domingo, 22 de agosto de 2021

Merval Pereira - Ousadia de um fraco

O Globo

Ao anunciar que apresentará outro pedido de impeachment de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), desta vez Luis Roberto Barroso, o presidente Bolsonaro dobrou sua aposta no caos, como é de seu feitio de blefador compulsivo. Só faz piorar sua situação, pois a cada arruaça institucional que promove, ajuda a afundar seu governo e abre caminho para que seja abandonado por sua base parlamentar trânsfuga.

O ex-presidente Lula, que conhece como o Centrão negocia, já previu que seus principais líderes não ficarão ao lado de Bolsonaro por muito mais tempo. A não ser os radicalizados, os apoiadores do presidente vão abandonando o barco ao constatarem que o país talvez não aguente muito mais tempo com ele à frente, e muito menos a perspectiva de um novo mandato.

Tendo sido eleito principalmente pelo antipetismo, Bolsonaro nunca deixou de ser o político do baixo clero que sempre foi, e também não cumpriu seu programa liberal na economia e de combate à corrupção. Ao contrário, fez questão de reforçar o que lhe distingue negativamente, e que faria com que disputasse com o Cabo Daciolo a insignificância nas urnas se não tivesse enganado o eleitorado com um programa que nunca poderia ter cumprido por sua própria índole, que era desconhecida da maioria que, de boa fé, viu nele o único candidato capaz de derrotar o petismo.

Bernardo Mello Franco - O fantasma da cadeia

O Globo

Na noite de quinta-feira, Eduardo Bolsonaro expôs o fantasma que apavora a família presidencial. O deputado reclamava do cerco a aliados que ameaçam a democracia e conspiram contra a eleição de 2022. Em tom de desabafo, questionou: “Qual seria o próximo passo? Prender o presidente? Prender um dos filhos?”.

Depois do sincericídio, o Zero Três ainda tentou se corrigir. “A gente não tem medo de prisão”, disse. Mas suas três perguntas já haviam escancarado o pânico do clã.

O Judiciário deu novos passos para desmontar a máquina de ódio e desinformação que sustenta o bolsonarismo. Na segunda-feira, o Tribunal Superior Eleitoral bloqueou o financiamento de sites especializados em notícias fraudulentas. Quatro dias depois, a Polícia Federal fez buscas contra aliados do presidente que organizam atos golpistas.

A operação da manhã de sexta foi autorizada por Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. No fim da tarde, Jair Bolsonaro apresentou um pedido de impeachment contra o ministro.

Luiz Carlos Azedo - Bolsonaro não se ajuda

Correio Braziliense

O impeachment não empolga os partidos de oposição, mas ganha apoio da opinião pública e já começa a ser visto como uma contingência que não pode ser descartada

Parece que o fracasso subiu à cabeça do presidente Jair Bolsonaro, que não se ajuda. Com dificuldades de se relacionar com as regras do jogo da Constituição de 1988, está levando o país para uma situação dramática. Cria uma situação de grave crise institucional, na qual seus aliados não têm muito como ajudá-lo, porque contraria seus interesses políticos e eleitorais regionais. O ministro da Economia, Paulo Guedes, faz mais ou menos a mesma coisa com a boa vontade dos agentes econômicos, que davam sustentação ao governo em função da necessidade de estabilidade na economia, mas agora se afastam.

A escalada do confronto do presidente Jair Bolsonaro com o Supremo Tribunal Federal (STF) não tem chance de terminar bem, apesar dos esforços do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), para amortecer a trombada com o presidente da Corte, ministro Luiz Fux, que sempre teve uma postura cordata e moderada. Na sexta-feira, Bolsonaro entrou com um pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, que imediatamente recebeu a solidariedade de seus pares, em nota assinada por Fux. Quem imaginava que Bolsonaro havia desistido do pedido em relação ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, deve esperar mais um pouco: nos bastidores do Planalto, comenta-se que isso também deve ocorrer nesta semana.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM), pretende examinar o pedido de impeachment de Alexandre de Moraes tecnicamente, por obrigação, mas já disse que a medida não tem acolhida política. Ou seja, se não for engavetado, será derrubado em plenário. O sinal de que o tempo fechou para Bolsonaro no Senado veio também do presidente da Comissão de Constituição e Justiça, sena- dor Davi Alcolumbre (DEM-AP), que suspendeu a sabatina do ex-advogado-geral da União André Mendonça, indicado para a vaga do ex- ministro Marco Aurélio Mello no Supremo. Apesar de contar até com o apoio da bancada do PT, a aprovação de Mendonça subiu no telhado.

Bolsonaro não ajuda mesmo os seus aliados. Ciro Nogueira já está desconfortável no cargo, porque suas negociações políticas não são honradas pelo presidente da República. Na semana passada, tentou uma reaproximação de Bolsonaro com Fux, mas as conversas foram desmentidas pelos fatos. O presidente do PP assumiu a Casa Civil com a missão de melhorar o relacionamento do governo com o Congresso e costurar alianças eleitorais robustas, principalmente no Nordeste, mas está fracassando mais rápido do que se imaginava. É uma situação muito parecida com a do ex-senador Jorge Bornhausen, que assumiu a articulação política do governo Collor de Mello e não conseguiu evitar o impeachment.

Ricardo Noblat - E no país em que se anuncia com antecedência o dia do golpe…

Blog do Noblat / Metrópoles

Deboche é o melhor antídoto

Diálogo ouvido por este blog no fim da semana em um dos restaurantes mais badalados de Brasília:

– Você vai passar aonde o golpe de 7 de setembro? – perguntou um homem de meia idade a outro enquanto se serviam de uma picanha ao ponto.

– Aqui mesmo. Meus filhos e netos irão almoçar lá em casa.

– Eu estava pensando em passar na fazenda, mas aqui pode ser mais animado.

– Você acha que o golpe vai dar certo?

– Já deu.

Míriam Leitão - Destino trágico das mulheres afegãs

O Globo

O mundo vê paralisado o destino das mulheres e meninas do Afeganistão. A tragédia já está escrita, todos sabem. Elas vão ser impedidas de estudar, trabalhar, circular, viver a vida. As que se rebelarem, morrerão. É como se fosse um destino inevitável, e aceitável, que mais da metade de um país seja encarcerada e torturada. As mulheres têm sido ao longo da história humana submetidas às mais variadas violências. Do assédio moral ao sexual. Das pressões físicas às psicológicas. O tempo passa, os séculos passam, e elas estão sempre sendo excluídas, tolhidas, caladas.

As mulheres do Afeganistão são a ponta extremada de um problema que o mundo nunca enfrentou com a radicalidade necessária: a discriminação contra a mulher. Em outros países islâmicos as pessoas do sexo feminino são também tratadas como um ser de segunda classe e oprimidas com base em interpretações fundamentalistas do islamismo. Mas não apenas lá. Em todas as religiões, culturas, países, gerações, as mulheres enfrentam, em graus diferentes, de maneira diversa, a violência de serem tratadas como inferiores.

Dorrit Harazim - Caiu por quê?

O Globo

Cabul caiu. Caiu por quê? O mundo acompanha aturdido as cenas dilacerantes que marcam a troca de regime no Afeganistão. E quer entender, julgar, opinar — embora até ontem, do Afeganistão, se conhecesse pouco além da fotografia da menina de penetrantes olhos verdes na capa da National Geographic (Steve McCurry, 1984) ou do filme e best-seller mundial “O caçador de pipas”, de Khaled Hosseini. Há pressa em explicar a implosão do regime afegão mantido de pé pelos EUA por 20 anos e medo pelo ominoso retorno ao poder do Talibã.

A História tem menos pressa. Ken Burns e Lynn Novick precisaram de 40 anos de recuo para construir a monumental série televisiva em dez partes sobre a Guerra do Vietnã. O livro extraído da série, “The Vietnam War — An intimate story”, pode servir de roteiro a quem vê raízes aparentadas na derrocada do colosso militar americano em 1975, e agora no Afeganistão.

Após o acordo assinado em Paris por EUA, Vietnã do Norte (comunista) e Vietnã do Sul (apoiado pelos americanos) em 1973, uma cerimônia formal civilizadíssima parecia indicar um final decente. Enquanto na Hanói comunista o regime liberava o último lote de prisioneiros de guerra americanos, no aeroporto de Saigon (a capital do Sul, hoje Cidade de Ho Chi Minh) os últimos 68 combatentes americanos partiam do solo vietnamita em cumprimento ao acordo. Restavam os não uniformizados: adidos militares, diplomatas, terceirizados, agentes da CIA, além de 150 fuzileiros navais para proteger a embaixada.

Restava, sobretudo, o presidente Nguyen Van Thieu, que comandava o Vietnã do Sul à base de bravatas sustentáveis apenas enquanto contou com o poderio dos EUA. Com o dinheiro e assistência americanos, montara um exército de 1 milhão de soldados — nominalmente o quinto maior do mundo. Na realidade, grande parte desse milhão era constituído por “soldados-fantasmas” (inexistentes), “soldados ornamentais” (presentados com postos longe da guerra) e “soldados decorativos” (só precisavam comparecer a cerimônias).

Eliane Cantanhêde - No reino dos terraplanistas

O Estado de S. Paulo

O impeachment do ministro Alexandre de Moraes não dá em nada, mas atiça alucinados para o dia 7

Junto com a radicalização, o pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes e a resistência vigorosa do Supremo às ameaças ao nosso 7 de Setembro, um mal se alastra pelo Brasil como erva daninha, ou como a variante Delta: o negacionismo, ou terraplanismo, que mistura ideologia, ignorância, crença cega e má fé, arrastando milhões de ovelhas fiéis e incautas para o lado errado da história.

Depois de um ministro da Educação que falava mal o português, um segundo que não sabia escrever e queria prender os ministros do Supremo e um terceiro que não tomou posse por fraudar o currículo, chegamos ao pastor Milton Ribeiro. Discreto (omisso?), ele sumiu durante a pandemia e lembra o personagem de TV que “só abre a boca para falar besteiras”.

Em entrevista ao Estadão, o ministro (da Educação!) disse que jovens gays são resultado de “famílias desajustadas”. Depois, voltou à cena com a tese de que universidades são para “poucos”. Leia-se: para a elite branca das escolas particulares. Sim, é preciso investir mais no ensino profissionalizante e menos em faculdades de fundo de quintal que geram diplomas, não profissionais aptos para o mercado. Mas tratar universidades como bolhas, condenando pobres e negros à exclusão eterna?

Por último, o pastor Ribeiro declarou que alunos com alguma deficiência “atrapalham” as aulas e devem ser segregados. Pai de Ivy, de 16 anos, portadora de Down, o senador e craque Romário desprezou a diplomacia. Chamou o ministro de “imbecil e deselegante” e tascou: “Toma vergonha na cara!”.

Rolf Kuntz - Falta uma vacina contra desgoverno e golpismo

O Estado de S. Paulo

Com Bolsonaro como astro, o vírus é mero figurante no drama recente do Brasil

Bolsonaro pode perder de Lula e de outros candidatos na próxima eleição, mas ganha do coronavírus em todas as frentes. O discurso golpista, a economia emperrada, o dólar nas alturas, a insegurança política e o atraso no combate à pandemia comprovam o poder devastador do presidente. O País acumulou US$ 47,94 bilhões de superávit comercial de janeiro até o meio de agosto, mas o dólar custava R$ 5,47 no início da manhã da última sexta-feira. Poderia, segundo especialistas, estar sendo comercializado abaixo de R$ 5. Fatores externos, como a economia chinesa, afetam a cotação, mas a instabilidade cambial, no Brasil, resulta principalmente de incertezas internas. A ameaça de impor um calote aos credores de precatórios é apenas um dos muitos fatores de insegurança.

Que o presidente seja mais perigoso que o coronavírus é fato verificado há muito tempo. Bolsonaro continua menosprezando a crise sanitária e pregando maior atenção aos negócios, como se a economia fosse independente da saúde. Economistas e autoridades econômicas de respeito têm opinião muito diferente. Pandemia, variantes do vírus e progresso da imunização têm aparecido com destaque em documentos de instituições financeiras privadas, bancos centrais e entidades multilaterais.

Ao anunciar suas últimas decisões, o Banco Central do Brasil e o Federal Reserve, o BC americano, citaram no início dos comunicados o avanço da vacinação e a insegurança ainda ocasionada pela covid-19. Pandemia tem sido tema frequente de estudos e comentários divulgados no site da Fundação Getúlio Vargas. Essa constância está afinada com padrões globais. Uma força-tarefa para apoiar países em desenvolvimento em assuntos ligados à doença, incluídos financiamento e acesso a recursos médicos, foi criada por quatro grandes instituições, o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (Bird), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Mundial do Comércio (OMC).

Elio Gaspari - A mágica do imposto atolou

O Globo / Folha de S. Paulo

Reforma tributária desandou quando tentou avançar no caixa de estados e municípios

Na tarde de terça-feira, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, dava a impressão de que, somando promessas a ameaças, aprovaria o pacote chamado de reforma tributária. À noite, viu que se fosse a voto, o projeto morreria. Adiou a votação por uma semana, que depois virou uma quinzena, e a esta altura não se sabe seu futuro. Bem feito, esperteza quando é muita, come o dono.

A construção do pacote foi patética. Pretendia financiar um projeto que substituiria o Bolsa Família, sem explicar por quê. Como todas as iniciativas do gênero, vinha fantasiada de redução da carga tributária, mas acabaria elevando-a.

No escurinho de Brasília e da pandemia, primeiro salvaram-se os bancos, depois os advogados e os médicos. Em seguida, tentou-se tungar professores. Quando tentaram avançar na caixa dos estados e municípios, a mágica desandou. No dia seguinte, Lira disse que o governo precisava se empenhar melhor, e o doutor Paulo Guedes anunciou que vai chamar a oposição para discutir o projeto, coisa que deveria ter feito há meses.

Toda discussão de reforma tributária é uma barafunda, mas o gato embrulhado nesse pacote foi exposto pelo secretário da Receita Federal. Chama-se estímulo à pejotização. No Brasil, existem dois tipos de trabalhadores: os que vivem sob a Consolidação das Leis do Trabalho e aqueles que se transformaram em pessoas jurídicas, são os pejotas, pagando menos impostos e perdendo benefícios sociais.

Vinicius Torres Freire - Basta de ‘pacificar’ Bolsonaro

Folha de S. Paulo

É preciso barrar a recondução do PGR e deixar por ora vazia a cadeira que foi de Marco Aurélio no STF

É possível que Jair Bolsonaro não venha a ser contido mesmo por meio de um impeachment ou da derrota nas urnas em 2022. A eleição está distante, e o impeachment, tão longe quanto um lugar que não existe, graças aos arranjos da maior parte das elites políticas e econômicas.

Se ainda se pretende que instituições formais da democracia ou o que resta delas ainda funcionem, é preciso vetar de modo institucional os golpeamentos de Bolsonaro e as infecções crônicas que ele quer inocular no Estado de Direito.

Para dar longo uns exemplos, trata-se de barrar a recondução do procurador-geral da República, até que ao menos ele seja julgado pela acusação de subserviência, e deixar por ora vazia a cadeira que foi de Marco Aurélio Mello no Supremo.

As indicações para a PGR e para o STF são prerrogativas constitucionais do presidente; recusar os nomes de Bolsonaro é uma prerrogativa de quem quer proteger a Constituição e as instituições de controle da contaminação autoritária de um golpista.

Vetar Bolsonaro “de modo institucional” parece um pleonasmo. Não é. Depois de assistir a ano e meio de campanha golpista explícita, muitos donos do poder e do dinheiro ainda acomodam e aceitam o plano de destruição com “notas de repúdio”, pedidos de “pacificação” e de “harmonia” extraconstitucional entre os Poderes.

Janio de Freitas - Eles sabem ou não sabem o que dizem

Folha de S. Paulo

A lenga-lenga da construção de harmonia entre os Poderes é farsa

O descompromisso com a franqueza das atitudes é próprio do político profissional, e uma das suas diferenças essenciais para o militante de ideias que está na política. Mas a aplicação de vícios do profissional a circunstâncias de alta gravidade, como é o atual ataque à ação legítima do Judiciário, alia-se ao intuito antidemocrático e até o estimula. É o que estão mostrando os presidentes do Senado e da Câmara, com o presidente do Supremo como coadjuvante.

A lenga-lenga da construção de harmonia entre os Três Poderes, fantasiada pelos três e por um profissional da politicagem, não é mais do que farsa. Movida a palavrório de lugares-comuns e reuniões para mais entrevistas, resulta em serviço à crescente agitação de Bolsonaro contra as defesas da democracia.

O senador Rodrigo Pacheco, o deputado Arthur Lira, o ministro Luiz Fux e o camaleônico Ciro Nogueira sabem como poucos, de seus postos privilegiados, que Bolsonaro busca a desarmonia, precisa dela como plano de ação e de salvação. Sabem que suas propostas de encontros pacificadores serão respondidas por Bolsonaro, como foram todas até aqui, por imediata saraivada de ameaças aos tribunais superiores e a magistrados.

A insistência na harmonia impossível proporciona a Bolsonaro repetidas oportunidades de mais incitar o bolsonarismo. O estúpido pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, por exemplo, foi feito por Bolsonaro em seguida a Luiz Fux dispor-se a "reavaliar" o cancelamento de um "encontro pacificador dos presidentes". Quem cancelou, de fato, foi Bolsonaro horas depois de um "diálogo e acordo" com Fux.

Bruno Boghossian - A festa de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Presidente convoca protestos pró-governo como pretexto para contornar limites democráticos

Sem timidez, Jair Bolsonaro defendeu o fechamento do Congresso numa entrevista à Band, em 1999. O então deputado disse que o Legislativo não servia para nada e afirmou que, se fosse presidente da República, "daria golpe no mesmo dia". Depois, acrescentou: "Tenho certeza de que pelo menos 90% da população ia fazer festa e bater palma".

Líderes autoritários costumam vender a ideia de que têm apoio popular para tomar medidas de exceção. Esses políticos pegam carona em ondas de aborrecimento nas ruas ou simplesmente falsificam a impressão de que têm respaldo de uma maioria para contornar os limites da democracia e ampliar seus poderes.

Bolsonaro segue esta doutrina. Em março, quando aliados cobravam uma reação a governadores na pandemia, ele prometeu fazer "o que o povo quiser" e sugeriu acionar as Forças Armadas. No mês seguinte, repetiu a dose: "O Brasil está no limite. O pessoal fala que eu devo tomar providências. Eu estou aguardando o povo dar uma sinalização".

Agora, Bolsonaro aplica a mesma lógica na convocação das manifestações pró-governo do dia 7 de setembro, que têm o Supremo como alvo. Na sexta-feira (20), ele disse a seus apoiadores que o objetivo dos protestos é "ter uma fotografia para o mundo do que vocês querem". "Eu só posso fazer alguma coisa se vocês assim o desejarem", completou.

Cristovam Buarque* - A Via Brasil

Blog do Noblat / Metrópoles

O risco de um deputado chamado Jair Bolsonaro que quase ninguém escutou

O blog do Noblat lembrou esta semana os dez anos de uma curta fala do jornalista Bob Fernandes alertando para o risco de um deputado chamado Jair Bolsonaro. A fala não parecia ter relação com a realidade, mas se transformou em uma triste previsão. Pena que não foi escutada na época.

Se o alerta do Bob Fernandes tivesse sido escutado, as forças democráticas não teriam cometido tantos erros que levaram à eleição de um governo tão desastroso, irresponsável e ameaçador. Mas dez anos atrás era impossível dar crédito à possibilidade de um maluco defensor de tortura ganhar eleição, embora fosse perfeitamente previsível que os democratas estavam esgotando seu crédito de esperanças e credibilidade eleitoral. E por isto deveriam perder em algum momento no futuro, para forças radicalmente contrárias ao discurso democrático e progressista.

Era óbvio o descontentamento do eleitorado diante da corrupção, da falta de reformas estruturais para enfrentar os grandes problemas do país e de uma mensagem empolgante para um futuro diferente. Apesar disto, os partidos democráticos se consideravam mais adversários entre eles do que dos problemas brasileiros. Não tinham mensagem para o futuro, não acreditavam em volta ao passado e passavam o presente disputando quem seria o próximo prefeito de São Paulo. PSDB e PT se consideravam os donos da história que lhes parecia satisfatória com a democracia, a estabilidade monetária, a bolsa escola/família e o crescimento econômico induzido pela China. Os outros eram apenas auxiliares, puxadinhos de um ou outro. Como continuam sendo. Sem uma mensagem para futuro e desprezo aos alertas, se dedicavam a brigar entre eles para ver quem tinha o melhor marqueteiro para convencer aos eleitores. Eram os marqueteiros que tentavam mostrar as diferenças inexistentes nos vazios de propostas que eles tinham.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Desinformação eleitoral exige ação das redes sociais

O Globo

Mesmo rejeitado no Congresso, o voto impresso persiste como mote central da propaganda bolsonarista. A ampla maioria dos brasileiros afirma confiar nas urnas eletrônicas, mas a campanha de desinformação não tem sido inócua, como demonstram pesquisas de opinião recentes. Combatê-la é prioridade para preservar a saúde da democracia brasileira. É uma missão que cabe não apenas a políticos e autoridades, mas também à imprensa e, acima de tudo, às redes sociais, por onde circula o grosso dos ataques à integridade do nosso processo eleitoral.

Recentemente, a campanha contra o sistema de votação brasileiro ganhou vulto internacional, com a adesão de Steve Bannon, guru da extrema direita internacional e artífice da vitória de Donald Trump em 2016. Em evento nos Estados Unidos, Bannon afirmou que a próxima eleição no Brasil será a segunda mais importante do mundo. Repetiu a ladainha fraudulenta que o presidente Jair Bolsonaro tem usado para justificar antecipadamente a contestação do resultado em caso de derrota, exatamente como fez Trump.

Os Estados Unidos são o melhor exemplo para avaliar o estrago causado pela desinformação. Mesmo sem ter havido fraude significativa na eleição de Joe Biden em 2020, entre um quarto e um terço dos americanos acredita que ela foi roubada. Nem as mentiras em série de Trump nem seu apoio à invasão do Capitólio no dia em que sua derrota seria referendada no Congresso — tentativa cristalina de golpe de Estado — foram suficientes para impedir que ele mantenha o apoio majoritário entre os republicanos e seja o candidato mais viável do partido para 2024. O risco para a democracia americana foi afastado por enquanto, mas não está sepultado.

Para evitar que tragédia semelhante se repita no Brasil, os atores políticos precisam se mobilizar. Foi essencial a diligência das lideranças partidárias que se manifestaram em uníssono contra a Proposta de Emenda à Constituição que pretendia instaurar o voto impresso no ano que vem e, felizmente, saiu derrotada. Mas ela contou com apoio expressivo entre os deputados. Vários, mesmo de partidos tradicionais, endossaram a estratégia golpista de Bolsonaro, em desafio à orientação de suas lideranças. Isso demonstra que, ainda que a Câmara tenha evitado o pior, os parlamentares não estão imunes à desinformação.