sábado, 21 de agosto de 2021

Para novo senador, PSDB só terá chance se for oposição

José Aníbal critica ambiguidade do partido na Câmara, Casa que vê numa 'bolha isolada da sociedade

Igor Gielow / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O PSDB só terá viabilidade na disputa presidencial de 2022 se abandonar a ambiguidade no Parlamento em relação ao Jair Bolsonaro e assumir uma oposição dura ao governo federal.

A cobrança foi feita por um expoentes da velha guarda da sigla, o paulista José Aníbal, que acaba de assumir uma vaga no Senado. "Foi importante voltar neste momento", diz ele, que já foi deputado por cinco mandatos e senador de 2016 a 2017.

Aníbal, 74, é suplente de José Serra e assumiu porque o tucano pediu uma licença para tratar a saúde por quatro meses.

Conhecido pelo modo incisivo com que se coloca nas disputas partidárias, ele não poupa críticas à bancada federal tucana na Câmara, que votou majoritariamente em favor na bandeira bolsonarista do voto impresso.

Critica a Casa vizinha de forma geral, dizendo que ela vive numa "bolha isolada da sociedade", cooptada pelo Planalto para "evitar o impeachment e garantir a reeleição dos deputados".

Ligado ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Aníbal tem um posto-chave no tucanato: é o supervisor do processo de prévias para escolher o candidato a presidente em 2022, e vê o governador João Doria (SP) como o postulante mais contundente em sua oposição a Bolsonaro.

Além Aníbal, que assumiu no dia 11, os paulistas têm lá Mara Gabrilli (PSDB) e Alexandre Giordano (MDB), um empresário inexperiente que assumiu após a morte de Major Olimpio (PSL), no ano passado.

O sr. volta ao Senado após quatro anos. Qual a diferença?

Foi importante voltar neste momento, que é de muita ansiedade e incerteza. Do ponto de vista prático, se agrava uma imagem adequada ao presidente: ele não consegue associar goiaba com goiabeira. Falta nexo à ação dele, dizem que é de caso pensado, mas é desastroso para o país.

Pegue a agenda na Câmara. É um despautério. Se trata do quê? Reforma tributária é uma piada. Reforma política era distritão, que caiu, e volta das coligações. É um retrocesso.

Passa no Senado?

Acho que não. Do outro lado, a reforma tributária. O Parlamento se subestima, já havia propostas boas em discussão. Agora, se reduz a reforma naquilo que o ex-secretário da Receita Everardo Maciel chamou de território de felinos e hienas. A reforma é aumentar limite de isenção no IR às custas da classe C. É inaceitável.

A Câmara se enredou num processo no qual o foco central é a reeleição de cada deputado. Fundo partidário, fundo eleitoral, orçamento secreto. É uma ação que os coloca dentro de uma bolha, isolada das necessidades do país.

Hoje, o foco deveria ser só aumenta a verba do Bolsa Família da forma como ele estava, não com essa proposta inexequível de novo auxílio.

Em posse, Maia ironiza DEM e declara apoio a Doria na eleição 2022

Ex-presidente da Câmara, hoje sem partido, será secretário de Projetos e Ações Estratégicas na gestão paulista

Carolina Linhares / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Em uma cerimônia que exaltou a candidatura de João Doria (PSDB) à Presidência da República em 2022, o governador de São Paulo assinou a nomeação do ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (sem partido-RJ), nesta sexta-feira (20), como secretário de Projetos e Ações Estratégicas.

Em sua fala, no Palácio dos Bandeirantes, Maia deixou claro que será um articulador pela candidatura de Doria no campo da terceira via. O governador ainda precisa vencer as prévias presidenciais tucanas marcadas para novembro.

"Nada mais importante na política do que aquilo que é natural. E o natural, nesse momento, é o fortalecimento não apenas do seu nome [Doria], mas daquilo que São Paulo representa para o Brasil", disse.

"Daqui nós vamos construir um projeto de país, unindo aqueles democratas que respeitam a economia de mercado e o setor privado", completou.

Mais do que coordenar projetos de governo, algo que será a função oficial de Maia, a ida do deputado para o Governo de São Paulo tem peso político e objetivo eleitoral —o que ficou claro na cerimônia, que tratou mais de perspectivas para 2022 e da oposição ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) do que de ações ou metas específicas da gestão Doria.

Rodrigo Zeidan* – Balanço do governo


Folha de S. Paulo

Quantos anos serão necessários para desfazer os estragos deixados pela pior equipe econômica da história do país?

Um ministro da economia com superpoderes. Demanda reprimida por anos de crise econômica. Reformas, como a da Previdência, encaminhadas no Congresso. Um mundo em expansão.

O cenário estava desenhado para uma forte recuperação da economia brasileira quando o governo subiu ao poder. Mais de dois anos e meio desde que quatro pastas foram agregadas em um ministério, qual a avaliação que podemos fazer do comando de Paulo Guedes e seus secretários, que supostamente subiram ao poder pela sua capacidade técnica?

Infelizmente, essa capacidade era ouro de tolos e não só o ministério foi incapaz de negociar politicamente qualquer reforma importante para o país, como errou em todos os momentos importantes dos últimos anos. O resultado é que desde então estamos presos no Dia da Marmota, com promessas de crescimento, redução de desemprego e inflação que se deterioram à medida que o ano avança. E isso independe da crise trazida pela Covid-19.

Alvaro Costa e Silva - A paródia do general Heleno

Folha de S. Paulo

Olho no Sete de Setembro: as vivandeiras estão alvoroçadas

Apesar da dura no cantor golpista Sérgio Reis, olho no Sete de Setembro. As vivandeiras —que acreditam no “contragolpe” de Bolsonaro e na interpretação do artigo 142 da Constituição pelo general Augusto Heleno— estão alvoroçadas.

Ao dizer que as Forças Armadas podem coibir “excessos” do Judiciário, Heleno não é o bobo da corte falando do que não entende para fazer graça. Ele sabe muito bem que sua hipótese é um estupro constitucional. Seu negócio é agitar a extrema direita e o bando de plantão nas redes sociais.

Em vez de tornar-se essa figura nanica, manchando o currículo de “tríplice coroado” (primeiro aluno nos três principais cursos por que passa um general), o chefe do SNI faria melhor se se dedicasse à paródia musical. Enquanto pôde cantar sem constrangimento sua versão para “Reunião de Bacana” (“Se gritar pega centrão/ Não fica um, meu irmão”) —antes de o grupo de Arthur Lira e Ciro Nogueira começar a dar as cartas no governo—, Heleno estava em seu ambiente.

Demétrio Magnoli - Cuomo 7, Cabul 3

Folha de S. Paulo

Arco narrativo da queda do democrata pertence ao universo do espetáculo

Durante os dez dias anteriores à queda de Cabul, entre 5 e 14 de agosto, o The New York Times concedeu destaque muito maior à novela da renúncia de Andrew Cuomo que à tragédia concluída pela queda de Cabul. Na capa, Cuomo bateu o Afeganistão por goleada: 7 a 3. O placar ajuda a explicar o triunfo final do Talibã e, adicionalmente, conta uma história sobre a degradação do jornalismo.

O governador de Nova York renunciou sob um escândalo provocado por eventos de assédio sexual a algumas funcionárias da máquina administrativa estadual. A queda de Cabul evoca o fracasso de quatro presidentes na mais longa guerra americana, reordena o tabuleiro estratégico na Ásia Central e no mundo, oferece novas oportunidades às organizações jihadistas e cobre com nuvens de chumbo os direitos elementares de milhões de mulheres e meninas. Os editores do NYT decidiram, porém, que o affair doméstico tinha mais relevância.

José Sarney* - A Casa Desunida

Blog do Noblat / Metrópoles

Brasil se arrisca a deixar de lado o problema fundamental que é sua própria razão de ser: a trilogia liberdade, igualdade, fraternidade

Perdidos na perplexidade da desarmonia do Estado, o Brasil se arrisca a deixar de lado o problema fundamental que é sua própria razão de ser: a trilogia liberdade, igualdade, fraternidade, no mote da revolução francesa, o direito à felicidade, na fórmula de Jefferson. O que, quando comecei a fazer política, há tantos anos, chamávamos de justiça social.

A fraternidade tem sido pequena, um tema que ficou relegado aos líderes das grandes Igrejas. A liberdade encontra-se envolta em contradições, admitida nas leis, mas irrealizável pelas limitações econômicas e sociais. E a igualdade vai, dia a dia, diminuindo. Nunca o mundo foi tão desigual, nunca as sociedades foram tão desiguais.

Há, para começar, o problema da riqueza. Uns poucos por cento, muito ricos, detêm a maior parte dela, no mundo ou aqui. Somos, infelizmente, o mais desigual entre os grandes países. Basta isso para assinalar a gravidade do problema.

Embrulhada nas malhas da economia, a desigualdade tem marcas igualmente fortes, mas talvez menos visíveis, no acesso ao cerne da justiça social: a educação, a saúde, a segurança. A tecnologia, que livrou o homem de doenças terríveis, que permitiu comunicações instantâneas, que dá acesso a uma soma de conhecimentos inimaginável, é incapaz de resolver esse dilema. É um problema político, no melhor sentido, no único que vale a pena.

A educação generalizou-se quando os países decidiram criar o que se chamou “educação pública”. A obrigação de todos frequentarem escolas aconteceu sobretudo no século XIX; e não só nos países mais ricos, pois temos o exemplo da Argentina e do Uruguai, que a universalizaram naquela época. A nossa Constituição a coloca entre os direitos fundamentais, mas a prática é outra: a grande concentração de investimentos é no ensino privado, vale dizer, na formação de quem já tem o privilégio da condição econômica.

João Gabriel de Lima - O que temos em comum com a terra da ‘jantelagen’

O Estado de S. Paulo

O uniforme da seleção sueca de futebol é igual ao do Brasil. Não é a única semelhança entre os dois países

Taylor Swift, Ariana Grande, Justin Timberlake, Pink, Childish Gambino, Adele e Maroon 5. Esses artistas têm algo em comum: todos eles devem parte de seu sucesso a produtores ou compositores suecos. O episódio “Síndrome de Estocolmo”, da ótima série This is pop, disponível no Netflix, mostra como a Suécia se tornou celeiro de hitmakers. Criou-se uma cena inovadora e vibrante, de variedade inimaginável para quem associava o país ao padrão chiclete do grupo Abba. Que virou – literalmente – tema de museu em Estocolmo.

Os suecos também são líderes em outra seara: a preocupação com o futuro do planeta. A primeira conferência do clima foi realizada em 1972 em Estocolmo. Na época, a principal questão era a poluição nas grandes cidades, e havia muitas divergências entre os países. Os ricos queriam conter as emissões de gases. Os pobres achavam que, para se desenvolver, precisavam poluir.

Passaram-se quase 50 anos. Ricos e pobres sabem hoje que a mudança climática é questão vital para o nosso futuro. Estocolmo passou da teoria à prática. A uma hora de caminhada do centro, em meio a ilhas e pontes – que valeram à cidade o apelido de “Veneza do Norte” – chega-se a dois bairros onde se ensaia um futuro sustentável. Ao sul, Hammarby Sjostad tem um dos melhores sistemas de reciclagem do planeta – os resíduos são encaminhados a usinas por via subterrânea, e o retorno se dá na forma de aquecimento e eletricidade, seguindo os preceitos da “economia circular”.

Ao norte, Royal Seaport se destaca pela arquitetura: edifícios desenhados para poupar energia, painéis solares por todos os lados e uma antiga fábrica lindamente transformada em centro cultural. “O respeito ao meio ambiente faz parte da cultura do país, e une esquerda e direita, jovens e velhos”, diz o escritor sueco Henrik Jönsson, correspondente do jornal Daegens Nyheter no Rio de Janeiro. Ele é o personagem do minipodcast da semana – e fala também sobre a polêmica gestão da pandemia em seu país.

Adriana Fernandes - Declaração de guerra

O Estado de S. Paulo

Guedes cria mais atritos com o Senado ao implodir projeto de reforma tributária ampla

O ministro da Economia, Paulo Guedes, quebrou mais pontes de diálogo no Senado ao praticamente implodir a proposta de reforma tributária ampla que estava em discussão com a equipe do relator, senador Roberto Rocha, e apoiada pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco.

Guedes era o convidado especial de ontem de uma série de debates sobre a PEC de reforma tributária. A expectativa era grande em relação a sua fala e ao apoio do governo ao modelo conhecido como “dual” para a tributação do consumo, que estava sendo costurado com a sua equipe.

Afinal, o próprio ministro e a Receita Federal vinham participando de reuniões técnicas, há mais de dois meses, para definir o caminho da etapa da reforma tributária (são quatro fases até agora) que ficou com o Senado – e que abrange também os impostos estaduais e municipais.

Nessas reuniões, o desenho negociado permitiria uma tramitação alinhada da PEC com o projeto do governo que está na Câmara e que cria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em substituição ao PIS e Cofins, tributos cobrados pelo governo federal.

Murillo de Aragão - O peso das instituições

Revista Veja

Os radicais fazem barulho, mas mandam pouco no cotidiano público

Em um momento em que a tensão institucional permeia o cenário político, é importante saber até onde a instabilidade poderá nos levar. Para tal, é relevante entender as forças institucionais que atuam no país e as suas motivações.

O primeiro ponto que gostaria de abordar é o fato de o Brasil de hoje ser um país com múltiplos polos de poder. O que se revela, por exemplo, na dificuldade de se chegar a consensos em torno de matérias polêmicas, como uma ampla reforma tributária ou mesmo a reforma política.

O segundo ponto que devemos considerar é que a multipolaridade de atores atua de forma a conter excessos. Não somos um país onde poucas oligarquias controlam os destinos da nação. Existem vários atores com poder político atuando na disputa por recursos, influências e políticas públicas.

O terceiro ponto é que a prevalência que o Poder Executivo tinha sobre os demais poderes foi abalada pela Constituição de 1988, ainda que tenha demorado algumas décadas para isso se revelar por inteiro.

Considerando os três pontos mencionados, conclui-se que temos uma realidade multipolar de atores e de tendências que impede que apenas uma força prevaleça — de forma isolada — sobre as demais.

Dois extremos de nossa política — Lula e Bolsonaro — só conseguiram alguma governabilidade a partir do momento em que fizeram alianças com forças políticas de outros campos ideológicos.

Ricardo Rangel - Na areia movediça

Revista Veja

Quanto mais se afunda, mais Bolsonaro se debate — e mais se afunda

Jair Bolsonaro está ficando cercado: suas diatribes surtem cada vez menos efeito, e todo dia surge uma nova má notícia. O TSE cortou a fonte de recursos de seus propagandistas digitais, seu ministro da Justiça está sob investigação, Roberto Jefferson está na cadeia, e fala-se até na prisão do filho Carlos.

O desfile de tanques e o exercício da Marinha viraram motivos de chacota na internet. O voto impresso caiu. O cantor Sérgio Reis, que convocou para o golpe, foi desautorizado pelos aliados e é alvo de uma representação de 29 subprocuradores-gerais e de uma investigação pela Polícia Federal. O próprio Bolsonaro é investigado em sete inquéritos, sem falar da CPI, que arrolará mais meia dúzia de crimes.

Ascânio Seleme - Ele vai tentar

O Globo

A cada nova investida, Bolsonaro dá um passo a mais em direção à ruptura da estrutura política do Estado. Tem tudo para fracassar e vai fracassar.

Que ninguém duvide, o presidente Jair Bolsonaro vai tentar dar um golpe para manter o poder pela força. Pode não ser já, mas ocorrerá antes ou logo depois das eleições de outubro do ano que vem. Os sinais são tão claros que é difícil fazer uma interpretação diferente. Todos os ataques a instituições da democracia brasileira testam seus limites. A cada nova investida, ele dá um passo a mais em direção à ruptura da estrutura política do Estado. Tem tudo para fracassar e vai fracassar. Faltam-lhe apoio político, popular e mesmo militar. Mas isso não o impedirá de tentar. Quanto mais se afasta de uma vitória eleitoral, mais aguçado fica sua sanha golpista.

Nesse momento, segundo todas as pesquisas, o presidente perde feio para Lula no primeiro turno e de lavada no segundo. Perde também no segundo turno para Ciro Gomes, João Doria, Luiz Mandetta e Eduardo Leite, de acordo com pesquisa encomendada pela XP ao Ipespe. Deve perder para qualquer um outro que se habilite a disputar o segundo round da eleição presidencial porque Bolsonaro é também o homem mais odiado do Brasil. Hoje, 64% dos brasileiros rejeitam seu governo e 56% consideram sua administração ruim ou péssima, mostra enquete do PoderData. Diante dos números que pioram a cada mês, pode ser até que o presidente nem se qualifique para o segundo turno, o que seria inédito.

Nesta semana, dois dos ministros-generais mais próximos de Bolsonaro dissertaram sobre ditadura em audiências na Câmara dos Deputados. Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, disse que “ditadura é uma questão de semântica”, chamando aquela era das trevas de “regime militar de exceção”. Walter Braga Netto, da Defesa, foi mais longe. “Não considero que tenha havido uma ditadura. Houve um regime forte”, disse ele para espanto da comissão em que depunha na Câmara. Com esses dois Bolsonaro poderá contar quando perceber definitivamente que sua única alternativa é tentar manter ou tomar o poder na marra.

Claudio Ferraz - A foto da desigualdade

O Globo

Na semana passada uma foto divulgada pela Ável, escritório de assessoria digital da XP Investimentos, gerou grande controvérsia na imprensa e nas mídias sociais. Nela aparece um grupo de aproximadamente cem jovens, em sua maioria homens brancos, posando na cobertura de um prédio. A foto gerou revolta e levou entidades dos movimentos negro e feminista a protocolarem uma ação civil pública pela falta de diversidade no quadro de funcionários.

Num artigo no portal UOL, Márlon Reis, advogado que representa as entidades na ação, argumenta que esse é um caso exemplar de discriminação, "que mostra como o processo de recrutamento nas empresas pode ser cruel".

Apesar da Ável e XP terem sido a bola da vez, tenho certeza que a composição demográfica de diversas corretoras e bancos de investimento não são muito diferentes dessa.

Grandes escritórios de advocacia também não estão muito longe disso e nem a composição de candidatos eleitos pela maioria dos partidos políticos.

Num contexto que conheço de perto, jovens homens brancos também são maioria em programas de mestrado de administração e economia em instituições de elite como o Insper, FGV e PUC-Rio.

Uma resposta que muitas organizações dão para esse tipo de situação é dizer que não há candidatos com outras características no mercado de trabalho. Ou seja, o problema é a falta de oferta de mão de obra qualificada por mulheres e homens pretos.

Carlos Alberto Sardenberg - O divórcio

O Globo

Primeiro, foram empresários da economia real. Depois, a eles se juntaram banqueiros e economistas do primeiro time. E, agora, o mercado financeiro também entrou no processo de divórcio com o governo Bolsonaro e, muito especialmente, com o ministro Paulo Guedes.

As previsões para os números macroeconômicos já vinham piorando havia semanas: perspectiva de inflação, juros e dólar em alta, expectativa de PIB cada vez menor para este e o próximo ano. Mas isso era percepção. “Só” percepção, se dizia, que poderia mudar assim que o governo e o Congresso se entendessem sobre um Orçamento minimamente equilibrado para 2022 e, com sorte, sobre algumas reformas (tributária?) e privatizações.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, procurou acalmar os mercados justamente com esta tese: tudo isso passa quando o governo mostrar de onde vem o dinheiro para os diversos gastos.

Mas na semana passada aconteceu algo real no mercado financeiro, que não acontecia havia mais de ano: nos contratos de futuros, os títulos do governo foram negociados a juros de quase 11% anuais.

Isso revela enorme desconfiança em relação à capacidade de o governo entregar qualquer coisa que ao menos pareça controle de contas públicas — gastos abaixo do teto — ou reformas.

José Eduardo Agualusa - O Talibã tropical

O Globo

O bolsonarismo é um talibanismo, numa versão tropical e carnavalesca, mais ridícula, mas não menos estúpida, violenta e potencialmente destruidora

Enquanto os desgrenhados guerrilheiros do Talibã entravam em Cabul, fui reler uma crônica que Eça de Queiroz escreveu sobre as vitórias e derrotas dos ingleses no Afeganistão: “Em 1847, os ingleses, por uma razão d’Estado, uma necessidade de fronteiras científicas, a segurança do império, uma barreira ao domínio russo da Ásia, e outras coisas vagas, invadem o Afeganistão, e ali vão aniquilando tribos seculares. Apossam-se, por fim, da santa cidade de Cabul; sacodem do serralho um velho emir apavorado; colocam lá outro de raça mais submissa, que já trazem preparado nas bagagens, com escravas e tapetes; e, logo que os correspondentes dos jornais têm telegrafado a vitória, o exército, acampado à beira dos arroios de Cabul, desaperta o correame e fuma o cachimbo da paz.” Nas linhas seguintes, com idêntica ironia, Eça descreve a derrota do exército britânico, mais preocupado com o fornecimento de chá (e do açúcar para adoçar o chá), do que em combater os insubmissos guerreiros afegãos. Finalmente, conclui: “E de tanto sangue, tanta agonia, tanto luto, o que resta por fim? Uma canção patriótica e uma estampa idiota nas salas de jantar.”

O que aconteceu com os ingleses no século XIX aconteceu depois com os russos no século XX, e a seguir com os americanos neste nosso tempo. A principal diferença é que da desastrosa aventura americana não sobrará sequer uma canção patriótica.

Marcus Pestana* - Precatórios, política fiscal e direitos do cidadão

Da presente crise multifacetada emergem as verdadeiras preocupações da população brasileira. O interesse do cidadão está preso à vacinação ainda morosa, ao desemprego em níveis alarmantes, à miséria e a fome agravadas pela pandemia e aos passivos que ficarão como a interrupção do processo educacional de crianças e jovens pobres.

A questão fiscal tem tudo a ver com essas demandas sociais. O orçamento público explicita as formas de arrecadação das receitas através dos tributos e o perfil do gasto público. Isto é central na democracia. A democracia e o orçamento público nasceram juntos como uma forma de dar transparência e previsibilidade no financiamento das atividades do Estado.

Há muito, o Brasil enfrenta uma profunda crise fiscal. O Estado se agigantou e os déficits se acumularam com seus conhecidos impactos. Como não conseguimos produzir uma verdadeira reforma do Estado e de sua organização administrativa, vamos, de soluço em soluço, adotando gambiarras para equacionar o desiquilíbrio das contas do governo. Neste cenário, os investimentos são pífios, a qualidade do gasto e das políticas públicas é comprometida e o retorno para a sociedade que paga impostos cada vez menor.

Gesto de Bolsonaro é ofensa ao convívio harmonioso entre os Poderes da República, diz Celso de Mello

Para ministro aposentado, pedido de impeachment contra Alexandre de Moraes é "absurda provocação"

Mariana Muniz / O Globo

BRASÍLIA — A decisão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de apresentar um pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta sexta-feira, é um gesto de "absurda provocação" que "traduz ofensa manifesta ao convívio harmonioso entre os Poderes da República". Essa é a avaliação que o ministro aposentado do Supremo e ex-presidente da Corte Celso de Mello fez ao GLOBO.

"O gesto de Bolsonaro traduz ofensa manifesta ao convívio harmonioso entre os Poderes da República , pois a denúncia contra o Ministro Alexandre de Moraes, além de não ter fundamento legítimo, revela a intenção subalterna de pretender intimidar um magistrado que , além de independente , responsável e intimorato, cumpre, com exatidão e estrita observância das leis, o seu dever funcional ! Bolsonaro precisa ter consciência de que não está acima da autoridade da Constituição e das leis da República!", afirmou Celso de Mello.

A força das Marx: Obras mostram como as filhas do autor de ‘O capital’ tinha luz própria

Ruan de Sousa Gabriel / O Globo

 “Não importava quão comprometidos estivessem com a causa, nem Marx nem Jenny queriam ver as filhas condenadas a viver com aqueles tipos de homens que subiam a escada estreita da Dean Street, batendo à porta deles com a barriga vazia, mas com a cabeça cheia de sonhos radicais”, escreve Mary Gabriel em “Amor e capital”. O casal Marx sonhava que suas três filhas — Jenny, Laura e Eleanor — encontrassem maridos cultos e pudessem “constituir suas famílias sem preocupações financeiras ou políticas”. No entanto, as três escolheram tipos como o pai: revolucionários sem muito jeito para ganhar dinheiro.

Em 1872, Jenny se casou com Charles Longuet, herói da Comuna de Paris. Inicialmente, Marx considerou Longuet “bom e digno”, embora preferisse que a filha tivesse escolhido “um inglês e não um francês que, combinado às qualidades nacionais de charme, naturalmente não deixa de ter sua fraqueza e irresponsabilidade”. Segundo Gabriel, a senhora Marx reclamava da indolência, das mentiras e da “baboseira francesa” do genro. “Minha distinta filha merece coisa melhor”, escreveu numa carta.

Jenny e Longuet tiveram seis filhos, dos quais apenas dois chegaram à vida adulta. Em 1880, após anistia aos communards, Jenny acompanhou o marido de volta à França. Em uma carta a Laura, afirmou: “nem a rotina maçante do trabalho fabril é pior do que os intermináveis afazeres domésticos”.

Laura também se casou com um exilado político: Paul Lafargue. Nascido em Cuba e mestiço, Lafargue estudou medicina na França até ser expulso da universidade por pregar o socialismo. Exilou-se após a derrota da Comuna e, em Londres, conheceu Laura. Marx se incomodava com certa afobação de Lafargue perto de Laura, que atribuía ao “temperamento creole” do rapaz, e lhe remeteu uma carta duríssima. “Se na presença dela você for incapaz de amar de maneira condizente com a latitude de Londres, terá de se contentar com amá-la a distância”, escreveu o alemão, que ainda exigiu do rapaz “uma clara explicação de sua situação econômica”. Laura e Lafargue tiveram três filhos, mas nenhum sobreviveu à infância. Os dois dedicaram a vida à luta socialista e cometeram suicídio em 1911. Considerado pouco diligente pelo sogro, Lafargue é autor de “O direito à preguiça”.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

A população não quer isso

O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro tem feito um governo desastroso. Não apenas não governa – não enfrenta os problemas que lhe cabe enfrentar, especialmente os muitos desafios decorrentes da pandemia –, como cria continuamente confusões e problemas adicionais. Para agravar, o objetivo desta tática não é apenas desviar a atenção da inépcia de seu governo, mas tentar se manter no poder depois do término de seu mandato. Mostrando que não tem limites, Jair Bolsonaro já ameaçou até mesmo a realização das eleições do ano que vem.

Nesse cenário tenebroso, em que se verifica diariamente uma escalada de ignorância, incivilidade e desrespeito às regras mais básicas do regime democrático, há uma boa notícia. A população deu-se conta de quem é Jair Bolsonaro, não apoia o seu governo e não quer vê-lo por mais quatro anos na Presidência da República.

De forma recorrente, os institutos de pesquisa constatam o crescimento da rejeição a Jair Bolsonaro. Por exemplo, na pesquisa XP/Ipespe mais recente, 54% dos entrevistados disseram considerar o governo ruim ou péssimo. Em relação ao mês anterior, houve aumento de dois pontos porcentuais. O crescimento da rejeição ao governo de Jair Bolsonaro tem sido constante desde outubro de 2020, quando 31% disseram considerar a gestão ruim ou péssima.

Poesia | João Cabral de Melo Neto - A Carlos Drummond de Andrade

Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.

Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.

Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.

Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.

Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.