quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Merval Pereira - Crise anunciada

O Globo

O ano eleitoral promete ser desastroso para a economia brasileira, a medir pelas decisões populistas que o governo Bolsonaro encomendou ao Ministério da Economia e que o favorito na eleição, o ex-presidente Lula, rebateu para o alto. O novo Auxílio Brasil será de “no mínimo” R$ 400 até dezembro de 2022, garantiu Bolsonaro. Ser mais explícito de que se trata de uma tentativa de compra de votos em troca de auxílio para as camadas mais pobres da população, não é possível. Lula aprovou, disse que o “povo merece”, mas criticou: deveria ser mais, de no mínimo R$ 600.

Quem duvida que a base parlamentar do Centrão se aproximará desse montante, para não dar chance a Lula de se aproveitar do novo Bolsa Família para fazer mais promessas vãs? Não há dinheiro disponível para tamanha bondade que, embora necessária, deveria ter sido planejada desde o início do governo. Não é surpresa para ninguém que o governo Bolsonaro queira sequestrar para si os benefícios de programa social tão bem-sucedido, assim como Lula fez com os programas sociais do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

A junção dos cadastros dos programas sociais coordenados por Ruth Cardoso era o passo natural a ser dado, e a justificativa para tal está no próprio projeto que criou o Bolsa Família, que se refere explicitamente aos programas já em curso que foram reunidos. A questão não é a necessidade de programas desse tipo, nem mesmo sua ampliação para milhões de famílias. O que assusta é como esse projeto está sendo conduzido, sem nenhum planejamento econômico que permita sua fixação em bases sólidas.

Malu Gaspar - A casa da mãe Joana

O Globo

Já não é surpresa para ninguém que a ala política do governo Bolsonaro, vulgo Centrão, pode muito mais que o Ministério da Economia de Paulo Guedes.

Também não é segredo que o presidente da República está ansioso para estancar a queda de popularidade, colocando na praça o mais rápido possível um programa social capaz de pavimentar seu caminho para a reeleição. Mas, até para quem acompanha essa novela, os últimos capítulos foram espantosos.

O governo discute há meses como será o Auxílio Brasil, e a solução é cada vez mais urgente, uma vez que o auxílio emergencial acaba em 31 de outubro, e milhões de famílias ficarão sem proteção.

Mesmo assim, desde o início da semana, a fonte de recursos e o valor a pagar aos beneficiários já mudaram três vezes, e ninguém sabe ainda o que de fato acontecerá aos mais vulneráveis a partir de novembro.

Até segunda-feira, tudo caminhava para que fossem pagos R$ 300 em média por beneficiário, em caráter permanente, usando recursos do Orçamento e sem romper os limites para os gastos públicos estabelecidos pela Constituição.

Naquela mesma noite, porém, talvez pressionado pela iminente divulgação do relatório da CPI da Covid, um nervoso Jair Bolsonaro decidiu mudar tudo. Numa reunião tensa com os ministros políticos e os técnicos da equipe econômica, o presidente concluiu que R$ 300 era pouco. Ele pagaria mais, mesmo que para isso fosse preciso furar o teto de gastos.

William Waack - O prisioneiro da crise fiscal

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro e o Centrão estão brincando de tornar o País ingovernável

Grandes sacudidas políticas no Brasil vieram quase sempre de crises fiscais, e Jair Bolsonaro está se empenhando em aprofundar a atual. As causas dessas crises são amplas e profundas, e no sentido mais geral resultam da apropriação de pedaços do Estado por grupos privados e corporações, que acomodam os mais variados interesses à custa dos cofres públicos.

No caso da atual crise, seu agravamento não vem só do fato de Bolsonaro arriscar as contas públicas apostando na reeleição. Fator relevante foi a entrega de fatias essenciais de poder, como o controle do Orçamento, aos grupos políticos amorfos e até antagônicos apelidados de Centrão. É o que explica em boa parte que os agentes econômicos tenham perdido a confiança na capacidade do Executivo de formular e articular políticas públicas abrangentes, começando pela economia.

A única agenda do Centrão é a defesa de seus interesses regionais ou corporativos (ou tudo junto). Por definição, trata-se de um conjunto de correntes políticas e interesses segmentados incapaz de articular uma pauta ampla. Como Bolsonaro não tem qualquer senso estratégico e se dedica fundamentalmente a agradar a plateias amestradas, não percebeu que o Centrão não é garantia alguma de que ele possa governar (basta lembrar as reformas que nunca andam).

Luiz Carlos Azedo - Bolsonaro subestimou a CPI

Correio Braziliense

Após a conclusão dos trabalhos da CPI da Covid, o melhor que os indiciados terão a fazer, inclusive o presidente Jair Bolsonaro, será providenciar um bom advogado

Parece que ainda não caiu a ficha para Jair Bolsonaro de que o relatório do senador Renan Calheiros (MDB-AL), após ser aprovado pela CPI da Covid, será uma monumental dor de cabeça, não apenas para os demais 65 indiciados pela Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado, que investigou a atuação do seu governo na pandemia da covid-19. Não há outra explicação para as declarações do presi- dente da República, que minimiza as denúncias e desdenha do trabalho realizado pelos senadores.

As consequências políticas do trabalho da CPI já se refletiam nas pesquisas de opinião sobre o governo, mas, agora, foram estampadas nas manchetes dos jornais de todo o mundo. Bolsonaro nunca esteve tão isolado no plano internacional. Outro sinal de seu enfraquecimento político foi o fracasso do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ontem, na votação da emenda constitucional que limitava a autonomia do Ministério Público — não obteve maioria qualificada em plenário e foi derrubada. A reação de procuradores e da opinião pública demonstrou que a ética na política ainda é um valor a ser levado em conta pelo Congresso.

Eugênio Bucci* - Os bilionários vão para o céu

O Estado de S. Paulo

Endinheirados entram na briga interestelar, de olho num mercado que, na próxima década, deve chegar a US$ 1,4 trilhão

O americano Jeff Bezos tem 57 anos, US$ 193 bilhões e uns trocados (como o jornal Washington Post). Fundador e proprietário da Amazon, criou uma outra empresa – isso lá atrás, em 2000 –, à qual vem se dedicando cada vez mais. Essa empresa, chamada Blue Origin, é um empreendimento sideral. Seu objetivo é vender viagens turísticas ao espaço e, ao mesmo tempo, “colonizar” o Sistema Solar. Bezos planeja levar pessoas para a Lua em 2024, num veículo que ainda não foi construído, mas já foi batizado: Blue Moon.

Não se sabe se haverá fundo musical durante o pouso.

Nesse projeto nada acanhado, o verbo “colonizar” chama a atenção. Os anéis de Saturno serão “colonizados”. Em seu site, a Blue Origin afirma que, para proteger seu torrão natal, “a humanidade terá de expandir, explorar, encontrar novas energias e recursos materiais e mover as indústrias que estressam a Terra para o espaço”. Bezos fala em transferir “atividades de produção” para os corpos celestes à nossa volta. Em sua imaginação de futuro, talvez o nosso velho planetinha será um Jardim do Éden preservado, habitado por humanos ricos, cercado de sujeira industrial por todos os lados. Enquanto isso não se materializa, a empresa vai faturando com passeios a preços suportáveis para a massa ir virar cambalhotas longe da gravidade. A Disneylândia do amanhã fica a meio caminho entre os Estados Unidos e a Lua.

Roberto Macedo* - PIB – do V ao símbolo da raiz quadrada

O Estado de S. Paulo

Começarei pelo V. Tenho à minha frente um gráfico que mostra o índice do volume do Produto Interno Bruto (PIB) trimestral desde o trimestre final de 2019, quando o valor desse índice foi de 171,6, com a média de 1995 = 100. Com a chegada da covid-19, no final do primeiro trimestre de 2020, o índice caiu para 167,6. No trimestre seguinte, teve queda mais forte e atingiu 152,6, seu ponto mais baixo no ano, que se tornou o vértice de um V, porque em seguida veio a recuperação, com o índice passando a 164,3 e a 169,4 no terceiro e no quarto trimestres de 2020, respectivamente.

Com isso, o PIB findou o ano só um pouco abaixo do que era no último trimestre de 2019, ou seja, 171,6, conforme apontado acima. No primeiro trimestre de 2021, a recuperação em V se completou com o índice de 171,5, muito próximo do que tinha no final de 2019. Vale repetir: 171,6.

Com números já citados, o crescimento entre o primeiro trimestre de 2021 e o último trimestre de 2019 foi de 1,2%, taxa muito boa para uma variação trimestral, impulsionada, entre outros fatores, pelo desempenho do agronegócio, que é mais forte no primeiro trimestre, marcado pela colheita de safras plantadas no ano anterior, que cresceram. Também pesou um forte aumento de investimentos em capital fixo (fábricas, máquinas e outros), como proporção do PIB, em boa parte decorrente da contabilização, no Brasil, de caríssimas plataformas de exploração de petróleo até então escrituradas no exterior.

Ruy Castro - Aquele que veio para destruir

Folha de S. Paulo

Bolsonaro está avacalhando -perdão, vacas- até o que os seus diletos ditadores construíram

Jair Bolsonaro já está imortalizado como o presidente mais mentiroso do Brasil, mas deve-se admitir que pelo menos uma vez ele falou a verdade —que seu governo viria não “para construir, mas para desconstruir”. Disse isso em março de 2019, num jantar para empresários, políticos e jornalistas em Washington, tendo à sua direita o astrólogo Olavo de Carvalho, que lhe soprava frases. Uma delas, a de que a desconstrução era indispensável porque ele recebera um país rumando para o comunismo. Os gringos não sabiam que Michel Temer, seu antecessor, era comunista.

Bolsonaro tem mais do que cumprido a promessa. Está desconstruindo não só o que herdou dos governos, segundo ele, de esquerda, mas até o que seu dileto regime militar deixou.

Bruno Boghossian - Crime premeditado

Folha de S. Paulo

Presidente apostou em propagação do vírus e defende política oficial até hoje

No dia em que a CPI da Covid apresentou um pedido para punir Jair Bolsonaro por nove crimes, o presidente fez uma espécie de confissão. Num palanque do interior do Ceará, ele defendeu a política oficial do governo, que impulsionou o país além da marca de 600 mil mortos na pandemia. "Fizemos a coisa certa desde o primeiro momento", declarou.

O relatório final da comissão atribui a Bolsonaro responsabilidade direta por parte do morticínio. O presidente investiu contra o distanciamento, desincentivou o uso de máscaras, patrocinou a distribuição de remédios ineficazes e atrasou a compra de vacinas porque apostava na propagação intencional do vírus.

Conrado Hübner Mendes* - Ministério Público precisa ser controlado, não anulado

Folha de S. Paulo

Faltam criatividade e ousadia para reformar o accountability do órgão (e do Judiciário)

Há muito lavajatismo no antilavajatismo. Destoam no alvo. Um quer sanitizar a política pela Justiça, livrá-la do pecado e substituí-la por "testes de integridade". Uma gincana para credenciar pessoas de bem, com Deltan de bedel. O outro quer debilitar a Justiça pela baixa política, desossar meios de investigação, intimidar e varrer vestígios de autonomia.

São movimentos de desinstitucionalização com sinal trocado. De mãos dadas, enfraquecem instituições constitucionais. Sobram mandonismo, personalismo e orçamentos secretos. Arthur Lira e Gilmar Mendes desfilam na Esplanada de mestre-sala e porta-bandeira ao samba do centrão político e magistocrático.

Antilavajatismo, aqui, não se confunde com qualquer crítica à Lava Jato. Refere-se a um tipo de reação à Lava Jato, à moda brasiliense. Lavajatismo também não se confunde com combate à corrupção. Evoca estilo populista, sectário e antijurídico de se forjar luta contra a corrupção via corrupção institucional e agressão a direitos. Ao gosto curitibano.

Imaginam-se em quadrantes opostos, num jogo de soma zero. No universo binário, o crachá de combate à corrupção pertence só ao lavajatista. E "triunfo do Estado de Direito", só ao antilavajatista. Moro e Aras encarnam um e outro. Gilmar, autor dos atos mais lavajatistas e antilavajatistas da história, encarna os dois lados, a depender de quando e para quem. Legalidade à parte.

Maria Hermínia Tavares* - Barrar a barbárie

Folha de S. Paulo

É muito cedo para dar como certa a derrocada de Bolsonaro pelo voto

Os ventos da política parecem soprar contra o governo de Jair Bolsonaro. A economia, sem comando nem rumo, vagueia entre uma pálida recuperação e a imprevista subida dos preços que aflige os mais pobres e corrói a confiança que possam haver depositado no ex-capitão. A deplorável imagem do país no exterior tira o apetite dos potenciais investidores estrangeiros —com repercussões óbvias no estado de ânimo da turma da Faria Lima em face do chefe de Paulo Guedes.

A pandemia vai cedendo na medida do avanço da vacinação, mas os enfermos e os mortos contam-se às centenas de milhares, boa parte deles vítimas da combinação de incompetência, ignorância e ganância que se apossou do Ministério da Saúde. A CPI da Covid-19 contabilizou mais de uma dezena e meia de possíveis crimes de responsabilidade do primeiro mandatário no trato da pandemia.

Maria Cristina Fernandes - Para o legado da CPI ultrapassar 2022

Valor Econômico

É preciso blindar o país contra novas pandemias Não é porque genocida rima com querida que o presidente Jair Bolsonaro cairá ou deixará de cair. Nem se a PEC 5 tivesse sido aprovada ontem na Câmara o procurador-geral da República deixaria de ser omisso na denúncia contra o presidente da República.

Depois do fracasso da frente ampla contra Bolsonaro, o relatório é a principal herança do Congresso para as eleições. Desperdiçá-la é perda de tempo e dinheiro. A CPI deixa um legado eleitoral relevante para 2022 tenha o relatório 10 ou 11 crimes.

De estimativas como a do sanitarista e fundador da Anvisa Gonzalo Vecina colhe-se que 400 mil mortes poderiam ter sido evitadas. O genocídio se sustenta na robustez da tragédia que poderia ter sido evitada, mas divide juristas de todos os matizes e não assegura aceitação da denúncia contra Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional.

A comissão ofereceu um roteiro que facilita a vida dos marqueteiros. Tá tudo ali, das imagens do presidente tirando a máscara de uma criança de colo aos relatos pungentes dos familiares das vítimas, deixadas para o fim, como em toda CPI, para fazer da comoção um motor da aprovação do relatório.

Adriana Fernandes - No Congresso, valor pode subir para R$ 500

O Estado de S. Paulo

Nas redes sociais, Lula desafiou Bolsonaro a subir o benefício para R$ 600; no Congresso, governistas não escondem que vão aumentar valor para R$ 500

Na disputa eleitoral com Jair Bolsonaro, o ex-presidente Lula puxou a fila da corrida para subir o valor do novo programa social do governo, o Auxílio Brasil.

Nas redes sociais, Lula desafiou o presidente a subir o benefício de R$ 400 para R$ 600 e botou mais combustível na briga política e econômica em torno do sucessor do programa Bolsa Família.

"O PT defende um auxílio de R$ 600 desde o ano passado. O povo precisa. Ele tem que dar. Se vai tirar proveito disso, problema dele", escreveu o ex-presidente para dizer que não acha a medida eleitoreira.

Uma estratégia bem calculada para se contrapor ao seu adversário político, reforçar que o que o governo está oferecendo à população de baixa renda é pouco e esticar a corda do presidente Bolsonaro.

A posição do ex-presidente Lula consolida a percepção de que a disputa em torno do valor do Auxílio Brasil não termina depois que o governo apresentar todo o desenho e financiamento para bancar o Auxílio Brasil de R$ 400.

Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli Cardoso* - Inflação: não há mágica

Valor Econômico

É o teto que garante um equilíbrio fiscal sustentável e quando é atacado aumenta a incerteza sobre a inflação

Combater inflação com medidas mágicas, como congelamento de preços, ou medida nenhuma - “é só um choque temporário, vai se dissipar com o tempo” - é uma longa tradição latino-americana. Infelizmente se não se atacar seus fundamentos fiscais, seus mecanismos de propagação e reverter expectativas, a inflação continuará dando um duro choque de realidade para aqueles que acreditam em magia.

A Argentina determinou semana passada o congelamento dos preços, por três meses, de mais de 1.200 produtos. O objetivo seria combater a inflação altíssima que já ultrapassa 50% ao ano naquele país. Temos dúvida se esta é somente uma medida cínica com fins eleitorais ou se há alguma convicção de que ela possa funcionar, mesmo não tendo surtido qualquer efeito prático nas inúmeras vezes em que foi aplicada pelo mundo afora. Neste último caso estaríamos diante de uma espantosa incapacidade de aprender, mesmo para os padrões latino americanos onde erros são repetidos recorrentemente, com certo entusiasmo até.

Em suas primeiras aplicações como política anti-inflacionária, como no Plano Cruzado, o congelamento era como que uma medida milagrosa que por si só iria resolver o problema. Havia uma leitura de que a inflação era quase que só inercial e quebrando esta inércia não haveria mais repasses aos preços e todo um processo auto-alimentado - eu aumento meu preço por que um fornecedor meu aumentou e alguém aumentará o seu por que eu aumentei o meu, e assim por diante - seria interrompido.

Vinicius Torres Freire - O liberal que chutou o pau do teto

Folha de S. Paulo

Governo abandonou aumento do Bolsa Família em 2020; agora, faz mutreta eleitoreira emergencial

Se depender de Jair Bolsonaro e de Paulo Guedes, o teto de gastos já era, como confirmou o ministro da Economia nesta quarta-feira.

Mexer no teto poderia ser boa coisa. No caso, se trata apenas de uma gambiarra para: 1) engordar o Bolsa Família, agora apelidado de “Auxílio Brasil”; 2) reservar dinheiro para emendas parlamentares no valor exigido pelo centrão.

teto é a regra que limita o crescimento da despesa do governo federal, norma inscrita na Constituição em 2016. A despesa de um certo ano pode ser apenas a do ano anterior, reajustada pela inflação (IPCA). Pela Constituição, essa regra poderia ser modificada em 2026.

Guedes disse que o governo quer estourar o teto do Orçamento de 2022 em pelo menos R$ 30 bilhões. Pode tentar fazer a coisa por meio de uma gambiarra simples, uma licença para gastar (“waiver”). Para evitar rolo legal, é preciso inscrever na Constituição esse casuísmo eleitoreiro grosso de Bolsonaro.

A gambiarra com regulador de voltagem, mais chique, implica mudar a regra de reajuste da despesa. A finalidade é a mesma, mas a mumunha ganha ares mais institucionais. Mudar o quê? Guedes é confuso ou não sabe bem o que diz. Falou em “sincronizar” índices de inflação que corrigem as despesas do governo.

Míriam Leitão - CPI atinge o governo, Guedes abre o cofre

O Globo

A CPI presidida pelo senador Omar Aziz fez um trabalho intenso, profundo, técnico e o relator, senador Renan Calheiros, apresentou um relatório implacável contra o presidente Jair Bolsonaro, seu governo e aliados. A lista dos crimes atribuídos a Bolsonaro é grande, as provas coletadas nos depoimentos e nos documentos conseguidos pela comissão são robustas. Se o procurador geral da República, Augusto Aras, fechar os olhos mais uma vez estará prevaricando. É seu dever olhar as denúncias que serão levadas a ele. Já Arthur Lira assumirá definitivamente o papel de cúmplice se nada fizer.

Bolsonaro sabe que o cerco está se fechando. É por isso que o ministro da Economia, Paulo Guedes, rasgou ontem o último pedaço de fantasia: avisou que quer licença para gastar. O governo está usando uma causa séria — o combate à fome — para fazer um vale tudo fiscal. Propõe furar o teto sem cerimônia. O objetivo é lançar uma boia para o presidente, porque ele está afundando. O ministro da Economia costumava acusar os outros de serem fura-teto. Agora, a quem acusará? Quer um governo popular, diz Guedes. Esse não é um governo popular e essa é a forma mais rápida de realimentar a inflação, como deveria saber o economista.

Algumas acusações a Bolsonaro são de fácil comprovação. O crime de epidemia com resultado morte, previsto no artigo 267 do Código Penal foi praticado à luz do dia, repetidamente. Bolsonaro trabalhou para espalhar o vírus e o fez para que o país atingisse a suposta imunidade de rebanho. Numa coluna publicada em 30 de janeiro, eu noticiei que um grupo de procuradores aposentados havia encaminhado uma representação a Augusto Aras acusando o presidente exatamente de crime de epidemia. Aras mandou arquivar. Mas agora é a CPI e o procurador geral terá mais dificuldade para pôr na gaveta.

Luiz Gonzaga Belluzzo - Os patronos de Paulo Guedes

CartaCapital, 20/10/2021

O ministro da Economia repete, de forma canhestra, a cantilena de Milton Friedman e Friederich Hayek, defensores do liberal-autoritarismo

CartaCapital abre suas páginas para abrigar as façanhas do ministro da Economia, Paulo Guedes. Decisão tempestiva e apropriada dos editores da revista em um momento de desencontros entre as declarações do ministro e o desempenho da economia.

O chorrilho de manifestações desencontradas começou cedo. Nos idos de 2019, o ministro Guedes mostrou os dentes escovados com a pasta do liberal-autoritarismo brasileiro: “Não se assustem se alguém pedir o AI-5 contra os protestos”. Esse apelo ao Ato Institucional que abriu as portas para o período mais cruel da ditadura brasileira recebeu a adesão dos filhotes do presidente Bolsonaro, aqueles rapazes que também advogaram a convocação de um cabo e um soldado para “fechar o STF”.

A democracia, para esta turma, atrapalha a liberdade dos mercados e deve ser limitada

Em fevereiro de 2020, Guedes aprimorou suas idiossincráticas declarações ao invocar o comportamento, em sua opinião inconveniente, das empregadas domésticas. Ao discursar em um evento em Brasília, o ministro celebrou a ­caminhada da taxa de câmbio para a casa dos 5 reais por dólar. Em seus peculiares sestros verbais, sapecou: “O câmbio não está nervoso, o câmbio mudou. Não tem negócio de câmbio a 1,80. Todo mundo indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para a Disneylândia, uma festa danada. Pera aí. Vai passear ali em Foz do Iguaçu, vai passear ali no Nordeste, está cheio de praia bonita. Vai para Cachoeiro de Itapemirim, vai conhecer onde o Roberto Carlos nasceu, vai passear no Brasil, vai conhecer o Brasil. Está cheio de coisa bonita para ver”.

Cristovam Buarque* - Estamos em Decadência

Correio Braziliense, 19/10/2021

Pela primeira vez na nossa história, o Brasil apresenta sinais de que sua crise é parte de uma decadência, que vai exigir anos, talvez décadas, para ser superada, recuperando o rumo do desenvolvimento civilizatório. Ainda no início dos anos 1990, o livro “O Colapso da Modernidade Brasileira” já alertava que o progresso brasileiro seria interrompido em decorrência da falta de cuidado com a desigualdade social, com os desequilíbrios fiscal e ecológico, com a baixa qualidade da educação, a tolerância com a corrupção e a ineficiência, o desprezo com a ciência e a tecnologia.

O atual debate político, prisioneiro do confronto em 2022, exclui a ideia de que Jair Bolsonaro é um fenômeno trágico e brutal, mas passageiro, e que, ao se abraçarem a ele, seus opositores ignoram a dimensão da tragédia histórica que o Brasil atravessa há anos. O momento atual é visto como uma crise, consequência do Bolsonaro quando, na realidade, ele é um indicador da nossa decadência.

A ânsia de emigração também é um indicador de decadência. Não se trata de saída por períodos curtos, para estudar, fugir de repressão, de guerra civil, como ocorre em outros países. As pessoas estão emigrando para fugir da violência, da incerteza, da falta de perspectiva de bem-estar e da ausência de desafio para construir uma nação; elas abandonam o Brasil por falta de esperança. A emigraçāo é facilitada pela globalização que permite manter os laços familiares e culturais, mesmo vivendo no exterior. O emigrado troca a vida angustiante e sem perspectiva no Brasil por uma vida segura no exterior, conversando com som e imagem com as pessoas que deixou no Brasil, assistindo ao futebol, às novelas e ao noticiário da televisão brasileira.

Luiz Carlos Azedo - A mão que afaga…

Correio Braziliense, 20/10/2021

 “Há muitas controvérsias entre os economistas quanto ao teto de gastos, o que é música para Bolsonaro e os políticos, tanto os do Centrão como os de oposição”

A reação do mercado financeiro à notícia de que o presidente Jair Bolsonaro anunciaria o valor de R$ 400 mensais para o chamado Auxílio Brasil, programa de transferência de renda com o qual o governo federal pretende substituir o Bolsa Família, a marca social do governo Lula, foi a pior possível. O Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, despencou 3,28%, a maior queda desde 8 de setembro, e o dólar comercial subiu 1,33%, fechando a R$ 5,594 na venda, maior alta diária em duas semanas.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, teria jogado a toalha em relação ao teto de gastos, ao aceitar o valor de R$400, na reunião com o presidente Bolsonaro e os ministros da ala política do governo: Ciro Nogueira (Casa Civil), Flávia Arruda (Secretaria de Governo) e Fábio Farias (Comunicações), ocorrida na segunda-feira à noite. São R$ 100 a mais do que a equipe econômica propunha.

Em meio a boatos de que a equipe econômica teria implodido, o presidente da República resolveu suspender o ato de lançamento do novo programa, com os convidados no salão do Palácio do Planalto. Simultaneamente, emissários de Guedes negociavam uma solução salomônica para o problema com o presidente da Câmara, Artur Lira (PP-AL): a inclusão de parte dos recursos destinados ao Auxílio Brasil na chamada PEC dos Precatórios, cujo relatório seria apresentado hoje.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Populismo à custa dos pobres

O Estado de S. Paulo

Tentativas de flexibilizar teto de gastos tornaram-se rotineiras sob Bolsonaro

Os pobres pagarão a conta – e será pesada – se o presidente Bolsonaro levar adiante sua nova jogada populista, agravar a crise fiscal e produzir mais inflação. Bandeira de sua campanha eleitoral permanente, o programa Auxílio Brasil, versão turbinada do Bolsa Família, é mais um risco para a saúde já muito precária das finanças oficiais. Sem cuidar de como cobrir os gastos e de como conter a dívida pública, ele determinou a elevação da ajuda para R$ 400 e sua extensão a mais beneficiários. Desses R$ 400, R$ 100 deverão ficar fora das normas fiscais. O resultado será mais uma violação do teto de gastos, disfarçada, se possível, por mais uma exceção à regra constitucional.

Os gastos sociais seriam financiáveis se fossem cortadas outras despesas, como as escandalosas emendas parlamentares abençoadas pelo presidente, mas nenhuma solução desse tipo foi decidida. Numa longa reunião, a equipe econômica mostrou os efeitos do aumento improvisado e voluntarista do Bolsa Família. “Eu assumo os riscos”, disse o presidente, segundo apurou o Estado.

O presidente chegou a adiar o anúncio do novo programa diante da resistência na equipe econômica, mas afinal o programa foi anunciado ontem, com os problemas de sempre. Para o relator do Auxílio Brasil na Câmara, deputado Marcelo Aro (PP-MG), Bolsonaro “não está dando um presente, ele está emprestando até ganhar a eleição”. O ministro da Cidadania, João Roma, prometeu um programa com responsabilidade fiscal, mas faltou explicar como se ajustará o Orçamento.

Bolsonaro sempre agiu como se a Presidência fosse apenas sinônimo de poder de mando, sem vinculação com a ideia de administração e de responsabilidade fiscal – e sempre que o mercado se dá conta disso, como quando ficou claro o espírito demagógico do novo auxílio, a Bolsa despenca e o dólar sobe.

Ações em queda, dólar em alta e custos maiores para o Tesouro têm refletido a insegurança do mercado quanto à evolução das contas oficiais e, especialmente, da dívida pública. Essa dívida, na vizinhança de 90% do PIB, é bem maior que a média, pouco superior a 60%, encontrada nas economias emergentes e de renda média.

Poesia | Antonio Machado - Tenho andado muitos caminhos

Tenho andado muitos caminhos
tenho aberto muitas veredas;
tenho navegado em cem mares
e atracado em cem ribeiras

Em todas partes tenho visto
caravanas de tristeza
orgulhosos e melancólicos
borrachos de sombra negra.

E pedantes ao pano
que olham, calam e pensam
que sabem, porque não bebem
o vinho das tabernas

Má gente que caminha
e vai empestando a terra...

E em todas partes tenho visto
pessoas que dançam ou jogam,
quando podem, e lavoram
seus quatro palmos de terra.

Nunca, se chegam a um lugar
perguntam a onde chegam.
Quando caminham, cavalgam
lombos de mula velha.

E não conhecem a pressa
nem mesmo nos dias de festa.
Onde há vinho, bebem vinho,
onde não há vinho, água fresca.