sábado, 18 de setembro de 2021

Pablo Ortellado - O paradoxo do populismo das elites

O Globo

Uma das características mais intrigantes do bolsonarismo é seu apelo para os mais escolarizados. O que faria com que as elites — ou parte delas — aderissem a um movimento populista que se organiza em torno de uma retórica antielites?

Um dos traços marcantes do populismo é que encontra mais apoio entre pessoas com baixa escolaridade. É assim com os partidos populistas na Europa continental, com o apoio ao Brexit no Reino Unido e com o apoio a Donald Trump nos Estados Unidos.

Por isso chama muito a atenção o apoio que o bolsonarismo angariou nas elites educacionais e econômicas no Brasil. Logo no começo de 2018, despontou como fenômeno eleitoral puxado por jovens de alta escolaridade e alta renda. Com o avanço da campanha eleitoral, o apoio a Bolsonaro foi se disseminando de maneira mais transversal, mas nunca se concentrou de forma marcante entre os menos escolarizados.

Há indícios de que o bolsonarismo vai perdendo apoio entre as elites, mas não de que se concentre entre quem tem menos escolaridade. Quando olhamos para a demografia da mobilização de rua, esse fenômeno é bem visível.

José Eduardo Agualusa – O desleixo das democracia

As democracias continuam frágeis e não parecem preocupadas em se proteger das ameaças internas. Assim, o que aconteceu nos EUA, pode repetir-se amanhã em qualquer outro país. Incluindo nos EUA

Esta semana ficamos a saber que o general norte-americano Mark Milley, chefe do Estado-Maior dos EUA, ligou pelo menos duas vezes para o general Li Zuocheng, do Exército de Libertação Popular, assegurando-lhe não ter intenções de lançar nenhuma guerra contra a China, ainda que para isso tivesse de contrariar ordens explícitas de Donald Trump, então na fase final do seu mandato. Milley terá conversado antes com a líder democrata Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes, e ambos concordaram que a saúde mental de Trump representava uma grave ameaça para a paz e para o futuro da humanidade. “As democracias podem ser desleixadas”, terá dito Milley a Zuocheng.

Durante aqueles dias de intenso nervosismo, a China parecia mais confiável para Mark Milley, para Pelosi, e para todas as pessoas sensatas em qualquer lugar do mundo, do que o homem democraticamente escolhido pelo povo norte-americano para presidir aos destinos do país. Nos EUA, há agora quem peça a cabeça de Milley, por alta traição. Eu, que não sou americano, apenas um cidadão do mundo, venho agradecer-lhe. Muito obrigado, senhor general, por ter tentado evitar um holocausto nuclear.

Claudio Ferraz - Os dinossauros e a política

O Globo

Enquanto a política brasileira se parecer com um jantar na casa de Naji Nahas, estaremos fritos

Em 2009 a revista inglesa The Economist escreveu um artigo com o título Where dinosaurs still roam: a victory for semi-feudalism (Onde os dinossauros ainda perambulam: a vitória do semifeudalismo). O artigo não era sobre um novo filme da série Jurassic Park ou sobre uma nova descoberta arqueológica, e sim sobre a volta de José Sarney para presidir o Senado pela terceira vez.

Sarney, que entrou para a política em 1955 e foi eleito governador do Maranhão em 1965, ajudou a derrotar a hegemonia política maranhense imposta por Vitorino de Brito Freire nos anos 60 para criar sua própria dinastia, que já dura mais de seis décadas.

O dinossauro continua solto e vagando por aí, influenciando os rumos da política local e nacional. Ele foi um dos participantes, esta semana, de um seminário realizado pelos partidos MDB, PSDB, DEM e Cidadania, com o título “Um Novo Rumo para o Brasil”. Lá, Sarney argumentou que precisamos usar a tradição brasileira de resolver os problemas com “jeitinho”, algo que ele vem fazendo há anos, transitando de membro da Arena e apoiador da ditadura militar a presidente da República e depois aliado, no Senado, do ex-presidente Lula.

Ascânio Seleme - Mourão não é Temer, nem bobo

O Globo

Vice-presidente tem a confiança dos militares e está pronto para assumir o país e disposto a fazer os acordos necessários, desde que legítimos, legais e transparentes

O vice-presidente Hamilton Mourão aprendeu muito nesses últimos dois anos e meio. Circulou entre os grandes da Câmara e do Senado, recebeu e visitou presidentes e ministros de todos os tribunais superiores, fez algumas parcerias na Esplanada dos Ministérios. Envernizou de política seu perfil militar. Mesmo assim, apesar do intensivão, ainda está anos-luz de distância de seu antecessor no cargo, o ex-presidente, ex-vice e ex-deputado Michel Temer. Se tivesse metade da ardileza de Temer, Mourão hoje estaria ocupando o principal gabinete do terceiro andar do Palácio do Planalto.

Por crime menor do que os cometidos por Jair Bolsonaro, Michel Temer ajudou a construir o impeachment de Dilma Rousseff e herdou mais da metade do seu segundo mandato. A falta de habilidade de Mourão não facilita movimentos no Congresso em favor de um impeachment. Faz parte da regra do jogo saber exatamente com o que vai se contar após o afastamento de um titular do cargo. Foi assim com Temer, todos sabiam o que viria. Foi assim com Itamar Franco, com menos certezas, no impedimento de Fernando Collor.

Mas, o vice aprende rápido. É um homem inteligente, pelo menos 23 vezes mais inteligente do que Bolsonaro, e aos poucos vai se articulando. Ele tem conversado reservadamente com empresários, com políticos, com jornalistas, com estrategistas e analistas políticos. Ele ouve mais do que fala nessas incursões que em última análise podem levá-lo do anexo ao prédio principal do Palácio. Mas não deixa de dar seus recados. Quando chamado a falar, mostra que bobo não é. Tergiversa e, eventualmente, tenta mostrar lealdade ao presidente, apesar de este já o ter rifado publicamente.

Carlos Alberto Sardenberg - Ainda vão devolver os R$ 15 bi roubados

O Globo

A Lava-Jato, desmontada pelo procurador Augusto Aras a pretexto de aperfeiçoar o combate à corrupção, havia conseguido algo inédito na história do país: que condenados devolvessem dinheiro roubado.

Para a Petrobras, a maior vítima do esquema de corrupção montado no governo Lula, a Lava-Jato devolveu pouco mais de R$ 3 bilhões.

Houve outros esquemas de devolução bem engenhosos. As concessionárias de rodovias no Paraná, Ecorodovias e RodoNorte, devolveram R$ 220 milhões, a primeira, e R$ 350 milhões, a segunda, na forma de subsídios (redução) nos pedágios.

Outros R$ 416,5 milhões, recolhidos de ladrões diversos, foram entregues aos cofres da União. A 11ª Vara da Seção Judiciária de Goiás recebeu R$ 59 milhões.

Não acabou ainda. Há nada menos que R$ 10 bilhões que estão sendo devolvidos em parcelas.

Ou será que acabou?

Na verdade, não foi apenas a extinção da Lava-Jato. Está em curso no país um amplo processo de extinção de qualquer forma de combate à corrupção praticada pelas grandes empresas e políticos, um desmonte, como chamou o colega Merval Pereira.

João Gabriel de Lima* - Futuro mais verde e digital

O Estado de S. Paulo

Políticos que demonizam a sociedade civil prendem seus países no lodo do atraso

Nesta quarta-feira, dia 15, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, fez seu discurso anual “Estado da União”. Em meio a vários tópicos, sobressaiu-se a ideia que tem vertebrado seus pronunciamentos e entrevistas recentes: levar a Europa a um futuro cada vez mais “verde” e “digital”.

As duas palavras resumem as linhas mestras da política e da economia no futuro. Não é possível fugir à revolução digital que, nos últimos 30 anos, transformou o mundo. Já há algum tempo a lista das principais empresas do planeta não é encabeçada por companhias petrolíferas ou de varejo. Apple, Google, Microsoft, Amazon e Facebook revezam-se nos cinco primeiros lugares. Três sediadas na Califórnia, duas na região de Seattle, todas americanas – os Estados Unidos lideram a revolução digital.

A Europa, por sua vez, quer ser líder na transição para a economia verde. Trata-se de um projeto, antes de tudo, político. “Existem alguns valores que se tornaram transnacionais, e a preservação do planeta é um deles”, diz Cesar Rodríguez-garavito, professor da Universidade de Nova York (NYU). O combate às mudanças climáticas exige a colaboração entre países. Nada mais natural que uma união de nações dê o pontapé inicial.

Adriana Fernandes - A montanha pariu o rato

O Estado de S. Paulo

O governo tratou praticamente como confidencial o plano gradual de corte de renúncias fiscais encaminhado ao Congresso como exigência da famosa PEC emergencial, proposta que a equipe econômica classificou como medida “revolucionária” para as contas públicas.

O prazo para o envio terminou esta semana, o plano foi enviado a tempo, mas o Planalto e a Economia não quiseram divulgar o seu conteúdo e muito menos justificar as escolhas.

Estranho, né? Repete-se o que já aconteceu quando o governo enviou um plano ao Congresso para atender dispositivo na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2019, mas pediu sigilo e nada aconteceu.

Na moita, o governo também protocolou na Câmara um projeto que revoga os benefícios para atender o plano traçado. Batizada de “gradual”, a proposta não passou de uma medíocre carta de intenções de redução (até 2029) de R$ 22,41 bilhões, dos R$ 308 bilhões.

Isso mesmo: menos de R$ 3 bilhões por ano. A montanha pariu um rato.

Fernando Schüler* - A armadilha iliberal

Revista Veja

À direita ou à esquerda, uma boa síntese dos novos iliberalismos poderia dizer: nós somos o lado certo da história, logo não precisamos de vocês

Haveria mesmo um “iliberalismo” de esquerda? Ou “progressista”? É a pergunta que a revista The Economist fez dias atrás, com direito a chamada de capa. Por óbvio, a discussão não dizia respeito à esquerda hardcore, que gosta do modelo cubano. A questão é mais sofisticada. Ela diz respeito à corrosão de certos valores liberais que nos acostumamos a ver andando junto com as democracias e que historicamente foram defendidos pelo progressismo democrático. A liberdade de expressão era um deles. Outro era a recusa dos rituais de “purificação” da cultura. Coisas como a imensa fogueira com livros do Asterix e da Pocahontas, no Canadá, de que tivemos notícia por estes dias.

O tema é interessante por muitas razões. Nos acostumamos, nos últimos anos, a associar o iliberalismo à “nova direita”, ligada a tipos como Trump e o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán. Eram eles que andavam “corroendo a democracia por dentro”. Impondo “valores cristãos”, combatendo a “sexualização das crianças”, exalando um nacionalismo cafona, desafiando ritos institucionais e regras eleitorais.

O conceito do iliberalismo apareceu em grande estilo nos anos 90. Fareed Zakaria sintetizou o tema em um artigo na revista Foreign Affairs, em 1997, dizendo que “a democracia está florescendo, o liberalismo constitucional não”. Estaríamos diante de um divórcio: fazem-se eleições, há partidos funcionando, mas um pouco abaixo da superfície vão se relativizando pilares essenciais das democracias liberais modernas: os freios e contrapesos, as garantias constitucionais, liberdade de pensamento, de reunião e de propriedade.

Hélio Schwartsman - O que mais Bolsonaro precisa fazer?

Folha de S. Paulo

São pequenas as chances de reeleição; mas ainda falta um ano até o pleito

É assustador que 22% dos brasileiros ainda considerem o governo de Jair Bolsonaro ótimo ou bom —só dois pontos percentuais a menos do que o medido em julho. É uma resiliência impressionante. Afinal, um resumo de poucas linhas da gestão inclui quase 600 mil mortos na pandemia, inflação batendo nos dois dígitos, desemprego em alta, provável apagão elétrico, aumento na destruição ambiental e retrocessos em direitos humanos. O pseudoargumento do "pelo menos não tem corrupção" não vale, como mostraram as "rachadinhas" e a CPI da Covid.

Nem mesmo a pantomima golpista que o presidente ensaiou no 7 de Setembro parece ter afetado sua popularidade. Pergunto-me o que ele precisaria fazer para colocar seus apoiadores abaixo dos 10% —a estatura de nanico que a história lhe reserva. Estuprar criancinhas ao vivo no horário nobre da TV? Declarar que é ateu, gay e costuma vender maconha na porta das escolas?

Cristina Serra - Riem do que, senhores?

Folha de S. Paulo

O vídeo do recente jantar em homenagem a Michel Temer lembrou-me uma cena do filme “O Poderoso Chefão 3”, o último sobre a saga da família Corleone, dirigido por Francis Ford Coppola e estrelado por Al Pacino. A ficção mostra um encontro de mafiosos, num ambiente cafona e decadente em cada detalhe da decoração: cristais, pratarias, taças, lustres.

Semelhante também é a disposição dos personagens na cena: senhores cheirando a naftalina, em torno de uma grande mesa para tratar de negócios. No caso, aqui, para celebrar o “business as usual”, depois que Temer afivelou uma focinheira em Bolsonaro e deixou claro quem controla as rédeas do processo golpista que se desdobra desde 2016.

Alvaro Costa e Silva - Teatro do absurdo

Folha de S. Paulo

A pandemia nunca existiu para eles

A CPI da Covid tem oferecido ao público personagens e performances dignas do melhor teatro do absurdo. A maioria dos depoentes age como se vivesse em outro país e época: "Pandemia? Que pandemia? Preciso perguntar ao meu advogado. Invoco o direito de não me incriminar".

O terror que levou o Brasil a quase 600 mil mortes não existiu para o general Eduardo Pazuello, o coronel Elcio Franco, o PM Luiz Paulo Dominghetti, o empresário Carlos Wizard, a imunologista Nise Yamaguchi, o ex-chanceler Ernesto Araújo, o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten, o deputado federal Osmar Terra, o reverendo Amilton de Paula e o resto da turma. Só o motoboy Ivanildo da Silva, que andou com dinheiro em espécie para cima e para baixo, sabia mais ou menos o que estava acontecendo.

Demétrio Magnoli - Paixão pelo Talibã

Folha de S. Paulo

Alt-right e extrema esquerda identificam na democracia representativa o inimigo a abater

 “O Talibã é uma força conservadora, religiosa; os EUA são ímpios e liberais. A derrota do governo americano no Afeganistão é, inequivocamente, um evento positivo.” (Nick Fuentes). “O Talibã é a liderança de uma insurreição popular contra a intervenção imperialista no Afeganistão. A vitória do Talibã contra o imperialismo é a vitória de todo o povo oprimido.” (Partido da Causa Operária, PCO).

Fuentes é um supremacista branco que ajudou a organizar a invasão do Capitólio. O PCO é uma seita de extrema esquerda inscrita como partido no TSE. A paixão compartilhada pelo Talibã revela algo que vai além da constatação banal de que os extremos se abraçam no fim do arco-íris.

A alt-right, direita alternativa dos EUA, expressa uma revolta contra a direita democrática tradicional. A corrente, contudo, não é nova ou inovadora —nem uma reedição do fascismo ou do nazismo.

Marcus Pestana* - Liberdade – essa palavra

Se há um sentimento natural do ser humano é sua vocação para a liberdade. A antropologia nos revela como a liberdade está impregnada na natureza humana. O poder originário era exercido a partir dos costumes, da idade e da sabedoria dos membros da comunidade. Não havia Estado, propriedade, família, herança, acumulação de riquezas, religião.

O exercício da liberdade individual e coletiva não é e nunca foi questão pacífica. E cá estamos, em pleno século XXI, novamente às voltas com o tema. Somos diversos, somos diferentes. E temos que aprender a conviver com as diferenças na diversidade.

Veio-me à cabeça o tema, porque na mesa ao lado do café em um hotel estava um casal e um amigo manifestando alto suas idiossincrasias quanto à vacina contra a COVID-19, suas desconfianças e a convicção de que não vão se vacinar de forma alguma. A sabedoria popular repete a esmo que “a nossa liberdade termina onde começa a dos outros”. A liberdade individual nem sempre é solidária à liberdade coletiva. Até que ponto individualmente tenho a liberdade de não usar máscara, de provocar aglomerações e não me vacinar, colocando em risco a saúde coletiva?

Também um amigo liberal me questionou que decisões do STF são abusivas ao constrangerem a “liberdade de opinião” de pessoas que ameaçam autoridades e instituições, propagam a violência, às vezes de arma em punho, e usam a liberdade proporcionada pela democracia para abalar os pilares e a sobrevivência da própria democracia. Opinar, sim, sempre; conspirar contra a ordem constitucional democrática, não, nunca.

Matheus Leitão - Nova pesquisa traz sete notícias ruins para Bolsonaro

Revista Veja

Pesquisa Datafolha mostra que a estratégia do 7 de setembro não funcionou. Saiba quais são todas as más notícias para o presidente

Há muitas notícias ruins para o presidente Jair Bolsonaro nesta nova pesquisa Datafolha. Só 18% das mulheres o aprovam. Só 17% dos mais pobres o aprovam.

A maioria da população desaprova a sua condução da pandemia. Ele perdeu apoio em todos os segmentos, inclusive nos evangélicos.

Em janeiro, 30% dos evangélicos consideravam seu governo ruim ou péssimo, agora mais de 40%. Os que acham bom ou ótimo são menos de um terço.

Dos eleitores em geral, 59% dizem que não votariam nele de jeito nenhum, contra 31% que não votariam no ex-presidente Lula.

O ex-presidente, aliás, aumentou a distância em relação a ele num hipotético 2º turno com 56% das intenções de voto.

O grupo que mais o apoia é o dos empresários (48%), segmento que nos últimos tempos tem reclamado bastante do atual governo através de vários lideranças.

Talvez a pior notícia seja o fato de que a sua estratégia não funcionou. Bolsonaro mobilizou seus seguidores para dar uma demonstração de força.

Fracassou no campo político porque teve que recuar após rumores de que até partidos do centro poderiam apoiar o impeachment, mas fracassou também diante da opinião pública.

Sua rejeição aumentou após os atos, e não o contrário, como ele imaginou ao tentar se enrolar na bandeira nacional no dia da Independência.

Dora Kramer - Adeus à ilusão

Revista Veja

A oposição tem de comer muito arroz com feijão para conseguir levar sua vontade às ruas de maneira contundente

O confronto das fotografias das manifestações de 7 e 12 de setembro não quer dizer grande coisa. Jair Bolsonaro não está com a vida ganha porque 150000 pessoas foram à Avenida Paulista, nem os que querem ver o presidente pelas costas estão numa batalha perdida porque reuniram 6000 manifestantes na mesma hora e local cinco dias depois.

No entanto, uma foto contra a outra nos diz que a oposição tem de comer muito arroz com feijão para conseguir levar sua vontade às ruas de maneira contundente. A unidade de propósitos que amarra os defensores de Bolsonaro uns aos outros, a capacidade de mobilizar recursos (públicos, inclusive), a existência de um rosto e de uma voz na figura do presidente a falar por eles são alguns dos fatores que faltam aos opositores.

Na seara oposicionista sobram vaidades, ressentimentos e ilusões à toa. Uma dessas miragens é a ideia de reeditar o clima da campanha das Diretas Já, que entre 1983 e 1984 levou multidões às ruas pelo direito de votar no presidente da República. Lá se vão quase quarenta anos e com eles uma distância monumental entre o país da época e o Brasil de hoje.

Se houvesse algo a incorporar daquele movimento seria o brado de “Não vamos nos dispersar” proclamado por Franco Montoro e adotado por Tancredo Neves logo após a derrota no Congresso da emenda que instituía eleições diretas, num chamamento à união nacional em prol da eleição de um civil no Colégio Eleitoral de 1985. A maioria dos partidos atendeu ao apelo, a sociedade aderiu e, assim, deu-se o ponto de inflexão no fim do regime militar com a eleição de Tancredo.

Sem consenso, oposição busca acordo por candidato único da terceira via

Representantes de partidos como PSDB, DEM, PSB, PDT e Podemos estabeleceram um primeiro esboço sobre a escolha de um de um nome do grupo

Laryssa Borges / Revista Veja  

Faz tempo que políticos, empresários e personalidades de diferentes áreas — como o apresentador Luciano Huck, o entrevistado desta edição nas Páginas Amarelas — tentam construir uma candidatura presidencial capaz de rivalizar com os favoritos Jair Bolsonaro e Lula. Até aqui, os esforços não surtiram efeito, e os nomes cotados para representar a terceira via patinam nas pesquisas, com intenções de voto que, na ampla maioria dos casos, não chegam à casa dos dois dígitos. Hoje, a situação pode ser resumida da seguinte forma: no discurso, todos querem uma candidatura como alternativa à polarização, mas na prática ninguém demonstra disposição de abrir mão de suas pretensões eleitorais em nome de um terceiro. Enquanto sobram postulantes ao Palácio do Planalto, falta consenso sobre quase tudo, inclusive sobre o critério que será adotado para definir quem representará a terceira via nas próximas eleições — se é que haverá consenso a respeito disso. Falta também o mais importante: o entusiasmo popular, como ficou claro no fracasso de público na manifestação realizada no último dia 12, convocada com o objetivo de arregimentar os eleitores que não pretendem votar nem em Bolsonaro nem em Lula.

Ciente das muitas dificuldades enfrentadas pela terceira via, representantes de partidos como PSDB, DEM, PSB, PDT e Podemos estabeleceram um primeiro esboço sobre como poderá ser a escolha do candidato do grupo a presidente. Eles definiram o mês de janeiro como prazo final para decidir sobre a viabilidade de uma candidatura capaz de romper a polarização entre Lula e Bolsonaro. Hoje, o petista tem cerca de 45% das intenções de voto, e o presidente, 25%. Ambos estão muito à frente dos demais concorrentes. Pelo esboço traçado, será ungido como concorrente da terceira via, no início do próximo ano, o nome mais bem colocado nas sondagens, desde que ele tenha dois dígitos na preferência do eleitorado. Abnegados, os demais presidenciáveis abririam mão de suas respectivas postulações em nome de um bem comum. Na teoria, pode até funcionar. Na prática, é difícil imaginar o ex-ministro Ciro Gomes (PDT), de centro-es­querda, saindo de campo em benefício do ex-ministro Sergio Moro (sem partido), um exemplar da direita com passagem pelo governo Bolsonaro. Nas pesquisas, Ciro, Moro e o apresentador José Luiz Datena (PSL) são as únicas alternativas que registram cerca de 10% de intenções de voto.

O Que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Querelas de Queiroga

Folha de S. Paulo

Guinada na vacinação de jovens indica subserviência do 4º ministro a Bolsonaro

Durou pouco a trégua do Planalto após os atos golpistas do 7 de Setembro, quando Jair Bolsonaro se viu obrigado a conter arroubos contra o Supremo Tribunal Federal. Acuado, o presidente assestou a artilharia do governo sobre a vacinação de adolescentes contra Covid-19, que deslanchava.

Sujeitou-se a tanto Marcelo Queiroga, médico que vinha consertando algo do estrago do general Eduardo Pazuello na Saúde. Por contrariar especialistas dentro e fora da pasta, a diretriz de não mais recomendar a imunização de jovens veio realimentar rumores de risco de efeitos adversos sérios.

Queiroga errou mais: citou um caso de morte de adolescente em São Paulo que se encontra sob investigação, não sendo possível afirmar que tenha relação com imunizante. Ministro e Bolsonaro reeditam, assim, um momento vil da Presidência na pandemia, quando explorou um suicídio —de novo, um paulista— para desacreditar a vacina do Instituto Butantan.