segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Fernando Gabeira - O que restou do paraíso

O Globo

Nestes dias em que estourou o escândalo dos Pandora Papers, envolvendo dinheiro em contas no exterior, estava precisamente consultando o belo livro de Jean Delumeau “O que sobrou do paraíso”. Rico em pesquisa e erudição, foi editado no Brasil pela Companhia das Letras e fala do paraíso desde os primeiros textos sagrados, passando pelos visionários e terminando no declínio da ideia, com o cansaço sobre as imagens repetidas e, o que é mais decisivo, o desencantamento do mundo.

Isto não interessava a Delumeau, mas talvez possa funcionar como comentário a sua obra. O paraíso era um lugar para onde iam as pessoas e, no seu irreversível declínio, acabou sendo o lugar para onde vai a fortuna.

Aliás, a partir de São Paulo, com a frase “o que os olhos não podem ver”, muitas descrições do paraíso religioso se deslocaram das delícias que o lugar oferece para a importância dos males que ele suprime.

Agora que o paraíso é apenas ocupado pelo dinheiro que as pessoas conseguem acumular, podemos avaliá-lo também não pelos prazeres que oferece, mas pelos transtornos que evita.

Certamente, no paraíso fiscal, a publicidade das fortunas era um dos males evitados, até que surgiram esses vazamentos do tipo Pandora Papers. E o mais importante dos males realmente evitados é o pagamento de impostos.

No Brasil, dois nomes públicos foram relacionados nos Pandora Papers. Paulo Guedes, com dinheiro nas Ilhas Virgens; Roberto Campos Neto, no Panamá.

Isso não configura crime. No entanto, desde 2013, temos uma lei de conflito de interesses. Guedes formula a política fiscal; Campos, no Banco Central, a política monetária. Estariam fora do conceito de conflito de interesses? Suas atividades públicas repercutem nas suas poupanças externas?

Miguel de Almeida - Com vocês, a cota evangélica

O Globo

Caso André Mendonça se torne ministro do STF, por causa da pressão dos pastores evangélicos, a boiada, enfim, terá passado — ao vivo e em cores.

Será a consagração da ideia de cotas forjada sob a guerra identitária. A esquerda inventou, a direita copiou. Parece estranho, mas é como a política hoje enxerga a sociedade, a partir de nichos, setores, clivagens e grupos organizados.

Com vocês, as cotas religiosas.

Porque, afinal, como dizem os pastores, representam 30% dos brasileiros. Pois é.

O conceito de um país formado por cidadãos com direitos iguais, respeitados em suas liberdades individuais, como falavam pensadores como Stuart Mill e Tocqueville, diante da declarada guerra santa no Bozoquistão, é uma doce canção. Com muita fé, o que se avizinha é uma reedição dos tempos de Constantino, no século IV, quando os arcaicos cristãos destruíam estátuas desnudas, apagavam obras de filósofos pagãos ou derrubavam templos de deuses greco-romanos. Além de perseguir e exterminar o que chamavam de hereges, como aconteceu com a matemática Hipátia, cuja pele foi arrancada pelos fanáticos da época (outros ultrajes em “The Darkening Age”, de Catherine Nixey).

DEM e PSD ressuscitam rivalidades para 2022

Em busca do papel de ‘fiel da balança’ do próximo governo e de comandar palanque de terceira via, siglas disputam filiações e ensaiam chapas adversárias nos estados. Kassab e ACM Neto concorrem por Alckmin e Pacheco

Bernardo Mello / O Globo

RIO — A busca pelo papel de “fiel da balança” do próximo governo e uma antiga rivalidade entre cúpulas partidárias têm empurrado DEM e PSD para caminhos opostos nos estados em 2022. Em locais como Rio, São Paulo, Minas e Goiás, as duas siglas ensaiam confrontos na formação de palanques e na disputa pela filiação de candidatos. Como ativo, o DEM aposta no fundo eleitoral turbinado pela fusão com o PSL, que vai resultar na criação de um novo partido, o União Brasil.

O PSD surgiu em 2011 como uma dissidência do DEM liderada pelo então prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Após perder a queda de braço pelo comando do DEM para a ala integrada por ACM Neto, e capitaneada pelo deputado Rodrigo Maia, Kassab fundou o PSD em meio a trocas de farpas públicas.

DEM e PSD foram os partidos que mais cresceram nas eleições de 2020, diluindo a força municipal de MDB e PSDB, e figuram entre as maiores bancadas da Câmara, no patamar de siglas como PP e PL, alinhados ao governo Jair Bolsonaro, e do PT, que lançará o ex-presidente Lula para o Palácio do Planalto.

Por tudo isso, integrantes das cúpulas dos dois partidos dizem reservadamente que um busca dar “trombadas” no outro nos estados, numa disputa para ver quem larga em vantagem não só na corrida por governos, mas também para aumentar seu peso no Congresso. Em Rio, Minas e São Paulo, a disputa também envolve a chance de comandar um palanque nacional de terceira via.

Thiago Prado - Santa Cruz e Freixo buscam apoio de Lula no Rio

O Globo

Ex-presidente recebeu os dois na semana passada; eles desejam se apresentar como opositores ao governador Claudio Castro, aliado de Bolsonaro

Em sua ida a Brasília na semana que passou, o ex-presidente Lula abriu a agenda para os dois nomes que desejam se apresentar em 2022 como os principais opositores no Rio ao governador Claudio Castro, aliado do presidente Jair Bolsonaro: o deputado federal Marcelo Freixo, do PSB, e o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, prestes a ingressar no PSD.

Foi a primeira vez que Santa Cruz falou claramente para Lula que quer ser candidato a governador do Rio — hipótese ainda levada pouco a sério na política fluminense. Até então, apenas o prefeito do Rio Eduardo Paes dizia em entrevistas que o presidente da OAB poderia ser lançado com seu apoio ao Palácio Guanabara. Em uma conversa de mais de uma hora, Santa Cruz expôs a Lula análises sobre o governo Castro e disse que sua candidatura tem mais chances de emplacar no Rio pela capacidade de despertar baixa rejeição.

Tratou-se de um recado para a candidatura de Freixo, que mais uma vez ouviu de Lula que terá o seu apoio no Rio. Embora tenha bom desempenho em pesquisas recentes, o ex-psolista ainda gera dúvidas no PT sobre a capacidade de vencer uma eleição majoritária no estado. Freixo corre contra o tempo junto ao marqueteiro Renato Pereira para poder aparecer mais palatável a um eleitorado que não esteve ao seu lado em eleições para prefeito do Rio em 2012 e 2016 devido a posicionamentos em temas ligados a costumes e segurança pública.

Bruno Carazza* - Uma agenda de baixo para cima

Valor Econômico

Em 22, empresariado poderia propor em vez de pedir

Não demorou muito. Poucos dias após o governo ter enviado ao Congresso a segunda etapa do que chama de Reforma Tributária, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, circundado pessoal e virtualmente por representantes de 25 entidades representativas de diversas entidades empresariais, condenou: “O momento é inoportuno; deveríamos discutir o corte e a redução de gastos, de desperdícios. Por isso, a prioridade deve ser a Reforma Administrativa”.

Em 30 de setembro, a Câmara Americana de Comércio (Amcham) lançou manifesto clamando por um “sistema tributário mais eficiente e justo”. Na defesa de uma reforma ampla, lista princípios deveriam ser perseguidos: neutralidade, transparência, equidade e simplicidade. Até aí tudo bem, pois são objetivos consagrados pela teoria clássica de tributação.

Não por acaso, o documento da Amcham deixou de mencionar um quinto elemento: a progressividade, segundo a qual os impostos devem ser calibrados de acordo com a capacidade econômica do contribuinte, tal qual previsto no art. 145, parágrafo primeiro, da Constituição.

Luiz Carlos Mendonça de Barros* - Inflação, um cisne negro global

Valor Econômico

Para normalizar o descompasso atual entre oferta e demanda, é preciso mais do que uma postura burocrática, que é o que demanda a maioria dos analistas do mercado financeiro

Podemos hoje dizer que o desequilíbrio causado na economia mundial pela pandemia da covid 19 deve ser entendido como um Cisne Negro. Esta expressão caracteriza um evento econômico totalmente inesperado - e agora também desconhecido - e pode ajudar a explicar a crise inflacionária que atinge as maiores economias do mundo. Os sinais hoje são claros com um choque de preços que atingiu mercados tão distintos como o de componentes eletrônicos, petróleo e gás, fretes marítimos internacionais e commodities agrícolas.

Anexo a esta coluna apresento um gráfico com os dados da inflação ao produtor na Europa entre 2020 e setembro deste ano. Ele mostra o comportamento da chamada inflação “na porta de fábrica” nos meses iniciais da pandemia e após o início dos programas de estímulos adotados pela grande maioria dos países para enfrentar a quase depressão econômica que se previa à época. Gráficos semelhantes em outras economias do Primeiro Mundo e do mundo emergente mostram o mesmo quadro de forma que podemos olhar para a Europa como campo de teste para entender o surto inflacionário que vivemos hoje.

A informação mais importante do gráfico apresentado é a desproporção entre a deflação ocorrida entre fevereiro e maio de 2020, a recuperação dos preços a partir do segundo semestre e, finalmente, o pico que vivemos hoje. A passageira deflação inicial foi fruto de dois movimentos opostos criados pelo pânico que se instalou: de um lado o isolamento social que fez a demanda por bens e serviços despencar e de outro o movimento racional das empresas para liquidar rapidamente seus estoques - inclusive o representado por encomendas ainda não recebidas - antes que o choque de demanda se aprofundasse como era previsto por todos os analistas.

Denis Lerrer Rosenfield* - Ambiguidades petistas

O Estado de S. Paulo

Cabe pensar o que seria um eventual governo do PT no presente contexto do País

Lula posiciona-se cada vez mais como um candidato eleitoralmente viável dentro da polarização vigente. Diferentes pesquisas de opinião o colocam numa posição vencedora num embate com o presidente Jair Bolsonaro, embora o tempo seja senhor da razão, sem que se possa ainda predizer se o atual mandatário terá condições de se recuperar de seu desgaste ou se uma candidatura alternativa de centro, fora da atual radicalização, poderá se afirmar. Em todo caso, cabe pensar o que seria um eventual governo petista no presente contexto.

Observemos, preliminarmente, que o ex-presidente voltou a gozar de amplo prestígio, contando para isso com os erros de seus adversários reais ou potenciais e a benevolência do Supremo Tribunal Federal (STF). Em linguagem futebolística, tenderia a dizer que ele joga parado, não precisando fazer grandes jogadas, salvo as articulações partidárias de bastidores que estão sendo realizadas. Até agora, não aparece o Lula da demagogia e dos discursos recorrentes, sempre baseados no antagonismo do “nós contra eles”, dos “conservadores contra os progressistas”. Aliás, expõe-se publicamente com companheiros de esquerda, porém negocia com a direita tradicional.

Ocorre que essa estratégia está produzindo bons resultados, salvo quando se põe a falar, que é o momento em que todos os disparates e ambiguidades surgem. Tenderia a afirmar, seguindo o dizer de um amigo, que ele é, no silêncio, um admirável poeta!

Marcus André Melo* - A democracia cristã antes de Merkel

Folha de S. Paulo

A DC está por trás da União Europeia e do estado de bem-estar social na região

A derrota da CDU/CSU, de Angela Merkel, tem sido entendida equivocadamente como uma ruptura. De uma perspectiva mais ampla, há também outro problema interpretativo: muitos analistas têm subestimado o papel estruturante da democracia cristã (DC) na formação da Alemanha contemporânea e da própria Europa continental no pós-guerra, o que explica sua resiliência.

Há elementos de ruptura mas são mínimos. O vencedor das eleições —Olaf Scholz— é o atual ministro da fazenda da grande coalizão, integrada pelo CDU/CSU e SPD, e liderada por Merkel. O SPD ganhou as eleições com o menor percentual de votos já registrado pelo partido mais votado. Isto explica-se pela crescente fragmentação dos sistemas partidários dos países da OCDE. Estamos longe do padrão histórico no qual partidos social democrata e socialistas obtinham votações expressivas. A surpresa foi o desempenho pífio do partido verde, que havia se convertido no segundo maior partido, e para quem ainda acreditava na ameaça populista radical, a involução do AfD.

Celso Rocha de Barros - Mudança econômica elege Lula?

Folha de S. Paulo

Petista poderia conseguir trégua, mas estratégia centrista em economia trará riscos eleitorais

Sou um defensor entusiasmado da passagem de Antônio Palocci pelo Ministério da Fazenda. Defendi Joaquim Levy em minhas primeiras colunas na Folha. Como se pode imaginar, torço para que Lula adote um programa econômico mais “fiscalista” do que o defendido pelo petista médio. Mas minha questão hoje é outra: Lula precisa defender esse programa para se eleger?

Não há dúvida de que isso lhe traria algumas vantagens. Por exemplo, aposto que mais gente do MDB teria ido ao jantar do Eunício se Lula já tivesse angariado mais simpatia na elite econômica.

É difícil imaginar a mídia brasileira apoiando Lula em 2022, mas gestos de moderação poderiam lhe comprar uma trégua, em especial depois de quatro anos de guerra bolsonarista contra o jornalismo independente. É possível imaginar cenários em que essa estratégia desse a Lula os votos que lhe faltam para vencer no primeiro turno.

Catarina Rochamonte - Bolsonaro e a regressão do conservadorismo

Folha de S. Paulo

O bolsonarismo é um populismo reacionário e boçal

Em janeiro deste ano, em entrevista para um jornal de Pernambuco, defendi que conservadores rompessem com o governo. Tenho apontado a necessidade de uma direita sem Bolsonaro. Retomo o tema porque tive a satisfação de ouvir, por esses dias, um podcast no qual o cientista político João Pereira Coutinho sintetizou algo relevante: “No esquema geral, Bolsonaro não é tão importante. Ele é importante como sintoma de uma regressão do conservadorismo para uma posição essencialmente reacionária”.

O bolsonarismo é um populismo reacionário e boçal, cuja estridência e histrionismo prejudicam a parcela sensata da direita, que se vê impelida a traçar uma linha divisória, como o fez a senadora Soraya Thronicke, em sessão da CPI da Covid, ao declarar: “Não quero me misturar com essa laia”.

Ana Cristina Rosa - Protagonismo negro

Folha de S. Paulo

É sabido que a Covid afeta de maneira desigual, ainda mais brutal e deletéria, os pretos e pardos

João Bosco Borba, primeiro presidente da Associação Nacional dos Empresários e Empreendedores Afrobrasileiros (Anceabra). Januário Garcia, fotógrafo, autor de livros sobre a cultura afro-brasileira e ex-presidente do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN). João Acaiabe, ator, viveu personagens marcantes, como Tio Barnabé no Sítio do Picapau Amarelo. Nelson Sargento, sambista, presidente de honra da Estação Primeira de Mangueira. Ismael Ivo, bailarino e coreógrafo, foi diretor da Bienal de Veneza e o primeiro negro e estrangeiro a dirigir o Teatro Nacional Alemão. Estevão Maya Maya, maestro. Gésio de Almeida, ator. Cecilia Ramos, empresária. Fabiana Anastácio, cantora gospel.

Na semana em que o país ultrapassou a consternadora marca de 600 mil vidas perdidas para a Covid-19, rememoro os nomes desses brasileiros negros que se destacaram em suas áreas de atuação. Todos morreram em razão da pandemia. Suas mortes abriram lacunas inesperadas no ambiente cultural, social e econômico da diáspora afro-brasileira.

Mirtes Cordeiro* - Pobreza menstrual e pobreza política se igualam

Falou e Disse

Não é só pobreza menstrual, é sobretudo pobreza de espírito, pobreza na condução das políticas públicas.

Nunca se falou tanto em menstruação como na semana que passou. Um assunto ainda hoje considerado tabu e que agora veio à tona com um conceito criado, mas nem muito discutido na sociedade, que é a pobreza menstrual.

Tudo isso porque o presidente da República, na sua grande insensibilidade ante todas as políticas públicas que possam contribuir para melhorar a vida da população pobre, vetou trechos da Lei 14.214/2021, que institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. O veto atingiu os principais pontos da proposta, como a previsão de distribuição gratuita de absorventes higiênicos a estudantes do ensino básico e mulheres em situação de vulnerabilidade e presidiárias.

Não é de se estranhar o veto, se considerarmos as manifestações públicas expressas pelo presidente contra as mulheres, durante sua trajetória política.

Ao longo da história da humanidade, muitas concepções, entendimentos e tabus foram criados sobre a menstruação, que nada mais é do que o final do ciclo reprodutivo da mulher. O sangue jorra quando o útero se prepara  durante todo o mês para abrigar um embrião e, não sendo fecundado, é descartado e chamado de menstruação, também conhecida como regra.

As mulheres passam por esse processo da adolescência até chegar à menopausa. A menstruação tem a duração de três a sete dias, e esse processo pode trazer para as mulheres alguns transtornos orgânicos, causando incômodos como dores, hemorragias, etc.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Afrouxando limites

Folha de S. Paulo

Congresso corrige defeitos da Lei de Improbidade, mas reduz risco para políticos

Prestes a completar três décadas de vigência, a Lei de Improbidade Administrativa ampliou sobremaneira os poderes outorgados ao Ministério Público pela Constituição de 1988 para deter políticos desonestos e maus administradores.

Ela abriu caminho para processar na área cível os que praticassem desvios e criou um instrumento potente para responsabilizar os que escapassem da esfera penal, punindo-os com perda de cargo e direitos políticos e obrigando-os a pagar pelos danos ao erário.

Na quinta (7), após mais de três anos de discussão, o Congresso concluiu a votação de um projeto que modifica vários dispositivos da legislação e submeteu o resultado ao presidente Jair Bolsonaro, para que sancione ou vete a nova lei.

A principal mudança introduzida pelo projeto restringe as punições por improbidade aos casos em que ficar comprovado dolo, ou seja, a intenção de lesar os cofres públicos. Ficam livres de sanções erros dos gestores, ou mesmo demonstrações de negligência.

Poesia | Fernando Pessoa - Como te amo

 

Música | Ana de Hollanda -Acalento (Aldir Blanc Inédito)