A ideia gasosa a que me refiro, que parece se desmanchar antes de atingir o estado sólido, é a de uma terceira via constituída sob o signo de uma agregação política para a pacificação racional do país. Aqui outro aviso: não quero com isso insinuar que seria de algum modo possível uma conciliação com a situação a que chegou, desde 2019, o Poder Executivo, como consequência do aventureirismo que prevaleceu nas urnas em 2018. A alusão é à hipótese, de todos os modos desejável, de uma convergência eleitoral dos democratas brasileiros, ao menos no segundo turno das eleições. O que vemos é que a convergência comprovada que há em defesa da democracia e das eleições, não está se traduzindo em convergência, programática ou mesmo pragmática, entre pré-candidaturas.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
domingo, 21 de novembro de 2021
Paulo Fábio Dantas Neto* - Quatro ou cinco estrelas no céu da política: a realidade chã bate à porta
Luiz Sérgio Henriques* - O ‘desvio bolchevique’ da extrema direita
O Estado de S. Paulo
Os socialistas de hoje, particularmente no Brasil, deveriam rever as relações com o extraordinariamente complexo mundo do liberalismo político
Não é bem o caso de nos sentirmos
irremediavelmente condenados ou nos imaginarmos como em território ocupado,
vivendo passivamente o programa de destruição nada criativa que nos foi imposto
a partir das últimas eleições presidenciais. Sabemos, desde a “resistível
ascensão” de Donald Trump em 2016, que nenhuma democracia moderna, nem mesmo a
mais antiga delas, está a salvo da investida de demagogos que pareceriam
inverossímeis há apenas uma geração ou até menos.
Não se trata de autocomplacência, mas sim
da percepção de estar em meio a um fenômeno que nos ultrapassa. Párias,
certamente, mas entre pares, bastando mencionar o nutrido grupo de autoritários
que, um pouco por toda parte, venceram eleições e, a seguir, passaram a minar
instituições do Estado e a simplificar em proveito próprio a riqueza e a
pluralidade da sociedade civil.
Sem querer desviar minimamente o foco do
drama principal, é preciso lembrar ações e consignas que balizaram há pouco
mais de duas décadas o chamado “socialismo do século 21”. Lideranças populares
ou militares de patentes intermediárias lançaram-se à política em diferentes
contextos nacionais, marcados, todos eles, por um liberalismo restrito ou oligárquico.
A promessa era a de varrer “tudo o que está aí” e inaugurar o imaginado poder
popular direto.
De fato, num país após o outro, em sequência inquietante, à primeira vitória presidencial seguiram-se assembleias constituintes que consagraram tanto o novo capo providencial quanto seu partido, o qual, se não era único, passaria a controlar paulatinamente as alavancas de comando político e econômico. Por certo, uma contrafação do espírito bolchevique original supostamente aggiornato para o novo século.
Entrevista | Alberto Aggio: 'Apoio a ditaduras revela esquerda anacrônica', afirma historiador
Alberto Aggio diz que Lula tem papel ambíguo entre a ideia da revolução e a social-democracia
Marcelo Godoy, O Estado de S. Paulo
O historiador Alberto Aggio acredita que parte do PT mantém a defesa da ideia da revolução em vez de se comprometer com a democracia como um valor universal. É essa opção, que se opõe à modernidade e não reconhece a necessidade das instituições do liberalismo político, que explica por que setores do partido apoiam ditaduras como a de Daniel Ortega, na Nicarágua, ou de Nicolás Maduro, na Venezuela. Ele aponta ainda o papel ambíguo desempenhado por Luiz Inácio Lula da Silva e diz que as eleições no Chile devem servir de alerta ao Brasil. Professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Aggio é especialista na história política da América Latina e autor de Um Lugar no Mundo: Estudos de História Política Latino-Americana.
Leia, a seguir, sua entrevista.
Em que medida o modelo cubano de revolução ainda influencia setores da esquerda brasileira?
Se formos pensar nas forças principais da
esquerda brasileira, o modelo cubano se espraia por diversos partidos e
correntes e as mais expressivas delas são as correntes dentro do PT, embora o
PT não seja inteiramente cubano. Há muita simpatia a esse nacionalismo também
no PDT e no PSB. Eles guardam um certo espírito pré-1964. Aí o modelo cubano
deita raízes e não desaparece porque a ênfase forte dessas correntes não é o
tema político da democracia e das instituições, mas é o tema econômico, do
desenvolvimento nacional. Ainda estão naquela chave de leitura das situações de
dependência da América Latina e que só se pode sair disso confrontando o
imperialismo. De certa forma, esse repertório dificulta alianças políticas. E
quando elas ocorrem não são programáticas, mas superficiais.
Como a esquerda deveria se posicionar
diante das manifestações
que ocorrem em Cuba?
Se é verdade que a esquerda que apoia Cuba acredita na soberania dos cubanos sobre o território e o Estado, fica evidente que o comando do Estado cubano faz com que o próprio povo não tenha liberdade e soberania sobre esse Estado. A repressão que se estabelece permanentemente em Cuba é um atestado de que na Ilha os cubanos não têm soberania. Se é verdade que Batista usurpou a soberania popular, em Cuba há uma permanente usurpação dessa soberania. Cuba não tem representação democrática, a sociedade não se representa democraticamente no Estado.
Eliane Cantanhêde - Em busca de identidade
O Estado de S. Paulo
Tancredo paira sobre as prévias do PSDB: ‘Voto secreto dá uma vontade danada de trair’
Olhando o copo meio vazio, o PSDB tem em
torno de 600 mil filiados ativos no TSE, mas só 44.700 se inscreveram para as
prévias deste domingo, menos de 10% e 300 a menos que os 45.000 que reforçariam
o número 45 do partido. Parece muito pouco.
Mirando o copo meio cheio, 44.700 filiados
votando numa prévia partidária não é irrelevante no Brasil. Trata-se de uma
mobilização e tanto, que injeta ânimo e chama a atenção da mídia para o PSDB,
que saiu chamuscado, ou um tanto depenado, das eleições de 2018. Não fossem as
prévias, quem estaria falando em nomes tucanos?
A campanha do governador João Doria (SP) avisou que “o candidato favorito” chegaria ontem a Brasília. A consultoria Eurasia, porém, aponta vantagem do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. Na verdade, o resultado é incerto e as apostas são arriscadas. A única coisa certa é que tanto Doria quanto Leite representam renovação. Para o bem ou para o mal.
Luiz Carlos Azedo - A guerra ideológica no Enem mira a reeleição de Bolsonaro
Correio Braziliense / Estado de Minas
O exame ocorre em meio ao caos na instituição,
porque 37 técnicos do órgão pediram demissão e denunciaram a interferência
indevida do ministro da Educação, Milton Ribeiro, na elaboração das provas
Um dos momentos de maior angústia nas vidas
dos nossos jovens é o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que funciona como
uma espécie de portal para a vida adulta, porque seus desempenhos serão
determinantes para o acesso ao ensino superior. Hoje, 3,1 milhões de jovens em
todo o país prestarão a primeira prova do Enem, em meio a uma guerra ideológica
aberta por pressão do presidente Jair Bolsonaro sobre os técnicos do órgão
responsável pela elaboração das provas, o Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), para que as provas fossem
politicamente alinhadas com a suas ideias sobre os costumes e a história.
Detalhe: é o menor número de inscritos desde 2005.
O exame ocorre em meio ao caos na instituição, porque 37 técnicos do órgão pediram demissão e denunciaram a interferência indevida do ministro da Educação, Milton Ribeiro, na elaboração das provas. Ex-reitor da Universidade Mackenzie, de São Paulo, pastor presbiteriano, advogado e teólogo, seu prestígio junto ao presidente Jair Bolsonaro foi à Lua graças à confusão que arrumou. O diretor nomeado por ele para o Inep, Danilo Dupas Ribeiro, é acusado de assédio moral e manipulação das provas, com censura a determinadas questões. Há denúncias de tentativa de nomeações indevidas para cargos e funções no órgão, com pessoal não qualificado, inclusive policiais federais.
Celso Lafer* - O STF e a transparência do Orçamento
O Estado de S. Paulo
Expor à luz do sol os maus costumes inerentes às emendas do relator foi do que tratou o Supremo na sua decisão
A transparência do processo orçamentário,
que diz respeito à aplicação de recursos financeiros do Estado, está na ordem
do dia do debate político. Sua prática vem sendo questionada em razão dos
procedimentos das emendas do relator-geral do Orçamento no Congresso e das
implicações, não republicanas, do seu sigiloso uso político para a obtenção, em
conjugação com o Executivo, de apoio parlamentar.
O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu
um julgamento sobre a matéria, a partir do substancioso e qualificado voto da
relatora, ministra Rosa Weber. A questão é de grande alcance. Transcende os
aspectos técnicos. Merece, no seu rescaldo e possíveis desdobramentos,
discussão e exame.
A decisão do STF analisa o princípio da publicidade que constitucionalmente rege a administração pública no País e os atos do governo em todas as suas instâncias. O princípio é um dos pressupostos da democracia, que se baseia no exercício em público do poder comum, na límpida formulação de Norberto Bobbio. Com efeito, o público, por ser o comum a todos numa República, deve ser do conhecimento de todos. Transparência e visibilidade do poder dão à cidadania a condição de controle da ação dos governantes e dos seus atos. O que se mascara e se esconde põe em questão o chão da vida política democrática. Enseja o poder invisível de um bobbiano “cripto” e “sotto” governo.
Hélio Schwartsman - Fatos importam?
Folha de S. Paulo
Por que precisamos respeitar fatos quando
fazemos declarações que têm a pretensão de falar sobre o mundo real?
Da aridez da península Arábica, Jair
Bolsonaro afirmou que a Amazônia, por
ser uma floresta úmida, não pega fogo e que não existe
desmatamento. Segundo ele, a cobertura da selva é a mesma desde a chegada de
Cabral em 1500.
Por que precisamos respeitar os fatos quando fazemos declarações que têm a pretensão de falar sobre o mundo real? A rigor, não precisamos. Há formas de pensamento, como o onírico, o poético e o religioso, que podem desprezar evidências e até as leis da física e nem por isso deixam de dizer algo sobre o mundo. Os pragmáticos, porém, sempre valorizaram mais um tipo de discurso que se autolimita. Nele, é preciso que haja uma correspondência entre a proposição e a coisa da qual se predica algo, por mais problemático que seja definir esses termos. Apenas tentar seguir essa regra já faz com que o sujeito modere sua imaginação, reduzindo a chance de ver-se presa de delírios. Na prática, o esforço para conformar a proposição ao objeto se transforma num "reality check" (teste de realidade), ainda que imperfeito.
Bruno Boghossian - Combo do desmatamento
Folha de S. Paulo
Bolsonaro encoraja a ação de garimpeiros e
madeireiros nas florestas
Jair Bolsonaro entregou um pacote completo de incentivos aos desmatadores. Além de estimular atividades que provocam a devastação ilegal, o presidente e seus auxiliares desmontaram estruturas de fiscalização, reduziram a aplicação de multas ambientais e, por fim, agiram para acobertar os crimes cometidos nas florestas.
O governo omitiu dados que apontaram uma alta de 22% no desmatamento na Amazônia em 2020 e 2021. Os números estavam num relatório produzido pelo Inpe em 27 de outubro, quatro dias antes do início da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. O material ficou escondido até a última quinta (18), depois do fim do evento.
Janio de Freitas - Notícia sobre as notícias
Folha de S. Paulo
Imprensa está diante da responsabilidade
por eleição presidencial limpa
A viagem de Lula
à Europa proporcionou, pelo avesso, o mais desalentador prenúncio
da disputa
eleitoral do próximo ano. Foi preciso que leitores e espectadores
esbravejassem com suspeições, para que o noticiário dos principais diários e
emissoras incluísse o assunto de inegável relevância política e jornalística.
Era passada já uma semana desde o início, dia 11, da viagem a convite da
Fundação Friedrich Ebert e do SPD, partido do futuro primeiro-ministro da
Alemanha.
Componente não menos sugestivo no silêncio veio a ser o seu encerramento também
coincidente, na data, entre as diferentes vias de noticiário. Quase uma
informação involuntária de coincidências em tudo combinadas. Sobretudo tendo em
vista os tantos grupos de influência, os de sempre e vários recentes, já ativos
para a decisão eleitoral (a estabilização temporária de Bolsonaro liberou-os
do trabalho de sustentá-lo).
O histórico da chamada mídia brasileira a iguala aos militares na adoção funcional de um papel político, de dirigismo suprainstitucional e supraconstitucional. A modernização técnica do jornalismo reduziu, mas não conseguiu extirpar, a função político-ideológica que originou a velha imprensa. Não se trata da definição por linha política ou por candidatura, que podem ser legítimas se transparentes e éticas, mas de práticas manipuladoras da consciência e da conduta dos cidadãos. Nesse atraso, empresários do meio são a força impositiva, mas são jornalistas os seus operadores.
Vinicius Torres Freire – Militares tentam sair de fininho
Folha de S. Paulo
Gasto com servidor civil caiu, militares teve
aumento e se calam com a ruína geral do governo
Jair Bolsonaro disse que reajustaria o
salário de todos servidores federais. Ministros e governismo em
geral disseram que não há dinheiro. Bolsonaro levou invertida até do centrão.
Claro: se saísse o aumento, não sobraria
nada para financiar emendas parlamentares extras.
Bolsonaro então quer dar aumento pelo menos
para militares e
policiais federais. Sempre teve mentalidade de vereador das milícias
e sindicalista militar.
O gasto federal com salários de servidores
civis (na ativa) caiu sob Bolsonaro. Desde o começo de 2020, quanto este
governo passou a ter força maior sobre o Orçamento, essa despesa diminuiu 8% em
termos reais (descontada a inflação; gasto anualizado), de fato um
espanto. A despesa com
o pessoal militar na ativa aumentou 5,5%, porém.
A baixa da despesa civil se deve à
combinação de redução de quadros com congelamento salarial. Pode até ser que o
enxugamento tenha a ver com algum plano de aumento de eficiência, não mero
arrocho improvisado (este jornalista não encontrou análise independente que
faça balanço do período).
Por que a despesa com o pessoal militar da
ativa aumentou? Porque receberam aumento especial de Bolsonaro. Por que não
houve enxugamento por outras vias? Cerca de 6 mil militares fazem um extra no
governo. Não deve estar faltando gente nas Forças Armadas.
Bolsonaro cumpre partes essenciais de seu programa. Dá dinheiros e boca rica para militares. Faz propaganda da ditadura militar e de torturadores. Quer levar esse revisionismo bárbaro até para provas de vestibular.
Merval Pereira - A diversidade da ABL
O Globo
As últimas três semanas culturais foram
dominadas pelas eleições para a Academia Brasileira de Letras, exemplares da
diversidade cultural da sociedade brasileira, que a ABL sempre procurou
espelhar. Desde sua fundação, que no próximo ano fará 125 anos, a ABL
definiu-se como uma agremiação dos “notáveis”, não apenas de literatos, assim
como a Academia Francesa.
Essa definição nasceu de um debate em que dois dos fundadores defendiam ideias
distintas. Machado de Assis queria apenas literatos, enquanto Joaquim Nabuco
defendia a tese vencedora de que deveria também abrigar os grande vultos
brasileiros, em diversas modalidades.
No frontispício de sua sede, o Pétit Trianon, e no logotipo oficial está
inscrito “Academia Brasileira”. Ela nasceu em 1897 como “Academia Brazileira de
Letras”, mas em 1910, no primeiro volume da “Revista da Academia Brazileira”, o
complemento “de Letras” aparecia em corpo menor.
Uma famosa polêmica foi a entrada de Santos Dumont na Academia, e coube a
Coelho Neto responder à pergunta que se faz até hoje: que obras ele escreveu?
Coelho Neto respondeu: “Escreveu nas estrelas. Cada avião que se levanta é como
página escrita por ele para a glória de nossa pátria”.
Bernardo Mello Franco - Bolsonaro tem razão
O Globo
Neste domingo, 3,1 milhões de estudantes
começam a prestar o Exame Nacional do Ensino Médio. A prova terá o menor número
de participantes desde 2005. Isso significa que a porta de acesso às
universidades públicas ficou mais estreita.
O encolhimento não é a única face do
retrocesso. Responsável pelo exame, o Inep já teve cinco presidentes em três anos.
Agora vive uma crise sem precedentes. No início do mês, 37 servidores pediram
exoneração. Relataram casos de assédio moral, quebra de sigilo e ingerência
político-ideológica.
Desmoralizar o Enem é um projeto antigo de Jair Bolsonaro. Em 2015, o então deputado já atacava a prova. Dizia que o questionário expunha jovens indefesos à “doutrinação imposta pelo PT”. Seis anos depois, ele faz no Planalto o que acusava os adversários de fazer.
Cacá Diegues – Vírus e fuzis
O Globo
O ódio sem motivo evidente, típico da
direita que se espalha pelo mundo, não é mais resultado de ideologia clara
O governo Bolsonaro é uma fonte constante
de más notícias. Se uma vacina contra a Covid-19 é um bem para todos, pois
evita o contágio mesmo dos que não acreditam nele, é um contrassenso que se
proíba o passaporte sanitário para aprovação de um projeto na Lei Rouanet.
Pobres produtores de cultura do país! Além do desgastante conflito com os
homens dos serviços de cultura, ainda terão que enfrentar agora os dispositivos
tolos que vão impedir que façam o que desejam fazer com seus filmes, livros,
poemas, canções, peças de teatro, novelas e tudo mais.
Como escreveu Gregório Duvivier, hoje não é exagerado dizer que o presidente não suporta os brasileiros. Não só ele nos odeia, como tenta acabar com a gente de todas as formas. É como se passasse o tempo pensando em como cortar nossa onda e zerar nosso entusiasmo, até que nos tornemos um núcleo de pensamento domesticado que não lhe dê mais trabalho como fonte de ideias novas. E essa campanha liderada pelo presidente contra a vacinação é simultânea à sua campanha pelo armamento civil. “O vírus pode estar partindo — os fuzis vão ficar”, diz Gregório Duvivier.
Míriam Leitão - Amazônia morre diante de nós
O Globo
Por mais tempo que eu viva, jamais
esquecerei o líder indígena Piraima’á, da Aldeia Juriti, falando em tom aflito.
“Eles estão matando as árvores, eles estão nos matando.” Foram 745 milhões de
árvores que tombaram em um ano para que o número de 13.235 km2 desmatados fosse
possível. No governo Bolsonaro foram derrubados um bilhão e novecentos milhões
de árvores. Esse é o projeto Bolsonaro. A simbiose entre árvores e gente que eu
ouvi do líder indígena, em 2012, explica o Brasil e sua tragédia. O que está
ocorrendo não é tolerável. Diante dos nossos olhos Bolsonaro executa o projeto
de destruição e morte. Este governo está matando as árvores, ele está nos
matando.
Os cálculos de quantas árvores morreram neste ano e neste governo foram feitos por Tasso Azevedo, do MapBiomas. Assim fica mais fácil entender a imensidão da tragédia que vivemos. A informação da alta de 21,9% no desmatamento em um ano foi, além de tudo, ocultada. O mundo viu o ministro do meio ambiente falar manso na COP, como se fosse diferente do seu antecessor e mentor. O presidente voou para as arábias para mentir melhor no meio de ditadores e afirmar que a floresta está intocada.
Dorrit Harazim - Eixo Dubai-Enem
O Globo
Dubai e Jair foram feitos um para o outro.
É que a monarquia absolutista do emirado fincado no deserto reconhece de longe
o mandão de passagem que se deixará seduzir pelo kit ostentação da casa: luxo,
mordomias jamais imaginadas, arroubo tecnológico e paisagem futurista. Era tudo
do que Bolsonaro precisava para poder circular sem olhar de soslaio, à
espreita, como quem teme a própria sombra. Sob essa ótica, deu tudo certo,
tanto nos Emirados Árabes Unidos (dos quais Dubai, mesmo não sendo a capital,
desempenha o papel mais cintilante) como no Qatar e no Bahrein, igualmente
regados a petrodólares. Dessa comitiva oficial à prova de qualquer protesto não
quiseram faltar a primeira-dama, dois dos filhos-zero do presidente e o maior
número de áulicos de Brasília.
Mas cinco dias em tapetes voadores passam depressa, e o Brasil real estava a sua espera. Como primeira lufada indigesta, a inevitável comparação entre seu giro estéril-nababesco e a acolhida recebida por Luiz Inácio Lula da Silva na Europa, como líder brasileiro que vale a pena cortejar. A tríade inflação-desemprego-fome, a nova rodada de pesquisas que teimam em não lhe dar trégua para 2022, a queixada trabalhada do desafeto Sergio Moro para lhe estragar o noticiário, o “orçamento secreto” encrencado, enfim, nada a festejar no país por ele governado.
Alessandro Vieira* - Precisamos falar do Orçamento
O Globo
Às vésperas da votação da PEC dos
Precatórios no Senado, precisamos falar sobre o verdadeiro problema que ela
traz à tona. Não é a PEC, muito menos o auxílio social que ela — em tese —
torna possível. Não é só o orçamento secreto, ou as emendas distribuídas a
alguns parlamentares “coincidentemente” próximo a votações importantes. A
verdade é que precisamos falar sobre o Orçamento federal.
O Orçamento no Brasil não tem passado de uma peça de ficção. Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Lei Orçamentária Anual (LOA), em tese, deveriam servir como norte para um planejamento de país: da Educação à Saúde, da Infraestrutura à Agricultura. No entanto o que temos visto governo após governo é um jogo de quebra-cabeça em que as peças não se encaixam e acabam por formar uma imagem turva do que gostaríamos de ser.
Cristovam Buarque* - Vigília Responsável e Solidária
Blog do Noblat / Metrópoles
Os políticos optaram pela velha tradição
brasileira de liberar despesas maiores do que a receita. Agora miram o teto de
gastos
Nossa geração de brasileiros foi condenada a pagar dívidas com brasileiros que não receberam no passado pagamentos a que tinham direito. Os precatórios surgiram de irresponsabilidades e incompetências cometidas por governos anteriores, que o atual governo deve pagar. Se não fizer, além de represálias jurídicas que sofrerá, estará adiando o problema para brasileiros do futuro, e cometendo injustiça com aqueles que têm direito de receber os créditos que a lei já reconheceu. Esta situação é simples se não for confrontada com a realidade aritmética, comparando o valor da dívida que vem do passado com a disponibilidade de dinheiro no presente. O setor público brasileiro não dispõe dos bilhões de reais necessários para pagar a dívida, salvo se os políticos fizessem uma reforma fiscal para retirar dinheiro de empresas e pessoas para financiar estes gastos; ou se rompesse as amarras da responsabilidade fiscal e permitisse ao governo gastar mais do que dispõe, pagando com moeda desvalorizada pela inflação, o que não deixa de ser uma reforma fiscal em que todos pagariam pela redução do valor da moeda que têm em mãos. A alternativa de emitir títulos em vez de moeda é uma forma de trocar precatório hoje por pagamento da dívida no futuro acrescida de juros, com o agravante de que para trocar os títulos por dinheiro seria necessário aumentar a taxa de juros a ser paga aos que emprestam o dinheiro, assustados com risco de futuros calotes, provocando nefastas consequências sobre a economia, tais como desemprego e recessão.
O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões
EDITORIAIS
Chile polarizado
Folha de S. Paulo
Discursos mais radicais prevalecem na eleição; forças tradicionais se desgastam
Governado desde sua redemocratização por
presidentes de conduta moderada, oscilando entre a centro-esquerda e a
centro-direita, o Chile foi desde os anos 1990 o país mais bem-sucedido em
termos de estabilidade política e crescimento econômico na América do Sul.
Trincas nesse modelo liberal adotado se
tornaram fraturas expostas em grandes e não raro violentos protestos populares
a partir de 2019. Multiplicaram-se queixas contra a reduzida oferta de serviços
públicos e os valores pagos pelo sistema de aposentadorias, baseado em
poupanças individuais.
A formação de uma Assembleia Constituinte após as manifestações, incumbida de redigir nova Carta para substituir a atual, tampouco foi suficiente para atender ao anseio por mudanças —é o que aponta o cenário das eleições presidenciais, cujo primeiro turno se realiza neste domingo (21).
Poesia | Vinicius de Moraes - Ilha do Governador
Esse ei-ou que ficou nos meus ouvidos são os
pescadores esquecidos
Eles vêm remando sob o peso de grandes mágoas
Vêm de longe e murmurando desaparecem no escuro
quieto.
De onde chega essa voz que canta a juventude calma?
De onde sai esse som de piano antigo sonhando a
“Berceuse”?
Por que vieram as grandes carroças entornando cal
no barro molhado?
Os olhos de Susana eram doces mas Eli tinha seios
bonitos
Eu sofria junto de Suzana – ela era a contemplação
das tardes longas
Eli era o beijo ardente sobre a areia úmida.
Eu me admirava horas e horas no espelho.
Um dia mandei: “Susana, esquece-me, não sou digno
de ti – sempre teu?”
Depois, eu e Eli fomos andando? – ela tremia no meu
braço
Eu tremia no braço dela, os seios dela tremiam
A noite tremia nos ei-ou dos pescadores?
Meus amigos se chamavam Mário e Quincas, eram
humildes, não sabiam
Com eles aprendi a rachar lenha e ir buscar conchas
sonoras no mar fundo
Comigo eles aprenderam a conquistar as jovens
praianas tímidas e risonhas.
Eu mostrava meus sonetos aos meus amigos – eles
mostravam os grandes olhos abertos
E gratos me traziam mangas maduras roubadas nos
caminhos.
Um dia eu li Alexandre Dumas e esqueci os meus
amigos.
Depois recebi um saco de mangas
Toda a afeição da ausência?
Como não lembrar essas noites cheias de mar
batendo?
Como não lembrar Susana e Eli?
Como esquecer os amigos pobres?
Eles são essa memória que é sempre sofrimento
Vêm da noite inquieta que agora me cobre.
São o olhar de Clara e o beijo de Carmem
São os novos amigos, os que roubaram luz e me
trouxeram.
Como esquecer isso que foi a primeira angústia
Se o murmúrio do mar está sempre nos meus ouvidos
Se o barco que eu não via é a vida passando
Se o ei-ou dos pescadores é o gemido de angústia de todas as noites?