terça-feira, 23 de novembro de 2021

Merval Pereira - Refém do Congresso

O Globo

O presidente Bolsonaro chegou a uma encruzilhada na sua relação com a base parlamentar, em especial com os partidos do Centrão, mas também com o PSD de Gilberto Kassab, que trabalha para montar um partido tão forte que seja impossível ignorá-lo na composição de um futuro governo, que, ele garante, não será de Bolsonaro.

Um exemplo recente do desentendimento com o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, ainda está na retórica, mas pode ser pólvora no relacionamento. Lira foi a um seminário em Lisboa organizado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), idealizado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, e aderiu à tese do semipresidencialismo, que Gilmar defende há muito tempo.

Nesse tipo de governo, o presidente da República, eleito pelo voto direto, compartilha o governo com o primeiro-ministro, eleito pelo Congresso. Disse Lira numa palestra: “A previsão de uma dupla responsabilidade do governo, ou de uma responsabilidade compartilhada do governo, que responderia tanto ao presidente da República quanto ao Parlamento, pode ser a engrenagem institucional que tanto nos faz falta nos momentos de crises políticas mais agudas”.

Na primeira afirmativa, não houve a definição de um marco temporal para a eventual adoção do novo sistema de governo, e Bolsonaro sentiu cheiro de queimado. Lira, mais adiante, contemporizou, explicando que, se aprovado, o semipresidencialismo só poderia entrar em vigor na eleição presidencial de 2026. Nem precisava, pois já passou o prazo de um ano antes da eleição para mudar regras eleitorais.

Carlos Andreazza - Rei morto, rei posto

O Globo

Você leu a excelente reportagem de Natália Portinari neste GLOBO, no último domingo? Tinha por chamada, na capa: “Alcolumbre fez do Amapá líder de verbas do orçamento secreto”; com o que se evoca o trabalho referencial de outro grande repórter, Breno Pires, do Estadão, aquele cuja investigação puxou o fio do controle — discricionário e oculto — de bilhões do Orçamento da União por e para poucos parlamentares. (Aliás: por onde andará o senador Marcio Bittar, relator-geral do Orçamento de 2021?)

Destaque-se o tempo verbal aplicado ao “fazer” na manchete: fez. Alcolumbre, então presidente do Senado, fez de seu estado, em 2020, a unidade da Federação com maior repasse proporcional de verbas oriundas das emendas do relator. Só que aquele ano acabaria e, com ele, o biênio do jovem coronel na presidência do Congresso.

Rei morto, rei posto.

Mas o rei morto é valente. Não se entrega. E usa prerrogativa do Senado — manipula a concertação que dá equilíbrio aos Poderes — para ir à forra. Quem paga a conta do bezerro desmamado, ableitado porém brioso, de súbito sem a derrama do orçamento secreto, ofendido para além da morte, rei morto e ainda — a desonra maior — deserdado? André Mendonça, cuja cadeira no Supremo depende de aval do Senado.

Eis o título da matéria de Portinari, à página 4: “Orçamento secreto é pano de fundo para trava de Alcolumbre à sabatina de Mendonça ao STF”.

Mendonça paga. E nada de arguição na Comissão de Constituição e Justiça. Coroné Alcolumbre não quer. Plantou até que seria ato de resistência, em defesa da democracia, contra o golpismo de Bolsonaro. Um esculacho. Não deixa, contudo, de reagir a um golpe. Levou rasteira dos antigos sócios. Tiraram-lhe a propriedade sobre destinos de dinheiros públicos.

Rei morto, rei posto.

Mas o rei morto é intrépido e cedo aprendeu a explorar a privatização sem limites das prerrogativas de senador. É o presidente da CCJ. Mexeram com o patrimonialista errado. Paga Mendonça. Pagaria qualquer um, até um que estivesse à altura de guardar a Constituição.

Eliane Cantanhêde - Crescimento baixo, inflação alta

O Estado de S. Paulo

A sucessão presidencial de 2022 começou, com Lula na frente, Bolsonaro ainda sem partido, Ciro vacilando, Sérgio Moro surpreendendo e os tucanos passando vexame. Mas as grande questão nacional, a crise econômica e social, ainda não entrou na pauta.

Assim como o presidente Jair Bolsonaro diz ao mundo que a Amazônia “é uma floresta úmida que não pega fogo”, seu Posto Ipiranga falido, Paulo Guedes, diz que a economia brasileira está crescendo “acima da média mundial”. Uma competição de inverdades.

Na realidade – e o governo já sabia disso antes da COP 26 –, as queimadas na Amazônia batem recorde em cima de recorde e o Brasil está a caminho de ser o lanterninha do crescimento econômico entre os países emergentes. É candidato a destruidor-mor do ambiente e da economia.

O mundo inteiro sofreu com a pandemia, mas no Brasil há outros fatores, como a disparada dos juros e as incertezas fiscais com o estouro do teto de gastos. As estimativas das agências variam de 0,8% a 1,9% e a do FMI fica no meio do caminho, em 1,5%.

Luiz Carlos Azedo - É bom ficar de olho nas eleições chilenas

Correio Braziliense

O presidente Piñera e ex-presidentes Lagos, Frei e Bachelet foram derrotados. O Chile oscila entre um governo parecido com o de Allende ou saudosista de Pinochet

Os paradigmas da esquerda latino-americana são a Comuna de Paris (1871), a Revolução Russa (1917), a Revolução Chinesa (1949), a Revolução Cubana (1959) e a Guerra do Vietnã (1955 a 1975). A Revolução Inglesa (1640-1688), a Independência dos Estados Unidos (1776) e a Revolução Francesa (1779-1789), revoluções burguesas que deram origem à democracia representativa, não são referências para seus objetivos. A esquerda também não estuda os contragolpes que puseram um ponto final nas revoluções. Isso exigira um mergulho nos próprios erros. É mais fácil denunciar os golpistas, com a narrativa do tipo “não existe derrota quando se vai à luta”.

Na América do Sul, no cenário de guerra fria, o golpe militar que destituiu o presidente João Goulart, em 1964, foi o ponto de viragem da geopolítica continental. Entretanto, o caso mais paradigmático foi o brutal golpe no Chile, do general Augusto Pinochet, em 1973, no qual o presidente socialista Salvador Allende se matou, em meio ao bombardeio do Palácio La Moneda pelos militares golpistas. No rumo de um inédito “socialismo democrático”, Allende atraia as atenções mundiais.

O golpe no Chile levou o líder comunista italiano Enrico Berlinguer a rever toda a estratégia do Partido Comunista Italiano, propondo um “compromisso histórico” com a democracia-cristã, tendo a “democracia como valor universal”. Em 1978, um acordo negociado por Berlinguer com o ex-primeiro-ministro e presidente da Democracia Cristã, Aldo Moro, poria fim à grave crise governamental. Entretanto, enfrentava oposição do Vaticano, da Máfia, dos Estados Unidos, da OTAN, da União Soviética e dos extremistas de direita e de esquerda.

Míriam Leitão - Avenida do 5G e os investimentos

O Globo

O investimento para implantar o 5G não deve aumentar muito as inversões do setor de telecom, mas em compensação estarão abertas as possibilidades para os investimentos dos setores em geral. A manufatura 4.0, a telemedicina, a agricultura conectada, as cidades inteligentes, as construções inteligentes. Muitos projetos passam a ser possíveis. Antes, contudo, há um pedregoso caminho para as operadoras.

Marcos Ferrari, presidente-executivo da Conexis, entidade que reúne as empresas de telecom, diz que será instalada a estrada, mas tudo dependerá da forma como ela será usada:

Felipe Salto* - Os custos da confusão fiscal

O Estado de S. Paulo

O esforço de zerar o déficit e produzir um superávit necessário para que a dívida estacionasse seria de R$ 450 bilhões

A PEC dos Precatórios foi aprovada pela Câmara dos Deputados e tramita no Senado. A mudança no cálculo do teto de gastos e o calote nos precatórios levariam à perda de credibilidade, à insegurança jurídica e, como um tiro pela culatra, ao aumento do endividamento público. Parte da fatura já está sendo paga.

Os juros previstos para os próximos dez anos a partir de 2022, tomando-se a curva a termo (que indica as taxas exigidas pelo mercado em diferentes prazos), estão em 12% ao ano. Isto é, o custo para o Tesouro Nacional tomar emprestado do mercado (quando emite títulos) para financiar suas despesas poderá ser muito alto por um bom tempo.

Para ter claro, há cinco meses, esse custo era precificado em torno de 7% (prazo de um ano), em pouco mais de 8% (cinco anos) e em 9% (dez anos). O aumento das taxas para 12% reflete a subida do prêmio exigido pelo risco. Diante de incertezas crescentes, quem tem poupança (o mercado) exige maior remuneração (juros) para comprar títulos públicos.

Joel Pinheiro da Fonseca – Ditadura? Só se for de esquerda

Folha de S. Paulo

Partido é contra ditaduras; desde que sejam de direita

Enquanto Lula era recebido com honras pelos líderes das principais democracias europeias, Bolsonaro fazia um tour por ditaduras árabes. O contraste traz saudades da projeção internacional que já tivemos e que perdemos com o desastre bolsonarista.

Mas ele não nos deve cegar para o outro lado, menos vistoso, da política internacional de Lula e do PT: o apoio reiterado a ditaduras de esquerda, bem como a governos populistas que empurram seus países nessa direção.

Há duas semanas tivemos a nota de celebração à vitória de Daniel Ortega na Nicarágua em eleições fraudulentas. Para o PT, tratou-se de "uma grande manifestação popular e democrática", ecoando, aliás, o apoio às eleições de fachada na Venezuela em 2020. A nota foi deletada posteriormente, mas nenhuma mudança de postura veio.

Cristina Serra - Máquina de moer gente

Folha de S. Paulo

A mudança do Código de Mineração se soma a outros projetos pró-mineradoras

Está em processo de incubação na Câmara dos Deputados, num grupo de trabalho criado por Arthur Lira, o projeto de alteração no Código de Mineração. O relatório da deputada Greyce Elias (Avante-MG), que está para ser votado, propõe que a mineração seja considerada atividade de "utilidade pública", de "interesse social" e "essencial à vida humana".

Sim, você leu direito. No país em que quase 300 pessoas morreram em dois recentes desastres no setor, a mineração passaria a ser considerada "essencial à vida humana". A essência do relatório é reduzir o papel regulador e fiscalizador do Estado, transformando-o em um mero bedel dos interesses das companhias mineradoras.

Alvaro Costa e Silva - Gritos de Carnaval (a favor e contra)

Folha de S. Paulo

Pressionado a impedir a festa, Bolsonaro até agora não anunciou restrições

O café Gaúcho ferve. Numa das esquinas mais movimentadas do Centro do Rio —entre as ruas São José e Rodrigo Silva, palco de protestos e manifestações políticas, em frente à nova sede da Assembleia Legislativa—, o botequim resistiu ao extermínio que a pandemia impôs ao comércio da região e já trabalha no ritmo de antes: o chope e o cafezinho não param de sair, assim como o bolinho de carne e o cachorro-quente de linguiça.

Com os cotovelos encostados no balcão, o trabalhador informal tem um único assunto, fora a expectativa de receber a grana do auxílio governamental: "Vai ter Carnaval em fevereiro? O Bolsonaro vai deixar?".

Se depender só de Eduardo Paes, o prefeito-folião, o Rio terá o maior Carnaval de todos os tempos, capaz de superar a farra de 1920, que marcou o fim da gripe espanhola, estendendo-se do Réveillon até os idos de março. Não imagino como será feita a fiscalização na hora de exigir o passaporte da vacina para pular na pipoca do cordão da Bola Preta, com mais de um milhão de pessoas nas ruas. Paes não abre mão de faturar e, de lambuja, tirar um sarro de Marcelo Crivella, o prefeito-pastor, que via em cada carioca um Zé Pelintra e fez de tudo para boicotar a festa.

Fabio Graner - A queda de braço sobre o PIB de 2022

Valor Econômico

Juro maior restringe investimento, diz Rafaela Vitória

O Ministério da Economia está em uma verdadeira batalha de expectativas com o mercado em torno do cenário para o Produto Interno Bruto (PIB) para o ano que vem. Enquanto o time do ministro Paulo Guedes fez uma tímida revisão em sua previsão de crescimento, de 2,5% para 2,1% em 2022, a mediana coletada no Focus já caiu para 0,7% e muitos enxergam risco de recessão no ano eleitoral.

O momento lembra o que ocorreu em meados do ano passado, quando o boletim Focus migrou para projeções de quedas maiores que 6%, enquanto o bloco P da Esplanada dos Ministérios sustentava que a queda seria de 4,7%. A área econômica levou a melhor e o PIB fechou 2020 com recuo de 4,1%.

É notório que o nível de atividade está perdendo ritmo. Assim, a questão é o tamanho da desaceleração daqui para frente e se haverá recessão. A resposta certa vale muito, mas ninguém sabe com certeza o que vem adiante.

No Ministério da Economia, o cenário positivo é baseado em três fatores. O principal deles é a expectativa de que, como a pandemia está ficando para trás no Brasil, há tendência de retomada da economia informal, sobretudo no setor de serviços, que representa 63% do PIB.

Andrea Jubé - Os tucanos no divã

Valor Econômico

Moro vai bem nos 100 metros, mas completa a maratona?

Depois que esgotarem as reuniões sobre tecnologia e por que falhou o aplicativo de votação pelo celular, os caciques do PSDB deveriam se revezar no divã para analisar por que insistem na autossabotagem, um dos obstáculos para a almejada volta ao poder.

Seria hora de ouvir Sigmund Freud (1856-1939), que se dedicou ao tema em ensaio de 1916, com o sugestivo título “Os que fracassam no triunfo”. Numa síntese breve e imperfeita, o pai da Psicanálise analisa neste texto exemplos de personagens que sentem alívio se o objeto de desejo não é alcançado. Porque se atingissem o sucesso, não saberiam o que fazer com aquilo.

O partido que controlou a inflação e estabilizou a moeda com o Plano Real, e governou o país por oito anos, está se embrenhando cada vez mais num labirinto de problemas.

Aylê-Salassié F. Quintão* - Com ou sem Ministério do Trabalho, é tudo muito explosivo

Parece mentira. Passo com frequência   à frente do Ministério do Trabalho. A última vez que entrei lá foi no governo Médici (anos 70). O ministro era o amazonense Júlio Barata. Ele me prendeu numa conversa durante cerca de quatro horas. Foi nos servido uns dez cafezinhos.  Saí sem uma linha de notícia. Perdi a tarde toda.  Ele queria conversar sobre meus estudos na universidade, sobre a imprensa, sobre aventuras de viagem pelo exterior. Contava-me longas histórias. Aparentemente, ele não tinha nada para fazer, nem o que dizer. Era o plantonista.

Fiquei pensando, mas este não pode ser o mesmo ministério do Trabalho que amparou as obstinadas lutas políticas nos tempos de   Getúlio Vargas e de João Goulart. Por ali passaram figuras   expressivas como Lindolfo Collor, José Segadas Viana, Agamenon Magalhães, João Goulart, Franco Montoro, Almino Afonso, Jarbas Passarinho, Paulo de Tarso. Eram quase "imexíveis", no dizer de outro ministro do Trabalho, saído do sindicalismo, Antonio Magri, a primeira experiência de se entregar do Ministério aos sindicalistas: um fracasso. Depois foram feitas outras tentativas.

Todos políticos, todos enfrentaram   desafios no interior do Estado e nas ruas as grandes mobilizações sindicais, que colocavam os governantes   na contramão da História do Brasil. Lindolfo Color foi o criador do ministério, em 1930, e o fez, com sucesso, inspirado no modelo de controle corporativo fascista do italiano Mussolini, confrontando-se com o comunismo (1922) que se expandia no Brasil em moldes mais modestos, sob forte repressão.

Acobertada por um cenário autoritário e nacionalista, a ideologia corporativista disseminou-se rápido. Sobrevive...  A sociedade deveria se organizar através de grupos corporativos, cada qual fundado com base em interesses comuns: trabalhadores, empresários, militares, agricultores, etc. Segundo essa ideologia, caberia ao Estado mediar os conflitos entre as corporações.

O que a mídia pensa - Editoriais /Opiniões

EDITORIAIS

Fracasso das prévias do PSDB é trágico para a democracia

O Globo

É difícil encontrar palavras publicáveis para descrever o que ocorreu neste domingo nas prévias do PSDB. Papelão, vergonha ou incompetência são termos fracos, dados a relevância da iniciativa para a democracia brasileira e o papel de protagonista que o PSDB já teve na história recente. O fracasso traduz de modo trágico uma das maiores mazelas do Brasil: a distância entre as exigências de um mundo e de uma economia a cada dia mais dependentes de conhecimento técnico e a ignorância dos líderes que tomam decisões sobre temas essenciais para o êxito de suas empreitadas.

Um partido que fala em políticas públicas baseadas em evidências, que tenta fugir a rótulos ideológicos defendendo o diálogo, que quer ser a via do meio entre os extremos, que tem vínculos históricos com o meio intelectual e acadêmico e que deveria, por isso, estar na vanguarda, esse mesmo partido se revela incapaz de cumprir o item mais básico da atividade partidária: uma votação para resolver sem sobressalto a disputa interna. Que moral resta agora para reclamar de alquimias econômicas do PT ou do desprezo pela ciência e pelo conhecimento no governo Bolsonaro?

É preciso entender que não existe dificuldade técnica nenhuma em desenvolver um sistema de apuração de votos confiável, robusto e auditável. Uma eleição em que algo como 45 mil votantes têm de escolher entre três alternativas é, do ponto de vista computacional, um problema trivial, tamanha a capacidade de processamento e transmissão de dados disponível hoje.

Poesia | Manuel Bandeira - Pneumotórax

Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
— Respire.

— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.