terça-feira, 2 de novembro de 2021

Merval Pereira - Seleção natural

O Globo

A tese de que o eleitor fará a seleção natural para escolher quem será capaz de derrotar Bolsonaro e Lula no ano que vem tem mais credibilidade para esta eleição do que em 2018, quando a maioria queria mesmo era impedir que o petismo voltasse ao poder. Hoje, a maioria quer que apareça algum candidato capaz de derrotar o presente infame e o passado recente que não quer ter de volta.

Bolsonaro surgiu do nada para derrotar o candidato petista Fernando Haddad porque, naquela ocasião, o eleitorado votou com sangue nos olhos. O PT inaugurou a política do “nós contra eles”, sem se dar conta de que “eles” tinham a maioria depois que o predomínio petista foi sendo corroído pelas acusações de corrupção, do mensalão ao petrolão. Não que os extremistas de direita sejam, ou fossem naquela ocasião, a maioria do eleitorado, mas porque Bolsonaro surgiu como uma novidade que não era, mas parecia ser, pela linguagem desabrida, pela suposta coragem de encarar os poderosos, de ir contra “o sistema”.

A maioria não percebeu, apesar das demonstrações públicas de que era misógino, racista, miliciano, fariseu, que Bolsonaro era a face mais obscura do próprio sistema, um falso Messias. Hoje, é diferente. Já se sabe o que é ser um Bolsonaro, e, mesmo entre os que o apoiam ainda, a maioria está à espera de um(a) candidato(a) que seja capaz de derrotar não apenas o farsante que nos governa, como o que quer voltar para repetir os mesmos erros, com as mesmas pessoas.

Míriam Leitão - Governo diminui um país gigante

O Globo

O Brasil empatou com o passado. É assim que Márcio Astrini, coordenador do Observatório do Clima, explica a mudança anunciada ontem, em Glasgow, das metas brasileiras. “Esse empate vem depois de um ano de enorme prejuízo para a imagem do Brasil”, diz. O Brasil havia dado uma pedalada climática, e agora, ao subir de 43% para 50% a redução das emissões em 2030, em relação a 2005, o país atinge o mesmo efeito líquido. Na verdade, não elevou as metas, fingiu aumentar as ambições, para voltar ao que se comprometeu quando assinou o Acordo de Paris.

— O Brasil é o único país entre os grandes emissores que havia retrocedido em suas metas climáticas e por isso estava sendo enormemente criticado — diz Astrini.

O Brasil é o quinto maior emissor de gases de efeito estufa, atrás da China, Estados Unidos, Índia e Rússia. Se considerar a União Europeia como um país, é o sexto, informa o coordenador do MapBiomas, Tasso Azevedo. E ele concorda com Astrini. O que aconteceu ontem foi um não evento.

— Sobre a nova meta, o governo brasileiro tirou o bode da sala. Com a meta de 50% sobre a emissão de 2005, com números do quarto inventário, o resultado é o mesmo: o Brasil vai reduzir para 1,2 bilhão de tonelada de carbono. E tem mais, em 2015, quando se fez a meta, o Brasil já havia reduzido em 40% as emissões de 2005. Só que de 2016 para cá o país só fez crescer as emissões e em 2020 aumentou 4,6% sobre 2015. Estamos na trajetória errada — disse Tasso Azevedo.

Zuenir Ventura - No papel de penetra

O Globo

A imagem que simboliza o isolamento do Brasil na cúpula do G20 está no vídeo em que Jair Bolsonaro aparece perambulando pelo amplo salão onde os principais líderes confraternizavam em vários grupos. Completamente deslocado, ele parece um penetra. Só se sente mais à vontade quando se refugia no bar e passa a puxar conversa com os garçons por meio do intérprete.

Em seguida, fica em pé e, apontando com o dedo os grupos, parece perguntar quem é quem. Estão ali alguns conhecidos, como Boris Johnson. Mas nenhuma das lideranças se dignou a dirigir-lhe sequer um cumprimento. A cena é patética.

Bolsonaro deve agradecer a quem teve a ideia de arranjar-lhe um de seus raros interlocutores, este sob medida: o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, considerado pela organização Repórteres sem Fronteira “o inimigo número um da liberdade de imprensa”. Os dois têm, portanto, muita afinidade.

Carlos Andreazza - Finados

O Globo

Ao passar a Presidência para (o de súbito pacificado) Hamilton Mourão (qual será o acordo?), Jair Bolsonaro falou em folga. É como o chefe de Estado brasileiro — um destruidor infeliz, agente dilapidador que não gosta de trabalhar, despreza a República e a democracia representativa — compreende uma viagem oficial: folga. Escape. Talvez mesmo liberdade.

Liberdade para — segundo a compreensão bolsonarista de direito individual — forjar inimigos artificiais, difundir conspirações, apregoar desconfianças, investir contra a estabilidade institucional e — por que não? — distribuir pancadas.

Garanto que se divertiu em Roma; especialmente ao ver seus cachorros mordendo jornalistas. Ele não precisaria ter ordenado a caçada para haver ordenado a caçada. Apito soprado faz tempo; e todos os dias. A palavra de um presidente, tanto mais a de um líder personalista que se mitifica, resulta. São anos de pregação até um arranjo autoritário em que jornalistas tenham de agradecer quando apenas intimidados.

Não nos enganemos: aquilo — o que se viu na blitz da milícia de Bolsonaro contra a imprensa — é biscoito para a base social extremista há semanas chateada com o presidente cujas barbaridades restringiram-se, reduziram-se, à desqualificação de vacinas. Como!? Somente isso!?

Não nos enganemos: o assalto contra jornalistas foi o gozo entre bolsonaristas. Desqualificar vacinas já é pouco. A turma quer — acostumou-se com — mais. Quer conflito. E aqui convém projetar, com bastante segurança, o que será o ano eleitoral a vir: uma campanha violenta, materialmente violenta, de riscos sem precedente, e não apenas para profissionais de imprensa, em que as pessoas — como gangues — sairão no braço. Briga de rua, sob o espectro da forra pela facada.

Luiz Carlos Azedo - O luto dos outros

Correio Braziliense

As vítimas da covid-19 foram sepultadas em caixões lacrados, sem que amigos e familiares pudessem ver, pela última vez, o rosto de seus entes queridos

Na crônica A morte dos outros, publicada no livro Alta ajuda (Foz Editora), o filósofo e professor Francisco Bosco — filho do cantor e compositor João Bosco — afirma que se uma divindade lhe desse a chance de fazer um único pedido, não seria um pedido para a vida, mas para a morte. “Eu escolheria como morrer, aliás, como não morrer: eu pediria que, entre as infinitas formas possíveis de encontrar a morte, eu fosse poupado unicamente de ser buscado por ela em um acidente de avião.”

Segundo ele, todos sabemos que vamos morrer, mas o que torna suportável a nossa finitude é ela ser indeterminada, porque não sabemos quando vamos morrer e, por isso, essa é uma verdade encoberta, como uma doença indolor. Por isso, é tão aterrorizante ser desenganado por uma doença incurável e saber que os nossos dias estão contados. Entretanto, Bosco não tem medo do perigo, da morte no mar ou mesmo num voo de asa delta, já levou até um tiro durante um assalto, mas não quer morrer num acidente aéreo:

Moro chega ao Brasil para trabalhar pré-candidatura

Ex-ministro quer pacto com os candidatos da terceira via

Por Isadora Peron e Marcelo Ribeiro / Valor Econômico

BRASÍLIA - Lideranças do Podemos começaram a preparar a pré-candidatura de Sergio Moro à Presidência da República. O mais provável é que o lançamento ocorra no dia 10 de novembro, quando está marcada uma cerimônia em Brasília para filiar o ex-juiz da Lava-Jato à sigla. Antes tratada com parcimônia, a disposição do ex-ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro de entrar na disputa e encarnar o papel da terceira via passou a ser abordada de maneira direta por integrantes da legenda.

Moro desembarca no Brasil hoje, depois de uma temporada nos Estados Unidos, com o objetivo de colocar de pé a sua candidatura ao Palácio do Planalto. Isso, no entanto, não será feito a qualquer custo. Como ainda falta algum tempo até a eleição, a ideia do ex-ministro é fazer um “pacto” com os demais candidatos da terceira via.

Esse acordo passaria até mesmo pela possibilidade de ele abrir mão da cabeça de chapa com o objetivo de fortalecer o nome que tivesse mais chance de quebrar a polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Moro tem conversado sobre o assunto com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que deve se filiar ao novo União Brasil.

Também do Paraná, o senador Oriovisto Guimarães (Podemos) tem sido um dos principais interlocutores do ex-ministro. Segundo ele, Moro tem mantido contado com diferentes atores, inclusive da área econômica. O parlamentar evita falar sobre o perfil do vice da futura chapa - e diz que isso, além de ser uma escolha do candidato, só será definido mais para frente. Outros aliados de Moro, no entanto, ponderam que o ideal seria um nome da política tradicional, para quebrar a resistência que o segmento tem do ex-juiz da Lava-Jato.

PSD arma palanque presidencial para Pacheco em dezessete Estados


Presidente do Senado já foi lembrado como possível vice de Bolsonaro e também é citado como opção para Lula

Por Andrea Jubé / Valor Econômico

BRASÍLIA - Já foi deflagrada a montagem de palanques competitivos nos Estados vinculados a uma possível candidatura presidencial de Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, que trocou na quarta-feira o DEM pelo PSD. Será dada prioridade aos maiores colégios eleitorais, como Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. O projeto paulista, entretanto, aguarda a resposta do convite feito ao ex-governador Geraldo Alckmin para ingressar no PSD - ele ameaça deixar o PSDB após as prévias do partido marcadas para o fim do mês. Mas o partido abriga puxadores de votos em quase todos os Estados.

“Não se faz política sem porto”, ressalta o deputado André de Paula, segundo vice-presidente da Câmara, ao relembrar um dos ensinamentos do ex-vice-presidente Marco Maciel, morto em junho. O parlamentar, que é presidente do diretório do PSD de Pernambuco e uma das principais lideranças da sigla no Nordeste, reconhece que Pacheco enfrentará o favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na região.

No entanto, André de Paula explica que, em cada “porto” onde Pacheco desembarcar, contará com uma liderança expressiva do PSD para recepcioná-lo no aeroporto, levá-lo para uma rádio local para dar entrevista, conduzi-lo a um auditório onde ele poderá discursar para 2 mil ou 3 mil pessoas e depois acompanhá-lo em um almoço na casa de uma autoridade, com prefeitos e demais aliados regionais.

“No Nordeste, pode ser que Rodrigo [Pacheco] não tenha hegemonia, mas ele com certeza terá porto”, afirma. André de Paula será o “porto” de Pacheco em Pernambuco, onde o PSD integra a frente ampla de apoio ao governador Paulo Câmara e ao prefeito de Recife, João Campos, ambos do PSB. Ele é cotado para concorrer ao Senado na chapa que deverá ser encabeçada pelo ex-prefeito de Recife Geraldo Júlio (PSB).

Planalto teme que Pacheco candidato amplie entraves para o governo no Senado

Auxiliares avaliam que senador, cotado para a chamada terceira via de 2022, pode tentar impulsionar agenda própria na Casa

Marianna Holanda, Ricardo Della Colleta / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A filiação ao PSD do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), e as especulações sobre sua intenção de disputar as eleições presidenciais de 2022 acenderam um alerta no Palácio do Planalto em relação a possíveis impactos na pauta governista no Congresso Nacional.

Interlocutores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) temem que o senador adote cada vez mais uma postura de candidato e que, consequentemente, projetos importantes para o governo fiquem prejudicados na Casa. Hoje, o Senado é o maior obstáculo da articulação política do governo.

Pacheco se filiou ao PSD em 27 de outubro, movendo mais uma peça no xadrez eleitoral de 2022 para se tornar um eventual adversário do presidente. A cerimônia, com toda a pompa de "terceira via" e críticas do senador à polarização Lula x Bolsonaro, chamou a atenção de interlocutores do presidente.

"Estamos cansados de viver em meio a tanta incerteza, a tanta incompreensão e intolerância. Uma sociedade dividida, em que cada um não admite o contrário e não aceita a existência do outro, nunca irá chegar a lugar algum", afirmou o senador, no ato de sua filiação.

Joel Pinheiro da Fonseca - O radicalismo gera seu contrário

Folha de S. Paulo

É uma saída fácil fechar a discussão dizendo que o jogador está arcando com as consequências de suas palavras

O enredo já é comum. Dessa vez foi com o jogador de vôlei Maurício Souza. Ele fez um post homofóbico em sua rede social. Não continha injúria direta a ninguém nem ameaça nem incitação a qualquer violência; mas basicamente dava a entender que a representação de um beijo gay numa história em quadrinhos traria consigo perigosas consequências sociais. Era, enfim, preconceituoso, e não há por que defendê-lo.

O post gerou indignação. A indignação, comoção popular nas redes exigindo a demissão do jogador. Inicialmente, ele tentou contornar a situação com um tímido (e, ao que tudo indica, insincero) pedido de desculpas. Mas a pressão social chegou às empresas patrocinadoras do Minas Tênis Clube, que ameaçaram retirar o patrocínio caso o jogador continuasse na equipe. Ele foi, enfim, demitido. E aqui estamos nós de novo discutindo o "cancelamento".

Hélio Schwartsman - Direito e moral

Folha de S. Paulo

STF vai na contramão do Iluminismo ao tornar injúria racial delito imprescritível

Um passo decisivo para a humanidade foi separar o direito penal da moral. O primeiro é uma instituição humana desenhada para inibir condutas antissociais. Apela principalmente à razão e ao cálculo. Não é coincidência que os códigos assumam a forma de tabela de preços: delito x – y anos de cadeia. A moral é mais visceral. Ela surge dos impulsos com que a biologia nos dotou para que pudéssemos sobreviver a nós mesmos. Ela se materializa na repulsa ao assassino, na vontade de castigar aqueles que vemos tentando obter vantagens indevidas etc.

O divórcio entre direito e moral se deu a partir do século 18, sob inspiração do Iluminismo. Ele possibilitou conter comportamentos que prejudicam a sociedade nos valendo de doses cada vez menores de violência estatal. Para início de conversa, deixamos de punir práticas que, embora alguns julguem imorais, não ameaçam o convívio social, como a blasfêmia e o sexo extramarital.

Cristina Serra - O fim do Bolsa Família

Folha de S. Paulo

O Brasil de Bolsonaro nos faz retornar a um tempo de brutalidade e indiferença

Nos anos 1970, o economista Edmar Bacha cunhou o termo "Belíndia", que passou a ser usado como sinônimo do abismo entre dois "brasis": a Bélgica dos mais ricos e a Índia dos miseráveis. Em 2009, Bacha disse em entrevista que o conceito não era mais adequado. Em resumo, argumentou que a desigualdade ainda era forte, mas que o crescimento econômico, com aumento de renda e programas sociais, havia melhorado muito a parte "Índia" do Brasil.

Eliane Cantanhêde - Bolsonaro, um peixe fora d’água na ida à Europa

O Estado de S. Paulo

A viagem do presidente Jair Bolsonaro à Europa, fugindo da COP-26, na Escócia, e passando vexame na cúpula do G-20, na Itália, é de deixar qualquer brasileiro morto de vergonha, pela forma e pelo conteúdo. E Bolsonaro volta com o carimbo de “incapaz” que lhe atribuiu o Financial Times, ícone do liberalismo mundial.

As imagens do presidente brasileiro dizem tudo: isolado num banco no G-20, papeando com garçons por falta de interlocutores entre os líderes, falando absurdos para um Recep Erdogan mudo e perplexo e, ainda, dando aquela gargalhada falsa que o filho Flávio imitou no fim da CPI da Covid. Ele mente, ele gargalha, é um peixe fora d’água.

Mais: depois de Bolsonaro dizer ao turco Erdogan que seus problemas se resumem à Petrobras e à imprensa, os seguranças partiram para cima dos jornalistas que cobriam a viagem. Uma baixaria, em frente à bela embaixada do Brasil em Roma. E, ontem, a polícia italiana reprimiu duramente o “Fora Bolsonaro” no norte do país.

O G-20 abriga as 20 maiores economias e, por pressuposto, seus 20 chefes de Estado ou de governo, mas só aparecem 17 na foto final, na Fontana de Trevi. Bolsonaro, que saíra antes da reunião oficial, durante a fala do príncipe Charles, foi uma das três ausências também ali. Ora bolas, já tinha feito aquele passeio de véspera...

Ruy Altenfelder* - A Constituição Cidadã

O Estado de S. Paulo

O princípio da ‘moralidade’, que a Lei Maior determina que a administração pública tem de obedecer, tem como corolário o comportamento ético

No dia 5 de outubro de 1988, tive o privilégio de ser convidado e de assistir, no Congresso Nacional, à sessão de promulgação da atual Constituição da República Federativa do Brasil.

O saudoso dr. Ulysses Guimarães, ao levantar com as duas mãos acima de sua cabeça o novo texto constitucional, com voz forte e emocionada declarou: “Declaro promulgada. O documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social do Brasil. Que Deus nos ajude para que isso se cumpra”.

Trinta e três anos depois, a “Constituição Cidadã” já sofreu mais de uma centena de emendas. Mas segue viva, defensora da soberania, da independência e da liberdade. Somos guardiões da Constituição. A maior crítica aos legisladores foi não ter revisto a Constituição no quinto ano de sua promulgação, como determinava a Carta Constitucional de 1988. Nenhuma providência foi tomada pelos legisladores em 1993, o que foi lamentável.

Paulo Hartung - É vital superar a convulsão climática

O Estado de S. Paulo

O Brasil tem exemplos concretos de que trilhar uma nova economia, responsável e escalável, é possível

Ao longo dos últimos séculos, a humanidade contratou um futuro nebuloso na agenda da sustentabilidade. E cabe ao presente reverter a tendência de desfecho desastroso, incluindo a imperativa concertação com vistas a uma nova civilização verde. O aquecimento global e as mudanças do clima se transformaram em emergência climática. Se falávamos em mitigação, diante de danos irreversíveis, agora já devemos cuidar de adaptação, conforme último relatório do IPCC.

Não seria exagero afirmar que o planeta se aproxima de momento dramático. A solução para evitarmos ponto sem retorno depende da viabilização de acordo em escala mundial, que sirva de ponte para ações estruturantes devotadas a uma efetiva virada verde em escala global.

A primeira seção da COP15 da Biodiversidade, ocorrida em outubro, de maneira híbrida, mas a partir da China, constatou que nenhuma das 20 metas de Aichi foi plenamente atingida. Desses debates iniciais, em processo a ser concluído em 2022, foi elaborada a Declaração de Kunming. Assinado por mais de 100 países, o documento exige atitudes urgentes e conjuntas para que a biodiversidade esteja inserida no planejamento de todos os segmentos da economia mundial.

Mirtes Cordeiro* - Escolas públicas… por que não seguimos os nossos pensadores?

 

“…de fato o Brasil é um país que nunca deu importância à educação”. (Cristovam Buarque)

As escolas públicas estão ressurgindo, saindo de uma longa jornada de isolamento em que alunos e professores se afastaram por imposição do vírus para uma grande reflexão sobre seu rumo.

O afastamento forçado foi uma oportunidade – dentro da adversidade – propícia para que gestores e professores observassem com mais precisão as lacunas, há muito tempo apontadas no ensino básico, e que tem levado a tão pífios resultados: baixos resultados na aprendizagem dos alunos; baixa permanência na sala de aula; violência na escola e pouca integração com as comunidades.

As nossas escolas públicas há mais de cem anos, desde o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, padecem das mesmas dificuldades, ressalvadas algumas medidas paliativas. Os professores nunca foram valorizados. Segundo José Geraldo Santana, em seu artigo A Histórica desvalorização dos Professores, as emblemáticas palavras de D. Pedro II nunca encontraram eco suficiente na sociedade brasileira. Disse D. Pedro II: “Se eu não fosse imperador, desejaria ser professor. Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências jovens e preparar os homens do futuro”.

A elite brasileira nunca se preocupou com a educação como fonte do conhecimento. A preocupação, na verdade, é com o caráter utilitário do ensino universitário para extrair mais-valia e ganhar sempre mais dinheiro.

“Não é de assustar, portanto, que os professores sofram de síndrome do desencanto e que haja constante migração para outras atividades e seja pequeno o percentual dos ingressos, no ensino superior, que queiram dedicar-se ao magistério”, acrescenta Geraldo.

Numa crítica ao período republicano instalado há 43 anos (Proclamação da República/1889), o Manifesto dos Pioneiros apresentado à sociedade brasileira e ao governo Getúlio Vargas, em 1932, expressava a preocupação com a dicotomia existente entre o pensamento econômico e a organização da educação no país.

 “Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional. Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade.” (Texto do Manifesto)

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

A perigosa permanência do lavajatismo

O Estado de S. Paulo

A Lava Jato chegou ao fim, mas o espírito lavajatista ainda existe. Para combater a corrupção, seria permitido e autorizado usar todos os meios disponíveis, inclusive os ilegais

A Lava Jato chegou ao fim, mas seu espírito permanece. Para combater a corrupção, seria permitido usar todos os meios, inclusive os ilegais.

Toda operação de investigação deve ter início, meio e fim. Em vez de efetividade, a eventual perpetuidade de uma operação revelaria sua ineficiência. O fim da Lava Jato não é, portanto, nenhum problema. Na verdade, depois de sete anos, com 80 fases realizadas, era passada a hora de a famosa operação acabar. Por óbvio, terminou a Lava Jato, mas isso não significa que o Estado passe a ser omisso na investigação de malfeitos e suspeitas de crime. Basta ver o que a CPI da Covid descobriu em relação a negociações de vacinas no entorno do Ministério da Saúde. Não pode haver impunidade.

A Lava Jato chegou ao fim, mas – eis ponto que merece ser destacado – continua existindo o que se pode chamar de espírito lavajatista. Segue viva uma específica mentalidade que vai muito além do princípio republicano de que todos são iguais perante a lei e, portanto, todos devem responder à luz da lei por seus atos. Partindo de uma ideia bastante discutível (com bons argumentos de apoio e outros de refutação) – a de que a corrupção seria o grande problema do País, causa e estímulo de todas as mazelas da vida nacional –, essa visão pretende justificar uma conclusão inteiramente antirrepublicana: a de que, para combater a corrupção, seria permitido e autorizado utilizar todos os meios disponíveis, também os ilegais.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Amar

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal,
senão rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e
uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.