sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Fernando Gabeira: A passagem dos bárbaros

O Estado de S. Paulo

Fúria destruidora de Bolsonaro pode se acentuar este ano, na medida em que antevê sua derrota, com aliados saltando do barco

As pesquisas de opinião deste fim de ano revelam, entre outras, uma situação difícil para Bolsonaro. Ele é rejeitado pela maioria e é considerado o pior presidente da história por quase metade dos entrevistados. Tudo isso num momento em que o Chile se volta para a esquerda, como já se voltaram Argentina, Peru e Bolívia. Nas suas circunstâncias, Estados Unidos e Alemanha também mudaram e desenham um quadro desfavorável para a extrema direita.

Nesta virada de ano, existe uma esperança real de que Bolsonaro seja varrido do mapa. No entanto, há todo o ano de 2022 para carregar e nem todas as suas perspectivas parecem boas. O ano termina com mais uma batalha entre o negacionismo oficial e a ciência. Depois de negar a gravidade do vírus, o número de mortos, a importância da vacina, a vacinação de adolescentes, o passaporte sanitário, Bolsonaro bloqueia, com sua ignorância, a vacinação das crianças.

Com uma boa performance na imunização de seu povo, o Brasil conseguiu respirar um pouco no segundo semestre. Mas a pandemia não acabou. A variante Ômicron que atingiu a Europa e os Estados Unidos tem um grande poder de contaminação, embora, ao que tudo indica, não seja tão letal. Os últimos números na cidade de São Paulo indicam um crescimento de internações e a metrópole é uma referência para o Brasil, que, em algumas cidades, vive também um surto de influenza.

Vera Magalhães: Sob o domínio do descaso

O Globo

Há uma semana escrevi neste espaço, com prematuro alívio, que a vacina havia nos protegido de danos ainda maiores que Jair Bolsonaro poderia impingir ao país no trato da pandemia e que, graças a ela, era possível vislumbrar um fim para o pesadelo de dois anos que o Brasil e o mundo atravessam.

Não contava, mesmo com o retrospecto do presidente de turno e de seu estafe, que estaríamos para começar um novo calvário, em tudo semelhante ao de um ano atrás, para garantir que nossas crianças de 5 a 11 anos tenham acesso a essa mesma garantia de salvação.

Mesmo diante de todas as evidências científicas, aqui e lá fora, de que as vacinas foram responsáveis pela queda consistente nos casos de Covid-19 e de que, mesmo diante de mutações do vírus, estão contendo a incidência da forma grave da doença e dos óbitos, Bolsonaro insiste em boicotá-las e em dificultar o acesso da população a elas.

Bernardo Mello Franco: A falta que faz um presidente

O Globo

Depois que o Supremo Tribunal Federal proibiu o governo de ignorar o passaporte da vacina, Jair Bolsonaro encontrou outra forma de sabotar a saúde pública. Lançou uma cruzada contra a imunização de crianças, que já está avançada na Europa e nos Estados Unidos.

A Anvisa aprovou na semana passada a vacinação da faixa de 5 a 11 anos de idade. Em vez de comemorar a notícia, o presidente passou a atacar os técnicos da agência. Ameaçou divulgar seus nomes na internet, numa clara tentativa de intimidação.

Não satisfeito, o capitão inventou duas exigências para aplicar a vacina: autorização dos pais e receita médica. A primeira não faz sentido, porque as crianças não iriam sozinhas aos posto de saúde. A segunda pune as famílias mais pobres, que não têm um pediatra ao alcance do celular.

Federações terão que superar impasses regionais

Federações à vista: Partidos tentam superar impasses regionais e miram formação de federações já para a eleição de 2022

PT, PSOL, PV e Rede já aprovaram debate com outras siglas e buscam atrair PSB; PSDB e Cidadania vão retomar conversas em janeiro

Bianca Gomes e Gustavo Schmitt / O Globo

SÃO PAULO — A possibilidade de formar uma federação, instrumento que permite a dois ou mais partidos atuarem como um só por quatro anos, deve mexer com as negociações para as eleições de 2022 nos próximos meses. As direções de PT, PSOL, PV e Rede aprovaram recentemente iniciar a discussão com diferentes siglas e buscam atrair também o PSB. Já PSDB e Cidadania têm conversas adiantadas. Impasses regionais, no entanto, ainda precisam ser superados para que as negociações se concretizem.

Regulamentada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no último dia 14, a federação permite que os partidos possam se unir sem precisarem recorrer à fusão, processo mais complexo, que envolve a criação de uma nova sigla, como o União Brasil, que deve surgir da integração de DEM e PSL.

Legendas menores veem no instrumento a chance de manter acesso ao dinheiro do fundo partidário. Essas siglas foram atingidas pela cláusula de barreira, adotada em 2018 para limitar repasses a partidos que não conseguirem um mínimo de votos. Já as siglas maiores aumentam o tempo de propaganda na TV e podem ganhar puxadores de voto na disputa pelo Legislativo.

Por outro lado, o número total de candidatos de cada partido numa federação tende a ser menor, segundo Michel Bertoni, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político:

— A federação pode lançar o mesmo número de candidatos nas eleições proporcionais que cada partido poderia lançar isoladamente. Assim, terá de haver muito critério na composição das listas proporcionais — afirma.

Vinicius Torres Freire: Destruição dos últimos dias de 2021

Folha de S. Paulo

Mesmo vadiando mais, governo estraga vacinação, Orçamento e apanha de hackers

A véspera de Natal e as antevésperas de outras festas seriam dias para falar de outro assunto ou de meditação. Mas somos perseguidos pelos demônios, muitos soltos ou definitivamente desavergonhados desde 2018. Desculpem os maus modos neste dia, em que as notícias de ruína continuam.

Jair Bolsonaro tem passado os dias fazendo aquilo de que mais gosta: nada e vociferando atrocidades, com seu esgar demoníaco e seu riso rábido. Apesar da laborfobia desavergonhada, é muito eficiente na destruição. Considerem as realizações de fim de ano.

Greve do funcionalismo.

elite da burocracia federal ameaça greve por aumento de salários e por causa do governo atroz. Não, não é momento de reajustar salários, ainda menos na elite do funcionalismo, pois o país anda arruinado e os salários médios nos empregos e trabalhos privados caem. Mas o pior vereador da história do Brasil, Bolsonaro, arrumou um reajuste para policiais federais, uma de suas "bases" eleitorais. Esse favor para amigos detonou a ira dos demais servidores.

Centenas de funcionários da Receita entregam cargos de chefia. Na Educação, muitos entregavam cargos por causa do programa de destruição do governo. No Ambiente, servidores decentes foram calados ou ignorados. Etc. A destruição toma corpo.

Herodes contra a vacina.

Jair Herodes Bolsonaro, seu capacho na Saúde e as falanges do bolsonarismo fazem o que podem para atrasar, desmoralizar e desacreditar a vacinação dos 20,5 milhões de crianças de 5 a 11 anos. Essa indecência ameaça não apenas as vidas e a saúde de meninas e meninos, mas de todos os seus cuidadores, mães, pais, avós, professores etc. Não há urgência, diz o tipo da Saúde. Enquanto isso, há notícias de repiques de Covid pelo país.

Bruno Boghossian: A econômica no retrovisor

Folha de S. Paulo

Em mau sinal para Bolsonaro, 65% dos brasileiros dizem que situação piorou nos últimos meses

Após quase dois anos de um justificado pessimismo, as expectativas econômicas dos brasileiros voltaram ao nível pré-pandemia. Na última pesquisa do Datafolha, 46% dos entrevistados disseram esperar um aumento da inflação, e 35% responderam que o desemprego deve subir. É bem menos que os quase 80% da fase aguda da crise.

Esse alívio mexeu pouco no cenário político. Quem mais mudou de ideia sobre o futuro da economia foram os mais pobres: nesse grupo, o percentual de eleitores que diziam que a situação do país vai melhorar subiu de 27%, em setembro, para 43%. No mesmo período, a popularidade de Jair Bolsonaro nesse segmento continuou no chão (17%), e as intenções de voto caíram (de 20% para 16%).

Hélio Schwartsmen: Covid-19 está se tornando endêmica

Folha de S. Paulo

É mais fácil prever o que vai acontecer no longo prazo do que no curto

ômicron já está entre nós e se espalha rápido. O impacto que ela terá em termos de morbimortalidade ainda é incerto. Curiosamente, é mais fácil prever o que vai acontecer no longo prazo do que no curto.

Em mais dois ou três anos, a Covid-19 deverá ser uma doença endêmica. São dois os mecanismos que podem fazer com que isso ocorra. O mais polêmico deles é redução da patogenicidade do vírus. Na prancheta dos biólogos, doenças cujo vetor de transmissão seja humano podem sofrer pressão seletiva para tornar-se menos virulentas. Num contexto em que diferentes cepas de um patógeno disputam a mesma população, leva vantagem competitiva, tudo o mais constante, aquela que provoca quadros menos graves, que permitam ao vetor continuar circulando e disseminando a moléstia.

Ruy Castro: A festa dos Bolsonaros

Folha de S. Paulo

Nada que cheira a podre neste governo acontece só por ideologia. Envolve também muito dinheiro

Neste Natal, ninguém desejará boas festas a Jair Bolsonaro e aos seus. Eles não precisam. Já estão festejando desde que seu líder sentou-se na cadeira em 2019 e, para gáudio dos papalvos, anunciou o fim da mamata. Três anos depois, as mamatas abundam e para todos os gostos —algumas escandalosas, baratinhas; outras fora do radar, mas de bilhões.

No primeiro grupo, está o uso que os Bolsonaros, seus ministros, aliados e amigos fazem dos aviões da FAB (Força Aérea Brasileira) para fins turísticos. É um festival de pândegas em resorts, ilhas e praias, envolvendo lanchas, jet skis, cavalos e outros luxos, com pilotos, gasolina e manutenção pagos por você. No ano passado, no auge da pandemia, o filho 01 levou a família para um hotel na praia de Taíba, no Ceará, com diárias a partir de R$ 3.500. Foi aquela viagem em que, ao tirar um fino de um banhista na areia, 01 capotou com seu quadriciclo e esbodegou ombro e omoplata.

Flávia Oliveira - Um Natal carioca

O Globo

O Rio de Janeiro inteiro na quadra do Império Serrano. Aconteceu no domingo, o último antes do Natal 2021, pelas mãos de Carla Aniceto, presidente do Instituto Sol, organização que assiste famílias da comunidade Buriti-Congonha, em Madureira, Zona Norte carioca, uma das capitais do samba na cidade. A temporada de pandemia escancarou desigualdades, catapultou o desemprego, multiplicou a miséria. Mas não matou a festa. Professora, conselheira tutelar, integrante do clã de Aniceto do Império (1912-1993), um dos fundadores da tradicional escola de samba da Serrinha, foi ela que idealizou a ação de apadrinhamento social para oferecer roupa e calçado e brinquedo a 105 crianças e adolescentes do morro.

No Sol, Carla atende com parceiras e voluntários duas centenas de meninas e meninos. Oferecem psicoterapia, exames de vista, orientação sobre primeiros socorros, aulas de capoeira e maquiagem. Desde novembro, a organização abriga uma biblioteca comunitária que leva o nome da jornalista que vos escreve. Para o Natal, a neta de José Aniceto, primo do sambista, estivador e líder do Sindicato dos Arrumadores, tinha ajuda para 51 crianças. Pela rede social, pediu socorro. De uma legião de amigos, surgiram madrinhas e padrinhos para todos os pequenos, de 5 meses a 14 anos.

Pedro Doria: O Brasil está sendo atacado

O Globo

É Natal e deveríamos poder falar de temas mais leves. Mas alguém viu aí Lula ou Geraldo Alckmin falando sobre segurança digital? Talvez Sergio Moro? Ciro Gomes ou João Doria? O governo de Jair Bolsonaro, nós já sabemos, não tem ideia a respeito do assunto. E, no tempo do comércio eletrônico, na antevéspera de Natal, quem precisou rastrear uma encomenda pelo site dos Correios não pôde. Você precisa saber se tem de dar um pulo com urgência numa loja para comprar o que não chegará em tempo? A informação não existe, houve mais um ataque hacker. O colapso digital do Ministério da Saúde está a caminho da terceira semana, e o desastre segue. Enquanto isso, o presidente cortou a verba de investimento em tecnologia da Receita Federal para dar um aumento às polícias. Que ideia excelente.

Se não está ainda claro, deveria: o Estado brasileiro está sob ataque de um grupo hacker.

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS:

Queiroga frustrou esperança de gestão técnica na Saúde

O Globo

A chegada do médico Marcelo Queiroga ao Ministério da Saúde, em 23 de março, foi vista com alento, após a gestão desastrosa do general Eduardo Pazuello. Questionado sobre sua política à frente da pasta, Queiroga, presidente licenciado da Sociedade Brasileira de Cardiologia, foi direto: “A política é do governo Bolsonaro, e não do ministro da Saúde. O ministro a executa”. Embora não tivesse o mesmo impacto da subserviente declaração de seu antecessor (“Um manda, e o outro obedece”), não se imaginava que o sentido da frase fosse tão literal.

Não chega a ser novidade a falta de autonomia dos ministros da Saúde de Bolsonaro. Luiz Henrique Mandetta e seu sucessor, Nelson Teich, deixaram o governo por não aceitar a interferência do presidente na pasta, em especial a pressão para uso da cloroquina no tratamento da Covid-19, quando estudos científicos comprovavam que o medicamento era ineficaz contra a doença e podia causar efeitos adversos graves. Mandetta — que expôs as vísceras dos desmandos de Bolsonaro no livro “Um paciente chamado Brasil” — e Teich tinham uma biografia por que zelar.

É verdade que Queiroga assumiu em cenário de terra arrasada. No dia de sua posse, o Brasil registrou 3.158 mortes em 24 horas (hoje são menos de 200). A campanha de imunização, iniciada de forma trôpega, era um caos, com falta de vacinas e negociações espúrias para compra de doses. Queiroga acertadamente elegeu a vacinação como prioridade, a despeito da campanha de desinformação tocada por Bolsonaro.