sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Assis Moreira: Reforma trabalhista e a eleição na OIT

Valor Econômico

Governo de Jair Bolsonaro tende a apoiar um candidato mais identificado com os empregadores

Ao mesmo tempo em que o PT quer discutir a reforma trabalhista na campanha presidencial, o governo de Jair Bolsonaro tende a apoiar um candidato mais identificado com os empregadores para a direção-geral da Organização Internacional do Trabalho (OI) em eleição no dia 25 de março, em Genebra.

A OIT tem quatro objetivos estratégicos: promover e aplicar princípios e direitos fundamentais do trabalho; aumentar as possibilidades para homens e mulheres de obter um emprego decente; ampliar o benefício e eficácia de proteção social para todos; e reforçar o diálogo social. É a única instituição “tripartite” das Nações Unidas, ou seja, suas normas do trabalho, suas políticas e programas são elaboradas conjuntamente por representantes de governos, de empregadores e de trabalhadores.

Essa eleição ocorre em meio a grandes incertezas causadas pelo coronavírus e pelas mudanças nos sistemas econômicos resultantes das alterações climáticas, transformação tecnológica de alta velocidade e questionamentos quanto o impacto sobre o futuro do trabalho.

Há cinco candidatos para suceder o britânico Guy Ryder, de origem sindical e na direção da OIT desde 2012. Eles vêm da África do Sul, Togo, França, Austrália e Coreia do Sul. Para ser eleito, o candidato precisa receber mais da metade dos votos do conselho de administração, composto por 56 membros (28 governos, 14 empregadores e 14 trabalhadores).

O sul-africano Mthunzi Perry-Mason Mdwaba foi porta-voz dos trabalhadores por quatro anos na OIT. A África do Sul lançou inicialmente sua candidatura, mas a “revogou’” repentinamente em outubro sem dar explicações. A imprensa sul-africana atribuiu a reviravolta a queixas de alguns ministros de que o candidato seria “antitrabalhador e arrogante’”. Sua candidatura acabou endossada por Lesoto e Maláui e por alguns empregadores.

É precisamente no candidato Mdwaba que o governo Bolsonaro mostra-se propenso a votar inicialmente, conforme relatos na cena multilateral. Ele é identificado com posições muito mais próximas daquelas do governo atual, incluindo menos direitos formais e um mercado de trabalho mais flexível. A avaliação é que o Ministério do Trabalho o vê como uma resistência a uma organização considerada exageradamente pró-trabalhador e que teria “birra” com o Brasil por causa da reforma trabalhista feita pelo governo de Michel Temer.

As chances de Mdwaba são, porém, consideradas modestas. Além de fragilizado sem apoio de seu próprio país, nunca um representante dos empregadores ganhou a direção da OIT. Se ele for eliminado nas primeiras rodadas de votação, o governo Bolsonaro ficará numa situação incômoda para apostar num dos dois candidatos dados como tendo mais chances de ganhar. O primeiro é Gilberto Houngbo, do Togo, que esteve nesta semana no Brasil em busca de apoio, considerado mais progressista e não indiferente aos sindicalistas. O outro é a candidata da França, Muriel Pénicaud, que foi ministra do Trabalho durante os três primeiros anos do governo de Emmanuel Macron. Ela levou adiante a reforma do Código do Trabalho em 2017 e a lei “pela liberdade de escolher seu futuro profissional” em 2018.

Com Pénicoud, a França diz “defender uma visão ambiciosa do papel da organização para a construção de um novo contrato social essencial à regulação mundial”. O que complica para ela conseguir voto de Brasília é que Bolsonaro não quer nem ouvir em apoiar alguém que venha do círculo de influência de Macron.

Pelo que sinaliza o PT, as leis trabalhistas serão tema importante no debate eleitoral. Ter uma liderança na OIT alinhada com uma certa visão do mundo do trabalho pode ajudar na pressão sobre os desdobramentos da reforma trabalhista no Brasil. A posição do diretor-geral influencia, sim, na Comissão de Aplicação de Normas da entidade. Mas Antonio Lisboa, da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e membro alterno do conselho de administração da OIT no grupo dos trabalhadores, reconhece que essa influência tem limites, porque governos, trabalhadores e empregadores têm liberdade para definir quais os temas que serão tratados anualmente.

O fato é que, desde 2017, o Brasil tem estado mais em evidência na OIT. O país foi colocado na lista de países supostamente violadores de direitos trabalhistas, depois de queixa de centrais de redução de direitos dos trabalhadores com a reforma feita por Temer.

Com Bolsonaro no governo, as denúncias aumentaram contra o país na Comissão de Aplicação de Normas da entidade. Sindicatos questionaram ou continuaram a questionar a aplicação pelo governo de várias convenções internacionais: a 98, sobre sindicalização e negociação coletiva; a 11, de direito de sindicalização na agricultura; a 135, de proteção de representantes sindicais; a 141, de organizações de trabalhadores rurais; a 144, de consultas tripartites sobre normas internacionais do trabalho; a 151, de relações de trabalho no serviço público; a 154, de fomento à negociação coletiva; a 155, sobre igualdade de oportunidades e tratamento para homens e mulheres trabalhadores; a 169, que trata dos direitos de povos originários (nações indígenas, quilombolas); e a 189, sobre trabalhadores domésticos.

Lisboa sinaliza que vai continuar denunciando na OIT “os efeitos nocivos da reforma trabalhista brasileira, especialmente quando o governo pretende fragilizar ainda mais as relações de trabalho e o diálogo social no país”. Diz esperar que a próxima liderança da entidade, independentemente de quem seja, consiga tratar com equilíbrio os temas na agenda, incluindo a reforma trabalhista “que é do interesse não só dos trabalhadores do Brasil, mas também do mundo inteiro, porque ela é uma referência do que não deve ser feito em termos de relações trabalhistas”.

Já para o representante dos empregadores brasileiros nas discussões na OIT, Alexandre Furlan, a reforma trabalhista “não pode voltar à pauta do jeito que querem de forma nenhuma. Ela tem de avançar, estamos hoje em outra época, outro padrão”. E acrescenta: “Eu não me permito nem pensar em retrocesso no que diz respeito à reforma trabalhista. O que faltou em termos de implementação foi que, com dois anos de vigência, veio uma pandemia que parou tudo”.

 

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