quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Merval Pereira - A política na economia

O Globo

O pagamento de precatórios por parte do governo federal está virando uma questão política que só poderá ser resolvida pelo Congresso. A intenção de encontrar uma solução que fosse avalizada pelo Judiciário, por meio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para evitar que a confusão avançasse no sentido de tirar os precatórios do limite do teto de gastos, parecia boa, mas não é constitucional.

O Tribunal de Contas da União (TCU) entrou na negociação com o Ministério da Economia para encontrar uma fórmula que fosse adequada economicamente e viável juridicamente, pois o TCU considerava que parcelar precatórios, como o governo chegou a propor ao Congresso por uma emenda constitucional, traria um grande dano à imagem do país. O ministro Bruno Dantas, vice-presidente do TCU e especialista em finanças públicas, disse ao ministro da Economia, Paulo Guedes, que o melhor a fazer seria reforçar o teto, aplicando-o inclusive aos precatórios mediante criação de um sublimite.

O raciocínio é que o teto de gastos congelou a despesa primária da União de 2016 e a corrigiu pelo IPCA dos anos seguintes. Como, conceitualmente, os precatórios são despesa primária, explica Dantas, não faz sentido congelar tudo e deixar os precatórios sem uma trava, para crescer fora do ritmo das outras despesas, que só crescem pelo IPCA, contribuindo para comprimir o teto e impactando em gastos discricionários indispensáveis, como manutenção de estradas.

Malu Gaspar - O preço do 7 de setembro

O Globo

Um extraterrestre que desse uma panorâmica sobre o noticiário brasileiro constataria que as instituições estão em atividade frenética: o Congresso votando pautas importantes, uma CPI produzindo descobertas de impacto em ritmo quase diário, o Judiciário tomando decisões históricas como a que define o marco temporal para a posse das terras indígenas… e o presidente da República em franca campanha pela reeleição. O alienígena não estaria errado. Mas teria, sem dúvida, uma visão limitada do cenário. Apesar de toda a agitação, o Brasil já completa quatro semanas em suspenso, esperando para ver o que acontecerá no dia 7 de Setembro.

Não é só a indicação de André Mendonça para uma vaga no Supremo que espera veredicto para depois das manifestações. Há um mês se discute como o governo poderá arcar com os quase R$ 90 bilhões em dívidas judiciais de pagamento obrigatório, sem romper o teto de gastos, e ainda quais serão o valor e as fontes de recursos do novo Bolsa Família. Das respostas, dependem tanto as projeções econômicas como as movimentações eleitorais para 2022 — e, portanto, também o destino de Jair Bolsonaro.

William Waack - O 7 de Setembro e o burro

O Estado de S. Paulo 

Elites dirigentes da economia discutem como se livrar de Bolsonaro

Diante dos olhos das principais elites da economia brasileira Jair Bolsonaro repete uma conhecida trajetória. De mal menor, está virando aos olhos dessas elites o pior dos males. O mesmo aconteceu com Fernando Collor e Dilma Rousseff.

Há importantes diferenças no comportamento dessas elites que, em parte, espelham a perda de coesão institucional e o esgarçamento do tecido social brasileiro, além da forte regionalização da nossa política. Refletem também a alteração dos “pesos relativos” no PIB e na política entre indústria, agroindústria, setor financeiro e varejo. E diferentes mentalidades, que impedem o surgimento de lideranças e ações comuns. Ninguém mais fala pelo “todo” das elites econômicas.

Quando se examina as posturas políticas desses grupos de dirigentes essas diferenças separam a grosso modo os segmentos que são mais “abertos” daqueles “mais fechados” em relação ao mundo lá fora. Os mais dependentes ou integrados nas grandes cadeias produtivas globais, de capital intensivo, orientados para inovação tecnológica e atrelados ao comércio exterior e aos grandes fluxos de investimento foram, por exemplo, os que abateram os ministros bolsonaristas das Relações Exteriores e Meio Ambiente.

Maria Cristina Fernandes - A boiada, agora, passa sobre o capital

Valor Econômico

Adiamento de manifesto empresarial foi crucial para Bolsonaro

A unidade frustrada de entidades empresariais e financeiras na apresentação de um único manifesto em defesa da ordem constitucional não poderia ter acontecido num momento melhor para o presidente Jair Bolsonaro. Depois de já ter passado por cima de menos aquinhoados pela virtude ou pela sorte, a boiada bolsonarista agora atropela também o capital.

Por duas razões: o recuo das entidades acontece no momento em que se afunila, sob as bênçãos dos Poderes, um cambalacho nas contas públicas, e também quando se confirma mais uma frustração nas expectativas de retomada econômica.

O manifesto dos empresários, apesar de não fazer referência direta à conjuntura econômica, serviria para adensar o peso de sua reação num momento de escalada golpista do bolsonarismo.

Ao colocar o ministro da Economia e os presidentes dos bancos estatais a serviço do desbaratamento da unidade do movimento, o presidente não é capaz de sufocar o azedume. Adia, porém, sua expressão para um momento em que espera estar vitaminado pela aposta que fez no 7 de setembro.

Luiz Carlos Azedo - Feitiços do tempo

Correio Braziliense

Perde-se tempo com coisas que não são prioritárias, as verdadeiras urgências não são levadas em conta. O melhor exemplo é o apagão energético

O filme que intitula a coluna é uma história simples, romântica, cheia de clichês, meio pastelão. No Dia da Marmota, o repórter Phil Connors vai à pequena Punxsutawney fazer a cobertura do evento. Por um desses mistérios que somente acontecem nos filmes de Hollywood, o mesmo dia se repete incontáveis vezes. O protagonista fica preso no tempo. É um nonsense, sem nenhuma explicação científica nem preocupação com isso.

A trama se baseia em personagens estereotipados: Rita, a heroína, é certinha demais; Phil é um fracassado, que se sente mal pelo trabalho que faz, escalado todo ano para acompanhar uma festa que odeia. Numa analogia transgressora, o presidente Jair Bolsonaro pretende transformar o nosso Dia da Independência no seu Dia da Marmota. Corre o risco de se tornar prisioneiro do tempo, das manifestações que está convocando para Brasília e São Paulo, pelo resto de seu mandato, qualquer que seja a capacidade de mobilização que venha a demonstrar.

Cristiano Romero - Brasil: o país onde até o passado é incerto

Valor Econômico

No Egito, sítios históricos; em Brasília, contas a pagar

No país onde até o passado é incerto, como bem definiu o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, cotidianamente aparecem do nada contas bilionárias para o Tesouro Nacional pagar. Se já não bastasse o fato de as contas do setor público, considerando-se todas as suas esferas (União, Estados e municípios) e poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), serem estruturalmente deficitárias, uma vez que o volume de impostos recolhidos é insuficiente para bancar as despesas, de tempos em tempos o cidadão é surpreendido com a informação de que se descobriu, em algum lugar, um "esqueleto" no armário, uma nova fatura bilionária a ser paga.

No Egito, há mais de um século arqueólogos surpreendem com a descoberta de sítios históricos que ajudam a contar a história da humanidade. Uma missão arqueológica descobriu, em abril deste ano, uma cidade soterrada perto de Luxor, no Sul do Egito. Calcula-se que se trata de um sítio urbano cujo florescimento se deu há três mil anos. A descoberta é considerada uma das mais importantes desde a tumba de Tutancâmon, há quase um século, e está sendo chamada de "a maior cidade antiga do Egito" e, também, de "a cidade dourada perdida". Em comunicado oficial, a equipe de escavação informou que a cidade estava "perdida sob as areias".

Roberto Macedo* - PIB caiu um tiquinho e está sem forças para subir um tantão

O Estado de S. Paulo

Hoje o cenário de crescimento por tiquinhos parece o mais verossímil

O IBGE anunciou ontem que o produto interno bruto (PIB) caiu 0,1% no segundo trimestre deste ano, relativamente ao anterior. Além de valores em reais, o relatório publicado também abrange números-índices que compõem uma série de dados com média de 1995=100, igualmente apresentada com ajuste sazonal, à qual recorrerei.

Ela mostra que no trimestre anterior o PIB cresceu 1,2% relativamente ao quarto trimestre de 2020, taxa bem forte para uma variação trimestral. Mas cabe examiná-la num contexto mais amplo. O índice do PIB do segundo trimestre de 2021 foi de 171,4, e o do primeiro, 171,5, números bem próximos do valor que tinha no quarto trimestre de 2019 (171,6), concluindo assim a recuperação em V da forte recessão ensejada pela covid-19, iniciada no primeiro trimestre de 2020.

Mas repito que até hoje o PIB não escapou da depressão, algo mais duradouro e forte do que uma recessão, iniciada após o primeiro trimestre de 2014 (!), quando esse índice foi de 177,1 – o maior da série –, depressão essa cujo gráfico tem um formato mais achatado do que um V, como o da parte inferior de um U, durante a qual ocorreram as fortes quedas de 20152016 e de 2020. A recuperação desse índice de 177,1, de sete anos atrás (!), exigiria um aumento de 3,3% do PIB a partir do terceiro trimestre de 2021, o que não se concretizará neste ano.

Celso Ming – As ameaças ao PIB que pode emagrecer

O Estado de S. Paulo

Essa queda do PIB, de 0,1% no segundo trimestre em comparação com o nível do primeiro trimestre deste ano, só não é inteiramente decepcionante porque já era esperada. Mas, por menor que seja essa decepção, ela é uma pedra adicional a puxar para baixo o crescimento esperado para este ano.

Também ilusório é o desempenho de 1,8% em 12 meses. Trata-se de comparação com base muito fraca, que foi a derrubada ocorrida em 2020, primeiro ano da pandemia. Em todo caso, dá para contar com um avanço do PIB neste ano de cerca de 5%. Como canta o rapper Emicida nos bailes das comunidades e nas redes sociais: “Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”.

Everardo Maciel* - Notícias de um manicômio chamado Brasil

O Estado de S. Paulo

Não acreditei quando li na imprensa, há algum tempo, que setores não apenas postulavam a redução de sua carga tributária, mas pretendiam aumentar a carga de outros. Presumi, equivocadamente, que o repórter não entendera o que foi dito.

Antes, existiam movimentos, nem sempre legítimos, visando à redução de carga tributária de empresas ou setores. Agora, esses movimentos, muitas vezes, buscam aumentar a dos outros. A matéria tributária se transformou, pois, num circo de horrores e os projetos de “reforma”, em exercícios de predação, inclusive entre os entes federativos.

Míriam Leitão - O PIB no meio das incertezas

O Globo

A agropecuária foi atingida pela seca, encolheu no segundo trimestre e isso puxou o número do PIB para um ligeiro negativo, de -0,1%. A crise hídrica está batendo também na inflação que, com o novo aumento das bandeiras tarifárias anunciado na terça-feira, pode chegar a 10% em agosto e superar 8% no ano. Isso encolhe o consumo das famílias que neste segundo trimestre ficou estagnado. Os investimentos tiveram uma queda de 3,6%, o pior resultado pelo lado da demanda. As medidas de restrição de consumo vão afetar o PIB do quarto trimestre, que pode até ser negativo. A incerteza em relação à pandemia cresce em setembro, mas a vacinação pode ajudar a reduzir a crise sanitária no fim do ano. O pior fator de incerteza na economia são os conflitos criados pelo presidente Bolsonaro.

A economia está sofrendo o impacto dos eventos de todas as áreas, as incertezas hídricas, sanitárias, políticas. A demora de ação na gestão da crise hídrica, da mesma forma que houve na pandemia, acabou aumentando o problema. O preço está subindo mais exatamente porque o governo dizia que estava tudo sob controle. O negacionismo é sempre um terrível elemento na administração de qualquer crise. Na sanitária, provocou o aumento de mortes e atraso na vacinação. Tudo isso afeta a economia. O PIB este ano terá um número forte porque está sendo comparado com o tombo enorme do ano passado, mas os dados divulgados ontem pelo IBGE foram piores do que o calculado pelo mercado.

Vinicius Torres Freire - Bombas ameaçam PIB até 2022

Folha de S. Paulo

Resultado do segundo trimestre diz nada sobre o futuro, que depende de política, chuva e EUA

O que dizem os números do PIB do segundo trimestre? Básica e francamente, nada. Nada de novo, apesar da espuma do noticiário: a economia despiora, deve crescer uns 5% neste 2021, embora metade do povo deva ficar para trás, em parte na fome. A fim de tentar saber um pouco do que será da economia, em particular em 2022, temos de olhar para outra parte:

1) arranjos e mutretas que Jair Bolsonaro vai conseguir aprontar com Orçamento de 2022 e outras medidas eleitoreiras;

2) o tamanho da baderna que resultará da campanha golpista, mais e mais estimulada pelo enrolamento progressivo da família Bolsonaro com a polícia e a Justiça;

3) a falta d’água e de eletricidade, problema que de um modo ou de outro vai durar até pelo menos março de 2022, afora dilúvios;

4) a economia internacional;

5) o efeito disso tudo na taxa de câmbio (no “preço do dólar”) e, por tabela, na inflação.

Maria Hermínia Tavares* - Teste da democracia no Dia da Pátria

Folha de S. Paulo

Bolsonaro não criou a extrema direita, mas ampliou sua expressão política e lhe infundiu um propósito comum

Ainda não se sabe no que se arrima o apoio a Bolsonaro na faixa de 25% a 30% dos brasileiros, segundo as pesquisas. O que se conhece, isso sim, é a parcela vertebrada e loquaz de seus apoiadores. Cientistas sociais, a exemplo de Angela Alonso, Camila Rocha, Ester Solano, Isabela Kalil e Pablo Ortellado, têm mapeado linhas de ação, formas de organização e visões de mundo da direita extrema no país. Esta pode ser comparada a um arquipélago de ilhas diferentes entre si, que, submersas, foram trazidas à tona pelo efeito combinado do conflito político com a polarização da década passada e cujo espaço a comunicação digital da atualidade expandiu.

As ilhas da extrema direita organizada são povoadas por grupos heterogêneos: libertários que reivindicam o porte de armas de fogo; mercadistas ultraliberais; conservadores possessos com a suposta dissolução dos costumes; fascistas pedestres ou motorizados; monarquistas perdidos no tempo; partidários de uma ordem capaz de prevalecer sobre a lei; patriotas para os quais o princípio da soberania nacional conta mais do que a defesa do ambiente; adeptos de uma edulcorada tradição ocidental em vias de desmanche; viúvas e viúvos do Brasil Grande do regime militar. Muitos são câmaras de eco de interesses de empresas, igrejas, corporações; outros, enfim, apenas vocalizam os ressentimentos e as frustrações que a realidade social sempre produz.

Bruno Boghossian – ‘A economia a gente vê depois’

Folha de S. Paulo

Custo político aumenta, e governo empurra economia com a barriga

Jair Bolsonaro ficou longe das câmeras e mandou o ministro de Minas e Energia dar a notícia amarga na TV. Bento Albuquerque caprichou nos adjetivos: descreveu a crise hídrica como um momento de "preocupante escassez", que exigia um "esforço inadiável" da população. Só não quis falar com todas as letras do aumento da conta de luz e do risco de apagão.

O agravamento do cenário energético e a lentidão da retomada das atividades no país aumentaram o custo político desses problemas para Bolsonaro. Com a popularidade em baixa e uma crise permanente no colo, o presidente perdeu as condições de pagar essa fatura e passou a direcionar esforços para empurrar com a barriga os apertos da economia.

Conrado Hübner Mendes* - O que a Constituição queria do STF era coragem

Folha de S. Paulo

Tribunal deveria cumprir seu próprio 'marco temporal' para julgar

A democracia brasileira precisa de um marco temporal. Não a tese jurídica que estabeleceu dia certo para atribuir direito territorial de povos originários, tese estranha à Constituição de 1988 e aos debates constituintes.

Falta à democracia brasileira um marco temporal para o STF tomar decisões. Não só um prazo razoável, mas a certeza de que, anunciada a pauta, não promoverá adiamentos contados em números de meses ou anos, como de costume. O STF não pode dizer que aprecia segurança jurídica se não oferece nem isso e se acomoda ao "devo, não nego, julgo quando quiser".

Nesta quarta-feira (1º) a corte começou a julgar mais um de seus casos históricos. Terá a chance de orientar a promessa constitucional de demarcação de terras indígenas, que acumula 28 anos de atraso (Constituição pedia que se encerrasse em cinco anos).

caso chegou ao STF em 2016 e questiona aplicação, a outras demarcações territoriais, de critério construído no caso Raposa Serra do Sol, de 2009. Pautado para 2020, foi adiado sem maiores explicações.

Agora, corre risco de novo adiamento em função das ameaças de um presidente que comete crimes comuns e de responsabilidade. Basta um pedido de vista, e o tribunal jogará o tema para um futuro incerto enquanto a violência aumenta no campo.

A Constituição pede ao STF muitas virtudes institucionais. Duas para começar: primeiro, a coragem de decidir; segundo, a coragem de decidir certo.

Ruy Castro - Matar ou morrer por Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Não pode haver opção mais baixa para um ser humano. Mas, neste momento, há gente contando

"Tudo bem?", perguntou alguém a uma amiga que, na véspera, cremara seu marido, vítima da Covid. O sujeito deu-se conta imediatamente da gafe e, se pudesse, faria com que as palavras voltassem correndo à sua boca para que ele as engolisse. Mas era tarde. A amiga entendeu a situação e, simulando um sorriso que ajudasse a remediá-la, respondeu que sim, tudo bem. O que, claro, não estava. O pior é que a pergunta fora feita num tom grave, compassivo, de quem sabia pelo que ela passava. O erro estava nas palavras.

Não há quem nunca tenha cometido esse automatismo verbal —a língua que se antecipa à mente, a fala sem pensar. Mas nunca esse automatismo foi tão cruel e constrangedor como agora. Em algum momento dos últimos 18 meses, todos já nos vimos diante de uma pessoa que acabara de perder ou estava perdendo alguém para a Covid e a saudamos com um estúpido "Tudo bem?". Tudo bem que essa frase venha de tempos mais amenos, mas por que não nos condicionamos a algo mais neutro e igualmente solidário, como um olhar ou abraço silencioso e terno?

Ricardo José de Azevedo Marinho* - Você conhece o Partido Brasileiro?

Em memória de Ana Carla Magni (1972-2021)

Sobre as efemérides de 2022 dedicadas ao nascimento do Brasil devesse acrescentar a perseverança e a resistência do Partido Brasileiro (que contou, entre outros, com Cipriano Barata [1762-1838], Muniz Tavares [1793-1876], que haviam participado da Revolução Pernambucana de 1817 e do Padre Diogo Antônio Feijó [1784-1843]) frente à proposta da recolonização do Brasil apresentada nas sessões das Cortes de Lisboa em 1821, pois foi ali que os nativos revolucionários desenvolveram uma das nossas virtudes ao dotar o sentimento da nacionalidade brasileira de uma pluralidade e nunca ter concedido, e não podia realmente conceder, uma unívoca definição de gênero, étnica ou de raça. O que mais se aproximava de sua natureza era o entusiasmo pelo junto e misturado das múltiplas identidades amalgamadas ou não na miscigenação e noutras modalidades de mestiçagens, mas que no final eram as brasileiras e brasileiros que estavam lá e aqui e ponto.

Em parte pelo mito - antigo - e pela realidade - bem mais recente - da miscigenação e mestiçagens no Brasil (de Gilberto Freyre [1900-1987]) e em alguns outros países ibero-americanos, especialmente no Mexico (de José Vasconcelos Calderón [1882-1959]), no Peru (de José Carlos Mariátegui [1894-1930]) e no Equador (de Alfredo Pareja Díez-Canseco [1908-1993], a nacionalidade brasileira e de outras nações da região nunca tiveram uma conotação única de gênero, etnia ou raça que outras sociedades reivindicam, seja desde sua origem ou adquirindo ao longo do tempo.

Isso está começando a sofrer ataques no Mexico, Peru, Equador e Brasil. No Brasil, não tanto pela quantidade de disparates que temos vivido por conta do identitarísmo de um lado e pelo resultado eleitoral de 2018 com Bolsonaro de outro, onde ambas as manifestações desejam ver pelas costas o centenário do Partido Brasileiro nesse segundo ano pandêmico de 2021 e pela sua ausência de comemorações agora e de sua projeção para 2022, que acabam por anunciar em essência de que nada há a comemorar e os subtextos esdrúxulos que acompanharão essas posturas. Por enquanto, essas manifestações são algo marginal e provavelmente também o serão de curta duração. Se Bolsonaro e os candidatos do identitarísmo forem derrotados em 2022, isso não será mais do que um fenômeno passageiro ou um breve pesadelo que felizmente terminará quando todos nós acordarmos.

Opinião do dia – Antonio Gramsci (Partido)

“Um partido terá maior ou menor significado e peso precisamente na medida em que sua atividade particular tiver maior ou menor peso na determinação da história de um país.

Desse modo, é a partir do modo de escrever a história de um partido que resulta o conceito que se tem sobre o que é um partido ou sobre o que ele deva ser. O sectário se exaltará com os pequenos fatos internos, que terão para ele um significado esotérico e o encherão de entusiasmo místico; o historiador, mesmo dando a cada coisa a importância que tem no quadro geral, acentuará sobretudo a eficiência real do partido, sua força determinante, positiva e negativa, sua capacidade de contribuir para a criação de um acontecimento e também para impedir que outros acontecimentos se verificassem.”

*Antonio Gramsci, Cadernos do Cárcere, 3ª edição, v. 3, p. 87-88. Civilização Brasileira, 2007.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Estagnação, desemprego, inflação

O Estado de S. Paulo

O balanço econômico do primeiro semestre é mais uma façanha liderada por Jair Bolsonaro

Estagnação, desemprego elevado, inflação disparada e cinto apertado resumem o balanço econômico do primeiro semestre – mais uma façanha liderada pelo presidente Jair Bolsonaro. Os poucos sinais de vigor percebidos no começo do ano logo se esgotaram. Num país desgovernado e em tensão permanente, os negócios avançaram 1,2% no primeiro trimestre, recuaram 0,1% no segundo e ficaram apenas 1,1% acima do patamar dos três meses finais de 2020. Se o crescimento chegar perto de 5% neste ano, o País apenas sairá do buraco onde afundou no ano passado, quando foi atingido pelo primeiro choque da pandemia. Não há, por enquanto, como prever nada melhor que 2% em 2022, e até essa aposta já é considerada otimista por vários analistas do mercado.

Com crescimento zero, o consumo das famílias mostra de forma ostensiva a condição da maior parte dos brasileiros no segundo trimestre. Para aqueles em pior situação, o auxílio emergencial só foi retomado a partir de abril, depois de um mergulho na miséria no período de janeiro a março. O drama foi menor para quem conseguiu substituir produtos e recompor suas compras sem grande redução de bens essenciais. Nem todos conseguiram. Com orçamento curto e rígido, as pessoas mais pobres só podem mesmo cortar despesas, quando a cesta habitual de consumo se torna inacessível. O semestre terminou com 14,4 milhões de desempregados, inflação próxima de 9% em 12 meses e enormes aumentos acumulados nos preços da comida, do gás e da energia.

Dos três grandes setores, só o de serviços, o último a entrar em recuperação no ano passado, cresceu no segundo trimestre, com ganho de 0,7%. A produção da indústria recuou 0,2% e a da agropecuária diminuiu 2,8%, afetada pela estiagem mais severa em nove décadas. Especialistas atribuem a seca no Brasil e desastres meteorológicos em outras partes do mundo a mudanças causadas pela ação humana.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Segredo

A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame

Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.

Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.

Suponha que um anjo de fogo
varresse a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdão.
Não peça.