domingo, 9 de janeiro de 2022

Elio Gaspari: O lavajatismo contamina a eleição

Folha de S. Paulo / O Globo

Márcio França, que governou São Paulo em 2018 e é candidato ao cargo, foi a última vítima do lavajatismo, a variante espetaculosa e instrumental das iniciativas que combatem a corrupção na administração pública.

A Polícia Civil de São Paulo, autorizada pela Justiça, cumpriu mandados de busca e apreensão em 34 endereços de pelo menos seis cidades do estado. Alguns deles estavam “ligados” a França. O que significa “ligado”, não se sabe. A investigação, que corre em segredo de Justiça, seguiu a regra básica do lavajatismo, com vazamentos dosados e temperados com uma cifra: os acusados estavam metidos em operações que lesaram a Viúva em cerca de R$ 500 milhões, numa estimativa de dezembro, feita pela Corregedoria-Geral da Administração. (Isso tudo nos dias em que lembrou-se o primeiro aniversário da invasão do Capitólio, em Washington. De lá para cá, o Federal Bureau of Investigation prendeu centenas de pessoas sem espetáculo algum.)

A blitz foi um prolongamento da Operação Raio-X, iniciada em 2020. Ela investiga roubalheiras de Organizações Sociais metidas na rede de saúde, com suas conexões políticas. Serviço bem feito, ela operou sem espetáculos, cumpriu 327 mandados de busca, prendeu 64 pessoas, levou o Ministério Público a denunciar mais de 70 e permitiu a condenação de pelo menos 15 pessoas, uma delas a 104 anos de prisão. Tudo isso sem espetáculo, monitorando os investigados que destruíam documentos.

Até os esparadrapos dos hospitais sabem como funcionam, em vários estados, algumas dessas organizações sociais, às vezes com nomes de santos. No Rio, o ex-governador Wilson Witzel levantou o tema, mas teve pouca atenção. O lavajatismo poluiu a Operação Raio-X valendo-se de uma velha receita. Pega-se uma roubalheira documentada, cria-se o enredo da busca e apreensão, divulga-se uma cifra, e nesse guisado entra o nome de um político. No caso, entrou na roda Márcio França. Como governador, dias antes de deixar o cargo, ele aliviou o acusado que mais tarde veio a receber a condenação centenária. Para a polícia, surgiram “indícios veementes de um forte vínculo entre os dois”. Em dezembro, a polícia apresentou à Justiça um documento reservado de 212 páginas pedindo os mandados de busca. França é o principal personagem em mais de 50 dessas páginas. Cabe à Justiça decidir o valor dessas acusações. Fora daí, é lavajatismo.

Desde abril do ano passado, o Ministério Público paulista investiga, sem teatro, um irmão do governador. Ele tem empresas na rede de prestação de serviços de saúde e foi grampeado em diálogos impróprios, “estarrecedores”, na palavra da polícia. Esse foi o jogo jogado de uma operação bem-sucedida.

O lavajatismo é a doença senil do combate à corrupção e contaminou as atividades da República de Curitiba. Ela conseguiu 174 condenações, detonou o maior esquema de corrupção já descoberto na República. Foi manchada pela instrumentalização política e pela espetacularização de suas atividades.

Graças às investigações da Operação Raio-X, na primeira quinzena de dezembro a Justiça de Penápolis (SP) condenou 12 pessoas, entre elas o ex-secretário de Saúde do município a 21 anos de cadeia.

Serviço bem feito não precisa de coreografia. Num ano de eleições, será forte a tentação para instrumentalizar ações policiais. Elas acabam viciando a boa causa.

França com o cajado

Em 2018, quando governava São Paulo, o doutor Márcio França ensinou:

“As pessoas têm que entender que a farda deles (PMs) é sagrada, é a extensão da bandeira do estado de São Paulo. Se você ofender a farda, ofender a integralidade do policial, você está correndo risco de vida. É assim que tem que ser”.

Passado o tempo, encrencado com a Polícia Civil, França talvez tenha percebido que, com o cajado na mão, exagerou ao falar em “risco de vida”.

Johnson sabia tudo

Lyndon Johnson, presidente dos Estados Unidos de 1963 a 1969, foi um dos políticos mais espertos de seu tempo. Aqui vai uma de suas histórias preferidas:

Numa pequena cidade do Texas, o candidato a prefeito procura um amigo, diretor do jornal e, às vésperas da eleição, pede-lhe que publique a notícia de que seu rival foi visto mantendo relações sexuais com um animal.

Ele vai desmentir, diz o dono do jornal.

É exatamente isso que eu quero, responde o candidato.

O médico avisou

O médico Antônio Luiz Macedo recomendou ao paciente Jair Bolsonaro que caminhe mais e mastigue melhor. A ver.

Em setembro de 1982, o cardiologista americano que acompanhava a saúde do presidente João Figueiredo escreveu-lhe:

“O senhor pode estar cavando sua sepultura com o talher”.

Figueiredo não tomou jeito, e dez meses depois estava no centro cirúrgico de Cleveland, onde puseram-lhe uma ponte de safena e uma mamária.

Ele só foi para a sepultura em 1999, aos 81 anos.

Eremildo, o idiota

Eremildo é um idiota e odeia vacinas. Ele vai a Brasília para sugerir ao Ministério da Saúde que faça mais uma consulta pública. Nela, tentará descobrir quem acredita no que o doutor Marcelo Queiroga diz.

Bolsonaro e a morte

Em julho de 2020, quando a Covid havia matado 30 mil pessoas, João Moreira Salles escreveu um artigo intitulado “A morte e a morte”, no qual lidava com a relação de Jair Bolsonaro com o fim da vida alheia:

“O luto lhe é estranho. Publicamente, sua reação ao sofrimento alheio assume apenas duas formas: júbilo ou indiferença. É preciso reparar nisso para compreendê-lo.”

Quem não reparou, que reparasse. A esta altura, os leitores das folhas de chá das pesquisas eleitorais perceberam que a falta de empatia com a morte (dos outros) é a pedra mais pesada na mochila de sua rejeição.

Numa conta de padaria, estima-se que cada morto pela pandemia irradiou sofrimento para cem pessoas. Admitindo-se que metade desse bloco seja de eleitores, seriam 31 milhões de votos.

Boas notícias

Com tanta notícia ruim rodando por aí, passam despercebidas as boas.

Segundo o IBGE, entre 2019 e 2020, a pobreza brasileira caiu, na média, 1,8 ponto percentual. Em Sergipe, governado por Belivaldo Chagas Silva (PSD), a queda foi de 8,9 pontos. No Pará, de Helder Barbalho (MDB), a queda foi de 8,8 pontos. No Piauí, com Wellington Dias (PT), 6,7 pontos, e no Maranhão, de Flávio Dino (PSB), 5,6. (2021 veio para estragar.)

Canibais de salto

A autofagia petista voltou a atacar, e de salto alto. Há duas semanas, facções companheiras discutem a relevância de Dilma Rousseff na campanha eleitoral.

Há fortes argumentos para afastá-la dos holofotes, mas não é gentil diminuí-la, até porque ela leva sua vida em Porto Alegre sem incomodar os outros.

 

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