militante.

Fernando Exman - A “tanqueciata” de um presidente isolado

Valor Econômico

Risco fiscal e radicalização política preocupam

O simbolismo da “tanqueciata”, um indiscutível e indevido recado do "Chefe Supremo das Forças Armadas" ao Parlamento em forma de desfile militar, vai além da obsessão do presidente da República pela proposta de emenda constitucional (PEC) que restabelece o voto impresso. Jair Bolsonaro enfrenta um processo de isolamento político.

Colocou o Centrão no núcleo do poder e vem construindo um arco de alianças mirando 2022 que pode incluir PP, PL, Republicanos e parte dos diretórios estaduais do MDB. Mas, não obterá apoio incondicional desse conjunto de legendas para aprovar todos os projetos que lhe convier. Tampouco terá uma tropa de choque tão robusta, se enfrentar eventuais denúncias ou processos de impeachment.

Ricardo Noblat - Presidente deu mais um tiro no pé – desta vez no dos militares

Blog do Noblat / Metrópoles

Parada bélica e inócua fora de hora vira motivo de chacota

O que foi mais vexaminoso em Brasília? Uma minúscula parada militar não prevista em nenhum calendário para a entrega de um convite ao presidente da República? Ou o estado deplorável de parte dos equipamentos bélicos exibidos com a intenção de meter medo nos deputados prestes a decidir sobre o voto impresso?

A exibição de 40 veículos da Marinha, entre blindados, caminhões e jipes, provocou riso e foi motivo de deboche nas redes sociais. Ali, segundo levantamento da Quaest Pesquisa, dos 2,3 milhões de posts publicados, 93% foram de chacota ou crítica ao governo federal. Mais um tiro no pé, e desta vez no das Forças Armadas.

Na época da ditadura militar, essas coisas eram feitas com mais cuidado. Foi montado em um cavalo branco, com a farda impecável e um chicote na mão, que o general Newton Cruz, notório pelos maus bofes, reprimiu manifestantes que esperavam defronte ao Congresso a aprovação da emenda das Diretas, já.

Verdade que não faltou um toque de ridículo. O Exército depois distribuiu fotos do saque a um supermercado onde aparecia um homem carregando um suposto explosivo que não chegou a ser detonado. O Jornal do Brasil descobriu que o explosivo não passava de uma lata de Nescau. O guerrilheiro Nescau.

Faltou gente na rua para observar a entrega pelo comandante da Marinha do convite ao presidente Jair Bolsonaro que ostentava seu sorriso de plástico ao lado do ministro Braga Neto, da Defesa, e dos chefes do Exército e da Força Aérea. Desperdiçou-se combustível com um ato que se revelou inócuo.

Luiz Carlos Azedo - Desfile virou vexame

Correio Braziliense

Bolsonaro quer arrastar as Forças Armadas para uma aventura antidemocrática, o que não será fácil, mas nem por isso devemos ser ingênuos a ponto de imaginar que é impossível

Foi deprimente o desfile de carros blindados da Marinha na Esplanada dos Ministérios, ontem, para atender aos caprichos do presidente Jair Bolsonaro. Na política, foi uma afronta à democracia; no plano militar, demonstração de fraqueza. Para a política externa, um vexame internacional, pois o Brasil foi classificado pelos principais veículos de comunicação do mundo de uma banana republic, conforme o jornal britânico The Guardian. Quem quiser que caia na conversa fiada de que a “tanqueata” já estava programada para convidar solenemente Bolsonaro a acompanhar os exercícios de guerra dos fuzileiros navais da Esquadra no campo de manobras de Formosa (Goiás), onde é possível praticar fogo real.

As manobras fazem parte do programa de adestramento da Marinha e empregam seus principais meios de combate em terra, com exercícios que não podem ser realizados no Rio de Janeiro, onde estão concentrados os principais efetivos da Marinha. Entretanto, o desfi- le na Esplanada foi programada após a rejeição da proposta de restabelecimento do voto impresso, pela comissão especial da Câmara, que debateu o projeto da deputada Bia Kicis (PSL-DF), feito por encomenda de Bolsonaro. A votação fora acachapante: 23 votos contra 11. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP- AL), decidiu pôr a proposta em votação em plenário, nesta semana, o que motivou Bolsonaro a ordenar o desfile dos antiquados e fumacentos veículos de combate da Marinha.

Hélio Schwartsman - O papelão das Forças Armadas

Folha de S. Paulo

Bolsonaro finge estar por cima, mas está por baixo

Bolsonaro é um presidente fraco. Embora tenha transformado o voto impresso numa questão existencial, deve perder feio na votação dessa matéria, mesmo tendo entregado os melhores cargos de seu governo ao centrão para obter apoio parlamentar. A fim de desviar a atenção dessa derrota vexaminosa, Bolsonaro resolveu armar uma pirraça castrense. Convocou as Forças Armadas para um teatro patético, no qual finge estar por cima quando está por baixo.

Bolsonaro pode usar os militares dessa maneira? Penso que não. É verdade que a Constituição diz que o presidente é o comandante supremo das Forças Armadas, mas não é tão simples. Comandos, chefias e lideranças se exercem segundo regras, escritas e não escritas. Numa analogia caricatural, o presidente também é o "chefe" do Banco do Brasil, mas isso não lhe dá o poder de chegar a um caixa da instituição e requisitar-lhe o dinheiro. Se fizer isso e for atendido, ele e o caixa cometem crime.

Bruno Boghossian – O partido militar está completa

Folha de S. Paulo

Com Bolsonaro, Forças Armadas aceitaram papel de personagens da arena política

As Forças Armadas aceitaram o papel de personagens da arena política. O passeio de blindados da Marinha na praça dos Três Poderes coroa uma sequência de episódios em que os chefes militares se dispuseram a explorar o poder associado a suas fardas como uma ferramenta de intimidação —sob o estímulo do governo Jair Bolsonaro e a complacência de outras instituições.

O desfile começou com os generais. Em 2018, na véspera do julgamento do STF que decidiria se o ex-presidente Lula seria preso, o comandante do Exército lançou uma ameaça ao tribunal. Fingiu que cabia à Força fazer alertas ao Judiciário e afirmou que compartilhava um anseio de "repúdio à impunidade".

Mariliz Pereira Jorge - Golpe pelas beiradas

Folha de S. Paulo

Enquanto Bolsonaro brinca de marcha soldado, a democracia vai sendo corroída

O problema não é o tanque de guerra. "O problema é o guarda da esquina". Quero lembrar a fala do vice-presidente Pedro Aleixo, em 1968, a única voz discordante das atrocidades do AI-5. Enquanto Jair Bolsonaro brinca de "marcha soldado" e desmoraliza as Forças Armadas, a democracia no Brasil vai sendo corroída pelas beiradas.

No dia da votação sobre a estupidez do voto impresso, o exercício militar, patrocinado pelo presidente, pegou um atalho até a praça dos Três Poderes e virou piada nas redes sociais. A Quaest Pesquisa analisou cerca de 2,3 milhões de postagens: 93% são chacota com a parada ou críticas a Bolsonaro. Apenas 5% são de apoio aos militares.

Entrevista| José Murilo de Carvalho: 'Tropa circundando Congresso é mau agouro'

Professor não vê condições para um golpe militar no país porque apoio a Jair Bolsonaro não seria unânime no Comando das Forças Armadas

Sérgio Roxo / O Globo

SÃO PAULO - Historiador que se dedica a analisar a participação dos militares na política brasileira, José Murilo de Carvalho avalia que a participação da Marinha no desfile de tanques realizado ontem em Brasília surpreendeu porque a Força é a mais profissionalizada. Ele vê o dedo do ministro da Defesa, general Braga Netto, no episódio. Autor do livro “Forças Armadas e Política no Brasil”, Carvalho acredita que não há condições para um golpe militar no país porque isso só pode ocorrer quando existe apoio unânime do Alto Comando das três Forças, o que, no momento, não haveria.

Qual o significado histórico do desfile de tanques na Esplanada dos Ministérios ontem em Brasília?

Tropa circundando o Congresso é mau agouro, lembra 12 de novembro de 1823, quando d. Pedro I fechou a Assembleia Constituinte, e 10 de novembro de 1937, quando Getúlio Vargas fechou o Congresso.

Ao realizar o desfile, o Exército mostra que capitulou ao plano do presidente Jair Bolsonaro?

O que mais surpreendeu e desapontou foi a participação da Marinha, a Força mais profissionalizada. As manobras eram dela, e alegar que o desfile com tanques se destinava a convidar o presidente para assistir chega a ser risível. Aí deve haver dedo do general bolsonarista (Braga Netto), ministro da Defesa.

Em março, houve a troca do comando das três Forças e do ministro da Defesa, Fernando Azevedo, por causa de resistências a cumprir pedidos de Bolsonaro. O Exército se transformou num instrumento da política do presidente?

Ainda acredito que essa não seja a posição majoritária do Alto Comando da Força. O desgaste político da imagem seria grande.

Entrevista| Joaquim Falcão: 'Bolsonaro humilha as pessoas e as instituições'

Jurista elogia reação do Supremo Tribunal Federal (STF) aos ataques do presidente que, em sua avaliação, praticou quebra de decoro

Mariana Muniz / O Globo

BRASÍLIA - Professor de direito constitucional, membro da Academia Brasileira de Letras e fundador do curso de Direito da FGV-Rio, Joaquim Falcão enxerga no desfile de tanques em Brasília “um jogo de humilhação e ambição” praticado pelo presidente Jair Bolsonaro com as instituições.

Como o senhor observou essa “tanqueata” ocorrida em Brasília ontem?

Bolsonaro estimula a ambição e pratica a humilhação. Isso, que ele faz com as pessoas, está fazendo com as instituições. No caso das Forças Armadas, as humilha com um papel que não é o que a Constituição determina. Essa ameaça institucional ele já fez, inclusive, quando disse que a “Constituição sou eu”. Bolsonaro entende a democracia como um jogo de pôquer autoritário.

O senhor vê perigo nessas declarações?

A Constituição diz que os Poderes são harmônicos, mas a realidade mostra que não. No mínimo, eles são tensos entre si. E essa tensão é o que rege a democracia, porque um poder está sempre atento ao outro. Harmonia é um ideal inalcançável, e quando os poderes foram harmônicos, como foi na ditadura de 1964, acabou a democracia.

Cristovam Buarque* - Nudez da desigualdade

Correio Braziliense

A covid-19 não provocou a tragédia da educação brasileira. Ela apenas desnudou a realidade do atraso e da desigualdade na educação. Desde sempre, as avaliações colocam o Brasil entre os países com uma das piores e com a mais desigual educação de base no mundo, conforme a renda da criança.

Apesar disso, a população brasileira, eleitores e eleitos, não parecia perceber a dimensão da tragédia, nem estava atenta às terríveis consequências disso para o futuro das crianças e do país. A baixa qualidade impede o aumento da produtividade para gerar renda nacional e a desigualdade na educação é a principal causa da pobreza social e da concentração de renda e suas consequências. A epidemia da covid não criou essa situação, apenas denudou a realidade e explicitou os desafios que já existiam.

A sociedade brasileira sempre tratou com descaso o fato de termos a oitava maior população de analfabetos entre todos os países do mundo, e termos apenas metade dos brasileiros terminando o ensino médio e no máximo metade deles em condições de alfabetização para o mundo contemporâneo: conhecer bem a língua portuguesa e falar pelo menos mais um idioma, saber matemática, as bases das ciências, história, geografia, problemas do mundo e dispor de um ofício para conseguir emprego e renda. A pandemia permitiu descobrirmos a realidade: o Brasil tem escolas e fake escolas. As primeiras, embora ainda deficientes, foram capazes de se ajustar e mantiveram um mínimo de qualidade, as outras praticamente abandonaram as crianças por falta dos equipamentos necessários, de professores preparados e motivados e de governantes que dessem importância à educação.

O que a mídia pensa: Editoriais

EDITORIAIS

Congresso acerta ao enterrar PEC do voto impresso

O Globo

As cenas testemunhadas ontem em Brasília foram de um didatismo fora do comum. Diante da intimidação das armas, o debate democrático. Diante da ameaça golpista, a soberania do Congresso Nacional. Pela manhã, tanques, caminhões e camionetes das Forças Armadas fizeram um desfile ridículo, fora do calendário e anunciado de última hora. Uma faixa da via onde estão prédios que abrigam os três Poderes da República foi obstruída para a passagem de veículos ultrapassados, soltando fumaça.

Um dos oficiais presentes à presepada desceu do carro e subiu a rampa do Palácio do Planalto onde estavam o presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, os comandantes do Exército, Aeronáutica e Marinha e poucos ministros. Como parte da encenação, o oficial entregou um convite para o presidente comparecer a exercícios da Marinha em Goiás, com a participação das duas outras Forças.

Na era da comunicação digital, não havia justificativa racional para tamanha mobilização. O que Bolsonaro queria era usar a ocasião para tentar intimidar o Congresso no dia previsto para a votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que tentava estabelecer a volta do voto impresso. Sabendo que os deputados votariam contra, decidiu encenar uma exibição de armas fora de tom e de lugar, estratégia mais comum em republiquetas de bananas e áreas dominadas por milícias.

Poesia | Ferreira Gullar - Aprendizado

Do mesmo modo que te abriste à alegria 
abre-te agora ao sofrimento 
que é fruto dela 
e seu avesso ardente. 

Do mesmo modo 
que da alegria foste 
ao fundo 
e te perdeste nela 
e te achaste 
nessa perda 
deixa que a dor se exerça agora 
sem mentiras 
nem desculpas 
e em tua carne vaporize 
toda ilusão 

que a vida só consome 
o que a alimenta. 
- Ferreira Gullar, em "Barulhos", 1987.