quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Vera Magalhães - Pacheco tem de jogar por três

O Globo

É chave para os desdobramentos da grave crise institucional pela qual passa o Brasil o papel e o comportamento do presidente do Senado — e, por conseguinte, do Congresso Nacional —, Rodrigo Pacheco.

Num momento de completo esgarçamento das relações entre o Executivo e do Judiciário, ele tem de agir por três, porque há dois outros personagens igualmente cruciais que estão se omitindo de suas prerrogativas.

Seu vizinho e co-responsável pelo Legislativo, Arthur Lira, está mais interessado em defender interesses próprios e de seu grupo político que com a democracia. Ter recebido a chave do cofre para uma gorda parcela do Orçamento federal, ao mesmo tempo em que define a pauta da Câmara sem ser admoestado nem mesmo pelo próprio governo, são motivos suficientes para Lira ir empurrando com a barriga os abusos de Bolsonaro, enquanto der e lhe for conveniente.

Bernardo Mello Franco - Bolsonaro faz rodízio de ameaças à democracia

O Globo

O Palácio do Planalto informa: sai o voto impresso, entra o impeachment de ministros do Supremo. Jair Bolsonaro encontrou um novo mote para seu rodízio de ameaças. O objetivo permanece o mesmo: intimidar as instituições e manter o clima de golpismo no ar.

O presidente começou a semana passada com uma blitzkrieg contra a urna eletrônica. Promoveu um desfile de tanques e pôs a tropa digital no encalço dos deputados. Apesar do bombardeio, a Câmara manteve as regras do jogo. Ele reclamou da derrota, mas não se deu por vencido.

Na manhã de sábado, Bolsonaro lançou outra cruzada. Em quatro tuítes, anunciou que pediria a cassação de Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. O presidente se limitou a dizer que os ministros “extrapolam”. Foi o suficiente para abrir mais uma crise institucional.

O capitão sabe que não haverá impeachment no Supremo. O Senado não quer briga com a Corte, e os juízes não podem ser punidos por atuar com independência. Mesmo assim, a ofensiva cumpriu seu papel. Abasteceu as redes do ódio e manteve o governo em posição de ataque.

Bolsonaro se alimenta do confronto permanente. Precisa fabricar crises para agitar a militância e manter a fantasia de outsider. Apesar da aliança com o Centrão, parte do eleitorado ainda acredita que o presidente luta contra o sistema. Ele depende dessa ilusão para se manter no páreo.

Luiz Carlos Azedo - Bolsonaro derrete e apela para o golpismo

Correio Braziliense

A expectativa de poder que Bolsonaro mantém não se sustenta no projeto eleitoral, mas no governo como forma concentrada de poder e na narrativa do golpe de Estado

A pesquisa XP-Ipespe divulgada ontem mostra que Jair Bolsonaro derreteu eleitoralmente — perde para qualquer concorrente no segundo turno, se as eleições fossem hoje. Mais ainda, pode até ser derrotado pelo ex-presidente Luiz Inácio lula da Silva no primeiro turno, se mantiver a polarização com o petista e conseguir inviabilizar a chamada “terceira via”, como pretende. Segundo o cientista político Antônio Lavareda, mesmo com o recesso da CPI da Covid e o bom desempenho do Brasil nas Olimpíadas de Tóquio, que reduziram o noticiário negativo, o mau humor dos brasileiros com o presidente da República aumentou.

Não faltam motivos para isso, apesar do avanço da vacinação em massa e da redução do número de óbitos diários pela covid-19, que o povo atribui aos governadores e aos prefeitos. Com justa razão, Bolsonaro é identificado com o vírus da pandemia e não com a vacina. Fez tudo o que podia e não deveria para isso. Ontem mesmo, andou falando que as pessoas que tomaram a CoronaVac, a vacina chinesa produzida pelo Instituto Butantan, estão morrendo. Sua avaliação positiva caiu de 22 para 21%, enquanto a de governadores subiu de 36% para 46% e a dos prefeitos, de 45% para 55% — mesmo com o presidente da República culpando-os pela crise sanitária.

Ricardo Noblat - Pacheco, Lira e Nogueira dizem a Bolsonaro o que ele não quer ouvir

Blog do Noblat / Metrópoles

O presidente do Senado é o único que poderá largar Bolsonaro de mão. Os outros querem um pouco de paz para tocar seus negócios

Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados e Ciro Nogueira (PP-PI), chefe da Casa Civil da presidência da República, disseram a Jair Bolsonaro nas últimas 48 horas que sua situação está ficando cada vez mais difícil dentro e fora do Congresso.

E que a continuar assim ou até piorar, ficará complicado para eles ajudar o governo como gostariam e se dispuseram a fazer até agora. Um deles citou a mais recente pesquisa de opinião XP-Ipespe divulgada ontem. Ela mostra que Bolsonaro seria derrotado no segundo turno por qualquer um dos nomes testados.

Perderia não só para Lula (PT) como também para Ciro Gomes (PDT), Sérgio Moro, Luiz Henrique Mandetta (DEM), João Doria (PSDB) e até Eduardo Leite (PSDB), governador do Rio Grande do Sul, um ilustre desconhecido fora do seu Estado. 61% dos brasileiros dizem que jamais votariam em Bolsonaro.

A pesquisa trouxe outros dados que deveriam preocupar Bolsonaro como preocupam seus aliados. A avaliação positiva do seu governo segue em queda. A vacinação em massa aumentou a avaliação positiva dos governadores (de 36% para 43%) e dos prefeitos (de 45% para 55%), mas diminuiu a dele (de 22% para 21%).

Em julho, 59% dos brasileiros diziam que a economia estava no rumo errado, contra 29% que diziam que estava no rumo certo. Agora, 63% disseram que está no rumo errado, contra 27% que a julgam no rumo certo. 57% estão convencidos de que o governo se envolveu com corrupção. 67% acompanham a CPI da Covid.

Rosângela Bittar - Angústia

O Estado de S. Paulo

Convém deixar que Bolsonaro se enrole na sua própria teia e consuma seu próprio veneno

O clima de Brasília está irrespirável. O ambiente funde o medo da morte, impregnado na nova expansão da pandemia descontrolada, com o desvario constante do homem que domina os palácios da capital. A cidade se transformou, desde o início, em campo de provas da negação da ciência, da vida e do bom senso. Um novo apocalipse.

Falsidades e mentiras são multiplicadas a cada dia da gestão Jair Bolsonaro. O presidente insiste em atacar, violentar, agredir, instituições e pessoas. Convém deixar que se enrole na sua própria teia e consuma seu próprio veneno. O que importa verdadeiramente é a sobrevivência dos cidadãos.

Pode-se listar as manobras rocambolescas de Bolsonaro:

José Nêumanne - Um presidente aloprado e sua gangue fora da lei

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro ameaça ministros do STF com impeachment e apoiador diz que a cobra vai fumar

Encurralado por quatro ações no Supremo Tribunal Federal (STF) e uma no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), um recorde histórico, Jair Bolsonaro postou no sábado 14: “Todos sabem das consequências, internas e externas, de uma ruptura institucional, a qual não provocamos ou desejamos. De há muito, os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, extrapolam com atos os limites constitucionais”.

Mentira! Desde 2018 o presidente denuncia as urnas eletrônicas como fraudadas para evitar, com um autogolpe, a derrota em 2022. Após longa leniência das autoridades guardiãs da Constituição, da paz e da ordem públicas, estas exigiram que ele apresente as provas que diz ter. Mas, à exceção da fraude que pratica, tendo prometido combater a corrupção, “mais Brasil e menos Brasília”, e traído tais promessas, nada revelou de relevante.

Ao contrário, seja por tolerância exagerada ou compreensível respeito à vontade popular em decisões eleitorais não alteradas, que venceu seis vezes, o chefe do desgoverno atroz tem sido poupado de merecidas penas. Há dois anos, o ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro denunciou suas reiteradas tentativas de interferir politicamente na Polícia Federal (PF). De lá para cá, fez gato e sapato com a instituição, ao nomear fâmulos da famiglia, Anderson Torres e Paulo Maiurino, para o Ministério da Justiça e a direção da policia judiciária. O delegado Alexandre Saraiva foi afastado do inquérito sobre suspeita de cumplicidade de seu apoiador Ricardo Salles no Ministério do Meio Ambiente, mesmo tendo sido este denunciado em venda ilícita de madeira da Amazônia, flagrada não pela PF, mas no destino, os EUA, o que lhe provocou demissão. O inquérito está parado porque o STF ainda não decidiu se o presidente deporá por escrito ou pessoalmente. Lana caprina, portanto.

Fernando Exman - Insegurança jurídica na segurança nacional

Valor Econômico

Prazo para sanção precede as próximas manifestações

Primeiro de setembro. É este o prazo para a sanção - ou veto - do projeto de lei que revoga a Lei de Segurança Nacional e define crimes contra o estado democrático de direito. Tema sensível, que merecia uma discussão à margem da crise provocada pelo próprio chefe do Executivo.

Existe um fator agravante. A decisão terá que ser dada a poucos dias das próximas manifestações marcadas contra e a favor do governo, criando assim o cenário ideal para que o assunto se transforme em um novo ponto de fricção nas relações entre os Poderes.

É enorme a probabilidade de o despacho do presidente Jair Bolsonaro a ser publicado no "Diário Oficial da União" alimentar o já esgarçado debate político, seja a sua opção pela sanção do projeto ou uma decisão de vetá-lo total ou parcialmente. Ficam em segundo plano reflexões sobre o que pode representar à soberania um vácuo legislativo. A normatização de questões relativas à segurança nacional não é algo estranho mundo afora.

É verdade, porém, que a lei serviu de base para abusos. E a votação do projeto foi justamente uma reação do Parlamento aos ataques do presidente e algumas práticas lamentáveis da atual administração, como a intimidação de opositores.

Elio Gaspari - Cabul, Saigon, Shaaban, Budapeste

Folha de S. Paulo / O Globo

Os americanos defendem seus interesses

Quando Donald Trump botou o apelido de “Joe Dorminhoco” em Joseph Biden, ele sabia do que tratava. Biden às vezes fecha os olhos enquanto fala e fez fama com suas declarações impróprias.

A sorte faltou-lhe no dia 8 de julho passado, quando um repórter duvidou de sua estratégia de retirada do Afeganistão:

— Presidente, sua comunidade de informações diz que o governo afegão poderá entrar em colapso.

— Isso não é verdade.

Mais adiante, outro jornalista insistiu:

—Alguns veteranos do Vietnã estão vendo semelhanças com a retirada do Afeganistão. O senhor vê algum paralelo entre essa retirada e o que aconteceu no Vietnã?

—Nenhuma, zero.

Quem viu as imagens dos afegãos no aeroporto de Cabul, ou das pessoas caindo de um avião em voo, imediatamente as associou às cenas de Saigon em 1975 ou aos corpos que caíam das Torres Gêmeas de Nova York na manhã de 11 de setembro de 2001.

As diferenças entre o que aconteceu em Saigon e o que está acontecendo em Cabul são enormes, mas falar em “zero” foi uma leviandade de Biden. O acordo que entregaria o Afeganistão ao Talibã foi fechado por Donald Trump, mas o custo do “zero” de Biden só poderá ser avaliado em novembro do ano que vem, depois da eleição que renovará a Câmara e uma parte do Senado.

Bruno Boghossian - O xadrez de Lula com os militares

Folha de S. Paulo

Petista diz que não terá 'conversa especial' com fardados, mas emissários já tentam criar pontes

O ex-presidente Lula diz que não terá nenhuma "conversa especial com as Forças Armadas" durante a campanha ao Planalto. Em entrevista a uma rádio de Porto Alegre, na semana passada, o petista afirmou que vai tratar os militares com respeito, mas rejeitou um aceno ao grupo.

Ele repetiu a ideia na segunda-feira (16), durante viagem ao Nordeste. "Eu não tenho conversa com os militares", declarou. "Quando eu ganhar, eu vou conversar, porque aí eu vou ser chefe deles e vou dizer o que eu penso e qual é o papel deles."

Mariliz Pereira Jorge - O apagão das mulheres afegãs

Folha de S. Paulo

Quando os homens se cansam da guerra, às mulheres não sobra nem o direito de fugir

Onde estão as mulheres? Eu me perguntava ao ver as imagens de cidadãos afegãos invadirem o aeroporto de Cabul, no Afeganistão. No interior de um avião da Força Aérea americana, um mar de rostos aflitos, mas uma minoria feminina no meio de mais de 600 pessoas.

Mais uma guerra decidida por homens. Mais uma guerra feita por homens. Quando estes se cansam de brincar, viram as costas e às mulheres não sobra nem o direito de fugir, quanto mais os outros. A situação no Afeganistão mostra como Simone de Beauvoir continua atual: “Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida.”

Zeina Latif - Ouvidos moucos ao estrondo da inflação

O Globo

O ministro Paulo Guedes reafirma sua tranquilidade com a condução da política fiscal - inclusive a proposta de parcelamento de precatórios. Para ele, a alta nos juros de mercado decorre de um “barulho” causado por análise equivocada do mercado quanto à reação de Bolsonaro à candidatura de Lula – trocando em miúdos, o medo de populismo. Guedes não reconhece o estrondo da inflação produzido pelo aumento cotidiano do risco fiscal.

As expectativas inflacionárias dos analistas de mercado atingiram 7,05% em 2021 e 3,9% em 2022, ante metas de 3,75% e 3,5%, respectivamente. Essas projeções se referem ao cenário básico das instituições e, não necessariamente, embutem elevada convicção ou probabilidade.

Há muitas incertezas, que se refletem nas taxas de inflação de mercado (taxa implícita nos títulos indexados ao IPCA) acima de 5% para 2021, e em alta.

De fato, é difícil acreditar em recuo tão expressivo no ano que vem, diante dos muitos riscos e da natural resistência da inflação em um país com economia ainda indexada.

Armando Castelar Pinheiro* - Virada de humor

Valor Econômico

Há um sério risco de que a qualidade da política econômica deteriore em função das prioridades eleitorais

A vitória democrata nas eleições para o Senado americano, no início de janeiro, e o início da vacinação contra a Covid se somaram para criar um clima de otimismo no início de 2021. Este, por sua vez, deu origem a apostas na forte recuperação da atividade econômica, que de fato ocorreu, com altas significativas do PIB global no primeiro semestre. Junto veio uma forte pressão inflacionária, com altas significativas de preços de commodities e bens industriais, onde os gargalos de oferta e os baixos estoques contrastaram com a pujança da demanda.

A expectativa, que se mostrou correta, era de que os bancos centrais nos países ricos, em especial nos EUA e na Área do Euro, não reagiriam a essas pressões, mantendo a política monetária expansionista de 2020 praticamente inalterada. Isso abria espaço para uma forte recuperação das economias emergentes, ainda que defasada em relação aos países ricos, pelo avanço mais lento da vacinação.

Esse cenário tornava os ativos desses países atraentes para os investidores, especialmente naqueles que, como o Brasil, são grandes produtores de commodities. De fato, no segundo trimestre o risco país dos emergentes caiu, enquanto suas moedas e ações se valorizaram.

Antonio Corrêa de Lacerda* - Investimento estrangeiro e desenvolvimento

O Estado de S. Paulo

O investimento direto estrangeiro (IDE) representa todo ingresso de recursos advindos do exterior para instalação ou aquisição de empresas, caracterizando uma relação direta com a gestão da atividade. Nos 25 anos entre 1995 e 2020, o Brasil se manteve entre os principais países receptores de IDE no mundo. Apesar desse desempenho relativamente positivo, ainda nos falta uma estratégia mais clara no relacionamento com os potenciais investidores internacionais, assim como para as empresas transnacionais já em operação no mercado doméstico.

Dois aspectos se destacam nesta pauta. O primeiro, internacional, é que tem crescido a disputa de novos projetos entre os vários mercados, uma vez que os efeitos da pandemia de covid-19 provocaram uma queda de 33% nos fluxos globais de investimentos estrangeiros em relação ao ano anterior. O segundo aspecto é que a economia brasileira tem perdido espaço nas cadeias globais de valor, pela saída de empresas que mantinham operações no Brasil.

No Brasil, duas características têm marcado o IDE ingressante. Uma primeira, não exclusivamente local, é a predominância dos fluxos voltados para a aquisição de empresas já existentes. Ou seja, não se trata de investimento novo propriamente dito, mas de transferência de capital doméstico para internacional, sempre com implicações. A segunda observação se refere à predominância dos investimentos sem vocação exportadora, voltados para o atendimento do mercado doméstico.

Foi recentemente criada no Congresso Nacional a Frente Parlamentar em Apoio aos Investimentos Estrangeiros para o Brasil (Frente Investe Brasil), cujo objetivo é articular as condições para incentivar o ingresso dessa modalidade. Trata-se de iniciativa válida, tendo em vista a relevância do tema.

Roberto DaMatta* - Aranhas, teias e golpes

O Estado de S. Paulo / O Globo

As aranhas urdidoras de fraudes eleitorais do conto de Machado de Assis, A Sereníssima República, publicado em 1882, uma época marcada pela transição do Império à República e da escravidão ao trabalho livre, são uma genial ficção etnológica e uma extraordinária reflexão sobre a adoção de novos regimes políticos. Um assunto no qual o Brasil é um caso exemplar e Machado de Assis, um privilegiado observador, pois, devido à plenitude de uma aristocracia e de um patriarcado hegemônico, com o reforço da fuga da corte portuguesa, proclamamos uma atiradíssima República sem republicanos e uma democracia sem igualdade. Hoje, vítimas das teias que tecemos, lidamos com o que parece ser uma maluquice eleitoral, tal como aconteceu com as aranhas. 

A fábula relata uma excepcionalidade de um processo de mudança cultural. As aranhas têm uma língua e, tanto quanto o Brasil, aceitam o republicanismo para descobrir que as demandas da República têm, no seu sistema eleitoral, uma degradável impessoalidade. Uma imparcialidade que nos torna anônimos e iguais perante a lei. Aranhas e nós, porém, temos reservas quanto a esse princípio contrário a práticas sociais hierarquicamente orientadas, mas enterradas no nosso inconsciente, exceto quando colocamos alguém no seu devido lugar com o “você sabe com quem está falando?”.

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* - Velhacos e doentes tem conduzido as décadas perdidas

- Não é priguiça, é uma dor na “carcunda”, parpitação, uma cansera que num tem fim. É por esse caminho que um grande número de candidatos a cargos políticos alimenta a expectativa de navegar tranquilos pelas eleições, tentando assegurar vagas nos Governos, e empregos para os aparentados e amigos.  Uma nota de R$50,00 aqui, outra de R$100,00 ali, um óculos para o chefe da família, uma dentadura para a dona de casa e uma distribuição ampla de purgantes.

Esse comportamento anômalo já no início do século passado não desapareceu ainda. O interior de Minas e de São Paulo está cheio dos Jeca Tatu e o Nordeste desse tipo de gabiru. Por ali o homem brasileiro (o eleitor) é visto ainda, pelos políticos, como um caipira, abandonado, doente, atrasado nos costumes, quase analfabeto e carente.

Se vivesse hoje, Monteiro Lobato advertiria: O Brasil mudou muito. Responderia: Não na velocidade e qualidade de vida exigidas pelas atuais gerações. A olhos vistos, agravaram-se os desequilíbrios sociais e regionais, o que retrata a presença ainda da batuta de uma variedade de interesses privados e de uma explícita permanência da troca histórica de favores entre as elites, cada uma, a seu tempo, alternando-se no Poder do Estado. Embora evite-se discutir a necessidade da competência da gestão da coisa pública, a omissão tem sido a responsável pelo sobrevivência regime republicano com essa cara acomodada que o vemos hoje.

Políticos focados ainda no gabiru e no Jeca Tatu, precisam estar, contudo, atentos  à espiral do silêncio, aquele comportamento inesperado que elegeu Bolsonaro (e outros) Presidente da República, um capitão, aposentado precocemente por indisciplina das forças armadas, e que, usa uma linguagem pouco comum para um chefe de Estado, ofendendo diariamente  seus desafetos imaginários, desprezando correligionários, mentindo numa  provocação às desconfianças sobre as suas condições para dirigir o País. Tudo isso o desqualificaria. Mas a lei é clara quanto à soberania popular, ao exercício de votar e ser votado (CEF arts. 1º, parágrafo único, 14, caput), sobre os direitos do cidadão de ser candidato a qualquer cargo eletivo. E as incompatibilidades?! Cada um interpreta convenientemente, até no Supremo.

O que a mídia pensa - Editoriais /Opiniões

EDITORIAIS

Forças Armadas não são nem têm ‘poder moderador’

O Globo

Continua a prosperar no universo paralelo do bolsonarismo uma interpretação descabida da Constituição que justificaria uma intervenção militar em apoio aos desígnios golpistas do presidente Jair Bolsonaro. Essa leitura estapafúrdia do artigo 142 da Carta, que estabelece o papel das Forças Armadas na República, não passa de uma tentativa de aplicar um verniz, de conferir uma pátina de legalidade à ruptura da ordem democrática. Rechaçada pelo consenso dos juristas, ela já foi formalmente descartada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A visão deturpada desse artigo atribui às Forças Armadas o exercício de um pretenso “poder moderador” — inexistente em todas as Constituições republicanas. Seria apenas mais um delírio das redes sociais, não tivesse sido ressuscitada nesta semana em entrevista do general da reserva Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Depois de pregar contra “excessos”, Heleno afirmou que a intervenção militar “poderia acontecer em momento mais grave”. Argumentou que, se o artigo 142 “existe no texto constitucional, é sinal de que pode ser usado”.

Ora, em nenhum momento o artigo 142 confere às Forças Armadas autoridade para intervir ou moderar crises entre o Executivo e os demais Poderes. Ao contrário, ele deixa claríssimas as três funções constitucionais de Exército, Marinha e Aeronáutica. Textualmente, “destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Quem deu início à interpretação equivocada — e conveniente para as intenções golpistas de Bolsonaro — foi o jurista Ives Gandra Martins, ao enxergar nesse trecho a atribuição às três Forças da missão de moderar crises entre os Poderes. Só que isso é pura lorota, já que simplesmente não está escrito no texto constitucional.

Poesia | João Cabral de Melo Neto – O Rio

Trecho: De Apolinário a Poço Fundo

Para o mar vou descendo
por essa estrada da ribeira.
A terra vou deixando
de minha infância primeira.
Vou deixando uma terra
reduzida à sua areia,
terra onde as coisas vivem
a natureza da pedra.
À mão direita os ermos
do Brejo da Madre de Deus,
Taquaritinga à esquerda, onde o ermo é sempre o mesmo.
Brejo ou Taquaritinga,
mão direita ou mão esquerda,
vou entre coisas poucas
e secas além de sua pedra.

Deixando vou as terras
de minha primeira infância.
Deixando para trás
os nomes que vão mudando.
Terras que eu abandono
porque é de rio estar passando.
Vou com passo de rio,
que é de barco navegando.
Deixando para trás
as fazendas que vão ficando.
Vendo-as, enquanto vou,
parece que estão desfilando.
Vou andando lado a lado
de gente que vai retirando;
vou levando comigo
os rios que vou encontrando.