O Globo
Nestes dias em que estourou o escândalo dos
Pandora Papers, envolvendo dinheiro em contas no exterior, estava precisamente
consultando o belo livro de Jean Delumeau “O que sobrou do paraíso”. Rico em
pesquisa e erudição, foi editado no Brasil pela Companhia das Letras e fala do
paraíso desde os primeiros textos sagrados, passando pelos visionários e
terminando no declínio da ideia, com o cansaço sobre as imagens repetidas e, o
que é mais decisivo, o desencantamento do mundo.
Isto não interessava a Delumeau, mas talvez
possa funcionar como comentário a sua obra. O paraíso era um lugar para onde
iam as pessoas e, no seu irreversível declínio, acabou sendo o lugar para onde
vai a fortuna.
Aliás, a partir de São Paulo, com a frase
“o que os olhos não podem ver”, muitas descrições do paraíso religioso se
deslocaram das delícias que o lugar oferece para a importância dos males que
ele suprime.
Agora que o paraíso é apenas ocupado pelo
dinheiro que as pessoas conseguem acumular, podemos avaliá-lo também não pelos
prazeres que oferece, mas pelos transtornos que evita.
Certamente, no paraíso fiscal, a
publicidade das fortunas era um dos males evitados, até que surgiram esses
vazamentos do tipo Pandora Papers. E o mais importante dos males realmente
evitados é o pagamento de impostos.
No Brasil, dois nomes públicos foram
relacionados nos Pandora Papers. Paulo Guedes, com dinheiro nas Ilhas Virgens;
Roberto Campos Neto, no Panamá.
Isso não configura crime. No entanto, desde 2013, temos uma lei de conflito de interesses. Guedes formula a política fiscal; Campos, no Banco Central, a política monetária. Estariam fora do conceito de conflito de interesses? Suas atividades públicas repercutem nas suas poupanças externas?