domingo, 28 de novembro de 2021

Merval Pereira - Espaço para a terceira via

O Globo

Com a disputa pela presidência da República em processo acelerado, que começou na verdade há mais tempo, provocado pelo próprio Bolsonaro, que ganhou a eleição prometendo acabar com a reeleição e saiu das urnas já candidato a ela, é importante ter um olho no futuro para avaliar os diversos cenários em que nos moveremos  daqui a um ano.

O lançamento da candidatura do ex-juiz Sérgio Moro tendo dado uma chacoalhada em uma disputa que já se tinha como certa a polarização final entre Bolsonaro e Lula, fica-se agora à espera da possibilidade de união no PSDB mesmo depois de prévias conturbadas para que um novo quadro eleitoral se desenhe.

O economista Cláudio Porto, fundador da Macroplan, consultoria especializada em estratégia e análises prospectivas, saiu a campo para testar a temperatura,  avaliar incertezas e as tendências delas derivadas. Realizou uma sondagem de expectativas junto a 250 integrantes das redes da empresa no período de 9 a 16 de novembro: uma amostra não aleatória de executivos, políticos, gestores, acadêmicos e especialistas dos setores privado, público e do 3º setor de todo o Brasil.

Bernardo Mello Franco - Bolsonaro prepara fuga em 2022

O Globo

O capitão avisou: só vai aos debates em 2022 se os adversários aceitarem suas condições. “É para falar sobre o meu mandato. Até a minha vida particular, fique à vontade. Mas que não entre em coisas de família, de amigos, porque vai ser algo que não vai levar a lugar nenhum”, disse.

“Tenho quatro anos de mandato para mostrar o que fiz”, prosseguiu. “Agora, eu não posso aceitar provocação, coisas pessoais, porque daí você foge da finalidade de um bom debate”, encerrou.

Pelas regras expostas na quinta-feira, Jair Bolsonaro não poderá ser questionado sobre o vaivém de dinheiro no gabinete do filho Zero Um. “Coisas de família”, incluindo os depósitos de R$ 89 mil para a primeira-dama. Também ficam proibidas perguntas sobre o gabinete do ódio e a indústria das fake news, que puseram o Zero Dois e o Zero Três na mira da polícia.

Elio Gaspari - Os saltos altos do PT

O Globo / Folha de S. Paulo

O PT subiu num salto alto à sua maneira. Num pé, calçou um modelo Sabrina; noutro, um Stiletto. Como eles têm alturas diferentes, incomodam pouco quem joga sentado, mas atrapalham, e muito, quem tiver que se mover numa campanha eleitoral.

Em menos de um mês, o comissariado se amarrou numa incompreensível, porém deliberada, defesa de regimes ditatoriais ditos de esquerda. Primeiro, um comissário saudou a vitória de Daniel Ortega numa eleição que lhe rendeu o quarto mandato à custa da prisão de postulantes. A presidente do PT disse que o festejo não havia passado pelo crivo da direção. Passaram-se semanas, e Lula foi confrontado pelo caso nicaraguense por duas entrevistadoras do jornal “El País”. Numa resposta marota de palanque, bateu no cravo e acertou Ortega defendendo a alternância dos governantes no poder. Na ferradura, lembrou que Angela Merkel ficou 16 anos no poder. Adiante, repetiu o truque ao dizer que a democracia em Cuba depende do fim do bloqueio econômico dos Estados Unidos. Nenhuma das duas coisas tem a ver com a outra.

Nosso Guia foi prejudicado pela retórica de que se vale nos discursos. As repórteres Pepa Bueno e Lucía Abellán, contudo, eram entrevistadoras.

Luiz Carlos Azedo - Bolsonaro, o cisne negro na política brasileira

Correio Braziliense/ Estado de Minas

Beneficia-se do fato de que qualquer Governo é a forma mais concentrada de Poder: arrecada, normatiza e coage. E usa em benefício próprio a mão pesada do Estado, no limite de suas possibilidades

O escritor Nassim Nicholas Taleb é um libanês que resolveu escrever sobre probabilidades e incertezas após deixar o emprego de “trader” de derivativos na Bolsa de Chicago. Seu livro A lógica do Cisne Negro (Best Seller) faz muito sucesso entre os executivos, porque trata de eventos raros e da necessidade de estar preparado para lidar com eles. O título do livro decorre do fato de que todos os cisnes eram brancos, até a “descoberta” da Austrália. A novidade do cisne negro foi uma demonstração da fragilidade do conhecimento humano. O presidente Jair Bolsonaro é um cisne negro na política brasileira. Sua eleição era altamente improvável, mas aconteceu. O mesmo ainda pode se repetir em 2022.

O Cisne Negro existia, antes de ele ter sido visto pela primeira vez por um explorador do Ocidente. Taleb destaca que eventos dessa ordem ocorrem com muito mais frequência, mas não estamos preparados para percebê-los. Depois que tomamos conhecimentos deles, buscamos explicações que muitas vezes são fantasiosas, porque isso é melhor do que admitir que não estamos entendendo nada. Nossas opiniões formadas sobre tudo, como diz a canção, nos impedem de compreender o que contraria aquilo em que acreditávamos.

Doria vence prévias, prega união no PSDB e pede ajuda a outros partidos


Após processo tumultuado, governador de SP obtém 54% dos votos; desafio agora é pacificar o partido e buscar consenso na terceira via

O Estado de S. Paulo

Ao final de um processo tumultuado, com muitas disputas internas e problemas no aplicativo de votação, o governador de São Paulo, João Doria, venceu as prévias tucanas para a escolha do pré-candidato do PSDB à Presidência. Doria obteve 53,99% dos cerca de 30 mil votos, superando o governador gaúcho Eduardo Leite (44,66%) e o ex-senador amazonense Arthur Virgílio (1,35%). Agora, Doria tentará unir o PSDB e se viabilizar como alternativa eleitoral para 2022.

Após uma disputa interna acirrada e problemas técnicos no aplicativo de votação, o governador de São Paulo, João Doria, saiu vencedor ontem das prévias para a escolha do pré-candidato do PSDB à Presidência em 2022. Em seu discurso após o resultado, Doria pregou a união interna do partido e pediu ajuda das demais siglas de centro para a “consolidação” de um “melhor projeto” para o Brasil. “Ninguém faz nada sozinho. Precisaremos da ajuda de todos. Da união do Brasil. Da união do PSDB. Da união com outros líderes e partidos”, afirmou.

Eliane Cantanhêde – Todo mundo blefando

O Estado de S. Paulo

PL leal, PSDB unido, Lula inocentado, Moro não é “Bolsonaro de 2022”. Será?

A um ano das eleições, com os pré-candidatos em busca de um lugar ao sol, há uma profusão de blefes por todos os lados. É hora de ouvir, mas não de acreditar no que eles dizem e no que os partidos anunciam como líquido e certo.

O presidente Jair Bolsonaro anuncia que o PL vai fazer alianças com partidos de esquerda, o ex-presidente Lula diz que a Lava Jato nunca existiu e que ele foi inocentado, Sérgio Moro nega que seja “o Bolsonaro de 2022”, Ciro Gomes jura que vai até o fim.

No segundo pelotão, João Doria, Eduardo Leite e Arthur Virgílio fizeram juras de amor eterno. Rodrigo Pacheco e Simone Tebet se apresentam como candidatos para valer. E Luiz Henrique Mandetta avisa que não desistiu. Será?

Bruno Boghossian – ‘Uma bomba prestes a explodir'

Folha de S. Paulo

Preço das passagens pode se tornar um problema político anabolizado nos próximos meses

As tarifas de ônibus podem se tornar um problema político anabolizado nos próximos meses. Prefeitos dizem que será preciso fazer um aumento significativo no preço das passagens se não for possível encontrar uma fonte para subsidiar o transporte público. Nas palavras de um deles, a questão se tornou "uma bomba prestes a explodir".

Municípios estimam que o reajuste de tarifas necessário para cobrir o aumento de custos dos sistemas de ônibus é de 10% –o que representa bem mais do que os R$ 0,20 que azedaram humores e levaram aos protestos de junho de 2013.

O aumento só não sai se o governo federal liberar um pacote bilionário para amortecer a alta no preço do diesel e outros gastos. Autoridades locais trabalham com o reajuste como plano A porque ainda não viram boa vontade de Jair Bolsonaro para abrir o cofre. De olho na reeleição, o presidente já comprometeu o Orçamento com outras despesas.

Janio de Freitas -Mais tumulto na bagunça geral

Folha de S. Paulo

Trio Aras-Lira-Pacheco repele a seriedade, mas não pelo humor

A desordem vai aumentar. É uma tática para proteger os alvos de pedido de indiciamento na CPI da Covid e os congressistas comprados por Bolsonaro, com verbas do Orçamento nacional, para a aprovação inicial do projeto dos Precatórios, ou do Calote.

Assim os negócios e os negocistas da corrupção financeira e do homicídio social, na pandemia, juntam-se à bandidagem parlamentar para impor a primazia do banditismo oficial e oficioso.

Tal como os seus êmulos Três Irmãos Metralha, Três Patetas e Três Irmãos Marx, o trio Augusto Aras, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco repele a seriedade, embora incapaz de fazê-lo pelo humor. E transforma a Procuradoria-Geral da República e as presidências da Câmara e do Senado no seu inverso. Querem seus gabinetes passados de postos do interesse público a covis de tramas.

Augusto Aras não confirmou o presumido arquivamento da CPI da Covid. Retalhou o relatório. No final da semana, distribuiu os dez primeiros retalhos, em porções diferentes, entre seis ministros do Supremo. Para cada um decidir se dali se segue investigação, processo e arquivamento.

Vinicius Torres Freire - Como evitar a desgraça da ômicron

Folha de S. Paulo

É preciso tomar o mesmo cuidado que ora causa tédio: vacina, máscara, passaporte

No Brasil e no mundo quase inteiro, a epidemia começou com a chegada de um punhado de viajantes infectados. Com exceção de casos raros imunológicos, a população era indefesa contra o coronavírus. Não havia barreiras além de máscaras e restrições de movimento ou aglomerações.

Quando a variante ômicron chegar, vai encontrar uma paisagem biológica muito diferente. Mais de 62% da população brasileira está completamente vacinada. Cerca de 75% tomaram a dose 1, e parte dessas pessoas pode ter "completado" sua imunização por ter sido também infectada.

Parece um motivo para ficarmos menos intranquilos. Só parece.

Suponha-se que o bicho novo drible a vacina. Quantos visitantes infectados podem nos trazer esse coronavírus supermutante? Poucos. Mas meia dúzia deles pode trazer a desgraça.

Míriam Leitão - A nova variante e o presidente invariável

O Globo

A economia está operando no modo pânico em era de incerteza. É isso que se viu na sexta-feira mais uma vez. A nova variante Ômicrom produziu um episódio de alteração de todos os preços de ativos, uma volatilidade extrema, que sempre afasta o capital dos destinos de maiores riscos. O país já vem em crise, desorganizado, indo para a estagnação e com um presidente cuja capacidade de perturbação social aumenta nas fases mais agudas da crise. Quanto pior o momento, mais Bolsonaro erra.

A maneira rápida e aguda com que os mercados reagiram no mundo inteiro mostra o grau de instabilidade global. O mundo está, quase dois anos depois do início da pandemia da Covid-19, com os nervos à flor da pele, com as cadeias produtivas desorganizadas, e os preços fora do lugar. Maiores informações sobre uma nova supervariante, com capacidade maior de mutação, podem levar à reversão do episódio da sexta-feira. Mas que ninguém se engane, a crise se aprofundou um pouco mais com a chegada da nova versão do coronavírus.

José Roberto Mendonça de Barros - Estagnação, inflação e desorganização

O Estado de S. Paulo

Com o desmonte das regras fiscais, o crescimento populista dos gastos será a tônica de 2022

Não existem mais dúvidas: os dados recentes mostram que o próximo ano será marcado por estagnação, inflação acima da meta, mais uma vez, e uma enorme desorganização das regras fiscais federais.

As projeções recentes do PIB estão convergindo para um número próximo de 0,5%. Alguns poucos mais otimistas ainda trabalham com um número levemente superior a 1%. Só o governo trabalha com mais de 2% de crescimento para 2022.

O ministro da Economia insiste em dizer que o mercado vai errar novamente, assim como errou no ano passado, quando projetou queda de 9%, ante o -4,1% estimado pelo IBGE. Entretanto, a observação do ministro é falsa: no final de agosto de 2020, quando o auxílio emergencial atingia mais de 60 milhões de pessoas, a projeção do Boletim Focus era de uma queda de 5,4% e a da MB, de 4,8%, não muito distante da real.

No que tange à inflação, também existe uma grande convergência nos números: projeta-se um crescimento do IPCA entre 4,5 e 5%.

Rolf Kuntz - Combate à pobreza e plano de governo

O Estado de S. Paulo

Honestidade é obrigação, não é programa. Candidato deve dizer como fará o País crescer e ser mais justo

Fizeram piada quando um político, por descuido ou coragem, repetiu num discurso, há alguns anos, uma das joias da chamada sabedoria popular: é melhor ser rico e saudável do que pobre e doente. Típica de para-choque de caminhão, a frase pode ser um lugar-comum, mas é também uma dura descrição de um país onde cerca de 100 milhões de pessoas, quase 50% da população, vivem sem coleta de esgoto. A oferta de água tratada é mais ampla, mas carecem desse atendimento cerca de 35 milhões de habitantes. Destes, 5,5 milhões vivem nas cem maiores cidades. Esses números, do Instituto Trata Brasil, foram publicados em março e remetem, obviamente, à distribuição individual e regional da renda e da riqueza. Segundo o Atlas de Saneamento, recémeditado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), só 60,3% dos municípios tinham coleta de esgoto em 2017.

Também a inflação prejudica mais os pobres. Nos 12 meses até outubro, os preços ao consumidor subiram 11,39% para as famílias de renda muito baixa, 11,13% para as de renda baixa, 9,76% para as de renda média alta e 9,32% para as da faixa mais alta, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). No estrato mais pobre, a renda mensal domiciliar correspondeu a R$ 1.808,79 em junho de 2021. No grupo mais abonado, superou R$ 17.764,49. Além de ser frequentemente mais elevada para os mais carentes, a inflação é especialmente penosa para esses consumidores quando a alta de preços, como tem ocorrido, envolve itens como alimentos, eletricidade e gás de cozinha.

Arminio Fraga - Hora de apostar no eleitorado

Folha de S. Paulo

Os candidatos precisam explicitar prioridades e respostas claras

O Brasil precisa encontrar um caminho de crescimento inclusivo. Em tese, um país como o nosso, de escolaridade relativamente baixa, desigual, que investe pouco e regularmente vive crises macroeconômicas, deveria ter muito espaço para crescer de forma acelerada, acumulando capital institucional, social, humano, físico e de ideias. Seria um processo que os estudiosos denominam de convergência (aos padrões de vida dos países avançados).

Nos idos de 1987 o economista Lant Prichtet publicou no prestigioso Journal of Economic Perspectives um artigo bastante badalado dizendo que, nos países emergentes, "Divergência é o que se vê" (minha bem livre tradução). Faltavam instituições e sistemas políticos capazes de tomar decisões voltadas para o bem-estar da sociedade como um todo. Faltavam bons líderes também, claro. Países deveriam aprender a evitar caminhos que sistematicamente dão errado, mas tal não parecia ocorrer (nós que o digamos).

O que a mídia pensa - Editoriais

EDITORIAIS

A ‘maldade’ do ‘mundo político’

O Estado de S. Paulo

Ao falar mal do mundo político, governo Bolsonaro fala mal de si mesmo

Não é de hoje que a seara política é vista de forma pejorativa, marcada por interesses e práticas escusas. Com os escândalos do mensalão e do petrolão, entre outros, o PT reforçou a péssima imagem da política. Nesse processo, a mensagem que se difundiu com a Lava Jato – de que a política estaria irremediavelmente podre – também contribuiu para consolidar uma percepção negativa sobre a atividade política.

Tudo isso fez com que ser de fora da política – ou ser assim percebido pela população – se tornasse poderoso ativo eleitoral. Por exemplo, na eleição municipal de 2016, quando foi eleito no primeiro turno, João Doria valeu-se intensamente do atributo de outsider da política. O mesmo fez Jair Bolsonaro, na eleição presidencial de 2018. Ignorando sua longa trajetória parlamentar – era deputado federal desde 1991 –, o então candidato do PSL apresentou-se como o militar que vinha salvar a política.

Pouco resta agora das promessas da campanha. Ao longo do governo, Jair Bolsonaro assumiu uma feição mais alinhada com sua trajetória política: a do populista que só pensa em eleições. No entanto, a despeito dessa nova postura, continua havendo, no governo Bolsonaro e em seu entorno, uma retórica de distanciamento da política, tratada sempre de forma pejorativa. Tal abordagem é especialmente presente nas falas do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Poesia | João Cabral de Melo Neto - Catar feijão

Catar feijão se limita com escrever:
Jogam-se os grãos na água do alguidar
E as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo;
pois catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

Ora, nesse catar feijão entra um risco,
o de que, entre os grãos pesados, entre
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com risco.