domingo, 7 de novembro de 2021

Sergio Fausto* - Por um patriotismo democrático

O Estado de S. Paulo

Patriotas são aqueles dispostos a colocar seus tijolos na nunca terminada construção de uma casa comum que seja de todos

Bolsonaro se crê um patriota. O engano é evidente. O atual presidente não revela traço algum de quem ama o seu país. O desprezo pela vida dos brasileiros, demonstrado na pandemia, e o descaso com o meio ambiente, em geral, e a Amazônia, em particular, falam por si. Bolsonaro não conhece nem tem apreço pela cultura brasileira, na sua imensa riqueza e diversidade. Se dependesse dele, a natureza e a cultura, que dão corpo e alma a este país, não resistiriam. E nossa história ficaria aprisionada nos chavões de um autoritarismo primitivo.

E, apesar de tudo isso, o bolsonarismo tenta se apoderar de símbolos nacionais, como o hino, a bandeira e a camisa da seleção brasileira. Patriotismo excludente, movido a ódio, exterminador do futuro.

Nações são comunidades imaginadas, na definição de Benedict Anderson, autor de um livro clássico sobre as origens dos Estados nacionais e a difusão do nacionalismo. Existem não como um dado da geografia física, mas como construções políticas e culturais, pelo fazer, o falar, o atuar e o escrever constantes de muitos que compartem uma língua e vínculos concretos e simbólicos com um território delimitado e um passado em comum, vivendo sob as mesmas leis. Para subsistirem, as nações precisam ser periodicamente reimaginadas para projetar um destino em comum, melhor para todos.

Os mitos da nacionalidade brasileira – a democracia racial, o gigante pela própria natureza, o país do futuro, etc. – estão em mau estado. Não resistiram ao embate com a realidade de um país que, em 200 anos, resolveu bem suas questões de fronteira, ocupou seu território, se urbanizou e industrializou, tornou-se uma grande economia, mas não conseguiu entregar à grande massa de sua população condições aceitáveis de vida e um terreno firme e plano para o exercício da cidadania.

Merval Pereira - A hora do Supremo

O Globo

A decisão liminar da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender as chamadas emendas do relator liberadas pela presidência da Câmara nos momentos que antecederam a votação da proposta de emenda constitucional (PEC) que parcela o pagamento dos precatórios indica que o processo vicioso que levou à sua aprovação pode ser interrompido em uma segunda etapa da batalha jurídica, desta vez para suspender a votação do segundo turno marcada para terça-feira.

Só é possível aprovar uma PEC em segundo turno se ela tiver sido aprovada validamente no primeiro, o que não aconteceu na visão de vários deputados, que entraram com ações no Supremo para barrar a segunda votação. Este é o momento do controle prévio do Supremo sobre a constitucionalidade dos procedimentos, não sobre o mérito do caso, e é essa a base do mandado de segurança do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, impetrado ontem pelo escritório do constitucionalista Gustavo Binemboin.

A partir do momento em que a maneira imperial com que o deputado Artur Lira conduz os trabalhos na Câmara afronta a Constituição, é a hora de o Supremo intervir.  Dois problemas estão sendo questionados no mandado de segurança do ex-presidente da Câmara: para ganhar os votos de deputados da oposição, o presidente da Câmara, deputado Artur Lira fez uma barganha, tirando do bolso do colete uma emenda aglutinativa na PEC, contemplando o pagamento dos precatórios relativos ao Fundef, em três anos. Só que essa norma nunca existiu na PEC.

Míriam Leitão - Orçamento secreto no centro do palco

O Globo

Nesta semana haverá uma luta da democracia brasileira contra um perigoso ponto de erosão. O STF vai julgar a ação contra as emendas de relator, origem do orçamento secreto, para confirmar ou não o voto da ministra Rosa Weber, que mandou suspender esse mecanismo obscuro de distribuição de dinheiro público recriado no governo Bolsonaro. Por outro lado, o presidente Arthur Lira (PP-AL) está convocando os deputados para estarem segunda-feira em Brasília para na terça votarem o segundo turno da PEC dos precatórios. O combustível que a faz andar é a oferta de distribuição dessas emendas.

Na hora do voto, alguns partidos que ajudaram a aprová-la em primeiro turno vão definir o seu destino. O PSDB terá que enterrar a própria história se quiser manter o voto a favor dessa PEC. Ela dá calote, amplia despesas e fura o teto. O partido é o pai da responsabilidade fiscal, cujas bases criou no governo Fernando Henrique. O PMDB terá que derrubar o teto que aprovou no governo Michel Temer. O PSB e o PDT terão que assumir serem cúmplices do bolsonarismo, porque entregarão a um governo destrutivo R$ 100 bilhões para a compra de votos e manutenção do esquema tenebroso do orçamento secreto. O PSB está em situação mais contraditória porque é um dos autores da ação no STF contra exatamente esse esquema. E sempre foi por ele, e nunca pelos pobres, que se fez a escalada de horrores nessa proposta de emenda constitucional.

Eliane Cantanhêde - ‘Boiada’ na PF

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro depõe na PF sobre a PF, fala o que quer e Moro não pode questionar

O “depoimento” do presidente Jair Bolsonaro à Polícia Federal sobre interferência política na própria PF contém histórias mal contadas e os fatos desmentem a versão de Bolsonaro e confirmam a do ex-ministro Sérgio Moro. Ele saiu do governo atirando e gerou o inquérito contra o presidente, mas nem ele nem seus advogados foram sequer avisados do depoimento.

Segundo o ex-delegado Jorge Pontes, que se formou no FBI, foi representante do Brasil na Interpol e fala o que os colegas da ativa não podem, o presidente apresentou uma “denúncia vazia” contra Moro, ao acusar o ministro de tentar chantageá-lo por uma vaga no Supremo.

É a palavra de um contra o outro, mas Moro tem um trunfo: gravou no celular a proposta da deputada bolsonarista Carla Zambelli de que, se voltasse atrás, teria o STF. Sua resposta: “Cara, eu não estou à venda”. Por que diria uma coisa para o presidente e outra para a deputada, de quem foi padrinho do casamento?

Bolsonaro disse que chamou o delegado Carlos Henrique Souza para “conhecê-lo melhor”, antes de mandá-lo para a PF no Rio, justamente onde corre o inquérito das rachadinhas contra a família. E alegou “falta de produtividade” para trocar a PF em Pernambuco, apesar de não ter a ver com isso e a gestão da delegada Carla Patrícia ser muito elogiada.

Moro acusou Bolsonaro de mexer no Rio e no diretor-geral, Maurício Valeixo, por questões políticas. Agora, às vésperas de se lançar ao Planalto, ele lembrou a reunião ministerial de 22 de abril de 2020, quando o presidente exigiu acesso a informações sigilosas e disse que não admitia investigações de pessoas próximas a ele.

Bernardo Mello Franco - O mensalão do capitão

O Globo

Era um segredo de polichinelo. Para garantir maioria no Congresso, o bolsonarismo abriu um novo e obscuro ralo no Orçamento. As emendas do relator, que drenam recursos para parlamentares longe dos olhos do contribuinte.

O dinheiro jorrou antes da votação da PEC dos Precatórios, que fura o teto de gastos e legaliza o calote de dívidas para turbinar a campanha à reeleição. Em apenas dois dias, o governo liberou R$ 900 milhões para comprar apoio parlamentar.

A manobra foi denunciada pela oposição na noite de quarta-feira. Numa sessão que se estendeu por quase oito horas, 11 deputados usaram o microfone para relatar o uso do “orçamento secreto”. Os discursos falaram em “escândalo”, “fraude” e “compra de votos”.

Enquanto a turma se esgoelava, o presidente da Câmara, Arthur Lira, operava em voz baixa no celular. Graças ao empenho dele, a proposta foi aprovada por 312 votos — apenas quatro a mais que o necessário para mexer na Constituição.

A votação pode ter sido a última turbinada pelo esquema, revelado em maio pelo jornal O Estado de S. Paulo. Na sexta-feira, a ministra Rosa Weber determinou a suspensão do “orçamento secreto”. Sua decisão descreve o funcionamento de um sistema “obscuro” que viola o “princípio republicano” na destinação de verbas públicas.

Dorrit Harazim - Miudezas

O Globo

Nem mesmo uma arrancada tão concreta rumo a algum futuro para o país, como o ingresso do Brasil no universo 5G, consegue escapar da marca impressa por Jair Bolsonaro em tudo o que faz. Assim será enquanto durar o seu inquilinato no Palácio da Alvorada. Diante dos desdobramentos múltiplos do leilão ocorrido nesta semana, a fala presidencial na cerimônia de abertura acabou engolida pelo noticiário do substantivo fato em si. Ótimo. Mas é com miudezas de grandes momentos que se constrói, também, o retrato de um governante. Vamos então às miudezas.

Foram menos de dez minutos de discurso no estilo definido por um ácido observador diário do presidente como “perdido de amor por si próprio”. Jair começou narrando sua visita à “Torre de PiZZa”, entrementes um clássico nos anais dos discursos da República. Por sorte, o intérprete de Libras da Presidência, Fabiano Rocha, sinalizou ao mundo que a torre mencionada era mesmo a de Pisa. Também exemplar foi o chefe do cerimonial, Marcos Henrique Sperandio, que corrigiu com zelo a posição adequada do boné amarelão 5G depositado no púlpito pelo orador. Fundamental!

O que se seguiu foi patético. Apesar de o momento ser de relevância não apenas nacional, como também mundial, Jair parecia estar a falar para seus apoiadores de cercadinho — e de certa maneira estava, pois o magma governista ali perfilado lhe faz reverência semelhante. Alinhavou de uma lufada só a “fábrica de fake news que temos no Brasil” (referia-se à imprensa, não aos filhos); pulou de pistas e futuros hotéis flutuantes nos rios amazônicos para uma de suas obsessões pessoais — “facilitar a vida de quem gosta de jet ski”. Disse já ter conversado com o comandante da Marinha sobre o tema. Por nunca ter tirado a carteira de habilitação obrigatória no país e zanzar em motoneta aquática por onde vai, reclamou da burocracia e acenou com um frondoso advir do “turismo de jet ski”. O 5G serviria para “consolidar tudo isso aí...”.

Luiz Carlos Azedo - Precatórios, ética e segurança jurídica

Correio Braziliense / Estado de Minas

Além do fisiologismo, a emenda constitucional dos precatórios legitima ilegalidades flagrantes e gera grande insegurança jurídica para cidadãos, empresas e investidores

A eleição do deputado Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara representou o alinhamento da Casa com o presidente Jair Bolsonaro e, também, a recidiva de velhas práticas políticas bastante conhecidas e estudadas. Três clássicos da nossa literatura política que nos dão a dimensão do atraso: Raízes do Brasil (Editora Globo), de Sérgio Buarque de Holanda; Coronelismo, enxada e voto (Companhia das Letras), de Vitor Nunes Leal; Os Donos do Poder (Editora Globo), de Raymundo Faoro.

Buarque nos mostrou, em 1936, o peso do colonialismo ibérico, da escravidão e do compadrio na formação de uma elite política patrimonialista, personalista e despótica; em 1948, Nunes Leal desnudou as relações de poder na base do “é dando que se recebe”, da Presidência aos estados, nos quais o coronelismo garantia existência de “currais eleitorais”, através de favores e da intimidação nos grotões do país; já em 1958, além das raízes lusitanas do nosso patrimonialismo, Faoro também demonstrou como o poder público é utilizado em benefício privado.

Há um choque permanente no Congresso entre o moderno, protagonizado pelos setores liberais e social-democratas, e o atraso, representado pelo chamado “baixo clero”, o conjunto de parlamentares fisiológicos e patrimonialistas, do qual o presidente Jair Bolsonaro é egresso. Na Constituinte, o “Centrão” representou a aliança de lideranças conservadoras e reacionárias com esse “baixo clero”. Destrinchar esse jogo nas votações nem sempre é fácil, porque há conservadores que querem a modernização do país, ainda que por uma via elitista, e setores transformistas de esquerda, com retórica nacional-libertadora e estatizante.

Elio Gaspari - Joe Biden está sem rumo

Folha de S. Paulo / O Globo

Pelo andar da carruagem, republicanos podem retomar controle do Congresso no ano que vem. Falta de rumo dos democratas pode ser ilustrada pelo caso paroquial, mas também significativo, do blogueiro Allan dos Santos

O presidente americano Joe Biden conseguiu perder a eleição na Virgínia um ano depois de ter vencido naquele estado com uma vantagem de dez pontos. Pelo andar da carruagem, os republicanos poderão retomar o controle das duas casas do Congresso no ano que vem, ressuscitando o trumpismo. A falta de rumo dos democratas pode ser ilustrada pelo caso do blogueiro Allan dos Santos. É um episódio menor, paroquial, e também significativo.

Tendo prometido uma revisão da política de controle das fronteiras e escolhido sua vice, Kamala Harris, para cuidar da encrenca, Biden não sabe para onde ir, e Kamala, com seu imenso sorriso, simplesmente sumiu.

Entre o final do governo Trump e outubro passado, foram deportados 56.881 brasileiros que tentavam entrar nos Estados Unidos sem a documentação adequada. É o jogo jogado, não tem os papéis, volta para casa. E Allan dos Santos?

O blogueiro está nos Estados Unidos desde julho do ano passado, e no início de outubro teve sua prisão preventiva decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Seu visto de turista expirou há tempo, e Moraes pediu que ele fosse recambiado para o Brasil.

O blogueiro, estrela do bolsonarismo eletrônico, defende-se e quer ficar por lá. Ele sustenta que é jornalista e está sendo perseguido. Há dias, ele voltou ao ar: “Eu não sei se o Alexandre vai conseguir me calar. Mas uma coisa eu tenho certeza, e essa certeza é absoluta: quando vierem me calar, estarei falando.”

A diplomacia americana pode oferecer abrigo a Allan dos Santos ou pode tratá-lo como trata os estrangeiros sem a documentação adequada. O que não tem sentido é que nada faça. Faz tempo, ela deu asilo a Leonel Brizola em poucos dias, e não faz tempo, a imigração americana embarcou mais um avião de deportados para o Brasil.

Biden está sendo comido pelos dois lados. Pela direita, porque tem uma agenda de centro. Pela esquerda, pelo mesmo motivo. Se isso fosse pouco, dorme durante reuniões chatas.

Bruno Boghossian - A eleição do recall

Folha de S. Paulo

Nomes conhecidos e voto cristalizado estreitam caminho para outros candidatos

entrada de Sergio Moro na corrida presidencial deixa um pouco mais congestionado o cenário de 2022. Com ele, a próxima disputa terá ao menos quatro nomes com altíssimas taxas de conhecimento, anos de atuação na arena política e laços com segmentos fiéis do eleitorado.

Números preliminares sugerem que 2022 começa a se parecer com uma eleição de recall, favorecendo candidatos mais conhecidos. Uma primeira pista está nas pesquisas espontâneas —quando os entrevistados respondem em quem pretendem votar antes de receber uma lista de candidatos. É uma boa maneira de medir o voto cristalizado.

No último levantamento do Datafolha, em setembro, Lula aparecia com a preferência imediata de 27% dos eleitores. Jair Bolsonaro era citado espontaneamente por 20%. Só 38% não tinham um nome na ponta da língua no primeiro turno. Pesquisas realizadas nas últimas semanas por outros institutos captaram ainda menos entrevistados em dúvida.

Vinicius Torres Freire - Auxílio Brasil ainda é promessa oca

Folha de S. Paulo

Governo ainda não diz para quem e como vai pagar benefícios e corre risco no Congresso

Auxílio Brasil ainda não existe. O dinheiro para pagar o Auxílio Brasil também não. Talvez não exista dindim para bancar a aprovação desse e outros gastos no Congresso. É difícil acreditar que deputados e senadores deixem de aprovar uma renda básica para pobres, faltando menos de um ano para a eleição. Mas o caldo político engrossou, há problemas na Justiça e os prazos para entregar o benefício ao povo miúdo estão quase estourados.

O Auxílio Brasil por ora é apenas uma medida provisória oca. Ali não se diz quanto será pago a cada família, nem exatamente para quais, nem como, afora para aquelas que já estão no Bolsa Família e olhe lá. Faltam poucos dias para definir isso tudo e muito mais.

O Congresso ainda está longe de chancelar a contabilidade criativa e o calote que vão financiar (também) o Auxílio Brasil. Sem isso, dá para pagar benefícios neste ano. Para 2022, só tem dinheiro para bancar o velho Bolsa Família (cerca de R$ 190 mensais para 15,6 milhões, não R$ 400 para 17 milhões, como quer o governo).

Cabalar votos com o dinheiro de emendas parlamentares ficou mais difícil. A ministra Rosa Weber, do Supremo, suspendeu o pagamento das "emendas de relator" (mudanças de destinação de verba do Orçamento definidas pelo parlamentar que redige a proposta final da lei orçamentária. Em geral, beneficiam os escolhidos pelos chefes do centrão).

Janio de Freitas – No país que nunca chega lá

Folha de S. Paulo

Não se vê bom senso que preveja resultados não assustadores para o próximo ano

Piores notícias sobre o custo de vida e as condições da economia fortalecem, a cada dia, o contraste entre a urgência social de impulsos reais para a retomada e a inabilitação embromatória de Paulo Guedes. Nos últimos dias, sucederam-se as seguintes constatações, carentes da divulgação com a visibilidade necessária:

— A produção industrial caiu, em outubro, pelo quarto mês consecutivo. Já em pleno período de atividade para abastecer o comércio natalino. Queda de produção tem reflexo direto em desemprego, redução de salários em eventuais contratações e queda de arrecadação federal e local;

— 70% dos trabalhadores recebem, hoje, menos do que recebiam antes da pandemia, em 2019. E esses dados nem estão com atualização precisa. O economista Daniel Duque fez o estudo, na Fundação Getulio Vargas, com dados até junho. Mas nos quatro meses desde então, os componentes da pesquisa só a fariam mais ácida. A favor de Bolsonaro e Paulo Guedes, a pesquisa teve a correção de registrar ganhos, também: nos 30% que tiveram ganho ou, ao menos, nada perderam, os 10% mais abonados ganharam 8% limpinhos.

— Os preços dos alimentos consumidos pelas camadas mais pobres aumentaram 20% nos últimos 12 meses e agressivos 40% durante a pandemia;

Sobre esse chão esburacado, e em apenas dois dias da semana passada, Bolsonaro soltou R$ 909 milhões de verbas para aplicação por parlamentares. Foi seu modo de aprovar na Câmara o tal "projeto dos precatórios" (dívidas oficiais com pagamento programado). Essa autorização de elevados gastos efetivaria também o remendo social, e sobretudo eleitoral, chamado Auxílio Brasil, substituto do bem-sucedido Bolsa Família. Nada mais incerto, porém.

Cristovam Buarque* - Calotes seculares

Blog do Noblat / Metrópoles

Não há como pagar dívida com descendentes dos escravos arrancados da África, explorados e maltratados ao longo de toda a vida

É lamentável que sucessivos governos tenham acumulado dívidas financeiras que só serão pagas com atraso de anos e de década, graças aos precatórios; ainda mais lastimável que as dívidas sociais contraídas por todos os governos brasileiros não serão pagas, porque não podem ser transformadas em precatórios. Por causa da irresponsabilidade, ineficiência e descaso de governos, os brasileiros de hoje, pobres ou ricos, vão ter de pagar R$80 bilhões a brasileiros que foram ludibriados pelos governos anteriores. Para pagar pela irresponsabilidade passada dos governos, vão ter de desviar este montante de outras finalidades, que o país precisa para seu desenvolvimento futuro, e que as famílias precisam para a sobrevivência presente. É uma dívida de todos os brasileiros com estes brasileiros credores.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O caráter do Centrão é definido pelo governo

O Estado de S. Paulo

O Centrão não é nem bom nem ruim: é só o que o presidente quiser que seja. No passado, já foi o fiador de reformas; hoje, é apenas o arrimo fisiológico de um presidente em apuros

Tradicionalmente, o termo “Centrão” carrega uma conotação pejorativa, indicando o grupo de congressistas ideologicamente invertebrados, em especial os deputados do “baixo clero”, que se organizam para se aproximar do governo de turno e angariar vantagens, verbas e cargos para seus redutos paroquiais. Em outras palavras, a encarnação do clientelismo, do corporativismo e do patrimonialismo.

Por outro lado, o Centrão foi fiador das principais reformas e políticas públicas da Nova República, seja em políticas sociais (como o Bolsa Família), sanitárias (SUS), ambientais (Código Florestal) ou educacionais (novo Fundeb). Seja por virtude ou necessidade, houve participação do Centrão mesmo em campos que afetam diretamente sua traficância fisiológica, como nas reformas eleitorais de 2017 que estabeleceram a cláusula de desempenho dos partidos e a extinção das coligações, ou até na área fiscal, como na aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000, ou do teto de gastos, em 2016.

O aparente paradoxo se explica pela posição do Centrão no ecossistema pluripartidário do presidencialismo de coalizão brasileiro. Centrão é sinônimo de governismo. Se o governo é bom, o governismo será bom. Se o governo é ruim, o governismo será ruim.

Independentemente do mérito de suas agendas políticas, os governos FHC, Lula e Temer têm em comum o fato de terem desenhado propostas concretas e viáveis de políticas públicas que serviram de base para negociações no Congresso. Em contraposição, o voluntarismo de Fernando Collor e Dilma Rousseff inviabilizou seus governos a ponto de serem encerrados da maneira mais traumática: o impeachment.

Poesia | João Cabral de Melo Neto - Sevilha em Casa

Tenho Sevilha em minha casa.
Não sou eu que está chez Sevilha.
É Sevilha em mim, minha sala.
Sevilha e tudo o que ela afia.

Sevilha veio a Pernambuco
porque Aloísio lhe dizia
que o Capibaribe e o Guadalquivir
são de uma só maçonaria.

Eis que agora Sevilha cobra
onde a irmandade que haveria:
faço vir as pressas ao Porto
Sevilhana além de Sevilha.

Sevilhana que além do Atlântico
vivia o trópico na sombra
fugindo os sóis Copacabana
traz grossas cortinas de lona