quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Vera Magalhães - Suave para Aras, não tanto para Jair

O Globo

Em que medida o passeio no bosque que foi a votação da recondução de Augusto Aras à Procuradoria Geral da República, nesta terça-feira, melhora o ambiente do Senado para Jair Bolsonaro?

Aras foi bem-sucedido ao conseguir descolar sua sabatina e votação em plenário do processo idêntico para a indicação de André Mendonça ao Supremo Tribunal Federal. Costurou isso laboriosamente, alertando senadores e integrantes do governo para a possibilidade de que, caso a recondução tardasse, poderia haver vacância da Procuradoria-Geral da República, com a ocupação de sua cadeira por alguém que poderia mudar os rumos da gestão atual.

E é essa nova cara do Ministério Público Federal que explica a extrema facilidade que Aras encontrou, simbolizada à perfeição pelo ridículo comitê de boas vindas armado pelo presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Davi Alcolumbre, com senadores de todos os partidos para, vejam só! -  recepcionar o sabatinado e conduzi-lo à comissão. Como esperar alguma dificuldade a partir de tão ridículo salamaleque?

Aras conseguiu o milagre de obter um apoio suprapartidário no momento mais radicalizado da polarização política do Brasil. O segredo do sucesso é justamente a desarticulação que promoveu, ao longo de dois anos, do aparato de investigação do MPF e de fiscalização da atividade dos políticos.

Sob o discurso conveniente de que combateu a “criminalização da política” promovida pelos antecessores, Aras falou o que os senadores do PT a Bolsonaro queriam ouvir. Uma coisa é combater excessos, que houve de fato, nos períodos anteriores, sobretudo sob o instável Rodrigo Janot. 

Outra é mudar a própria natureza do que a Constituição preceitua no artigo 127 como atribuições do Ministério Público, entre as quais se destaca, como síntese, a de defesa do estado democrático de direito.

No momento em que essa democracia é mais vilipendiada, Aras se omite, e os senadores assentem com essa omissão ao reconduzi-lo sem sequer admoestá-lo.

Bernardo Mello Franco - A miopia da oposição

O Globo

O ex-presidente Lula anunciou: se for eleito em 2022, vai indicar um procurador-geral da República escolhido na lista tríplice. “Eu não quero um amigo meu. Eu quero uma pessoa em que a sociedade possa ter confiança”, disse, em entrevista à CBN Santa Catarina. “Senão, você avacalha as instituições. Você avacalha a democracia”, acrescentou.

Se a promessa feita há duas semanas era verdadeira, o ex-presidente deveria ter atuado contra a recondução de Augusto Aras. Ontem seu partido fez o contrário no Senado. O petista Rogério Carvalho chegou a participar do trenzinho de boas-vindas que conduziu o procurador à Comissão de Constituição e Justiça.

O boicote à lista tríplice é o menor dos defeitos de Aras. O procurador usa o cargo como escudo para proteger Jair Bolsonaro do alcance da lei. Comporta-se como advogado do presidente, não como chefe do Ministério Público Federal. Sua omissão serve de licença à escalada autoritária do governo.

Elio Gaspari - As PMs são uma questão militar

O Globo / Folha de S. Paulo

É ali que mora a encrenca

O ministro da Defesa, general Braga Netto, sabe melhor que ninguém o que está acontecendo em algumas Polícias Militares. Em 2018, ele comandou a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro. Enxugou gelo, mas sentiu a temperatura. Um episódio, ocorrido no 18º BPM (Jacarepaguá), ilustra o que acontecia.

Um general do Exército foi inspecionar o quartel e, para recebê-lo, havia uma guarda formada por 20 soldados. O coronel comandante ordenou que dessem continência ao general, e uma parte da tropa fez que não ouviu. Teve de repetir: “Todo mundo”. Só então foi obedecido.

O governador de São Paulo acaba de tirar o comando de um coronel da PM que convidou os “amigos” para a manifestação de apoio a Jair Bolsonaro no Sete de Setembro. Em manifestações anteriores, ele já havia chamado o presidente do Senado de “covarde”.

Motins de PMs entraram na vida nacional há poucas décadas. Desde 2012, foram pelo menos seis e, em quatro casos, foi necessária a intervenção da tropa do Exército.

Como general, Braga Netto conhece a relação funcional e auxiliar das Polícias Militares com as Forças Armadas. Como interventor no Rio, sabe quase tudo. Como ministro do governo de Bolsonaro, conhece os projetos que tramitam no Congresso dando autonomia administrativa às PMs. Conhece até mesmo o dispositivo que cria patentes de general nessas corporações. Isso para não mencionar a familiaridade de Bolsonaro com cerimônias de policiais militares. Em 2018, ainda candidato, visitou o Batalhão de Operações Especiais do Rio e saudou a tropa com o grito de “caveira”.

Luiz Carlos Azedo - A violência à espreita

Correio Braziliense

Um breve passeio pela História das ideias políticas mostra o enorme retrocesso que estamos vivendo, devido ao culto à lei do mais forte e à justiça pelas próprias mãos

A Política como Vocação, do sociólogo alemão Max Weber, em 1918, na Universidade de Munique, publicada em livro no ano seguinte, é um clássico da ciência política e obra de referência para os jornalistas, cuja atividade é inseparável da política. Ele dizia que somos uma espécie de “casta de párias” e “as mais estranhas representações sobre os jornalistas e seu trabalho são, por isso, correntes”. Com razão, afirmava que a vida do jornalista é muitas vezes “marcada pela pura sorte”, sob condições que “colocam à prova constantemente a segurança interior, de um modo que muito dificilmente pode ser encontrado em outras situações”.

“A experiência com frequência amarga na vida profissional talvez não seja nem mesmo o mais terrível. Precisamente no caso dos jornalistas exitosos, exigências internas particularmente difíceis lhe são apresentadas. Não é de maneira alguma uma iniquidade lidar nos salões dos poderosos da terra aparentemente no mesmo pé de igualdade (…). Espantoso não é o fato de que há muitos jornalistas humanamente disparatados ou desvalorizados, mas o fato de, apesar de tudo, precisamente essa classe encerra em si um número tão grande de homens valiosos e completamente autênticos, algo que os outsiders não suporiam facilmente”. Àquela época, as mulheres ainda não eram a maioria na categoria, mas, mesmo assim, mais de 100 anos depois, suas observações são atualíssimas e também servem para elas, principalmente as que estão em começo de carreira.

Ricardo Noblat - No país que ensaia golpe a céu aberto, conspiração tem dia marcado

Blog do Noblat / Metrópoles

Governadores querem reunião com militares. Certamente não será para falar bem de Bolsonaro

Uma vez que sabem e sempre souberam que o presidente Jair Bolsonaro não está disposto a reunir-se com eles para diminuir a tensão política que prejudica o país, os governadores querem, e com o mesmo objetivo, encontrar-se com o comando das Forças Armadas, se possível já na próxima semana.

É uma ideia de jerico. O comandante das Forças Armadas é o presidente da República. Quem responde por elas em termos administrativos é o ministro da Defesa, o general Braga Netto, bolsonarista de raiz, que já chegou a falar em cancelamento das eleições do ano que vem se não houvesse voto impresso.

Braga Netto é impermeável a qualquer ideia que possa contrariar o ex-capitão. Seria pura perda de tempo uma reunião com ele. Então com quem mais poderia ser? Com os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica? Mas sobre política eles não podem falar, muito menos na presença de 26 governadores.

Uma conversa discreta, sem anúncio prévio, com dois ou três governadores, até que eles poderiam ter, mas o anúncio estragou tudo, e a discrição foi para o brejo. De resto, os comandantes da Marinha e da Aeronáutica são bolsonaristas como Braga Netto, mais o da Aeronáutica do que o da Marinha.

Rosângela Bittar - Voto às cegas

O Estado de S. Paulo

O presidente e sua monolítica plateia não permitirão uma campanha eleitoral como historicamente se pratica no Brasil

A pouco mais de um ano das eleições, o interesse geral começa a aflorar. Despertam, entre outros sentimentos adormecidos, as correntes antipetistas do eleitorado, já à procura de alternativas. O aumento da rejeição a Jair Bolsonaro indica que o candidato à reeleição, nestes 30 meses de governo, mostrou a que veio e o público não gostou. Diminuiu drasticamente o contingente dos que o consideraram, no passado, a escolha mais eficiente para derrotar Lula.

O tamanho de Bolsonaro vai se reduzindo à medida que avança sua peculiar performance. O afastamento do eleitorado é inversamente proporcional à empáfia que compromete sua imagem.

Não é pouco o que ainda está à disposição de Bolsonaro, mas é insuficiente para um presidente da República que partiu para confronto universal. Em declaração espontânea, 22% citaram seu nome na pesquisa Xp/ipespe divulgada na semana passada. Estimulados, diante de uma lista, 24% o preferiram. Uma diferença mínima. Em trajetória de candidatos normais, uma é o dobro da outra.

Prevê-se que, neste ritmo, Bolsonaro chegue às eleições de 2022, que renega, com seu eleitorado convergindo para um índice próximo de 12%. Um grupo cada vez menor e mais fascinado pelo seu temperamento e caráter. A recíproca é verdadeira. Refletem-se, como um espelho.

José Augusto Guilhon Albuquerque* - Conto de um golpe anunciado

O Estado de S. Paulo

Somente membros do Conselho dos Justos se empenham em impedir um desfecho indesejado

Reza a lenda que Pedro, tendo enganado todos os adultos, escondido na mata e gritando “lá vem o lobo”, não foi comido pelo lobo, contrariando outras narrativas. Sobreviveu ao lobo e livrou-se das devidas punições dos adultos, que lhe ofereceram perdão em troca de sumir e não mais voltar. E lá se foi Pedro, dar golpes na vida.

E tantas fez, sempre enganando os incautos com ameaças de lobos, que Pedro um dia virou presidente de uma República tão instável, tão dividida pelo ódio, tão rapidamente empobrecida, tão corroída pela corrupção, tão abatida pela peste que nenhum homem de bem conseguia se fazer ouvir, quanto mais virar presidente.

E assim, já como Pedro, o lobo, assumiu o poder e uma nova carreira de golpista. Prometeu acabar com todos os lobos, todas as leis, todos os usurpadores de seu poder absoluto, por todo os meios, de preferência ilícitos. Logo distribuiu peles de ovelha às matilhas, pouco numerosas, mas vorazes, que o cercavam na crença de participarem do festim propiciado por seu infinito poder. Logo passou a ocultar, sob uma pele de lobo, suas fraquezas, sua pusilanimidade, sua indecisão, sua reação baseada no puro impulso, sua incapacidade de imaginar uma agenda positiva. Guardou para si a tarefa de destruir, de modo nada meticuloso, mas extremamente persistente, todas as pessoas, todos os grupos, instituições, leis e costumes com os quais se mostrou incapaz de conviver.

Tentou de tudo para recuperar seu delírio de um poder absoluto que lhe teria sido usurpado pelos adultos, isto é, tudo o que encarnasse leis, prerrogativas, direitos, valores morais e, sobretudo, honestidade e competência. Tentou domesticar à força o Conselho de Comissários, que podia aprovar e recusar leis que não resultassem integralmente de seus próprios desejos. Tentou, sem sucesso, intimidar o Conselho dos Justos, que podia conter ou anular sua imaginária prerrogativa de cruzar todas as linhas, esvaziar todas as instituições, ignorar todos os direitos e levar ao desfecho sua carreira de golpista. Seu insucesso na tentativa de domesticar ou intimidar os dois conselhos, que dividiam com ele os poderes da República, não o levou a conciliações, mas sim a ofensas e ameaças, e à retomada de sua trajetória de golpes.

Luiz Felipe D’Avila* - A hora do Congresso

O Estado de S. Paulo

Não há mais tempo a perder para frear as investidas de um presidente que se tornou uma ameaça à democracia

Duas décadas de governos populistas de esquerda e de direita transformaram o Estado brasileiro na cracolândia do patrimonialismo.

Em vez de aprovar as reformas para melhorar a qualidade e a eficiência do serviço público, aparelharam o Estado, distribuíram empregos no governo a aliados políticos e concederam benefícios, subsídios e protecionismo a grupos de interesse que arruinaram as finanças públicas, a produtividade e a competitividade internacional do País. Em vez de fortalecer a confiança nos pilares do Estado de Direito, criaram o maior esquema da corrupção da História (revelado pela Lava Jato), insuflaram a polarização política e instilaram conflitos entre os Poderes, debilitando o bom funcionamento da democracia. Em vez de abrir a economia e remover o peso sufocante do Estado das costas dos empreendedores, empregadores e trabalhadores que geram investimento, emprego e renda no País, os liberais do “posto Ipiranga” tornaram-se frentistas da agenda corporativista do presidente da República.

Esse é o retrato de uma sociedade que desde 2002 só elegeu presidentes comprometidos em defender o PCC – o patrimonialismo, o corporativismo e o clientelismo. O resultado de duas décadas de políticas de governo subservientes aos interesses do PCC está estampado na mais longa recessão econômica do País, no desemprego recorde, no aumento gigantesco da miséria e da desigualdade, na maior inflação dos últimos 25 anos e no descaso com o meio ambiente. Nenhum presidente se reelegeu com esse trágico legado.

Zeina Latif - O exemplo da prefeita socialista de Paris

O Globo

Uma das promessas de Paulo Guedes na campanha de 2018 foi a venda de imóveis da União, com a inexequível receita de R$ 1 trilhão. Além do pouco cuidado técnico na estimativa, revelou-se o desconhecimento da complexa natureza do processo e das etapas a serem cumpridas, como a regularização e avaliação dos imóveis, em meio à excessiva burocracia.

Para imóveis tombados, as dificuldades se multiplicam por conta da complexidade e do excesso de regras e exigências para reformas e restaurações. Adicionalmente, os processos são morosos; sem prazo limite para o exame dos órgãos envolvidos. Tudo isso mina o interesse do setor privado nas aquisições, além de comprometer a capacidade do estado de gerir o patrimônio público.

Como resultado, em 2020, 80% dos leilões não tiveram interessados, sendo levantados apenas R$100 milhões, segundo o Valor Econômico.

Um triste exemplo desse quadro foi a tentativa fracassada de leilão, em 2015, do antigo edifício da Polícia Federal em São Paulo, marco arquitetônico tombado. O prédio acabou pegando fogo e desabando em 2018.

O governo tenta avançar nessa agenda. A Lei 14.011 sancionada em 2020 permite, por exemplo, descontos nos preços dos imóveis, caso não haja compradores na primeira tentativa de leilão – até então havia rigidez no preço mínimo, dificultando a venda. As soluções, porém, são mais complexas.

Vinicius Torres Freire - Empresários que arruínam o PIB

Folha de S. Paulo

Movimentos empresariais ajudam a destruir economia pelo menos desde 2015

O caminhonaço de 2018 parou o país por quase dez dias, acabou com a expectativa de que a economia crescesse 2% naquele ano e colocou o governo de Michel Temer de joelhos, dada a ameaça de colapso do abastecimento.

A baderna rendeu um tabelamento de preços (dos fretes) e subsídios de bilhões para caminhoneiros autônomos, transportadoras e clientes do transporte rodoviário, como o agronegócio (tudo muito liberal, né?). O Congresso anistiou os crimes dos baderneiros. O paradão inclinou ainda mais a ladeira que o Brasil desce desde 2013, pelo menos.

Jair Bolsonaro apoiou o caminhonaço, claro, ao lado de empresários e associações empresariais, como a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) e a Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL).

A polícia investiga o atual presidente da Aprosoja, o bolsonarista Antonio Galvan, suspeito de organizar manifestações golpistas no 7 de Setembro (em 2018, era presidente da Aprosoja-MT, entusiasta do caminhonaço). Blairo Maggi e a associação dizem que não apoiam Galvan, que ainda comanda a Aprosoja, no entanto.

Grandes empresas e seus empresários, vários do varejo, do setor imobiliário e da finança, são bolsonaristas militantes ou colaboracionistas. Quase todo o resto foi omisso ou conivente. No fim das contas, esperavam acabar com o PT, passar a boiada de algumas “reformas” (trabalhista e previdenciária) e barrar aumento de impostos, ainda que para o ajuste fiscal, o que ficara evidente desde 2015, com o Movimento do Pato Amarelo, da Fiesp. A maioria se opõe a “reformas” que aumentam concorrência e eficiência (equalização de impostos, abertura comercial, fim de subsídios etc.).

Guilherme Casarões* - Bolsonarismo e Talibã são expressões do mesmo fenômeno

Folha de S. Paulo

Movimentos no Brasil e no Afeganistão são bastante diferentes, mas projeto de nação indissociável da fé em Deus os conecta

Começou a temporada pré-eleitoral de comparações descabidas do Brasil com outros lugares do mundo. Em 2018, o voto em Fernando Haddad nos transformaria na Venezuela.

Agora, surfando a onda da trágica retomada do Afeganistão pelo Talibã, as redes bolsonaristas foram inundadas de comparações entre o Partido dos Trabalhadores e o grupo fundamentalista afegão —“se Lula for eleito, ele desarmará o povo, como estão fazendo lá!”, dizia a mensagem difundida, entre outros, pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

O mais irônico desses paralelismos é como envelhecem mal. Nos últimos dois anos, a deterioração política do Brasil —comandada por um populista e amparada pelas forças de segurança— é o que mais nos aproxima da Venezuela. Nessa mesma linha, é possível dizer que, se há alguma comparação possível entre Brasil e Afeganistão, ela passa pelo bolsonarismo.

A essa altura, está claro que Bolsonaro lidera um movimento reacionário, marcado por desrespeito às instituições democráticas, sectarismo religioso e violência política. Em muitos sentidos, um Talibã tropical. Obviamente, não são fenômenos comparáveis em termos de beligerância, organização e modus operandi, até porque se orientam por parâmetros civilizatórios e históricos muito distintos.

Mas há algo que os conecta em sua essência: um projeto de nação indissociável da fé em Deus.

Guardadas as proporções, bolsonarismo e Talibã são expressões do fenômeno do nacionalismo religioso. Estamos falando de uma visão de sociedade que condiciona o pertencimento nacional não a critérios legais de cidadania, mas à filiação religiosa.

Mariliz Pereira Jorge - Lula em plena forma

Folha de S. Paulo

Ele entendeu que não adianta xingar de fascista por quatro anos e convidar para um café no dia da eleição

Lula não é a Kim Kardashian, mas quebrou a internet ao surgir de shorts numa foto. E parece que não é só boa saúde física que o ex-presidente revela; sua sagacidade política também está em forma. Presença constante nas redes, Lula desfila bom humor, adotou discurso moderado, viaja pelo país, demonstra empatia ao falar sobre temas como pandemia e crise ambiental e, importante, estabeleceu uma agenda de diálogo com adversários históricos. Tudo o que Bolsonaro é incapaz de fazer.

Nesta segunda (23), encontrou Tasso Jereissati (PSDB) e Cid Gomes (PDT). “Os democratas desse país têm responsabilidade e o desafio de resgatar a civilidade na política brasileira pelo bem do Brasil”, escreveu no Twitter, depois da conversa com o senador tucano.

Bruno Boghossian - Aras, a política e o crime

Folha de S. Paulo

Procurador-geral estende manto da 'criminalização da política' a favor do presidente

O Augusto Aras de 2019 foi ao Senado como um equilibrista. Candidato à Procuradoria-Geral da República, ele dizia que a Lava Jato tinha seus excessos, mas era um "importante marco no combate à corrupção". O Augusto Aras de 2021 adaptou a plataforma de campanha. Em sua segunda sabatina, criticou a operação e disse que não se prestaria à "criminalização da política".

O procurador descobriu um caminho fácil para continuar no cargo e formou uma coalizão ampla. De um lado, estavam bolsonaristas que rasgaram a fantasia do combate à corrupção, interessados em manter a blindagem que a PGR dá ao presidente. De outro, figuravam oposicionistas e independentes que criticam os métodos da Lava Jato.

Na prática, Aras lançou a ideia de um acordão sob a bandeira do repúdio à "criminalização da política". Na lógica do procurador-geral, o Ministério Público não deve combater as atividades regulares de senadores, deputados, governadores, prefeitos e vereadores –mas ele também fez questão de estender esse manto para a proteção do presidente.

Fernando Exman - Pontes e rubicões

Valor Econômico

CPI debate como enquadrar Bolsonaro e deixar legado amplo

É curioso quando dois lados opostos citam uma passagem histórica com o mesmo objetivo.

É o que se vê, hoje, entre bolsonaristas e integrantes da oposição. “Estão passando o Rubicão”, alertam uns. Se tal coisa ocorrer, acrescentam outros, “a sorte está lançada”.

Referem-se a um episódio da antiga Roma quando, cinco décadas antes do nascimento de Jesus Cristo, o general Júlio César decidiu contrariar as normas da época e com sua legião atravessou o rio Rubicão em direção à região central do Império.

O rio Rubicão era uma fronteira natural que separava a Gália e os territórios administrados por Roma, e as normas da época proibiam que os militares em campanha transpusessem esse limite sem expressa autorização. Um meio de evitar possíveis instabilidades.

Júlio César, contudo, transgrediu as regras da República para confrontar Pompeu Magno, seu adversário. E sentenciou: “A sorte está lançada”. A crise agravou-se. O ato provocou uma guerra civil e consagrou a expressão “atravessar o Rubicão”. Hoje em dia a frase ganhou o sentido de tomar uma decisão arriscada, irreversível e, frequentemente, com consequências imprevisíveis. Algo como "jogar fora das quatro linhas da Constituição", como o presidente Jair Bolsonaro gosta de falar.

É o cenário pintado por aqueles que se preocupam com o recrudescimento do ambiente político-institucional do Brasil de hoje.

Daniel Rittner - Conservador nutella ou ultraconservador raiz?

Valor Econômico

A direita vê espaço para mais avanços nas eleições de 2022

Com um retrato na parede de Plínio Salgado usando camisa verde e sigma no braço, o jovem presidente da Frente Integralista Brasileira acende um cigarro atrás do outro enquanto explica pacientemente por que está otimista com a chance de ter pelo menos um representante do movimento na Câmara dos Deputados a partir de 2023.

“Nós vemos um campo fecundo nas próximas eleições. As pessoas já passaram pela fase da revolta, de tirar a esquerda que estava bagunçando com o país, de colocar um tampão para impedir a sangria. Agora tem que curar a doença. Precisa fazer o remédio, que é mais complexo. Deus, pátria e família? Sim, mas até o Alexandre Frota usou isso na última campanha. Agora o povo brasileiro está à procura do conteúdo e da doutrina por trás dessa frase. A solução está no integralismo”, afirma o filósofo Moisés José Lima, recém-filiado ao PTB, dando como certas candidaturas do movimento em São Paulo e no Distrito Federal - talvez outros Estados também.

O raciocínio do integralista Moisés aparece, com ajustes, em conversas com vários expoentes do conservadorismo e alimenta a expectativa da direita de ter uma bancada mais, digamos, “raiz” na próxima legislatura.

Cristovam Buarque* - Réquiem ao Homo Sapiens

Correio Braziliense

O homo sapiens é a mais surpreendente criação da natureza: capaz de inventar sapato e, 5.500 anos depois, deixar um bilhão de seus semelhantes descalços e outro bilhão se endividando para comprar mais do que consegue calçar. Neste período, deixou de jogar pedras com a mão e passou a fabricar bombas atômicas para jogá-las desde foguetes, com a mesma ética belicista do passado. Sua técnica agrícola passou da plantação manual no solo, para tratores robóticos e sementes manipuladas, mas no lugar de distribuir para quem tem fome, prefere jogar fora a comida que sobra do que podem comprar. Capaz de contar centenas de milhões de votos em minutos, mas incapaz de tomar decisões que levem em conta os interesses de toda a humanidade do futuro. A natureza criou um animal que evoluiu na lógica ao ponto de manipular a natureza, mas demonstra ser incapaz de regular o uso de sua força de maneira sustentável e decente: um animal com inteligência, mas sem saber usá-la inteligentemente. 

O escritor Arthur Koestler parece ter razão com a hipótese de que o homo sapiens foi resultado de um erro de mutação, ao adquirir um cérebro com lógica que evolui, mas com uma moral que não evolui: a lógica da bomba atômica, a ética da política tribal. O resultado é que, para aumentar a produção, a racionalidade técnica provocou o aquecimento global, mas deixou a ética e a politica despreparadas para evitar a catástrofe. Para acertar, a mutação deveria ter impedido o surgimento da inteligência ou dado responsabilidade moral. 

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões


EDITORIAIS

Governadores têm razão em combater politização das PMs

O Globo

Com um olho nas manifestações convocadas para o dia 7 de setembro e o outro no embate entre o presidente Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal (STF), 25 dos 27 chefes de Executivos estaduais compareceram na segunda-feira ou enviaram representantes ao Fórum Nacional de Governadores. Em seu discurso na reunião, o governador paulista, João Doria, mencionou o afastamento naquele dia do coronel da Polícia Militar (PM) Aleksander Lacerda, que comandava 5 mil policiais no interior do estado.

Nas redes sociais, Lacerda convocara militantes às ruas em apoio ao presidente Jair Bolsonaro e contra o STF, em claro e grave desrespeito às leis que proíbem manifestações político-partidárias da corporação. O coronel responsável pela lei e ordem em 78 municípios paulistas terá de prestar esclarecimentos ao Comando-Geral. Seu caso será analisado pela Corregedoria.

Depois da reunião, a Associação Nacional dos Militares Estaduais do Brasil (Amebrasil) divulgou nota em reação ao episódio. Ainda que não tenha a mesma força política de associações maiores, a Amebrasil tem penetração na base das polícias. Não parece acaso que o texto, contraditório, flerte de modo flagrante com a narrativa bolsonarista. De um lado, afirma: “Nossas instituições seguem e obedecem rigorosamente à lei e não às vontades político-partidárias que tentam nos relegar ao plano de milícias eleitorais ou guardas pretorianas”. De outro, diz que “nosso laço institucional na defesa da pátria com a força terrestre brasileira [o Exército] é indissolúvel e não está sujeito ao referendo de nenhum governador”.

Trata-se de afirmativa descabida e inoportuna. O que o brasileiro precisa de suas forças de segurança hoje é a clareza de que respeitarão seu papel institucional. É certo que, em situações excepcionais de conflito, estado de sítio ou defesa, PMs podem ser convocadas a servir ao lado do Exército para garantir a lei e a ordem — e, nesses casos, apenas se houver convocação explícita. Do contrário, a subordinação das PMs permanece a descrita sem ambiguidade na Constituição: “As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos governadores dos estados, do Distrito Federal e dos territórios”.

Poesia | Ferreira Gullar - Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?