terça-feira, 28 de setembro de 2021

Merval Pereira - Dilemas legais

O Globo

O bom-mocismo do presidente Jair Bolsonaro tem a ver, sobretudo, com a proximidade do julgamento de alguns dos processos que podem atingi-lo e do encerramento da CPI da Covid, que discute internamente como encaminhar o relatório final de maneira que tenha consequências práticas. Há questões técnicas que podem obrigar a CPI a fazer dois ou três relatórios, cada um endereçado a um órgão próprio, como sugere o professor e jurista Aurélio Wander Bastos, que alertou a comissão de que não cabe ao Ministério Público Federal dar seguimento a acusações de crime de responsabilidade.

O presidente da CPI, senador Omar Aziz, acha que o procurador-geral da República, Augusto Aras, não pode simplesmente “matar no peito” e não dar seguimento ao relatório, mas a legislação pode ajudá-lo a não acusar o presidente da República, como temem os membros da CPI. A Constituição brasileira, ao definir as competências da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), estabelece que ela tem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, devendo suas conclusões, se for o caso, ser encaminhadas ao Ministério Público para que promova a responsabilidade civil ou criminal.

Míriam Leitão - Ideias de Leite, além das prévias

O Globo

O governador Eduardo Leite acha que nenhuma reforma deve ser feita no governo Bolsonaro, sob o risco de o país “queimar as boas pautas” ao vê-las transformadas em projetos ruins. Leite defende que o país faça um programa de transferência de renda que tenha como foco as 17 milhões de crianças que vivem abaixo da linha da pobreza. O governador gaúcho concorre às prévias do PSDB e disse que só a existência dessa disputa já mostra uma mudança no partido, porque antes, em apenas uma eleição, o candidato saiu de São Paulo. “Estou otimista, tenho muitos apoios, inclusive aqui em São Paulo”. Leite estava na capital paulista quando conversei com ele, no domingo.

O senador Tasso Jereissati estava ontem indo para Brasília onde pretende hoje anunciar a desistência da candidatura. “É um movimento de partido em favor de Eduardo Leite”, me disse um integrante da sua assessoria. Além de Eduardo Leite, disputam as prévias o governador de São Paulo, João Doria, e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio. O governador gaúcho está em campanha nessa disputa interna, mas acha que, além de ter ideias para as prévias, precisa pensar com que propostas o partido deve lançar candidato. Na sua visão, o PSDB precisa ter um programa que some forte política de combate à pobreza, muito investimento em educação e também reformas. Ele citou duas, tributária e administrativa. Ponderei a ele que são as mesmas que o governo Bolsonaro está tentando fazer:

Carlos Andreazza - O bode dos precatórios

O Globo

Os que acreditam na vinda súbita do meteoro certamente creem no compromisso pela preservação do teto de gastos, esse donzelo por cuja pureza se concertam candidatos à reeleição que constituíram poderosas empresas familiares dentro do Estado; inclusive e sobretudo Jair Bolsonaro, antigo defensor da responsabilidade fiscal. Não é o meu caso. Vejo incompetência, desde 2020 o Ministério da Economia prevenido — e inerte a advocacia estatal — sobre a projeção da fatura para 2022. E vejo oportunismo, acionado o botão que abre o dispositivo solar, por onde serão dependurados os fundos — todos, claro, exceções. Dirá o cínico que é exceção o ano eleitoral; e que o importante é dissimular: tirar o bode da sala e então vender que poderia ser pior.

O meteoro é instrumento para chantagem. Recebido todo o seu impacto, inviabilizará o país. Há que fazer algo! Já ouvimos o ministro da Economia declarar que, sem um jeito no monstrengo, faltariam dinheiros para pagar salários dos servidores, embora seja muito provável que, com o jeitinho, o governo encontre granas para dar aumento salarial em 22; a PEC Emergencial, a do fiscalismo do amanhã, foi feita sob medida para isso — o leitor anote.

Há que fazer algo! Mas não o sugerido pelo deputado Marcelo Ramos, por retirar todos os quase R$ 90 bilhões do teto de gastos. Não! Por uma solução menos pior, ora, reuniram-se Paulo Guedes, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco. Recebido todo o seu impacto, o meteoro inviabilizará o ano eleitoral que vem; e há que financiar o ano eleitoral que vem. De todos. Não apenas de Bolsonaro. A ordem é unida.

Luiz Carlos Azedo - Mil e uma noites no poder

Correio Braziliense

Ninguém pense que Bolsonaro está jogando a toalha. Apesar das dificuldades eleitorais, não se sente estrategicamente derrotado. Constrói um cenário imaginário

Os 1.000 dias do governo Bolsonaro foram comemorados pelo governo sem muita pompa, não houve nenhuma entrega espetacular para marcar a data. Afinal, são 600 mil mortes por covid-19, 14 milhões de desempregados e 35 milhões de brasileiros na miséria. “Nada não está tão ruim que não possa piorar”, disse o presidente Jair Bolsonaro, agourento, durante a efeméride no Palácio do Planalto. Diante de ministros e parlamentares, arrematou: “Alguém acha que eu não queria a gasolina a R$ 4? Ou menos? O dólar R$ 4,50 ou menos? Não é maldade da nossa parte. É uma realidade. E tem um ditado que diz: ‘Nada não está tão ruim que não possa piorar’. Nós não queremos isso.”

Lembrei-me de uma passagem de um clássico da literatura universal, As Mil e Uma Noites (Editora Brasiliense), uma coletânea de histórias de origem persa narradas por sua principal personagem, a princesa árabe Xerazade, esposa do rei Xariar. “Você vai morrer!”, disse o monarca, “você morreria nem se fosse apenas para eu ouvir sua cabeça falar depois de separada do corpo”.

Andrea Jubé - Previsão do tempo: dias de sol na política

Valor Econômico

Planalto pressiona por sabatina logo após 12 de outubro

Por ironia, a cena política desanuviou justamente quando o tempo fechou em Brasília, com o início das chuvas. O clima de deserto adicionava um ingrediente a mais à longeva crise de nervos dos atores políticos na capital.

Na primeira de semana do mês não bastasse a tensão com o imprevisível 7 de setembro, o calor era de secar o espelho d’água do Congresso.

Com as entranhas expostas, auxiliares presidenciais e líderes da cúpula do Centrão não disfarçavam a irritação com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que na avaliação do grupo, não agia para distensionar o ambiente político.

“Ele é candidato a presidente [da República] e está misturando propostas de interesse do Brasil com política”, reclamou à coluna, em caráter reservado, um importante líder do Centrão.

Na véspera, 1º de setembro, o Senado havia rejeitado a Medida Provisória (MP) 1.045, que promovia uma minirreforma trabalhista. Aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), acusaram os senadores de descumprir acordo para aprovar a matéria.

Fabio Graner - Auxílio salva quase 6% do PIB até 2040

Valor Econômico

Política beneficiou todos os estratos de renda, diz estudo do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG

O auxílio emergencial não só evitou que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro tivesse uma queda adicional de 2,4 pontos porcentuais no ano passado (a retração foi de 4,1%), como deve impedir quase 6% de perdas acumuladas para a soma das riquezas produzidas pelo país até 2040. Os cálculos são do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG, em estudo obtido pelo Valor.

“A retração da economia sem o auxílio seria de 6,52% no PIB em 2020.... Até 2040, os efeitos da ausência do auxílio gerariam um desvio acumulado negativo de 5,84%”, diz o trabalho.

O programa de R$ 291 bilhões em 2020 impediu também uma queda adicional de 5,5 pontos no consumo das famílias naquele ano e de 10,4% até 2040. “Para o investimento, sem o auxílio, essa variável desviaria negativamente 4,07% da sua taxa de crescimento observada em 2020 (-0,8%). Em 2040, os efeitos acumulados de sua ausência gerariam um desvio negativo acumulado de 11,3%.”

Joel Pinheiro da Fonseca - Um país intoxicado

Folha de S. Paulo

É tarde para recuperar vidas que se perderam, mas não para encerrar a carreira de Bolsonaro

 “A cloroquina curou meu tio.” Mereceria um Nobel da Paz quem conseguisse persuadir o grande público de que esse tipo de evidência anedótica não serve para nada. Via de regra, contudo, qualquer cura mágica, medicina alternativa ou crença infundada permanece um fenômeno marginal, que pouco interfere na saúde pública.

Com a cloroquina foi diferente. O furor na defesa desse remédio tomou o país. Ficou inclusive difícil para instituições médicas sérias testarem seus efeitos, pois os pacientes passaram a tomar por conta própria. Houve plano de saúde distribuindo o kit de presente para os associados. O médico não receitou? O paciente procurava outro médico até que algum receitasse, ou simplesmente tomava sem receita.

Vi amigos meus dizendo que não apoiar a cloroquina era falha moral. Houve quem fizesse “caridade” distribuindo kits para os pobres. O país enlouqueceu na cloroquina (e mesmo assim está no top 10 mundial em mortes por milhão de habitantes; ou seja, realmente não funciona).

Por que se criou um movimento, uma torcida organizada, uma militância, ao redor deste remédio? A resposta, como a de tantas outras tragédias recentes, é Bolsonaro. O presidente da República virou garoto-propaganda do remédio. Gastou milhões de reais para produzir, comprar, distribuir e promover uma cura falsa. E não foi a primeira vez que se fez de charlatão —enquanto deputado, aprovou projeto para incentivar a “pílula do câncer” (que, como você pode imaginar, não funciona).

Alvaro Costa e Silva – A dupla Zé Kéti e Saramago

Folha de S. Paulo

No Brasil as homenagens são esquecidas na semana seguinte

O centenário de nascimento de José Saramago será em 16 de novembro de 2022, mas a badalação já começou. Foi escolhido o logotipo: um S, sugerindo uma cabeça em que os zeros do número 100 funcionam como olhos para ressaltar o “pensamento social, político e ético” do escritor Prêmio Nobel em 1998. Mais de 400 dias de leituras, debates, conferências, seminários, simpósios, colóquios, palestras, workshops, exposições —ufa! Sem falar nos comes e bebes, mais bebes do que comes, como é a praxe nas confraternizações literárias. E haverá melhor oportunidade para vender livros?

O megaevento será realizado em Portugal, claro. Mas o Brasil —onde a obra de Saramago goza de prestígio e excelente desempenho nas livrarias— deverá pegar uma boquinha.

Hélio Schwartsman - Fora com os missionários

Folha de S. Paulo

A crença em Tupã goza da mesma proteção do Estado que a crença no Deus cristão

A bancada da Bíblia está em pé de guerra com o ministro Luís Roberto Barroso, do STF. O magistrado acaba de reafirmar uma decisão da corte que proíbe, durante a pandemia, missões religiosas de entrar em território de índios isolados ou de contato recente. Na opinião dos pios parlamentares, a decisão é “claramente orientada por ideologia declaradamente anticristã” e promove “perseguição religiosa”.

Besteira. O Supremo não proibiu apenas missionários cristãos de contatar os índios, mas “quaisquer terceiros, inclusive membros integrantes de missões religiosas”. Na verdade, ao esclarecer o alcance da decisão, Barroso até que pegou leve com os cristãos, pois permitiu que as missões que já estavam nas aldeias antes da epidemia nelas permanecessem.

Eliane Cantanhêde - Improbidade x impunidade

O Estado de S. Paulo

Com o País distraído com crises e as bobagens do presidente, a Câmara passa boiadas e jabutis

Com tantas crises, declarações e revelações absurdas, o foco nestes mil dias de governo Jair Bolsonaro foi no presidente e no governo. Enquanto isso, variadas boiadas continuaram passando pelo Congresso, especialmente pela Câmara. A mais nova foi uma drástica mudança num dos eixos do combate à corrupção: a Lei de Improbidade.

Assim como teve de devolver ao Planalto o pedido de impeachment do ministro do STF Alexandre de Moraes e o projeto mexendo com o Marco Civil da Internet, o Senado teve de agir firmemente também para evitar audácias da Câmara: distritão, volta das coligações partidárias e novo Código Eleitoral já para 2022. O atual desafio é evitar que a Lei de Improbidade se transforme na festa da impunidade.

O projeto da Câmara seria aprovado a toque de caixa pelo Senado na semana passada, não fosse uma articulação para uma audiência pública nesta terça-feira, 28/9, antes da votação pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), amanhã de manhã, e pelo plenário, já à tarde. Assim, rapidinho.

Toda lei é sujeita a mudanças e adaptações à realidade e à dinâmica da política e do próprio País. Foi assim, com bons propósitos, que surgiu o projeto para atualizar a Lei de Improbidade, debatido em 14 audiências públicas por dois anos e meio na Câmara. Ele, entretanto, foi trocado por um substitutivo, aprovado em surpreendentes oito minutos, em junho deste ano, unindo de bolsonaristas a petistas.

Os contrários ao substitutivo conseguiram retirar um “liberou geral” para o nepotismo, mas muitos bois, ou jabutis, como se diz em Brasília, permaneceram. Não para preservar o erário e as boas práticas administrativas e éticas, mas para criar uma blindagem, ou anistia, para os responsáveis.

Rubens Barbosa* - O Itamaraty e os desafios globais

O Estado de S. Paulo

Nos últimos anos o País não soube interpretar, segundo seus interesses, o sentido das mudanças

O discurso do presidente Bolsonaro na ONU recoloca em pauta a função e as atribuições do Itamaraty. A competência e o conselho informado para responder aos desafios que o Brasil está enfrentando foram deixados de lado. O Ministério das Relações Exteriores (MRE) perdeu o lugar que sempre teve como principal auxiliar do presidente na formulação e execução da política externa e de efetivo coordenador dos temas de interesse do Brasil na área externa.

O mundo atravessa um momento de grandes transformações nas áreas política, econômica e social. A geopolítica e a geoeconomia, que foram se modificando na última década, vão passar por uma série de ajustes com a saída dos EUA do Afeganistão. Qual o lugar dos EUA no mundo? Como a China, a nova superpotência comercial, tecnológica e militar, evoluirá? Como se desenvolverá o novo polo dinâmico de crescimento econômico e de comércio exterior? Qual o impacto dos rápidos avanços tecnológicos (5G e Inteligência Artificial)? Como a preocupação global sobre meio ambiente e mudança de clima será traduzida em medidas comerciais restritivas? Como o acirramento da competição global entre China e EUA pela hegemonia política no século 21 afetará os países? Qual o efeito sobre a globalização do reordenamento produtivo, das cadeias de produção, protecionismo, autonomia soberana, revolução energética, crise no multilateralismo? Como a regionalização afetará a geopolítica e a geoeconomia global (fortalecimento das potências regionais e dos acordos regionais)? Qual o futuro papel da América do Sul – continuará na periferia? Quais os riscos criados pelas novas ameaças (terrorismo, ataques cibernéticos, guerra no espaço)?

Felipe Salto* - O fim do teto de gastos

O Estado de S. Paulo

Discutir regras fiscais é essencial. Mudá-las para gastar bilhões em ano eleitoral é outra coisa

O teto de gastos está por um fio. A manobra para ampliar despesas sem economizar um centavo tem várias facetas. Todas ferem de morte essa regra fiscal. Nada entrará no lugar. Abre-se folga de dezenas de bilhões de reais em pleno ano eleitoral.

A regra do teto, instituída pela Emenda Constitucional n.º 95, de 2016, limita o crescimento das despesas. O IPCA acumulado em 12 meses até junho corrige o teto para o ano seguinte. Essa necessidade de controlar as despesas continua presente. Pode-se discutir o melhor desenho das regras, tema que perpassa diferentes correntes de economistas. Mas é preciso zelar pela responsabilidade fiscal.

A Instituição Fiscal Independente (IFI) tem alertado, desde 2019, para o risco de rompimento do teto, situação contemplada na Emenda 95. Os chamados gatilhos – medidas automáticas de ajuste fiscal – seriam acionados no caso de descumprimento do teto. Cristiane Coelho, Daniel Couri, Paulo Bijos, Pedro Nery e eu defendemos, na Folha (4 de setembro de 2020, Regras permitem romper teto de gastos sem abandonar ajuste fiscal), que a Emenda 95 autorizava romper o teto. O projeto de lei do Orçamento seria o lugar geométrico desse evento. O governo preferiu a tese da impossibilidade. Mais realista que o rei, propôs a PEC Emergencial.

A PEC morreu e foi ressuscitada, no fim de 2020, para ser promulgada como Emenda 109 em março de 2021. A nova regra criada para acionar as medidas de ajuste fiscal nada tem que ver com o limite original. Os gatilhos só poderão ser acionados se as despesas obrigatórias ultrapassarem 95% das despesas primárias totais (que não incluem juros). A IFI mostrou que é impossível superar esse porcentual sem cortar as despesas discricionárias (custeio da máquina, investimentos e outros) ao ponto de colapsar o Estado.

Pedro Fernando Nery* - O pecado e o SUS

O Estado de S. Paulo

Com o envelhecimento da população, é preciso pensar em formas de financiar o SUS

Neste mês, comemoramos o aniversário do Sistema Único de Saúde (SUS). Sua contribuição na resposta à pandemia fez muitos levantarem os lemas #DefendaOSUS ou #VivaOSUS, populares nas postagens de vacinação. Mas, para além das hashtags que sinalizam virtude, o que significa defendê-lo? Se normalmente se evocam como ameaças o fantasma do fim de gratuidade ou a participação do setor privado (que já é abundante no sistema), há um desafio muito mais concreto: o envelhecimento da população. O custo de um sistema já deficiente irá estourar: como arranjar os recursos para defendê-lo?

É um elefante na sala que ainda não debatemos enquanto sociedade. O Brasil é um dos países que envelhecem mais rapidamente no mundo, como mostram as projeções de medidas como a idade mediana da população ou a taxa de idosos. A desgraça da pandemia representa uma óbvia exceção, mas em breve a tendência deve retornar: cada vez menos crianças nascendo de um lado, e idosos vivendo mais. 

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* - Pedagogia da informalidade - a título de romper tabus

Esta semana a agenda política prevê a continuidade da discussão do orçamento para 2021, acrescida da pendenga dos precatórios, dos embates da reforma administrativa, dos debates sobre a nova lei eleitoral, da flexibilização da imobilidade pandêmica e da questão do marco temporal para as terras indígenas que continua em pauta. Por incrível que pareça, Renan Calheiros, relator da CPI do Covid, tem suas velhas e cabulosas conexões emergindo nas agressões pontuais entre senadores.

Mas, o que inspira este texto não tem nada a ver com isso. É a bela reportagem publicada domingo, em um jornal de São Paulo, intitulada “Flor de Pedra”, escrita pela jornalista Laura Matos, numa entrevista com a suicidologista Karina Okajima Fukumitsu, pós-doutorada na USP , a título de romper tabus.

Assim, como a problemática da discriminação étnica, sexual e social no Brasil, a descriminalização da maconha, a violência contra a mulher, o bullying nas escolas e outros temas que os pudores e as religiosidades não permitem circular de maneira ampla, a mídia, por critérios próprios dos editores, há tempos tem levantado e alimentado questões de gênero delicadas, de tal forma que terminou por fazer  surgir organizações do tipo LGBT, sigla que vai se expandindo, ao incorporar  na sua agenda outros tipos de tratamento dado às minorias.

Congresso derruba veto à criação de federações partidárias

Câmara e Senado rejeitam decisão de Jair Bolsonaro

Julia Lindner e Bruno Góes / O Globo

BRASÍLIA — O Congresso Nacional derrubou nesta segunda-feira decisão do presidente Jair Bolsonaro que tentava impedir que partidos se unam em uma federação partidária e atuem de maneira uniforme em todo o país por pelo menos quatro anos.

A decisão foi tomada primeiro no Senado, por 45 votos a 25, e endossada pela Câmara por 353 votos a 110.

Pela proposta, diferentes siglas podem formar uma só agremiação, inclusive nos processos de escolha e registro de candidatos para eleições majoritárias e proporcionais e no cumprimento das cláusulas de desempenho. O ato beneficia as pequenas legendas, como PCdoB, PSOL, PV e Rede. A matéria vai à Câmara dos Deputados.

Ao justificar o veto, Bolsonaro afirmou que o texto vai na contramão do que se pretende para melhorar o sistema representativo e "inaugura um novo formato com características análogas às das coligações".

“O veto presidencial objetiva salvaguardar o eleitor comum, vez que, como apresentada a proposição poderia afetar, inclusive, a própria legitimidade da representação”, destacou o Planalto do Planalto em sua justificativa.

O projeto facilita o alcance da cláusula de barreira, criada para extinguir legendas que não tenham um desempenho mínimo a cada eleição. O texto também permite a partidos políticos se organizarem em federação por ao menos quatro anos, driblando esse dispositivo, criado em 2018.

Nos últimos dias, dirigentes e líderes do Centrão, como PP, PL e DEM, passaram a atuar pela manutenção do veto às federações. A decisão dos senadores, porém, impediu uma reviravolta.

No Senado, Esperidião Amin (PP-SC) disse que o seu partido havia "fechado questão" pela manutenção da decisão de Bolsonaro. Já na Câmara, o deputado Cacá Leão (PP-BA) orientou pela derrubada do veto.

— Pactuamos que respeitaríamos a decisão do Senado — discursou o líder do PP na Câmara.

Segundo um dos parlamentares que negociou o texto, parte de parlamentares do Centrão tinha o objetivo de barrar qualquer possibilidade de união entre PT, PSB e PCdoB nas próximas eleições.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Mil dias a menos

O Estado de S. Paulo

Este é um dos poucos motivos para celebrar o milésimo dia de Jair Bolsonaro no Planalto, o mais completo e desastroso desgoverno do Brasil independente

Completados mil dias, são mil dias a menos com Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. Este é um dos poucos motivos para celebrar o milésimo dia do mais completo e mais desastroso desgoverno do Brasil independente. Haver sobrevivido também pode ser uma razão para festejar, se for possível conter, por algum tempo, a indignação e a dor pelos milhares de mortes atribuíveis ao negacionismo, à irresponsabilidade e a uma incompetência fora dos padrões conhecidos. Passados quase três quartos do mandato, restam, no entanto, os perigos associados à ambição de um presidente empenhado em continuar no poder – se possível, por meio de uma reeleição.

Não há por que esperar uma transfiguração de Bolsonaro, em sua luta para sobreviver politicamente e adiar, ou talvez evitar, as consequências legais de seus desmandos e omissões. Enquanto estiver na Presidência, ele tentará preservar o custoso apoio do Centrão. Além disso, continuará forçando a equipe econômica a encontrar, no Orçamento, recursos para gastos eleitoreiros. Não há por que esperar, também, um desempenho, em qualquer setor – educação, crescimento econômico, saúde, emprego e bem-estar –, melhor do que aquele registrado até agora.

O primeiro grande feito de Bolsonaro foi interromper a recuperação econômica iniciada em 2017, depois da recessão de 2015-2016. A economia cresceu apenas 1,4% em 2019, menos que no ano anterior, e já estava mais fraca no começo de 2020, antes da pandemia. O recuo de 4,1% naquele ano foi menor que o de várias economias desenvolvidas e emergentes, mas o País entrou em 2021 com desemprego de 14,7%, muito acima dos padrões dos países de renda média. Pior que isso, milhões de pessoas estavam desassistidas e dependentes de campanhas de solidariedade para comer.

Poesia | Antonio Machado(1875-1939) - O crime foi em Granada

(A Federico García Lorca)

I. O crime

Viram -no, caminhando entre fuzis

por uma longa estrada,

sair ao campo frio,

ainda com estrelas, madrugada.

Mataram a Federico

quando a luz já se elevava.

O pelotão de verdugos

não ousou olhar sua cara.

Todos fecharam os olhos;

rezaram: nem Deus te salva!

Morto caiu Federico

– sangue na fronte e chumbo nas entranhas –

...Foi lá em Granada o crime,

sabei – pobre Granada – , em sua Granada.

II. O poeta e a morte

Viram-no caminhar a sós com Ela,

sem temer sua gadanha.

– Já o sol de torre em torre; e já os martelos

na bigorna – metal, metal das fráguas.

Falava Federico,

galanteando a morte. Ela o escutava.

“Porque ontem no meu verso, companheira,

soava o golpe de tuas secas palmas,

e deste o gelo ao meu cantar, e o gume

de tua foice de prata à minha desgraça,

te cantarei a carne que não tens,

os olhos que te faltam,

teus cabelos que o vento sacudia,

os rubros lábios em que te beijavam...

Hoje como ontem, morte, minha cigana,

que bom estar só contigo ,

por estes campos de Granada, minha Granada!”

III.

Viram-no caminhar...

Talhai, amigos,

de pedra e sonho, lá no Alhambra

um túmulo ao poeta,

sobre uma fonte na qual chore a água,

e eternamente diga:

foi em Granada o crime, em sua Granada!