quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Vera Magalhães - Golpe dá trabalho, e Bolsonaro não gosta

O Globo

O pastiche que se seguiu às sérias e graves ameaças proferidas por Jair Bolsonaro em cima de dois palanques no 7 de Setembro não permite que analistas e tomadores de decisões se equivoquem quanto à natureza golpista do presidente brasileiro, mas é um exemplo lapidar da ojeriza que ele tem a trabalho, planejamento, estudo e articulação.

Dar um golpe exige afinco, obstinação e capacidade gerencial. Qualquer que seja a natureza da virada de mesa que fazem postulantes autoritários de qualquer cepa política, de Putin a Maduro, para ficar nos atuais, requer que se tenha um plano com começo, meio e fim e um grupo — militares, políticos, burocratas, ou de preferência todos esses alinhados — a lhe dar apoio e seguimento.

A quartelada desastrosa de Bolsonaro não tinha nada disso. Quando Luiz Fux chamou o comandante militar do Planalto à fala diante da investida de caminhoneiros e outros arruaceiros bolsonaristas em direção à Praça dos Três Poderes, na noite da véspera das manifestações, já saiu da conversa com a constatação de que as Forças Armadas não estavam embarcadas em nenhum roteiro golpista minimamente esquadrinhado. E não estavam dispostas a avançar aquele sinal.

Da mesma forma, as Polícias Militares, que estão sendo cevadas pelo bolsolavismo à base de lavagem cerebral e promessa de casa própria, também não tinham, àquela altura, um grau de adesão suficiente para fazer com que alguns ou muitos motins estourassem Brasil afora num sinal de alerta para os governadores.

Elio Gaspari - Brincando de cubo na terceira via

O Globo / Folha de S. Paulo

Um fracasso pedagógico

O fracasso das manifestações de domingo contra Bolsonaro ensina que brincando de cubo não se elege presidente. Se elegesse, Geraldo Alckmin estaria no Planalto. Em 2018, ele tinha cinco minutos e meio no horário gratuito de televisão, contra poucos segundos de Bolsonaro. Tinha também os blindados do PSDB contra o estilingue do PSL. Em 1989, Ulysses Guimarães já havia sido humilhado por Fernando Collor. Tinha biografia, tempo de televisão, apoio de partidos e não chegou ao segundo turno.

O pessoal que brinca de cubo soma fatores como notoriedade, grana de todas as caixas, tempo de TV e apoios partidários. De vez em quando, tentam alavancar uma celebridade da telinha. Contudo, Collor elegeu-se porque apresentou-se como o “Caçador de Marajás”, e Bolsonaro com uma mistura de antipetismo com “nova política” (ninguém sabia o que era isso, mas foi-se em frente).

Bernardo Mello Franco - Uma boa ideia no fim da CPI

O Globo

O relatório da CPI da Covid vai propor mudanças na lei do impeachment, em vigor desde 1950. À primeira vista, o assunto parece não ter muito a ver com o objeto da comissão. Na prática, tem tudo. A ideia é impedir que o resultado de meses de investigação termine na lata do lixo.

A comissão já concluiu que Jair Bolsonaro cometeu múltiplos crimes de responsabilidade durante a pandemia. Da sabotagem a estados e municípios à conduta incompatível com “a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.

Apesar do caminhão de provas, há pouca esperança de que o presidente pague por seus atos. Nas condições atuais, o relatório fará companhia aos 130 pedidos de impeachment que adormecem na gaveta de Arthur Lira.

Eleito com apoio do Planalto, o presidente da Câmara tem usado uma brecha legal para proteger Bolsonaro. Ele simplesmente não analisa as petições, seja para admiti-las ou para arquivá-las. Como Lira não age, a oposição fica sem meios de recorrer. E o chefe do Centrão continua livre para cobrar o preço da blindagem.

Luiz Carlos Azedo - Três tenores e um anjo torto

Correio Braziliense

Esse grupo acompanhou a trajetória política do Brasil desde o golpe que destituiu João Goulart, em 1964, até a recente confusão armada por Bolsonaro

Um evento importante para a política será realizado, hoje, para discutir a crise brasileira, com a participação dos ex-presidentes José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer, no qual o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim fará uma abertura sobre a crise institucional que estamos atravessando, com mediação do ex-governador fluminense Moreira Franco. O seminário “Um novo rumo para o Brasil” é promovido pelas fundações do MDB, PSDB, DEM e Cidadania, e contará ainda com os presidentes dos respectivos partidos — o deputado federal Baleia Rossi (SP), o ex-ministro das Cidades Bruno Araújo, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto e o ex-senador Roberto Freire, respectivamente.

Rosângela Bittar - Os mitos do mito

O Estado de S. Paulo

Legislativo e Judiciário mostraram-se mais fortes do que as ameaças do presidente

Ruíram os mitos que sustentavam a imagem popular de Jair Bolsonaro e que ele usava como argumento de força para ser reconhecido, desde já, presidente vitalício do Brasil. Sem passar por nova eleição.

Bolsonaro havia feito crer que, com seus poderes extraordinários de cavaleiro do apocalipse, daria voz de comando ao Judiciário, ao Legislativo, às espadas e aos fuzis. Imaginava-se, no mínimo, que o País se encaminhava para um golpe. Tal como expresso nas faixas exibidas por seus eleitores que foram às ruas para apoiá-lo: intervenção militar e novo AI-5. A senha do golpe já estava registrada, poderia até ser o insulto violento ao ministro Alexandre de Moraes (STF), que nomeou seu algoz, proferido nos microfones do palanque.

Moreira Franco* - Democracia x demagogia


O Estado de S. Paulo

Partidos que defendem as liberdades têm obrigação de agir para blindar aventuras desrespeitosas à Constituição.

Nosso país tem assistido a uma escalada de naturalização da demagogia tentando minar a democracia. A demagogia é um embuste onde são lançados ingredientes perigosos, como fake news interessadas em deslegitimar as nossas instituições. A demagogia não enxerga, não ouve e não fala nada de importância real a uma população, cuja dificuldade de comprar comida aumenta com a crescente inflação. Serve unicamente aos grupos que desejam comandar o Estado como ferramenta para alcançar um poder autoritário. Já a democracia exerce empatia, diálogo, respeito às diferenças, e essa soma resulta em liberdade de pensamentos diversos, direitos e deveres elencados formalmente na Constituição brasileira.

A democracia não inventa crises, ela as resolve de maneira ordeira. Atualmente, espalham-se caraminholas tais pela Nação que, de tão fantasiosas, mais lembram criações da infância, quando inocentes lidam com seres imaginários. A diferença hoje é que os propagadores de invencionices no nosso país de inocentes não têm nada. Tóxicos e beligerantes com quaisquer opiniões adversas, digladiam com instituições – e todos os que pensam diferente se tornam inimigos.

José Nêumanne* - ‘Espelho meu, haverá alguém mais indesejado do que eu?’

O Estado de S. Paulo

Para recuperar a paz que jogou no lixo Bolsonaro recorreu a Temer, o impopular do Brasil.

Em 8 de setembro, um dia após bolsonaristas terem ocupado ruas do País e sequestrado o verde-amarelo (apud José Murilo de Carvalho), que a soit-disant oposição lhe presenteou, Jair Bolsonaro parodiou a rainha má perguntando ao espelho: “Haverá alguém mais impopular do que eu?”. Sem resposta dela nem dos sete anões, telefonou ao general Augusto Heleno, que questionou o coronel João Baptista Lima, da PM de São Paulo, e obteve a resposta: “Temer”. Batata, retrucaria, se fosse Nélson Rodrigues. De fato, o antecessor bateu recorde de impopularidade em junho de 2018, com 82%. A própria rejeição, também segundo o Datafolha, foi de 51%, em julho de 2021. “Bateu na trave”, suspirou. E ordenou: “Liga pro Michel, tá o.k.?”.

Fernando Exman - Partida de xadrez entre os três Poderes

Valor Econômico

Alexandre de Moraes sinaliza que apenas irá reagir a eventuais a ataques

Confiem no capitão, apelam alguns aliados de Jair Bolsonaro àqueles que ficaram inconformados com a mudança de postura do presidente da República nos últimos dias. Ele joga xadrez, e não damas, acrescentam. “Recuou para atingir seus objetivos mais à frente.”

A especificação da modalidade é relevante. Em seu memorável livro “Sobre a China”, por exemplo, o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger mostra como é possível entender as mentalidades ocidental e chinesa a partir da análise dos jogos intelectuais mais tradicionais de cada sociedade. Na China, joga-se o “wei qi”, que tem como objetivo o cerco estratégico por meio da paciente acumulação de vantagens relativas e simultâneas em diversas áreas do tabuleiro. Mais popular no Ocidente, o xadrez é marcado por batalhas épicas por meio das quais um lado busca impor a morte ou a rendição do exército oposto.

Luiz Carlos Mendonça de Barros* - Como lidar com a inflação em 2021

Valor Econômico

Choque com recuperação de preços em dólares das matérias primas e forte desvalorização do real está se dissipando

Estamos vivendo um período de aceleração da inflação ao consumidor como mostra o índice de difusão de mais de 72% no IPCA de agosto. A complexidade deste processo pode ser identificada pelas constantes revisões das instituições financeiras a cada divulgação dos números oficiais, como aconteceu agora com o indicador de agosto.

Esta ciranda teve seu início no terceiro trimestre de 2020 quando, assustados com a ameaça de uma depressão econômica provocada pela pandemia, mercado e Banco Central começaram a reduzir suas previsões para a inflação um ano à frente. Com a aplicação rígida do protocolo seguido pelo BC, o Copom reduziu seguidamente a taxa Selic até 2% ao ano, como mostra parte do texto da Ata da 232ª reunião do Copom de 4 e 5 de agosto:

Roberto DaMatta - Inconstitucionalissimamente

O Globo / O Estado de S. Paulo

Menino, aprendi que esta seria a maior palavra da língua portuguesa. Ao crescer, foi curioso constatar que os “palavrões” eram curtos e careciam de explicação. O inconstitucionalissimamente, porém, exigia um habitual legalismo — uma tintura de “classe” — para ser entendido. O pior é vê-lo em prática, ao vivo e em cores, pelo supremo mandatário da nação!

Para ser inconstitucional, há que, primeiro, ser constitucional. Mandamentos codificam pecados, mas as redundantes falsidades políticas são reguladas por Constituições que governam governos.

Num regime de igualdade de todos perante a lei, há também imperativo: a fidelidade ao cargo e ao programa eleitoral. A eleição é um contrato coletivo a cumprir, jamais a sabotar.

Zeina Latif - Filho feio não tem pai

O Globo

Esse ditado popular se encaixa muito bem ao momento atual do País, em que os problemas econômicos ou são negados ou as responsabilidades são transferidas. O prêmio de maior rejeição de paternidade vai, certamente, para o presidente Bolsonaro – justamente em quem recai a maior culpa.

Nesse contexto, observa-se a mesma postura de membros do governo e aliados, como mostram os recentes ataques à gestão do presidente da Petrobras, Joaquim Silva e Luna, por conta do aumento dos preços dos combustíveis.

Bolsonaro não só não ajuda, como atrapalha bastante. Mesmo assim, cobra de Paulo Guedes a solução para os problemas, segundo a imprensa. Para começar, não é justo a cobrança recair apenas sobre o titular da Economia.

Vinicius Torres Freire - Pacote eleitoreiro está encrencado

Folha de S. Paulo

Não vai ser fácil fazer gambiarras fiscais e econômicas para 2022

Jair Bolsonaro tirou uns dias de férias de sua ocupação principal, que é fazer campanha de reeleição e de golpe. Talvez um dos motivos da folga, do “recuo”, seja a necessidade de fazer arranjos para 2022, gambiarras fiscais e econômicas que o ajudem a conseguir uns pontos extras de popularidade. Não vai ser fácil, mesmo com mutreta orçamentária ou maluquice fiscal com apoio do ministério da Economia.

Outro motivo das férias golpistas é esperar para ver se o Supremo vai aliviar as dívidas da família com a Justiça. Um terceiro, talvez, é obter algum apoio no Senado, que vem derrubando um ou outro avanço que o governo consegue na Câmara colaboracionista de Arthur Lira (PP-AL). Não está fácil também: Rodrigo Pacheco (DEM-MG) devolveu a medida provisória das “fake news”.

Hélio Schwartsman - Povo na rua, relíquia bárbara

Folha de S. Paulo

Pesquisas são mais relevantes que manifestações

Antigamente, observar o tamanho das multidões que cada grupo político conseguia mobilizar era a melhor forma de aferir sua popularidade. Mas, desde que as pesquisas de opinião pública se disseminaram, na segunda metade do século 20, o uso de manifestações para medir força não faz mais muito sentido. É a "relíquia bárbara" da política, se é lícito tomar emprestada a expressão que Keynes cunhou para designar a insistência extemporânea no padrão-ouro.

Independentemente do número de pessoas que vá à avenida Paulista, sabemos que mais da metade da população rejeita o governo Bolsonaro. Sabemos também que, se a eleição fosse hoje, o presidente disputaria um segundo turno contra Lula, no qual o petista o derrotaria por larga margem. Sabemos ainda que os candidatos a candidato da terceira via patinham em índices baixos de popularidade. É com base nesse retrato, que cobre todo o espaço amostral, não em fotos parciais, que todos deveriam se posicionar.

Bruno Boghossian – A política dos troféus

Folha de S. Paulo

País voltou ao modelo em que poderosos apostam que conseguirão tutelar o presidente

No fim da tarde, algumas das principais autoridades do país interromperam suas agendas para buscar um troféu no Planalto. Se o país atravessasse uma fase normal, aquele seria um desperdício de tempo e dinheiro. Numa situação com 14 milhões de desempregados, inflação em disparada e uma crise política permanente, foi um despropósito completo.

Os chefes do Congresso e um ministro do STF foram agraciados com um prêmio para quem se destacou na área das comunicações. Pode não ser fácil apontar feitos de Arthur Lira, Rodrigo Pacheco e Dias Toffoli no setor, mas os três cumpriram com excelência papéis de figurantes na encenação de normalidade após as ameaças autoritárias do presidente.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Para sua plateia

Folha de S. Paulo

Isolado, Bolsonaro usa caneta presidencial para agradar às minorias que o apoiam

O expediente da edição abusiva de medidas provisórias pelo Executivo tem uma longa e inglória história no Brasil moderno. Jair Bolsonaro o reativou, adicionando a propensão à balbúrdia estéril já comprovada em seu desgoverno.

Assim, MPs são enviadas ao Congresso mesmo quando há a certeza de que serão deixadas para caducar. O que importa é alguma sinalização do mandatário a suas bases de apoio mais fiéis.

A prática chegou ao paroxismo nestas semanas de tensão institucional. Na véspera do ensaio golpista do 7 de Setembro, Bolsonaro baixou medida para alterar o Marco Civil da Internet, numa proposta de casuísmo escandaloso.

Conforme o texto, redes sociais não podem remover postagens a partir de seus próprios critérios. O objeto é o de proteger, por óbvio, a inundação de fake news e pregação autoritária no feriado e depois.

O presidente já teve publicações mentirosas bloqueadas e viu o impacto gerado pelas providências tomadas contra seu modelo, o americano Donald Trump.

Poesia | João Cabral de Melo Neto - A educação pela pedra

Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições de pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.